Brasil, Século XXI – por uma nova regionalização? Agentes, processos, escalas

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BRASIL, SÉCULO XXI por uma nova regionalização agentes, processos, escalas

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Organizadores: Ester Limonad - Rogério Haesbaert - Ruy Moreira Autores Ana Clara Torres Ribeiro Antônio Carlos Filgueira Galvão Bertha Becker Cláudio Antônio Gonçalves Egler Ester Limonad Ivaldo Gonçalves de Lima Jorge Luiz Barbosa Leila Christina Dias Roberto Luís de Melo Monte-Mór Rogério Haesbaert Ruy Moreira Sandra Lencioni Tânia Bacelar de Araújo

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Copyright © 2004 - Editora Max Limonad (1ª edição) Copyright © 2015 - Editora Letra Capital (2ª edição) Copyright © 2015 Ester Limonad, Rogério Haesbaert e Ruy Moreira Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998 Nenhuma parte deste livro, sem a autorização prévia por escrito da Editora, poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados.

Editor: Capa: prEparação E rEvisão dE tExto: transCrição E Edição dE fitas:

João Baptista Pinto Eva Randolph Ester Limonad Flávia Quintaes Louvain

Comitê Editorial Ana Cristina Fernandes, Carlos Antônio Brandão, Ester Limonad, Geraldo Costa, Heloísa Soares de Moura Costa, Hermes Magalhães Tavares, Ivo Marcos Theis, Lilian Fessler Vaz, Rainer Randolph, Roberto Luís de Melo Monte-Mór, Ruy Moreira, Sandra Lencioni

B823 Brasil, Século XXI – por uma nova regionalização? Processos, escalas, agentes /organizadores:Ester Limonad, Rogério Haesbaert,Ruy Moreira. – Rio de Janeiro: Letra Capital Editora, 2015. 214p.:il.,mapas Inclui bibliografia ISBN 9788577852871 1.Geografia Humana-Brasil.:Planejamento regional. I.Limonad, Ester (org.) II.Haesbaert,Rogério(org.) III.Moreira,Ruy(org.) CDD: 304.20981

Letra CapitaL editora Tels.: 21 2224 - 7071 | 2215 - 3781 www.letracapital.com.br

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SUMÁRIO

1.

Apresentação Ester Limonad, Rogério Haesbaert e Ruy Moreira ............... 9

2.

Uma nova regionalização para pensar o Brasil? Bertha Becker ....................................................................... 11

3.

Política Nacional de Desenvolvimento Regional: Uma Proposta para Discussão Tânia de Araújo Bacelar e Antônio Carlos Galvão ............ 28

4.

Brasil século XXI, regionalizar para que? Para quem? Ester Limonad .................................................................... 54

5.

Novos rumos e tendências da urbanização e a industrialização no Estado de São Paulo Sandra Lencioni ................................................................... 67

6.

Rio de Janeiro: uma nova relação capital-interior? Ester Limonad ..................................................................... 78

7.

Sudeste Brasileiro: a institucionalidade da questão regional Cláudio Antônio Gonçalves Egler ........................................ 93

8.

Escalas Insurgentes na Amazônia Brasileira Ivaldo Lima ........................................................................ 103

9.

Urbanização e Modernidade na Amazônia Contemporânea Roberto Luís de Melo Monte-Mór ....................................... 112

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10. A nova divisão territorial do trabalho e as tendências de configuração do espaço brasileiro Ruy Moreira ....................................................................... 123 11. Globalização e espaços da desigualdade Jorge Luiz Barbosa ............................................................ 153 12. A importância das redes para uma nova regionalização brasileira: notas para discussão Leila Christina Dias ........................................................... 161 13. Desterritorialização, Multiterritorialidade e Regionalização Rogério Haesbaert ............................................................ 173 14. Regionalização: Fato e Ferramenta Ana Clara Torres Ribeiro ................................................... 194

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SOBRE OS AUTORES ANA CLARA TORRES RIBEIRO – Doutora em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo, Docente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Pesquisadora e Consultora do Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica. ANTÔNIO CARLOS FILGUEIRA GALVÃO – Doutor em Economia Aplicada, Desenvolvimento Econômico, Espaço e Meio-Ambiente pela Universidade Estadual de Campinas, Diretor da Secretaria de Políticas de Desenvolvimento Regional, do Ministério da Integração Nacional. email: [email protected] BERTHA BECKER – Livre-Docente em Geografia, Professora Emérita do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Pesquisadora e Consultora do Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica, Consultora do Ministério da Integração Nacional. CLÁUDIO ANTÔNIO GONÇALVES EGLER – Doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas, Docente do Instituto de Geociências e da Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Pesquisador e Consultor do Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica. ESTER LIMONAD – Doutora em Estruturas Ambientais Urbanas pela Universidade de São Paulo, Docente do Departamento e da Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal Fluminense, Pesquisadora e Consultora do Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica. FREDERICO KRAMER COSTA - Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental da Secretaria de Políticas de Desenvolvimento Regional, do Ministério da Integração Nacional. IVALDO GONÇALVES DE LIMA - Doutorando em Geografia pela Universidade Federal Fluminense, Docente do Departamento e da Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal Fluminense. JOÃO M. DA ROCHA NETO - Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental da Secretaria de Políticas de Desenvolvimento Regional, do Ministério da Integração Nacional. JORGE LUIZ BARBOSA - Doutor em Geografia pela Universidade de São Paulo, Docente do Departamento e da Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal Fluminense.

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LEILA CHRISTINA DIAS – Doutora em Geografia pela Sorbonne (Paris I), Docente do Departamento e da Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Santa Catarina, Pesquisadora e Consultora do Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica. MARIA JOSÉ MONTEIRO – Gerente da Secretaria de Políticas de Desenvolvimento Regional, do Ministério da Integração Nacional. ROBERTO LUÍS DE MELO MONTE-MÓR - Doutor em Planejamento Urbano pela University of California, Los Angeles, UCLA, Docente da Faculdade de Ciências Econômicas, Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR) e da PósGraduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Minas Gerais. ROGÉRIO HAESBAERT - Doutor em Geografia pela Universidade de São Paulo, Docente do Departamento e da Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal Fluminense, Pesquisador e Consultor do Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica. RONALDO R. VASCONCELLOS – Gerente da Secretaria de Políticas de Desenvolvimento Regional, do Ministério da Integração Nacional. RUY MOREIRA - Doutor em Geografia pela Universidade de São Paulo, Docente do Departamento e da Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal Fluminense, Pesquisador e Consultor do Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica. SANDRA LENCIONI - Livre-Docente do Departamento e da PósGraduação em Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, Pesquisadora e Consultora do Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica, PróReitora de extensão da Universidade de São Paulo. SUSANA L. LINS DE GÓIS - Consultora do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura – IICA. TÂNIA BACELAR DE ARAÚJO – Doutora em Economia Pública, Planejamento e Organização do Espaço pela Sorbonne (Paris I), Docente da Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco, Secretária da Secretaria de Políticas de Desenvolvimento Regional do Ministério da Integração Nacional.

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APRESENTAÇÃO

Este livro e o seminário que lhe deu origem são frutos do projeto de pesquisa “Economia fluminense - desigualdade espacial e economia globalizada” por nós coordenado, financiado pelo Edital Universal do CNPq para o período de 2001-2003, e desenvolvido no âmbito do Departamento de Geografia da Universidade Federal Fluminense por nossos respectivos grupos de pesquisa Gecel (grupo de estudos e pesquisa de cidade, espaço e lugar), Nureg (núcleo de estudos e pesquisa sobre regionalização) e Geret (grupo de estudos e pesquisa sobre reestruturação do espaço e do trabalho). Cabe assinalar que este seminário foi uma atividade combinada a um seminário interno, que originou o livro: Reestruturação Industrial e Espacial do Estado do Rio de Janeiro, organizado por Ruy Moreira. Gostaríamos de expressar nossos agradecimentos a todos aqueles que tornaram a elaboração desse livro possível. Nosso muito obrigado às Secretarias da Pós-Graduação e do Departamento de Geografia, às estagiárias de iniciação científica Andressa Lacerda, Flávia Quintaes Louvain, Luisa Simões e Mariane Biteti, que secretariaram este evento. Cabe esclarecermos o objetivo deste livro. Nossa meta era encontrar elementos que nos permitissem avançar na compreensão das transformações na organização espacial das estruturas industriais, à medida que na contemporaneidade, esse conhecimento constitui uma prioridade vital para países e regiões em suas relações internacionais. Tratava-se, além disso, de verificar em que sentido as desigualdades sócio-espaciais estariam a ser minimizadas ou acentuadas no processo de tornar o país competitivo e o que isto representava em termos de uma nova regionalização do espaço nacional - debate um tanto negligenciado nos últimos anos. A organização contemporânea do espaço no Brasil reflete o novo quadro das relações internacionais num mundo globalizado e a necessidade de novos parâmetros de análise. Neste sentido, para situar as questões assinaladas, abrem esta coletânea a conferência

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Ester Limonad, Rogério Haesbaert e Ruy Moreira

de Bertha Becker, acompanhada pela proposta para discussão de uma Política Nacional de Desenvolvimento Regional, elaborada pela equipe da Secretaria de Políticas de Desenvolvimento Regional coordenada por Tânia Bacelar de Araújo e Antônio Carlos F. Galvão; seguida pelas ponderações introdutórias de Ester Limonad. Os eixos de discussão direcionados, em particular, para o Sudeste e Amazônia, nada têm de fortuito. A região Sudeste emerge como foco por ser, indiscutivelmente, a área mais desenvolvida e urbanizada do país, onde, em função das inovações tecnológicas e da reestruturação produtiva, podemos observar mudanças nos padrões de urbanização e nos traços predominantes da organização espacial das atividades produtivas. Sobre estas tendências da urbanização e industrialização no Sudeste e no Brasil temos os trabalhos de Sandra Lencioni, Ester Limonad, Cláudio Antônio Gonçalves Egler e Ruy Moreira. A Amazônia, por sua vez, constitui o que poderíamos chamar de uma região de “ponta”, se adotássemos uma terminologia tecnológica, um espaço prenhe de potencialidades e transformações onde a urbanização assume padrões específicos e não segue os esquemas de outras regiões - onde se verificam interações e relações sócio-espaciais distintas, como apontam Bertha Becker, Ivaldo Gonçalves de Lima e Roberto Monte-Mór. Seguem-se a estes trabalhos os ensaios de Jorge Luiz Barbosa, Leila Christina Dias e Rogério Haesbaert que abordam diversos fatores e elementos a serem considerados na reflexão sobre as regionalizações contemporâneas. Encerra este volume a síntese de Ana Clara Torres Ribeiro, que visa tanto definir ângulos de leitura dos trabalhos aqui reunidos que contemplam o fenômeno - a regionalização - e as diferentes formas assumidas por seu questionamento, quanto buscar esclarecer diretrizes analíticas. Serão abordadas, portanto, diversas questões candentes relativas às possibilidades e potencialidades do desenvolvimento regional, elementos que contribuam para pensarmos um novo Brasil e repensarmos as regionalizações correntes com base nas experiências da Amazônia e do Sudeste. maio de 2004 Ester Limonad Rogério Haesbaert Ruy Moreira

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UMA

NOVA REGIONALIZAÇÃO

PARA PENSAR O

BRASIL?*

Bertha Becker

A questão central desse Seminário é: porque a temática da nova regionalização e a retomada da preocupação com a região? Em meu entender, este fato decorre hoje de pelo menos duas razões: •



a primeira é a reestruturação do território brasileiro nas últimas duas décadas, com a conformação de ilhas dinâmicas em diferentes partes do país, que alteram as regiões convencionais a segunda razão, no meu entender, está relacionada ao resgate do papel do Estado e do planejamento territorial.

