Brasil e Venezuela – a Democracia em Descompasso

June 2, 2017 | Autor: C. Pereira da Sil... | Categoria: International Relations, Emerging Economies, International Political Economy, Venezuela, Democracy, Mercosur/Mercosul, Organization of American States, História do Brasil, Brasil, Relaciones Internacionales, Economia Política, Democracia, Relações Internacionais, PROCESOS DE INTEGRACION, DEPENDENCIA EN AMERICA LATINA, ECONOMIA INTERNACIONAL, DELITOS TRASNACIONALES, DERECHOS HUMANOS, NEGOCIACION INTERNACIONAL, ETC., Unasur/Unasul, História da Política Externa Brasileira, Venezuelan Politics, Integración Latinoamericana, Integración Regional, Politics and International relations, Chávez y la política exterior de Venezuela, Politica Externa brasileira no governo lula, gramáticas políticas no Brasil, Estudos de Defesa, Defesa Estratégica, Segurança Estratégica, Segurança Externa, Segurança Interna, Segurança Pública, Gestão Estratégica Internacional, Sistema Interestatal, Guerras e Conflitos, Poder, Ciência Política, Sociologia, Antropologia., Diplomacy and international relations, Hugo Chávez, Relations Internationales, Integración Economica Regional America Latina, Democracia Participativa y Nueva Izquierda en Latinoamerica, Venezuelan Economy, Chavismo, Política no Brasil Governo Lula e Dilma, Mercosur/Mercosul, Organization of American States, História do Brasil, Brasil, Relaciones Internacionales, Economia Política, Democracia, Relações Internacionais, PROCESOS DE INTEGRACION, DEPENDENCIA EN AMERICA LATINA, ECONOMIA INTERNACIONAL, DELITOS TRASNACIONALES, DERECHOS HUMANOS, NEGOCIACION INTERNACIONAL, ETC., Unasur/Unasul, História da Política Externa Brasileira, Venezuelan Politics, Integración Latinoamericana, Integración Regional, Politics and International relations, Chávez y la política exterior de Venezuela, Politica Externa brasileira no governo lula, gramáticas políticas no Brasil, Estudos de Defesa, Defesa Estratégica, Segurança Estratégica, Segurança Externa, Segurança Interna, Segurança Pública, Gestão Estratégica Internacional, Sistema Interestatal, Guerras e Conflitos, Poder, Ciência Política, Sociologia, Antropologia., Diplomacy and international relations, Hugo Chávez, Relations Internationales, Integración Economica Regional America Latina, Democracia Participativa y Nueva Izquierda en Latinoamerica, Venezuelan Economy, Chavismo, Política no Brasil Governo Lula e Dilma
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Brasil e Venezuela – a Democracia em Descompasso Carlos Frederico Pereira da Silva Gama1 Publicado no SRZD em 23 de Junho de 2016 – http://www.sidneyrezende.com/noticia/264466 Em 1902, o governo do Brasil de Rodrigues Alves não se opôs à intervenção armada de Alemanha e Reino Unido na Venezuela – bloqueando cinco portos do país para a cobrança de dívidas. Nosso chanceler à época, o Barão do Rio Branco aquiesceu diante da “diplomacia das canhoneiras”. O Brasil da República Velha era uma potência de interesses limitados. Diante da ação de grandes potências europeias, reconhecia suas limitações e agia com cautela, baseando suas ações (ou omissões) em normas do direito internacional (que não vedava, à época, esse tipo de intervenção). Ligações com a Venezuela (e quase todos os vizinhos) eram distantes e precárias. O Brasil era, como eles, um país agroexportador. Concentrava atenções na obtenção de recursos externos para financiar a produção e exportação de café. O Reino Unido era nosso maior investidor desde a época da Independência. O presidente que antecedeu Alves, Campos Salles, acabara de obter um empréstimo para rolar a dívida externa brasileira (o “funding loan”) na City londrina. O Império Alemão era um investidor e mercado emergente. Ademais, antipatias entre Brasil e Venezuela vinham de longa data. O Brasil-Império boicotou o Congresso do Panamá organizado por Simón Bolívar em 1826 – uma das primeiras iniciativas de integração política no continente. Corte para 2016. Brasil e Venezuela passaram por várias mudanças, mas uma situação incômoda permanece entre os países. A interdependência entre os dois vizinhos aumentou. Ambos vivem crises econômicas e políticas prolongadas. No entanto, a crise venezuelana foi considerada de primeira magnitude pelos países da América. Já o Brasil – em crise e sob um governo provisório – é visto como parte da “solução”. Em situação pouco comum em seus quase 70 anos, a Organização dos Estados Americanos (OEA) se reúne no dia 23 de Junho para discutir a crise política na Venezuela e evitar sua piora – cenários de desastre aventados incluem guerra civil e a queda do presidente Nicolás Maduro (eleito em 2013). A “união” dos países da América busca evitar que a crise venezuelana se “espalhe” pelos vizinhos. E o Brasil se tornou peça-chave no quebra-cabeças da “união continental” para resolver a crise. 100 anos após as canhoneiras, em 2002, o presidente Fernando Henrique Cardoso repudiou o golpe civil que depôs o presidente venezuelano Hugo Chávez. Em flagrante contraste com o silêncio de 1902, a mobilização do Brasil foi decisiva para o malogro do golpe. No governo Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil encabeçou um grupo de países amigos da Venezuela que deu sustentação política ao país (não era um grupo pró-chavista chavismo: incluía os Estados Unidos de George W. Bush). A posição do Brasil mostrava solidariedade com um vizinho em crise e também era fruto de um cálculo pragmático. A economia venezuelana passava por período de grande crescimento oriundo das exportações de petróleo (a Venezuela é integrante da OPEP). Além do petróleo, Brasil e Venezuela se notabilizaram por sua oposição à integração econômica das Américas seguindo o modelo do NAFTA; foram decisivos para inviabilizar a proposta da ALCA no começo do século XXI. 1

Professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Tocantins (UFT)

Adicionalmente, ao buscar reviver Bolívar, Chávez se postou como alternativa às lideranças tradicionais na região (Brasil, Argentina e México). A aproximação do Brasil com a Venezuela foi medida na economia do petróleo e consolidada pelo investimento em instituições regionais. Primeiramente, na UNASUL, fundada em 2008 como alternativa à OEA (criada durante a Guerra Fria e associada com os EUA). Em seguida, a Venezuela se tornou membro do MERCOSUL num contexto turbulento. O Brasil de Rousseff encabeçou a suspensão do Paraguai do bloco em 2012, após o impeachment-relâmpago do presidente Fernando Lugo. O Paraguai se opunha à entrada da Venezuela. A criação da UNASUL e a movimentação brasileira pela entrada da Venezuela no MERCOSUL visavam esvaziar a ALBA (Aliança Bolivariana para as Américas), criada sob a égide de Chávez em 20042. Há exatamente um ano, em Julho de 2015, a visita de uma delegação de senadores oposicionistas brasileiros a Caracas (liderada pelo candidato derrotado nas eleições de 2014, Aécio Neves) marcou o primeiro revés na política externa do segundo governo de Dilma Rousseff3. A visita aumentou a visibilidade dos presos políticos na Venezuela e foi um instrumento de pressão considerável. Durante meses, Maduro se recusou a estipular a data de eleições legislativas (temeroso de uma derrota), a despeito de inúmeros pedidos do Brasil, OEA e UNASUL. Dias após a turbulenta visita dos oposicionistas brasileiros, Maduro marcou as eleições para Dezembro de 2015. A visita também trouxe arranhões para as relações bilaterais entre os dois governos. A Venezuela recusou a participação do ex-ministro brasileiro da Defesa Nélson Jobim na comitiva que iria verificar o caráter democrático das eleições legislativas. O Itamaraty emitiu dura declaração após o resultado das eleições, na qual a oposição a Maduro obteve o controle de dois terços do Parlamento. O Brasil explicitou que a vontade dos venezuelanos manifesta nas urnas devia ser respeitada. Em 2016, a oposição venezuelana propôs um referendo revogatório do mandato de Maduro – instituto previsto na constituição criada No governo Chávez (que sobreviveu a esse recall em 2009). A existência de presos políticos (dentro os quais líderes da oposição a Maduro, como o prefeito de Caracas Antonio Ledezma e o ex-candidato presidencial Leopoldo López) põem em dúvida as credenciais democráticas do regime venezuelano. A repressão armada a opositores só aumenta as desconfianças. Essas atitudes foram amplamente criticadas pelas ONGs e instituições regionais (incluindo OEA e a comissão de chanceleres da UNASUL). Democracia e Direitos Humanos não são questões domésticas. Nesses termos, a postura da Venezuela é frágil. Não surpreende que não haja tolerância continental com violações dos Direitos Humanos e ameaças à democracia no século XXI. Em Abril de 2016, o governo interino do Brasil (através de seu chanceler José Serra) mobilizou essas duas questões para propor a mediação política na Venezuela em crise.