Antes de tratar destas razões, contudo, gostaria de fazer duas ressalvas à apresentação deste Seminário. A primeira ressalva refere-se à menção a uma “tímida” desconcentração industrial a partir do Sudeste; a segunda à afirmação de que a descentralização industrial foi uma meta perseguida sem sucesso pelo Estado brasileiro. As razões apontadas acima para explicar a retomada da preocupação com a regionalização, são respostas a essas ressalvas. Fundamentarei, assim, minha exposição na discussão sobre as duas razões citadas seguida da análise de um exemplo, no caso a Amazônia brasileira. A reestruturação do território nas duas últimas décadas e as regiões Na verdade, as ilhas industriais que emergiram no território brasileiro foram objeto de um amplo debate teórico, na década de

* Conferência de Abertura do Seminário Brasil Século XXI, por uma nova regionalização? realizada no Auditório do Instituto de Geociências da Universidade Federal Fluminense.

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Bertha Becker Becker Bertha

90, ligado à questão do impacto do modelo de integração competitiva na divisão territorial do trabalho. À forma como o Brasil se inseriu na globalização, bem como o impacto desse processo no território nacional. São inúmeros os trabalhos da década de 90, porém os geógrafos pouco participaram. A maioria dos autores concluiu que as mudanças estruturais associadas a esse modelo de integração competitiva, à crise do Estado e à exposição das empresas nacionais à concorrência estrangeira, favoreceram a concentração espacial, e não a dispersão. Campolina Diniz do C E D E P L A R 1 , mostra que houve uma reconcentração de forma muito mais ampliada partindo do Sudeste em direção ao Sul. Mas, a maioria dos estudos concluiu que, de fato este modelo favoreceu a concentração espacial das atividades econômicas e a redução dos níveis de articulação inter-regionais da estrutura produtiva, provocando, inclusive, a reversão do processo de desconcentração que havia caracterizado as décadas de 1970 e 80. Teria acontecido, assim, exatamente o oposto: houve uma reconcentração e uma reversão do processo de desconcentração. Para a maioria dos autores, mas não para todos. Outros autores, ao analisarem a instalação das plantas industriais em locais selecionados, a entenderam como um processo para assegurar a competitividade das empresas internacionais no mercado mundial a partir de forte seletividade. Então, não teria havido o esgotamento da desconcentração, mas uma desconcentração seletiva, em função dessa escolha locacional. E, essa desconcentração seletiva é que teria gerado ilhas de dinamismo no território nacional. Inclusive os setores mais intensivos em mão– de-obra ou no uso de recursos naturais estariam se localizando na periferia, enquanto os setores mais avançados em tecnologia estariam se concentrando no Sudeste. Um fato importante ligado a essas ilhas industriais é a diminuição da subordinação destas áreas ao pólo do Sudeste porque elas estariam diretamente relacionadas ao mercado global, à globalização, às firmas internacionais, em uma relação local-global escapando da influência do Sudeste. Isto é, estaria havendo uma despolarização econômica, mas com o risco de fragmentação nacional. Neste sentido temos o trabalho “Desconcentração Econômica e Fragmentacão da Economia Nacional”2, do Carlos Américo Pacheco, que foi secretário executivo do Ministério de Ciência e Tecnologia no governo de Fernando Henrique Cardoso, onde na idéia de fragmentação da economia nacional estava quase que implícita a fragmentação da sociedade e

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do território nacionais. No entanto, não me parece ser isto o que ocorre – como veremos mais adiante. A segunda ressalva é a questão do reduzido sucesso da política estatal no sentido de promover a desconcentração. Aqui questiono se essa desconcentração também não se deve às políticas de descentralização do Estado nas décadas anteriores. Na verdade, elas influíram decisivamente como, por exemplo, na criação dos distritos industriais. Em outras palavras, a desconcentração não decorreu apenas das estratégias das empresas multinacionais; houve uma política estatal que favoreceu a desconcentração industrial no território nacional. Feitas as ressalvas em relação ao texto de apresentação do Seminário, quero fazer ressalvas ao próprio debate sobre a fragmentação do território e da economia nacional. O que sobressai desse debate é que houve um reconhecimento geral de que as macro-regiões, unidades básicas de intervenção em décadas anteriores, deixaram de ser as unidades representativas e operacionais para promover o desenvolvimento. Ademais, acredito que as explicações teóricas sobre o deslocamento das atividades podem ser ampliadas de acordo com todos os argumentos que foram apresentados nesse debate. O primeiro ponto que eu gostaria de chamar a atenção para a nossa discussão de hoje, é o rompimento da estrutura clássica centro-periferia sob a nova divisão territorial do trabalho. As periferias não são mais apenas consumidoras de produtos industriais e exportadoras de recursos; elas também têm produção industrial de produtos que são, inclusive, consumidos pelos centros. E, por sua vez, nos centros estão em curso processos de desindustrialização e de crescimento de bolsões de pobreza. Significa que o esquema clássico centro-periferia, em que a periferia só exportava recursos e absorvia produtos industrializados, modas e mídia “caiu por terra”. Está aí uma questão para discussão. Antes de prosseguir, quero fazer também ressalvas ao emprego do termo fragmentação, também utilizei há alguns anos, quando, com o fim da guerra fria, com a globalização, emergiram, como disse Harvey, múltiplas vozes, múltiplas sociedades, múltiplas reivindicações. Parecia uma eclosão do local em um momento em que se rompeu aquela dualidade do mundo contemporâneo. Mas, a reflexão que devemos fazer, que a Geografia, e outros campos do conhecimento devem fazer, é quais as novas relações que estão sob essa aparente fragmentação. O termo fragmentação não é adequado porque sugere uma ruptura. Na verdade não houve ruptura, mas uma reestruturação com novas relações, uma

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recomposição, em que algumas áreas declinam e outras surgem, em um processo dinâmico de reestruturação territorial. Inclusive, como já demonstrado por Henri Lefebvre há muito tempo, e já sabíamos, o capitalismo se mantém através da diferenciação espacial: a toda hora ele se reconstitui para extrair mais excedentes, mais-valia, de certas regiões. Há, assim, um processo dinâmico de reestruturação das regiões tradicionais e a formação de novas regiões, sub-regiões, em uma outra escala geográfica, que não as macro-regiões, que eram, como já assinalei, até recentemente, as grandes unidades de intervenção e de identificação. Persistem as relações entre as novas e velhas regiões, mas, há que implementar novas formas de analisar estas relações. Isto é relações inter-regionais persistem sob novas formas. Antigamente só eram considerados os aspectos referentes ao comércio interregional, mas hoje em dia essa relação é insuficiente, tendo em vista as relações on-line, as relações pessoais, a influência de fatores externos e internos. Há que se considerar, ainda, a potencialidade dos territórios, em termos de potencial humano e natural, de cultura e iniciativa política e de acesso às redes de comunicação e informação. Além disso, há que registrar, por exemplo, a influência das redes políticas. Há, então, uma série de relações não explícitas e não visíveis, às vezes, mas que são fundamentais, inclusive para caracterizar os territórios. No caso do Brasil, inclusive, deve ser considerado o papel das novas igrejas, um fator extremamente importante na caracterização e na configuração de novas regiões que crescem. Outro ponto importante a criticar no debate da década de 90 é a omissão das cidades. Falava-se das regiões, da reconcentração ou desconcentração, mas ninguém articulava a questão regional com as cidades. Não se pode tratar de região e regionalização sem levar em conta as cidades. A outra omissão relevante é a da nova escala continental: o Mercosul. O debate, também, não levou em conta, essa tendência extremamente importante, que, inclusive, retoma a importância das metrópoles brasileiras porque as metrópoles terão um papel fundamental na formação do Mercosul. O urbano também tem que ser valorizado nessa análise, não só no debate como na análise.

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O resgate do papel do Estado A segunda razão do porque do resgate da regionalização e da região, no meu entender, deve-se ao resgate do papel do Estado. E ao se tentar resgatar o papel do Estado, necessariamente se resgata a região. Porque as regiões, e isso é o mais importante, são expressões espaciais e territoriais concretas do Estado-Nação, são constituídas pela apropriação de parcelas do espaço por arranjos específicos de atores que conformam sociedades locais, que são a expressão social das regiões. De acordo com Dulong3, as regiões são constituídas por arranjos de frações de classes não monopolistas e adquirem uma certa identidade do ponto de vista da estrutura econômica, do ponto de vista cultural, do ponto de vista político. As regiões possuem uma finalidade política própria. Elas são elementos do próprio Estado, que não é uma entidade abstrata. Enquanto parte do Estado, enquanto expressão espacializada de interesses políticos específicos, as regiões dialogam com o Estado, pressionam, relativizam o poder homogeneizador e dominante do Estado, o que lhes confere um papel fundamental. Essas regiões resultam de uma relação dialética entre decisões tecnocráticas e práticas do poder, de um lado, e práticas sociais e demandas coletivas, processos coletivos, de outro lado. É nesse processo que se formam as regiões. Em alguns momentos, em alguns lugares, os adensamentos, as sociedades locais surgem e o Estado as legitima. Um exemplo seria, talvez, o caso da Europa. Em outros lugares, em outros momentos, é o Estado que atua primeiro, e depois se forja a região: os interesses políticos dos quais a região é uma expressão digerem a decisão tecnocrática e dão margem ao surgimento das sociedades locais que se apropriam da região. As sociedades locais relativizam o papel das decisões tecnocráticas do poder. O Estado tem que dialogar com as suas regiões, com os interesses políticos específicos espacializados e regionalizados, que são ele mesmo, em última análise, e negociar formas diferenciadas para poder agir. Eis a resposta do por que a retomada da regionalização e da região. Do ponto de vista teórico, é o resgate do papel do Estado, que na prática influiu também no aparecimento das ilhas dinâmicas na periferia. Não por acaso o Ministério da Integração hoje desenvolve a chamada Política Nacional de Desenvolvimento Regional. A diferença é que não se quer mais uma política ligada ao ministério, mas sim

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uma política integrada, que tem por objetivo a identificação do que ele denomina meso-regiões. Não quero usar esse termo, prefiro falar das sub-regiões, que emergiram no país ou estão em formação. A idéia é de que estas sub-regiões sejam complementares, e constituam o fundamento da política e do planejamento de acordo com um projeto nacional. Há, contudo, que discutir se há, e se houve, um projeto nacional. Creio que embora não explícito, houve um projeto nacional no passado recente e hoje em dia estamos diante de um novo governo cujo projeto é a retomada do desenvolvimento, mas com compromisso social e ambiental. Essa é a diferença. Porque antes havia um projeto desenvolvimentista, mas sem menor preocupação social e ambiental. E hoje se quer retomar o desenvolvimento, nesse sentido é desenvolvimentista, mas com o compromisso social e ambiental. E a política nacional, o planejamento tem que estar ligados às grandes diretrizes do projeto nacional. Agora vou falar um pouco, e dar um exemplo do que expus até aqui em relação à Amazônia. Um exemplo - a Amazônia No caso da Amazônia, a intervenção do Estado, do poder estatal autoritário, tecnocrático foi fundamental na criação das regiões. A Amazônia Legal foi uma criação geopolítica do governo federal para implementar o controle do território, com o argumento de propiciar o desenvolvimento regional. Tal intervenção, todavia, de desenvolvimento não teve nada, mas foi a primeira intervenção governamental que criou realmente uma região. Uma região que não correspondia só à região norte, ao bioma florestal; foram incorporados a esta região o estado do Mato Grosso e parte dos estados do Maranhão e o chamado norte do estado de Goiás, que posteriormente tornou-se o estado de Tocantins. As rodovias implementadas no período Kubitsheck, 1958-60 foram elementos espaciais fundamentais no recontorno da região, como se foram duas grandes pinças em torno da Hiléia: a BelémBrasília e a Brasília-Cuiabá-Porto Velho-Rio Branco. Estas rodovias, como é notório, foram fundamentais no processo de ocupação da região e formação da fronteira econômica e demográfica nacional ao longo desse grande arco em torno da Hiléia. Mas, foi com o Programa de Integração Nacional de 1970 que, o Estado passou a tomar conta, controlar e ocupar a região.

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Mas como o Estado fez isso? Impôs sobre a região uma malha programada constituída de redes de integração, redes transversais, porque as outras já existiam: Transamazônica, Perimetral Norte, rede energética, rede ferroviária, enfim todos os tipos de rede; principalmente as redes de telecomunicações, estudadas por Leila Dias, que tiveram um papel fundamental na conectividade da região com os espaços externos à ela. Porque internamente a Amazônia continuou bastante desarticulada, o que contribuiu para acentuar suas relações externas. Incentivos fiscais e créditos induziram empresas e fazendeiros a ocupar a região, e vários mecanismos se encarregaram de induzir a imigração para ocupar o território e criar uma força de trabalho regional. A outra política importante desse Programa de Integração Nacional foi a superposição de territórios federais sobre territórios estaduais, como os pólos de desenvolvimento que marcaram a Amazônia: o Pólo Amazônia, implantado a partir de 1974; a incorporação em 1977 do recém-criado estado do Mato Grosso do Sul, ampliando a escala da Amazônia Legal; o Programa Grande Carajás e outros de exploração mineral; o Projeto Calha Norte. Grandes projetos e programas que asseguravam a presença da União na região, e que aí deixaram marcas profundas. O que houve, então, com a construção geopolítica da Amazônia Legal? A Amazônia Legal se diferenciou entre a Amazônia Oriental, que era a área de expansão da fronteira e a Amazônia Ocidental, mais preservada, longe das estradas, uma divisão nova ligada às políticas implementadas na região. Na década de 90 a resistência das populações locais, - tradicionais mais imigrantes - desencadeada com a expropriação de suas terras e da sua identidade gerou um movimento fantástico na Amazônia de organização da sociedade civil como nunca antes verificado na sua História. A resistência social, o esgotamento do nacional desenvolvimentismo com a crise do Estado, e a pressão ambientalista internacional e nacional, introduziram novas marcas na região e reconfigurações da Amazônia Legal. Nessa perspectiva destacamse a demarcação das terras indígenas, a criação de unidades de conservação, e os projetos comunitários formando-se uma nova malha ambiental e sócio-ambiental na Amazônia. As massas florestais passaram a ter novos recortes e projetos em seu interior. É extremamente importante considerar neste contexto que os novos atores, que são as populações ditas tradicionais e pequenos produtores que passaram a ter voz ativa na região, os índios, os ribeirinhos, os seringueiros com Chico Mendes, foram apoiados por

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um novo ator global extremamente importante, que é a cooperação internacional. Enquanto no período anterior do Estado autoritário, da ocupação da Amazônia, o capital internacional financiou a ocupação, das estradas e tudo o mais, na década de 90 tornou-se parceiro das populações tradicionais, dos pequenos produtores. A cooperação internacional ocupou o espaço deixado pela enorme retração dos investimentos produtivos na Amazônia, como, aliás, no resto do Brasil. Mas, há ainda um novo ator ao qual, em geral, se dá pouca atenção, mas é preciso levar em conta, que são os governos estaduais. Os governos estaduais passaram a ter uma importância maior dentro da região, com a crise do Estado, da União, inclusive com estratégias diferenciadas que eu quero destacar. Podemos distinguir, grosso modo, três grandes modelos ou estratégias de desenvolvimento dos estados amazônicos. O primeiro, é o modelo extensivo em área que é característico dos estados do Pará, do Mato Grosso, do Tocantins, do Maranhão, além dos estados de Roraima e Rondônia, que adorariam implementar este modelo, mas têm grande parte do território demarcado em terras indígenas e unidades de conservação, neles predomina a agropecuária, a soja, o dendê e outros produtos, mas sempre na base do modelo extensivo de apropriação de terras e de produção. O outro modelo oposto é o do Estado do Amazonas, que é o modelo da concentração industrial em Manaus, e que de certa maneira preservou o meio ambiente. As florestas foram preservadas devido a essa concentração industrial. Houve, todavia, apesar de muitas inovações grandes problemas em razão dessa brutal concentração em Manaus em relação ao restante do Estado do Amazonas. Dos dois milhões e meio de habitantes do estado, um milhão e meio encontra-se em Manaus, enquanto o outro milhão ficou largado à própria sorte. Houve uma proteção ambiental, mas uma desproteção social no estado do Amazonas. Porém, há que se reconhecer que este é um modelo que protege o meio ambiente. Enfim, o terceiro modelo se fundamenta no uso conservacionista da floresta, que no Acre é chamado de florestania, que é um nome lindo criado para se contrapor à cidadania. No Acre e no Amapá a questão social, os direitos sociais, estão vinculados ao uso conservacionista da floresta. São dois estados que enveredaram no, assim chamado neo-extrativismo, que é um extrativismo mais

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moderno, mais rentável. Aliás, este, é um dos grandes desafios que se colocam para os geógrafos e os planejadores: Como desenvolver e atribuir rentabilidade a esse modelo tradicional do extrativismo? Há, assim, novos atores com novas estratégias, como a Amazônia foi mudando, como foi reconstruída, inicialmente através da intervenção do Estado e, a seguir, das relações que se estabeleceram com as populações regionais. Essa combinação de ações resultou em uma nova geografia amazônica, que exige novas escalas de ação e uma nova política regional. Pois aquelas áreas que foram criadas devido às intervenções do Estado, os pólos, os projetos de colonização da União, os projetos do governo federal em Rondônia e na Transamazônica, geraram sub-regiões e uma malha sóciopolítica. Na Transamazônica, que foi gerada com o projeto de colonização, é impressionante o nível de organização da sociedade civil, constituída predominantemente por pequenos produtores familiares. Criou-se aí um projeto de colonização que foi digerido pela sociedade e se transformou numa sub-região fortíssima. Conversei uma tarde inteira com os líderes locais sobre o que eles precisam, quais são as demandas, sobre a necessidade de negociar com todos os envolvidos no processo de desenvolvimento. Eles têm clareza do que querem, resistindo à construção da hidrelétrica de Belomonte, na medida em que suas necessidades são outras: vicinais, armazenamento, títulos para suas terras, essenciais à produção familiar. A Amazônia mudou, portanto, e apresenta hoje uma rica diversidade regional, com novos atores, novos e diferentes interesses e demandas. Cabe ao Estado reconhecer essa complexificação e a existência de especificidades locais, se quiser contribuir para o desenvolvimento da região no âmbito de um projeto nacional. Nas pesquisas de campo, todas as categorias de atores sociais, sem exceção, apontaram como medida mais importante para solucionar conflitos e promover o desenvolvimento, a presença do Estado. Há, portanto que resgatar o seu papel, pois que o Estado de Direito ainda é a maior garantia que a sociedade pode ter para a democracia. Hoje, o Estado está fundamentando seu planejamento plurianual 2004/2007 (PPA) e o próprio plano da Amazônia (PAS-Plano da Amazônia Sustentável), em que um dos elementos centrais é o reconhecimento da diversidade regional em múltiplas escalas. O reconhecimento da diversidade e da necessidade de dialogar por parte do Estado é algo novo e extremamente positivo.