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Carlos Frederico Pereira da Silva Gama, “O Plano B que Satisfaz – a entrada da Bolívia no MERCOSUL”, SRZD (2015). Disponível em: http://www.sidneyrezende.com/noticia/252493 3 Carlos Frederico Pereira da Silva Gama, “Caracas bloqueia Brasília. Dilma vira refém política do PSDB. É bom desconfiar”, Carta Maior (2015). Disponível em: http://cartamaior.com.br/?%2FEditoria%2FPolitica%2FCaracas-bloqueia-Brasilia-Dilma-vira-refem-politicado-PSDB-e-bom-desconfiar%2F4%2F33785

Serra (ele próprio um senador oposicionista, cujo nome constava da lista inicial da delegação a Caracas) fez duras críticas à Venezuela em seus pronunciamentos – o que que motivou Maduro a chamar seu embaixador em Brasília para consultas. Em visita à Argentina, Serra anunciou apoio aos presos políticos e ofereceu seus préstimos para mediar um diálogo de “união nacional” na Venezuela, junto com o presidente Maurício Macri. Em seguida, recebeu no Brasil o governador oposicionista Henrique Capriles (candidato derrotado por Maduro nas eleições de 2013). Essas medidas tiveram o apoio do governo de Barack Obama (que abriu, por conta própria, canais de negociação com o governo Maduro). Os EUA são, ao mesmo tempo, o maior comprador do petróleo venezuelano e um dos principais investidores e parceiros comerciais de um Brasil em crise. O agravamento da crise econômica após a queda dos preços do petróleo forneceu a outra justificativa para uma “intervenção” na Venezuela. A desvalorização da moeda, esgotamento das reservas e endividamento crescente multiplicaram a carestia, com forte escassez de bens essenciais e, principalmente, de remédios. A degradação da qualidade de vida e a depressão econômica impactaram rapidamente o governo venezuelano. Em 2015, o país pediu ao Brasil que lhe fossem vendidos remédios a preços subsidiados. Já em 2016, a Venezuela solicitou oficialmente ao Brasil a doação de remédios como auxílio humanitário. O governo brasileiro acelerou essa doação (facilitada pela experiência pregressa de Serra no Ministério da Saúde). Em 2016, o Brasil mantém alguns traços característicos de sua política externa que remontam à época do Barão do Rio Branco. O país busca agir com cautela e sustentar suas decisões nas normas do direito internacional (algo particularmente importante no seio da OEA). As ações brasileiras são justificadas em termos de promoção da estabilidade continental. A importância dada às relações com os EUA se justifica como forma de criar oportunidades para o Brasil e diminuir desconfianças. Dentro dos recursos limitados de que dispõe, o Brasil faz investimento estratégico nas instituições. Ao reafirmar tradições, ações na Venezuela visam fazer mais legítimo o governo interino no Brasil. Demonstrações de solidariedade para com o povo venezuelano não são novidade. Porém, o efeito dessas ações varia no tempo. No contexto de 2016, o auxílio humanitário e a mediação política estão mais próximas da “diplomacia das canhoneiras” do que dos “amigos da Venezuela”. Entretanto, ao defender uma consulta popular sobre a duração do mandato de Nicolás Maduro na Venezuela, o governo interino do Brasil expõe, inadvertidamente, uma fragilidade própria da qual busca se evadir. A legitimidade do governo interno é questionada remetendo ao veredito das urnas. O Brasil experimentou esse tipo de contraste entre o discurso adotado nas relações internacionais e suas relações políticas internas em diversas ocasiões (com destaque para a ditadura Vargas em luta pelo “mundo livre” na Segunda Guerra Mundial). Cabe lembrar que essa descolagem, historicamente, teve custo alto e fôlego curto. A ditadura Vargas começou a findar com manifestos por democracia e não sobreviveu ao fim da Segunda Guerra, pelas mãos dos militares recém-chegados das montanhas italianas. A ditadura civilmilitar brasileira teve sua fachada de democracia corroída por críticas externas (inclusive do governo dos EUA) que alimentaram a luta pela redemocratização e culminaram na Anistia.

Crises políticas na Venezuela não são uma descoberta recente na política da América Latina. A participação brasileira nessas crises tampouco é obra do acaso. Mobilizar a democracia para “intervir” num país vizinho em crise é uma ação com alto risco e repleta de contradições – que não sumirão com expectativas otimistas de “união” e de um futuro próspero. Esses inconvenientes tampouco desaparecem sob o cobertor das (con)tradições da política externa. Discursos flamantes em defesa da democracia externa deixam brasas difíceis de apagar em casa.

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