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O Plano Amazônia Sustentável (PAS) em meu entender é um plano bastante avançado, mas que tem chocado os ambientalistas. No primeiro parágrafo do Plano da Amazônia afirma-se que o meio ambiente não é um obstáculo ao desenvolvimento. Isto constitui uma grande mudança em relação à década anterior. Outra afirmativa diversa à visão prevalecente até agora é de que as estradas não são as culpadas pelos impactos negativos, que dependem da forma como são estabelecidas, sendo assim, resultantes ou da omissão do Estado ou da indução equivocada do Estado. Este Plano (PAS) estabelece cinco grandes eixos estratégicos: primeiro produção sustentável com tecnologias avançadas, segundo gestão ambiental e ordenamento do território, terceiro novo padrão de financiamento, quarto inclusão social e quinto infra-estrutura para o desenvolvimento. Há, inclusive, uma tendência do governo atual de resgatar grandes projetos na Amazônia: estão aí o Complexo do Madeira, Belomonte, a Cuiabá–Santarém. Já temos dez anos de denúncia de processos de impacto, está na hora de darmos um passo à frente e contribuir no sentido de tentar compatibilizar desenvolvimento com a sustentabilidade social e ambiental. Precisamos das estradas, da infraestrutura; todos os atores sociais amazônicos necessitam de vicinais e de energia para melhorar suas condições de vida. Porém, como realizar tal compatibilização? Este é o grande desafio que se coloca. Para tanto, é necessário, de início, ampliar o conhecimento sobre a região. Há uma nova geografia amazônica e cabem algumas observações a respeito. Uma novidade é que o Plano da Amazônia é destinado à região norte, não contempla o estado do Mato Grosso. Outra é a interpretação que proponho através de algumas hipóteses. A primeira hipótese, altamente polêmica, é que a Amazônia não é mais a grande fronteira nacional de expansão econômica e demográfica. As frentes de expansão ainda existem, mas estão localizadas ao longo de alguns eixos de estradas da região. Não há mais aquele afluxo migratório nacional de povoamento em torno da hiléia que caracterizou os anos 70. Ademais a migração não é mais nacional, é uma migração intra-regional, exceto no estado do Mato Grosso. E, as frentes são comandadas também e sobretudo por interesses intra-regionais, da própria região, não só do Sudeste ou de outros estados. Há, então, uma mudança qualitativa e quantitativa na fronteira. Não é mais a fronteira de âmbito nacional, embora as frentes localizadas persistam e estejam tendo um recrudescimento enorme

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nesse início de século XXI, por causa da soja e, também por causa das incertezas da economia. A terra pode ter voltado a ser um ativo importante para o investimento de dinheiro neste momento de incertezas e crise da economia. Distingo três grandes macro-regiões na nova geografia amazônica. A primeira, é a macro-região de povoamento consolidado. Corresponde ao que se denomina vulgarmente de “arco do fogo” ou “arco do desmatamento”, grande arco onde se expandiu a fronteira desde a década de 70, envolvendo a Amazônia extremo oriental, Belém, sudeste e leste do Pará até Tocantins, Mato Grosso e Rondônia. Essa denominação é uma falácia, porque no estado de Mato Grosso encontra-se a agricultura tecnificada da soja, a agroindústria, com produtividade maior do que a que dos Estados Unidos. Ademais, no próprio leste e sudeste do Pará está havendo uma grande modernização da pecuária e o indicador mais importante, a reforma de pastagens, mostra uma tendência à intensificação. Além disso, o complexo mineral de Carajás deixou de ser um enclave, e os royalties são investidos em municípios de seu entorno para o desenvolvimento local. Essas mudanças devem ser registradas. O “arco do fogo”, é hoje uma área de povoamento consolidado, que já faz parte do tecido produtivo nacional não lhe cabendo mais, portanto, esta designação. Parece-me mais apropriado, como um reconhecimento das mudanças que ocorreram, adotar o termo “arco do povoamento consolidado”. A Amazônia Central é a segunda macro-região, antigamente chamada de Amazônia Oriental, compreende o restante do estado do Pará, até a rodovia Porto Velho-Manaus. Esta é a região mais vulnerável, porque aí se encontram as grandes frentes de expansão. A mais antiga é a Cuiabá–Santarém, é uma frente completamente diferente das outras, porque é a expansão da velha colonização do Mato Grosso. Nesta antiga frente, os pequenos produtores, que migraram, hoje são pecuaristas médios, e estão aguardando o asfaltamento da rodovia, a realizar-se em breve, em razão da atual parceria dos governos dos estados do Mato Grosso e Amazonas, entre Blairo Maggi e Eduardo Braga, porque a Cuiabá-Santarém é um eixo central e seu asfaltamento melhorará as condições de custo da exportação da soja e dos produtos da Zona Franca de Manaus para o Sudeste Há uma frente nova, que é denominada de “Terra do Meio”, um nome lindo. “Terra do Meio” porque é um miolo de terra cercado por terras indígenas, e pertencente à União. Nela está havendo

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uma expansão violenta a partir de São Félix do Xingu com muitos conflitos entre fazendeiros. Trata-se de algo novo: a guerra não é mais entre fazendeiro e posseiro como nas frentes antigas, agora a guerra é entre os poderosos. É fazendeiro grande contra fazendeiro médio – como é o caso desse que foi assassinado com seus empregados recentemente. São fazendeiros do Pará, - por isso estou falando de interesses regionais, - do Tocantins e do Goiás, e dizem que há, inclusive, lavagem de dinheiro envolvida nessa frente. A outra frente novíssima é uma frente imensa no sul do estado do Amazonas: Humaitá, Lábrea. Nesta área se encontram companhias de colonização, fazendeiros que vêm do norte do Mato Grosso e, uma coisa nova, fazendeiros do estado de São Paulo, do Pontal do Paranapanema que estão sendo expulsos pelas ocupações do MST4. Antigamente os fazendeiros expulsavam os posseiros, agora são expulsos pelo MST que sabe quem tem e quem não tem título de terra. Esse processo já ocorreu há muitos anos em Rondônia, onde as fazendas sem título de propriedade eram invadidas. Os fazendeiros paulistas, então, estão vendendo suas “fazendinhas” de 2.000 ha sem título, e se apropriando de 40.000 ha no sul do estado do Amazonas. Essa frente nova, complexa, com diversos atores está transformando de forma acelerada o sul do Amazonas, e coloca em questão a reflexão sobre que ações podemos tomar para fazer face à essa situação. O maior problema, não é nem esta concentração e diversidade de atores, mas a enorme grilagem e apropriação das terras pelas madeireiras, que estão comprando imensas extensões de terras via satélite. Ao longo da estrada é possível fazer um certo controle, uma regularização fundiária, no entanto essa apropriação “virtual” é muito mais complexa. Uma possível solução estaria na criação de uma força-tarefa para controle das apropriações para além de 100 Km do eixo da estrada. Esta solução foi incorporada pela ADA (Agência de Desenvolvimento da Amazônia). A força-tarefa incluiria o IBAMA (Instituto Brasileiro de Amparo ao Meio Ambiente), o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), a polícia federal, as forças armadas, o SIPAM5, que tem um importante sistema de informação e de controle, e a cooperação internacional,que teve um papel fundamental na demarcação das terras indígenas com um trabalho muito bem feito. Estabelecendo as regras do jogo, podemos contar com a parceria entre a cooperação internacional e estes agentes em uma força-tarefa para

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o controle das áreas além da estrada enquanto não for possível estabelecer uma negociação. A Amazônia Central é a região mais vulnerável por dispor de uma grande extensão de massas florestais e de terras indígenas. As frentes estão localizadas exatamente onde, em 1999, já havíamos estabelecido a divisão entre Amazônia Oriental e Ocidental. Esta proposta de macro-regionalização, vai constar do Plano da Amazônia Sustentável (PAS) porque é necessário conhecer o território para definir as políticas adequadas às diferentes situações regionais. Não adianta elaborar uma política homogênea para uma região extremamente heterogênea; a política a ser traçada tem que ter princípios gerais e diretrizes baseados nas metas do projeto nacional mas adequados à diferenciação regional. Esse é o esquema. A Amazônia Ocidental é a área mais preservada, porém, como já foi assinalado, o sul desta região está sendo ocupado aceleradamente. Esta é uma área, no meu entender, de grande potencial do ponto de vista de uma produção sustentável e do aproveitamento da biodiversidade, o que é urgente para o Brasil. A sociedade brasileira teria que fazer pressão neste sentido. Estamos deixando a oportunidade da biodiversidade passar. Outro ponto a ser considerado é que essa nova geografia exige novas escalas. Já existem regiões, sub-regiões, consolidadas ou em consolidação na Amazônia, e estou trabalhando agora justamente na sub-regionalização. Por exemplo, no grande arco do povoamento consolidado, antes denominado de “arco do fogo”, do desmatamento, há grandes contrastes e diferenças. Nesta parte encontram-se o arco da embocadura que abrange Belém, São Luis, uma área com maior densidade de atividades econômicas e de povoamento; os núcleos de modernização do leste e sudeste do Pará, o corredor do Araguaia-Tocantins; no Mato Grosso encontrase a frente que sustenta a expansão em direção ao Amazonas, para Cuiabá-Santarém e toda agroindústria da soja; em Rondônia domina a agropecuária e o sistema agro-florestal, que é uma combinação do extrativismo com agricultura. Na região vulnerável da Amazônia Central, na área das frentes, há várias categorias de espaço, e agora também as frentes, e se destaca a sub-região da Transamazônica que, como já falei, estende-se de Repartimento até Itaituba. Algo novo no planalto de Santarém é a presença da Cargil, uma multinacional, que está terceirizando os pequenos produtores de arroz como produtores de soja; a empresa não compra e não se apropria de terras, atuando através da terceirização. A soja do planalto de Santarém está até atravessando o rio e penetrando na calha norte do rio Amazonas. 23 23

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Na região da Amazônia Ocidental, a mais preservada, identificamse: a) uma fronteira de integração representada por Roraima mediante a transmissão de energia da hidrelétrica de Guri uma estrada pavimentada que articula o Brasil com a Venezuela; b) a região étnica do Alto Rio Negro, caracterizada pela presença da população e cultura indígena, cujo nome deve ser mantido por constituir a força da região; c) Manaus e seu entorno, onde se desenvolve uma hortifruticultura comercial bastante dinâmica, um enclave, com indução do crescimento dos núcleos urbanos à sua volta; d) deve-se destacar, também as várzeas do Solimões, bem como a florestania do Acre, que compõem duas outras sub-regiões. Em outras palavras, há, atualmente, na Amazônia várias subregiões, cujo estudo e análise encontram-se em curso (sobre as quais estão sendo preparados mapas esquemáticos) e amplos espaços que ainda não possuem sub-regiões delineadas. As que foram aqui citadas são as que se encontram mais configuradas, e deverão ser consideradas na elaboração da nova política de desenvolvimento regional. Outra escala, que não pode ser esquecida, é a escala da Amazônia Transnacional, a Amazônia Sul-Americana. Não é mais possível refletir e estudar a Amazônia somente em termos brasileiros. É necessário pensar em termos continentais. Primeiro, porque corresponde a um capital natural com uma escala dentre as maiores do mundo. É lícito que se façam projetos conjuntos para o aproveitamento dessa potencialidade, da biodiversidade da água, o chamado “ouro azul” do século XXI, e que de acordo com muitos autores substituirá o petróleo como recurso escasso básico podendo gerar guerras. A Amazônia possui a maior concentração de água doce do mundo detalhe, que não pode ser esquecido... Por outro lado, é extremamente importante a integração continental para conquistar projeção coletiva no cenário político mundial e não se prestar à submissão, não apenas a pressão política das grandes potências mas ao domínio do poder econômico também. A integração continental fortalecerá a capacidade de fazer barganhas, inclusive em relação à ALCA6; e a integração da Amazônia Sul-Americana vai fazer parte e fortalecer o Mercosul, constituindo um contraponto à ALCA. E finalmente, mas não menos importante, é o fato de ter que defender o território e as fronteiras brasileiras das convulsões externas, como é ocaso do narcotráfico e das FARC7 da Colômbia, a instabilidade do Presidente Chaves na Venezuela, a crise da Argentina. Mas o problema maior é a presença militar crescente

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dos Estados Unidos desde a Costa Rica, América Central, Curaçau, Panamá, Colômbia até o sul, Equador, Chile, Peru, Bolívia, onde se implantam localidades de operação avançada – para não se chamar de bases. E, somente o território brasileiro não as possui porque reage, (a não ser a questão de Alcântara). A incidência da globalização aqui, se faz pela cooperação internacional e não pela presença militar. Faz-se necessária, então, uma estratégia para as fronteiras, inclusive devido ao fato das fronteiras políticas hoje, estarem sendo reativadas na Amazônia. Até recentemente consideradas fronteiras mortas, agora assumem um destaque muito maior em face destas ocorrências e da necessidade da integração para fortalecer o Mercosul. Também a integração continental demanda reflexão e contribuição dos pesquisadores no sentido de encontrar soluções para realizá-la, pois que não será possível realizar uma integração à base de infraestrutura – já prevista – geradora de impactos sociais e ambientais, já bem conhecidos. Parece, então, que o desafio, hoje, é compatibilizar crescimento econômico com compromisso social e ambiental; as cartas estão dadas e é necessário enfrentar este desafio, particularmente a questão da infra-estrutura. Considero três elementos fundamentais para tal compatibilização. O primeiro é a negociação. Negociação que implica em uma ampliação da participação, porque este termo da participação já cansou um pouco, e tem que envolver todos os atores, e não somente os pequenos. Estes, é óbvio, são fundamentais quanto a sua inclusão social, mas há de se negociar também com fazendeiro, com madeireira, na medida do possível. Daí a importância do zoneamento ecológico-econômico (ZEE), o qual, acredito, não foi devidamente compreendido pela sociedade brasileira. O ZEE é especificamente, um instrumento de negociação. No caso das frentes de expansão das madeireiras, a negociação é difícil, e há que recorrer à força da lei com a força tarefa. Um segundo elemento fundamental para esta compatibilização é justamente a regionalização, a valorização das diferenças e políticas adequadas às diferentes situações. Claro que, norteada por princípios gerais; não se trata de lidar com a sub-região isoladamente, mas sim do respeito às características de cada uma, inclusive ao seu ritmo, e de fortalecer na política os elementos necessários à dinamização de cada uma, como partes de um conjunto, num contexto que alguns economistas chamam de competitividade sistêmica. 25 25

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O terceiro ponto reporta-se à idéia de uma revolução científicotecnológica para a Amazônia. Penso que a Amazônia somente se desenvolverá com a “high tech” mesmo. O Brasil já fez três grandes revoluções tecnológicas; realizou uma para a exploração do petróleo na plataforma continental, que é uma inovação brasileira extremamente importante; uma outra foi a revolução tecnológica para a mata atlântica, transformando a canade-açúcar em combustível, revolução tecnológica muito conhecida no exterior e pouco valorizada no Brasil; a terceira revolução tecnológica foi feita para o cerrado, ocupado pelo gado “pé-duro” até a década de 70, e hoje é uma área de grande produtividade de soja, de uma agroindústria avançada e que vem sustentando grande parte da balança comercial brasileira. É lícito plantar a soja no cerrado tomando mais cuidado, evitando a erosão e a poluição de rios mas foi uma revolução tecnológica fantástica. O problema a impedir, é a expansão da soja em áreas florestais. Hoje, está na hora de implementar uma quarta revolução tecnológica para o bioma da floresta amazônica, baseada na biodiversidade e na biotecnologia. E não só para permanecer presa à pesquisa nos laboratórios, mas sim destinada a vários níveis de utilização. A questão dos fármacos é fundamental; avançamos muito em Manaus, onde já existe a construção de um pólo cosmético na base de óleos vegetais e um pólo de extratos, em que Coca-Cola e Pepsi-Cola são os grandes compradores. Há dados revelando que os extratos já respondem por 1/3 das exportações da Zona Franca de Manaus. Representa a primeira grande mudança no modelo da Zona Franca estabelecido há quarenta anos voltado para a produção de eletro-eletrônicos, seguido da indústria de duas rodas (motos e bicicletas) e que agora está se voltando para a biodiversidade e biotecnologia, ainda que modestamente. Repito, a sociedade deve pressionar pela questão da biotecnologia, e para avançar em direção à produção de fármacos. Gastamos milhões com remédios enquanto a biodiversidade é distribuída ou permanece sem aproveitamento. E também pressionar para ligar a biotecnologia à produção de produtos não madeireiros, no seio da floresta, formando cadeias produtivas, e mesmo produtos madeireiros, porque as florestas e a biodiversidade são a grande base da riqueza regional. Rumo, então, à revolução tecnológica para o bioma florestal amazônico. o0o

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Notas e Referências Bibliográficas 1

CEDEPLAR - Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais.

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PACHECO, C.A. 1996. “Desconcentração Econômica e Fragmentação da Economia Nacional” in Economia e Sociedade. Campinas: Unicamp. v.6, p.113 - 140.

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DULONG, R. “A crise da relação Estado/sociedade local vista através da política regional” in POULANTZAS, N. (org.). 1977. O Estado em Crise. Rio de Janeiro: Graal.

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MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra - Brasil.

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SIPAM - Sistema de Proteção da Amazônia..

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ALCA - Área de Livre Comércio das Américas..

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FARC - Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia..

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POLÍTICA NACIONAL

DESENVOLVIMENTO REGIONAL: UMA PROPOSTA PARA DISCUSSÃO

DE

Tânia Bacelar de Araújo Antônio Carlos F. Galvão Ronaldo R. Vasconcellos Maria José Monteiro Frederico Kramer Costa João M. da Rocha Neto Susana L. Lins de Góis 1. Introdução Este artigo objetiva apresentar e submeter à discussão a proposta de Política Nacional de Desenvolvimento Regional – PNDR – elaborada pelo Ministério da Integração Nacional - MI. A proposta reflete um conjunto amplo de idéias que vêm sendo sugeridas já há algum tempo por especialistas do desenvolvimento regional brasileiro1 e que não lograram, até aqui, ultrapassar os limites da academia. O desafio é, portanto, vir a constituir política pública federal com a chancela dos poderes constituídos, dos entes federados e das forças sociais que animam este momento ímpar da vida política brasileira. Ela está voltada para a redução das desigualdades regionais e para a ativação das potencialidades de desenvolvimento das regiões, através da valorização da magnífica diversidade regional do país. 2. Contexto atual O desenvolvimento recente reanima forças centrípetas de articulação metropolitana que atestam a lógica espacial predominante do sistema econômico mundial. A tendência à concentração de meios de produção e força de trabalho em determinados pontos do território é motivada pelas circunstâncias que se vão impondo na dinâmica do jogo do mercado e das políticas públicas. Na atual conjuntura, a força das decisões do setor privado se acentua, especialmente com os movimentos de internacionalização dos grandes conglomerados mundiais, da liberalização financeira e de reestruturação produtiva que se encontram na raiz da chamada “globalização”. Em conseqüência, acirram-se as desigualdades sociais e regionais, aumentando a necessidade de que se organizem políticas capazes de minorar seus efeitos negativos e reafirmar a coesão social e territorial das nações.

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Os países menos desenvolvidos tendem a enfrentar maiores dificuldades numa situação na qual os grandes blocos de capital e as corporações que os representam ganham liberdade de movimento e se estruturam para se deslocar velozmente pelos mais dispersos pontos do planeta, utilizando os territórios nacionais como plataforma de operação. Faltam a esses países instrumentos para retirar maiores contrapartidas da presença dessas corporações em seus territórios, incapazes que estão, pelas regras reinstituídas da “boa conduta social e econômica”, de regular os fluxos que movimentam as redes globais. Nesses termos, o desenvolvimento tende a privilegiar certas localidades, enquanto inabilita ou deixa de lado outras, muitas vezes levando mais em conta o interesse das corporações que das nações.2 De maneira geral, as atividades econômicas dinamizam-se em áreas que apresentam condições de atração locacional, ou seja, que contam com atributos vantajosos de infra-estrutura, com recursos humanos qualificados e qualidade de vida da população aceitável, mostrando-se adequadas à instalação de empreendimentos modernos e à geração de maiores lucros (Ajara 2001). A provisão dos meios necessários e o estímulo à adoção de posturas favoráveis ao pleno desenvolvimento das atividades produtivas tem sido a via para que se alterem paisagens, culturas, modos de vida e as estruturas e relações sociais em diversas localidades, no curso de certo período de tempo. Áreas excluídas pelo mercado, de outro lado, tendem a permanecer à margem dos fluxos econômicos principais e, assim, a apresentar menores níveis de renda e bem-estar, o que termina por instigar o esvaziamento populacional e os fluxos migratórios para áreas mais dinâmicas ou de maior patrimônio produtivo instalado. Mesmo algumas regiões que presenciaram certo grau de desenvolvimento anterior e estiveram inseridas em circuitos relevantes podem passar a mostrar sinais de estagnação e letargia social e econômica. Em outras palavras, enquanto certas áreas assistem a um uso intenso dos recursos disponíveis, outras vêem seus potenciais de desenvolvimento sub-utilizados. A configuração territorial, resultante desse mosaico de situações díspares quanto à inserção produtiva, conforma e reafirma situações de desigualdade entre indivíduos, empresas e regiões. Os desbalanceamentos observados, no entanto, são passíveis de alteração pelo impulso de políticas de desenvolvimento regional. Políticas de desenvolvimento regional, de forma geral, estiveram na base das tentativas de mudança das condições sócio-econômicas

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das regiões de uma nação. Desde a difusão intensa dessas políticas no pós-guerra, mobilizaram-se investimentos vultosos em grandes obras de infra-estrutura ou na implantação de unidades de produção de peso, que tendiam a reordenar o território contíguo, produzindo efeitos sobre as populações nele residentes. Forças exógenas, sobretudo, contribuiriam para subverter o estado de subdesenvolvimento de certas regiões, como na resposta sugerida por Myrdal (1960) ao fenômeno da causação circular cumulativa, hoje corroborada pelas conclusões da Nova Geografia Econômica de Krugman (1992) e seguidores. Mas nem sempre os efeitos alcançados foram suficientes para transformar realidades sócioeconômicas arraigadas. Muitas vezes, ao se criarem enclaves regionais, faltaram complementos importantes para que tais forças alcançassem, de fato, as populações locais. A regulação prévia à tomada de decisão privada sobre os investimentos e o monitoramento das iniciativas com vistas a assegurar minimamente os interesses das populações circunvizinhas pareceu crescentemente desejável. O desenvolvimento das regiões podia se beneficiar diretamente dos grandes investimentos, desde que iniciativas complementares fossem implementadas, impulsionando maior agregação de valor na região, maior conexão com as estruturas de produção preexistentes, a criação de empregos diretos e indiretos e assim por diante. Uma nova visão reclamava maior atenção para as forças endógenas do sistema regional e para o tecido social e cultural vigente nessas regiões. Era necessário encetar processos de desenvolvimento desde a base das relações sociais existentes no sistema, de “baixo para cima” (Stöhr 1972), desenvolver “meios inovadores” (Aydalot 1979) ou explorar as potencialidades de um ambiente favorável às inovações (Dosi 1984; Lipietz e Leborgne 1988, Harvey 1989). No novo cenário do final do século XX, que revalorizou a dimensão regional e as respectivas políticas a ela dirigida, grandes corporações e pequenas e médias firmas passaram a se beneficiar da flexibilidade de organização produtiva e da mobilidade locacional na exploração das potencialidades regionais e dos meios sócio-culturais mais adequados ao seus anseios de expansão e lucro. Nem tudo está, no entanto, capturado ou movido pela parte mais poderosa e dinâmica do sistema. A vida social e econômica persiste nas áreas periféricas, realimentando circuitos secundários de valorização dos capitais ou de iniciativas de organização alternativas que animam a vida quotidiana de amplas camadas da

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Política Regional PolíticaNacional Nacional de de Desenvolvimento Desenvolvimento Regional

população. Dessa forma, mesmo nas franjas menos significativas do sistema econômico, recursos mal ou pouco aproveitados podem ser melhor mobilizados, desde que hajam estímulos para tanto uma postura que chama atenção novamente para o esforço inovador demandado pelo desenvolvimento regional. A criatividade e capacidade de organização coletiva das populações pode perfeitamente explorar brechas para a inclusão social e econômica e, assim, reencontrar nichos de inserção sustentada nos mercados. O caso recente do Seridó NorteRiograndense parece exemplar. A partir do estímulo à habilidade da mão-de-obra local para fabricar bonés, foi possível alterar sensivelmente o quadro sócio-econômico negativo antes existente, gerando-se emprego e renda para a população de seu principal centro urbano. Com apoio e empenho para planejar seu próprio desenvolvimento, populações que enfrentam problemas podem se organizar para buscar respostas concretas a seus desafios. Políticas nacionais de desenvolvimento regional possuem, assim, novo espaço para agir. Não precisam mais lidar apenas e exclusivamente com a atração de empresas de grande porte, dos empreendimentos motores do crescimento. Mas agora estão abertas à exploração das relações sociais de cooperação e de compartilhamento de visões de futuro e projetos de desenvolvimento dos membros da sociedade regional. 3. Objeto O objeto principal da Política Nacional de Desenvolvimento Regional – PNDR são as profundas desigualdades de níveis de vida e de oportunidades de desenvolvimento entre unidades territoriais ou regionais. Os diferentes potenciais de desenvolvimento das diversas sub-regiões, que refletem a diversidade social, econômica, ambiental e cultural presente no País, são a matéria-prima das políticas regionais. É para atuar nessas duas direções, de forma clara e direta, que se justifica a existência da PNDR. Atuar nos territórios que interessam menos aos agentes do mercado, valorizando suas diversidades, configura-se como uma estratégia para a redução das desigualdades. Ou seja, a desigualdade de renda, na sua expressão territorial, decorrente da ausência e/ou estagnação da atividade econômica é o que interessa a esta política; reduzi-la ajuda a construir um país de todas as regiões e não apenas de algumas. No caso de um país continental como o Brasil, além da redefinição de sua inserção mundial, parece cada vez mais evidente o imperativo

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de combater desigualdades e trabalhar a diversidade como um ativo essencial do modelo de desenvolvimento. E isso nos remete, obrigatoriamente, à políticas que tenham por eixo a estruturação de iniciativas inovadoras desde a base territorial do país, que contêm o engajamento das diversas forças sociais e políticas das regiões. O sentido maior de uma PNDR é, assim, duplo: de um lado, encetar e sustentar uma trajetória de reversão das desigualdades regionais que, a exceção de curtos períodos históricos, não pararam de se ampliar no Brasil; de outro, explorar, com afinco, os potenciais endógenos da magnificamente diversa base regional de desenvolvimento, em conformidade com os fundamentos sociais atuais de uma produção mais diversificada e sofisticada, mas portadora de valores sociais regionalmente constituídos. Alguns problemas, naturalmente, possuem maior afinidade com o desenvolvimento regional. De modo inverso ao que muitos pensam, o objeto da PNDR não é o combate à pobreza, que constitui um problema afeto a outros campos de ação pública. Se assim fosse, no caso brasileiro atual, o mapa de intervenção da PNDR levaria o Governo a priorizar as áreas metropolitanas, mais ricas e dinâmicas mas, hoje, concentradoras de enormes contigentes de pobres. Pobreza e desigualdades regionais, no entanto, mostram-se convergentes em muitos lugares e seus respectivos mapas de referência se assemelham em várias regiões, nas quais, em muitas situações, as posições relativas se superpõem. Mas uma categoria não é redutível à outra. Identificam-se bolsões de pobreza nas regiões de baixos níveis de rendimento domiciliar médio por habitante. Mas esses também se fazem presente em áreas de alto nível de rendimento médio domiciliar. No caso da Região Metropolitana de São Paulo, por exemplo, que congrega o maior número absoluto de pobres no País, convive-se com um rendimento domiciliar médio elevado, que afasta os cartogramas, apresentados adiante, de um e de outro fenômeno. O combate a pobreza, pelas políticas sociais, que também poderá ser implementado com base em unidades territoriais definidas, deverá estar articulado com as ações e programas da PNDR nas suas áreas de prioridade. De certa forma, as políticas urbanas buscam responder igualmente a este campo de preocupações, articulando respostas desde a perspectiva da provisão dos serviços públicos essenciais e da acessibilidade das populações à sua oferta. Desta forma, os espaços não incorporados a contento pela dinâmica capitalista justificam a intervenção do Estado, que objetiva a redução das desigualdades sócio-econômicas por meio de criação

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das condições necessárias ao desenvolvimento das atividades econômicas, inserção da população no mercado de trabalho, implantação de infra-estrutura e dos serviços básicos de saúde, educação, dentre outros. O fundamento da Política reside na oportunidade de que se articulem iniciativas de cunho territorial tendo em vista ampliar os níveis de coesão e integração das estruturas sócio-econômicas espacialmente distribuídas. 4. Premissas A PNDR compreende uma política de governo e não está restrita a um único ou a poucos ministérios, ainda que se admita alguma ênfase no papel que o Ministério da Integração Nacional deva exercer na sua formulação e na coordenação do processo de sua implementação. Mas mesmo essa última função deve ser compartilhada com as áreas de coordenação geral das ações de Governo, como a Casa Civil da Presidência da República, a Secretaria Geral de Governo e o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Para um conjunto de políticas mais próximas, que têm como substrato comum o território, os afinamentos parecem obrigatórios, como nos casos da Política Urbana, a cargo do Ministério das Cidades; da Política Ambiental, do Ministério do Meio Ambiente; ou ainda, do Desenvolvimento Agrário, a cargo do Ministério homônimo. O diálogo entre a Política Regional e estas outras precisa ser muito próximo pelo evidente caráter de complementação que preside suas relações. Três outros conjuntos de ministérios precisam fazer suas políticas e ações dialogarem com o objetivos de redução das desigualdades regionais: a) os da infra-estrutura; b) os de promoção do desenvolvimento; e c) os de implementação de políticas sociais e assistenciais. Acrescenta-se ainda, considerando a complexidade do território brasileiro, que a Política requer uma abordagem em múltiplas escalas. Não só os elementos das agendas de desenvolvimento possuem espacialidades variadas, como também existe a necessidade de articular as iniciativas dos vários entes federados e da sociedade civil em torno de objetivos, diretrizes e metas comuns, compartilhados por todos. As escalas de atuação determinam, em larga medida, as agendas efetivas da PNDR e ajudam a traçar as linhas de distinção entre ela e as demais políticas. A PNDR deve ser antes de tudo nacional, porque essa é a escala preferencial compatível com a perspectiva de regulação do fenômeno

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das desigualdades. Mesmo a ativação dos potenciais de desenvolvimento das regiões e a exploração das diversidades devem se fazer desde a União tendo por referência o quadro objetivo das desigualdades, sob pena de obtenção de resultados contraditórios aos almejados. Para evitar certa autonomização típica dos “localismos”, a PNDR deve contar sempre com uma regulação nacional. Mas o mais complexo na proposta da PNDR deriva mesmo do fato dela não se limitar ao campo de atuação de um Ministério. Dessa maneira, iniciativas que buscam intervir sobre outros problemas devem, na medida do possível, responder aos critérios emanados da PNDR. Isso demarca uma divisão de trabalho interna à Política: de um lado, os espaços onde a governabilidade é indireta e prevalece, sobretudo, a capacidade de persuasão dos parceiros para os seus propósitos; de outro, os espaços de intervenção mais direta, em que predominam os programas de desenvolvimento regional que devem constituir efeito básico de demonstração do norte das ações. Nesse último caso, a Política deve organizar as ações com autonomia e consistência, pois se precisa ganhar expressão por todo o espectro das ações de governo e da sociedade, catalisando esforços dirigidos a outros campos. Deve, ainda, ser capaz de mobilizar os recursos necessários e de operar com eficiência e eficácia seus instrumentos de ação mais direta. Com isso, será capaz de responder aos principais desafios e problemas do desenvolvimento regional, permitindo o alcance de resultados efetivos na redução das desigualdades e na exploração de potenciais de desenvolvimento das regiões. 5. Diagnóstico Para efeito de orientação dos programas de desenvolvimento regional e também com vistas ao estabelecimento de uma referência obrigatória para o diálogo entre a PNDR e as demais políticas de Governo, organizou-se uma visão da configuração regional e da dinâmica recente a partir de um conjunto selecionado de variáveis. O objetivo é fornecer um suporte mínimo e informar o conjunto de iniciativas voltadas para a redução das desigualdades regionais e a ativação dos potenciais de desenvolvimento das regiões. Este pequeno diagnóstico, como veremos, ajuda a construir um conjunto de critérios para priorizar a seleção das sub-regiões que devem merecer prioridade da PNDR e que ajudam na estruturação de uma referência para outras políticas.

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5.1 Metodologia A metodologia parte da análise de cartogramas, tendo por base a escala microrregional. Alguns cartogramas de diagnóstico nos ajudam a construir uma visão mais atual das desigualdades e diversidades regionais. A base de dados compreende categorias retiradas dos Censos Demográficos do IBGE (1991 e 2000) e as estimativas dos Produtos Internos Brutos dos municípios realizadas pelo IPEA para os anos de 1990 e 1998. As variáveis selecionadas buscam retratar a ocupação do território e sua tendência de evolução no último período intercensitário. Procura-se exprimir as características particulares que qualificam a população residente quanto a atributos específicos, tais como o rendimento domiciliar médio por habitante e o grau de alfabetização e a sua localização urbana e rural. Para cobrir características e atributos da produção, agrega-se ainda uma aproximação da base econômica associada à unidade microrregional através da taxa de crescimento médio anual do PIB no período 1990/1998, que junto com a taxa de crescimento da população 1991/2000 representa a dinâmica socioeconômica do período. Embora algumas variáveis se espelhem nos domicílios ou nos indivíduos, a exemplo de rendimento/habitante, o que se analisa e representa é um atributo territorial, característico da Microrregião Geográfica (MRG) e representado pelo valor médio observado, no intuito de buscar padrões e tipologias decorrentes de cada um dos atributos. A análise da distribuição das variáveis é feita em sextis, definidos automaticamente pelo software de estatística espacial utilizado. O valor mínimo observado constitui o limite inferior e o máximo, o superior. Os três sextis inferiores separam-se dos outros três superiores pela mediana. Os limites intermediários dependem da distribuição efetiva dos eventos em cada subclasse. Por fim, cabe alertar a necessidade de interpretar com cautela os dados da região Norte, face à baixa densidade populacional e à maior extensão das áreas microrregionais. Nos cartogramas, isso provoca certa ilusão de ótica, magnificando a posição das microrregiões do Norte. De outro lado, a rarefação populacional desta região causa maior instabilidade ou sensibilidade dos dados à pequenas variações.

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5.2 Análise dos Cartogramas A distribuição da população no território brasileiro (expressa através da densidade demográfica das microrregiões geográficas, ilustrada no cartograma 1) revela que grande parte da população se estabelece nas áreas próximas ao litoral, no entorno das metrópoles e capitais estaduais, e ainda em alguns centros urbanos dispersos no interior do país, a exemplo de Manaus, Brasília ou Goiânia. Nestas áreas encontram-se as maiores densidades demográficas, superiores a 54 hab/km². A este adensamento litorâneo se contrapõe a existência de extensas áreas com níveis de densidade muito baixos (menos de 11 hab/km²). É neste espaço que se encontram as áreas de ocupação menos densas, notadamente no Norte e Centro-Oeste e em parte do Semi-Árido nordestino, cuja ocupação se associa a baixa capacidade de absorção de mão-de-obra ou ao baixo dinamismo das atividades ali localizadas ou ainda a sua tardia ou deficiente integração às áreas mais dinâmicas do país. Esta heterogeneidade não é, entretanto, presente em todo o território. Constata-se uma maior homogeneidade nas regiões Sul e Sudeste, que mostram valores superiores a 29 hab/km², com exceção da metade norte de Minas e de algumas sub-regiões do Rio Grande do Sul, com densidade abaixo de 11 hab/km².

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O padrão de distribuição populacional acima descrito tem sua origem no processo de colonização e de ocupação do território brasileiro, inicialmente estabelecido em torno das áreas litorâneas e dos principais portos e, a seguir, a partir de uma lógica produtiva que utilizou os espaços interiores para dar sustentação as atividades exportadoras. A lógica da produção voltada para o mercado externo, concentrou as atividades mais dinâmicas nestas regiões, enquanto o interior do país ficou à margem deste processo. A penetração da ocupação para o interior fez-se inicialmente com a exploração do ouro e outros minérios e, posteriormente, com a expansão da fronteira agrícola, de início com a criação extensiva de gado, e posteriormente, com a exploração de lavouras comerciais – atividades que marcaram e foram responsáveis pelo estímulo à ocupação do interior do país. Este padrão de ocupação do território vem sendo lentamente alterado pelo processo de crescimento populacional observado nas duas últimas décadas (Cartograma 2). As taxas de crescimento da população hoje observadas indicam um lento, porém constante e marcante, processo de interiorização de população. Seja na Amazônia, onde sua vasta porção de florestas e outras formas de vegetação natural sempre foram uma barreira considerável a ocupação humana (a exemplo de Alto Solimões, Boa Vista, Sudoeste de Roraima e Macapá), seja em vastas áreas do cerrado, observase uma crescente pressão antrópica perceptível com o aumento da população que ocupa aquelas regiões.

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Também merece destaque o crescimento da população no entorno de pólos de desenvolvimento tais como Brasília, PetrolinaJuazeiro ou no entorno de eixos de penetração, nos estados da Bahia e Mato Grosso e na região de Palmas/Tocantins, áreas que são direta ou indiretamente produto da intervenção do poder público seja na promoção de investimentos massivos, seja através da oferta concentrada de empregos e serviços públicos. Entender a lógica de ocupação do espaço, expressa pelo movimento migratório e pela consolidação da estrutura econômica intrarregional, fornece pista essencial para a definição dos espaços prioritários de atuação da PNDR. A análise das características socioeconômicas da população realça um padrão territorial diferenciado. Aqui, ao contraste litoral versus interior se contrapõe um contraste norte/sul bem marcado, onde se ressaltam diferenças regionais marcantes. Num primeiro plano, os níveis de alfabetização, apresentados no cartograma 3, e o grau de urbanização da população residente, visto no cartograma 4, exemplificam bem este padrão, ao secionar em dois o território nacional. De um lado, o Centro- Sul (Sul, Sudeste e parte do Centro-Oeste) com altos níveis de alfabetização (maiores que 82%) e de urbanização (maiores que 54%) e, do outro, o NorteNordeste, com ainda boa parte da população no campo (mais que 40%) e níveis de alfabetização aquém, em grande medida, dos 50%, com exceção de suas capitais e principais centros urbanos.

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O cartograma 4 identifica, de forma homogênea, a concentração das maiores taxas de urbanização nas regiões Sul, Sudeste e Centro– Oeste, com exceção na parte central do estado do Paraná e em algumas poucas áreas nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Essas macrorregiões, caracterizadas por maiores taxas de urbanização, coincidem com as regiões mais desenvolvidas do país, daí se podendo inferir que as redes de cidades constituem um suporte importante ao desenvolvimento. Por outro lado, nas regiões Norte e Nordeste prevalecem áreas com baixos níveis de urbanização. As exceções apresentadas são as capitais das suas unidades federativas e os seus principais centros urbanos, a exemplo de Mossoró e Campina Grande. Nessas regiões predomina o ambiente rural, aspecto relevante para a escolha da estratégia a ser adotada para o desenvolvimento dessas regiões. De modo geral, as áreas com baixo grau de alfabetização coincidem com as áreas com baixo grau de urbanização, o que corrobora o predomínio do baixo nível de escolaridade no meio rural.

A distribuição dos níveis médios de rendimento domiciliar por habitante de cada microrregião em relação a média brasileira, aqui tomados como um atributo territorial, mostra um padrão semelhante às características socioeconômicas analisadas. Como se vê no cartograma 5, os percentuais em questão, destacam áreas, cujo 39 39 BRASIL SEC XXI - Atualizado Com Páginas em PDF.indd 39

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tom se aproxima do branco e do cinza claro, em que essa proporção se apresenta em patamares bem mais baixos, que vão de 16% a 33% da média nacional. Estas áreas, numerosas, predominam no Norte e Nordeste, também se identificam com menor freqüência em algumas MRG do Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país. De fato, a muitas destas regiões também se associam taxas negativas de crescimento do PIB, tanto a posição estática como dinâmica de certas áreas converge nesses casos para configurar um quadro de maior gravidade perante o desenvolvimento regional, como é o caso das MRG de Euclides da Cunha e Jeremoabo, na Bahia; de Santana do Ipanema e Vale do Ipanema, em Alagoas e Pernambuco, respectivamente, e dos Lençóis e Baixada Maranhense e Gurupi, no Maranhão.

No outro extremo, as MRG com rendimento ligeiramente inferior ou maior que a média nacional se concentram nos estados do Sul e Sudeste do país e já se identificam entre unidades presentes em estados da chamada fronteira oeste, como Mato Grosso e Rondônia. Distribuem-se entre as regiões que tradicionalmente estiveram incorporadas à dinâmica econômica do país, ou que estão em franco processo de integração à economia global (caso das áreas de expansão da lavoura comercial da soja, do milho e do algodão), ou que ainda se articulam às áreas de concentração urbana, em torno de algumas regiões metropolitanas e capitais do Nordeste. Estes

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conjuntos territoriais e as áreas à sua volta expressam o mesmo padrão de espacialização observado para a distribuição dos níveis de alfabetização e de urbanização. Assim, os menores níveis de rendimento estão associados a grande parte do sertão nordestino, incidindo, na região Norte e sobretudo no estado do Amazonas, MRG com essas características. Eles praticamente inexistem na região Sul e Sudeste, com exceção da porção norte de Minas Gerais, área tradicionalmente incorporada ao Semi-Árido. Embora os níveis intermediários de rendimento (patamares logo inferiores a média nacional) tenham uma distribuição mais disseminada,continuam sendo a característica principal da região Centro-Sul. Nas outras áreas predominam níveis de rendimento em torno da metade da renda média nacional, com destaque para o Centro-Sul e algumas regiões de fronteira econômica do Norte-Nordeste.

À semelhança da dinâmica populacional, que se contrapõe à distribuição territorial da população, a dinâmica econômica (expressa pela taxa de crescimento do PIB microrregional - cartograma 6) se contrasta com a renda das sub-regiões (vista através da distribuição do rendimento médio em relação a média brasileira no cartograma 5). Mais uma vez, observa-se a inexistência de um padrão regional bem definido, dando fundamento aos movimentos e migrações populacionais que buscam melhor inserção socioeconômica.

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Destacam-se as áreas interioranas em contraposição ao litoral. A dinâmica agropecuária, característica da última década, parece contrastar com a crise da economia urbana-industrial que perdura desde o final da década de 80. 6. Os critérios básicos da Política Nacional de Desenvolvimento Regional - PNDR 6.1. Escalas e instâncias de Referência da PNDR Cabe ao MI e demais órgãos envolvidos na coordenação da PNDR articular e discutir com os demais ministérios os investimentos estratégicos para a redução das desigualdades, bem como definir os critérios e selecionar os espaços sub-regionais que devem ser prioritários para a alocação dos recursos mobilizados pela Política. Para isso, a PNDR deve contemplar as instâncias de articulação, formulação e operação, de acordo com as escalas básicas intervenção. A instância nacional compreende aquela de definição dos critérios gerais de atuação no território, identificando as sub-regiões prioritárias para intervenção da PNDR e os espaços preferenciais de intervenção das demais políticas sob a ótica de seu objeto - as desigualdades regionais de renda e as oportunidades e desenvolvimento entre as unidades territoriais do país. Aqui operase, essencialmente, na definição dos contrastes territoriais que devem matizar as iniciativas. Para exercer essa atividade, o Governo Federal conta com dois instrumentos iniciais importantes: a Câmara de Políticas Regionais e o Comitê de Articulação Federativa, ambos criados recentemente sob a coordenação da Casa Civil da Presidência da República. Nas instâncias macrorregionais, prevalece a atividade de elaboração dos planos estratégicos de desenvolvimento, a articulação de ações e a promoção de iniciativas especiais. A instância macrorregional é relevante no Norte e Nordeste, onde a missão do desenvolvimento regional envolve parte substancial dos respectivos territórios e reclama certo nível de concertação das ações numa escala superior à sub-regional. Também é importante, em certo grau, na Região Centro-Oeste. A proposta recente de recriação das superintendências de desenvolvimento regional, Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE, Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia - SUDAM e Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste - SUDECO, justifica-se pela necessidade da presença de órgãos com esse perfil, capazes de

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agir como braços de representação da PNDR mais próximos aos beneficiários e aptos a dialogar com essas forças sociais no entendimento e aperfeiçoamento de suas proposições estratégicas de desenvolvimento. Nas instâncias sub-regionais estão as ações predominantemente operacionais. Os Programas Mesorregionais constituem a unidade de articulação das ações nas sub-regiões selecionadas pelos critérios definidos para todo o território nacional, acoplando-se a eles espaços institucionais de concertação a essa escala, como fóruns e agências de desenvolvimento, conforme arranjos estabelecidos pelos atores sub-regionais. As ações são, portanto, desenvolvidas preferencialmente à escala mesorregional. Nesse âmbito, cabe assinalar, ainda, a importância das regiões do Semi-Árido nordestino e da Faixa de Fronteira como áreas especiais, ambas por serem estrategicamente importantes para o desenvolvimento e a integração nacional. A primeira, por ser uma sub-região tradicionalmente com precárias condições de vida e baixa atividade econômica; a segunda, por ser uma área estrategicamente importante para o objetivo da integração sulamericana. A idéia é apoiar os Programas Mesorregionais dentro de uma agenda pré-estabelecida, que inclui: infra-estrutura clássica de média e pequena escala, apoio à inovação e suas práticas e a arranjos produtivos locais, capacitação de mão-de-obra, apoio aos ativos relacionais e crédito para as unidades produtivas. Esse apoio ao Programa Mesorregional, previamente consagrado na aprovação do plano de desenvolvimento respectivo, traça as bases para o aporte do MI e para o trabalho de sondagem de possíveis parcerias relacionada às missões dos outros órgãos. 6.2. Os Espaços Sub-Regionais Prioritários para atuação da PNDR Com o objetivo de delimitar os espaços prioritários de ação de governo e tendo em mente os objetos da PNDR, propõe-se dar ênfase a duas variáveis: rendimento domiciliar médio e variação do Produto Interno Bruto - PIB. O rendimento domiciliar médio por habitante é uma variável estática que busca mensurar o poder de compra médio em um determinado território. A variação do PIB é uma variável dinâmica, que mostra a evolução da produção de um determinado espaço geográfico. Em nossa proposta, uma vez feita a superposição dos cartogramas compostos por estas variáveis, os

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espaços coincidentes definem as áreas a serem prioritariamente beneficiadas pela Política Nacional de Desenvolvimento Regional. O resultado do cruzamento daquelas variáveis nos cartogramas, considerando uma composição dos sextis originais em três conjuntos de resultados, alto, médio e baixo, (conforme se trate, respectivamente, dos dois sextis superiores, dos dois intermediários ou dos inferiores), levou a um conjunto de nove cartogramas. Estes nove cartogramas, reagrupados, espelham uma tipologia regional que apresenta quatro conjuntos territoriais distintos. A classificação pode ser visualizada esquematicamente no Quadro 1, que apresenta os quadrantes da matriz da tipologia dos espaços sub-regionais. O Quadro 1 retoma a idéia de que a definição destes critérios territoriais se aplicam especialmente aos programas de desenvolvimento sub-regional, cuja expressão atual no PPA 20042007 corresponde, no caso do MI, aos Programas PROMESO e o PROMOVER3, que deveriam ser financiados idealmente por aportes de um grande Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional. Quadro 1 ESPAÇO PRIORITÁRIO PARA AÇÃO: SUB-REGIÕES DA PNDR

ALTA RENDA RENDA MÉDIA E POUCO DINÂMICA

RENDA BAIXA E POUCO DINÂMICA

RENDA BAIXA E MÉDIA E DINÂMICA

PROMESO

PROMOVER

Políticas Sociais

FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL

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As MRG classificadas no primeiro grupo – alto rendimento domiciliar médio em termos relativos independente do dinamismo observado no período recente (cartograma 7), encontram-se predominantemente nas regiões Sul e Sudeste, as mais desenvolvidas do País, e também no Centro-Oeste, como nas MRG do Sul e Sudoeste goiano, em algumas do trecho inicial da BR- 163, próximo a Cuiabá, ou das microrregiões de Campo Grande e mesmo do Distrito Federal. As regiões Norte e Nordeste, ao contrário, apresentam manchas insignificantes nessa tipologia, a maioria relacionada às microrregiões das capitais, o que já denota um primeiro contraste importante. Cabe frisar que estes espaços tendem a não ser alvo prioritário de intervenção da PNDR, pois o aporte de recursos para eles implica tendência de reforço às desigualdades regionais. Tais sub-regiões têm, naturalmente, todo direito a lutar por seu desenvolvimento e de organizar planos estratégicos nessa direção, no que contam com o apoio do MI. Mas devem fazê-lo, preferencialmente, às custas dos próprios recursos e dos aportes dos respectivos governos estaduais. A lógica é a de que já concentram meios suficientes para lidar com seus projetos de desenvolvimento, não sendo necessário aportes adicionais de recursos da União. A PNDR é aqui solidária com essas iniciativas regionais. CARTOGRAMA 7

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Os três conjuntos seguintes compõem o espaço preferencial de atuação da PNDR, mas comportam significados distintos para as estratégias de desenvolvimento a serem enfrentadas nos programas sub-regionais. No período recente, as dinâmicas observadas no plano territorial relacionam-se principalmente à expansão da agroindústria e, em particular, ao complexo de produção associado à soja. Não por outra razão, o cartograma 8 tinge as MRG dos cerrados mato-grossenses e nordestinos. Mas também aparecem promissoramente áreas do Semi-Árido nordestino, do nordeste de Minas Gerais e do Pantanal. As MRG dinâmicas de menor renda (cartograma 8) possuem presença rarefeita nas regiões Sul e Sudeste. São mais freqüentes nos casos das macrorregiões Centro-Oeste e Nordeste, onde cobrem vastas extensões territoriais. A interpretação dos dados dessa tipologia leva a crer que se trata de um processo de transformação no período recente, sendo relativamente fácil para a PNDR apoiar as iniciativas existentes. CARTOGRAMA 8

A espacialização das regiões classificadas como média renda mas baixo crescimento produtivo (cartograma 9), o terceiro compartimento da tipologia, mostra uma dispersão por todo o território e um evidente problema de estagnação, com indicadores de crescimento baixos. 46 46

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CARTOGRAMA 9

As MRG classificadas nesse terceiro conjunto correspondem àquelas que de certa forma já apresentaram alguma dinâmica de crescimento no passado, mas que estão atualmente estagnadas. Quando se analisa o cartograma 9, identificam-se aí vastas porções dos territórios do Pará, Amapá e de Roraima, na Região Norte; do Espírito Santo, no Sudeste; e as MRG de Itabuna-Ilhéus, Porto Seguro, de Petrolina-Juazeiro, na Bahia, sendo que as duas últimas áreas já contam com atuação do MI e, por fim, o entorno do DF. Por último, as regiões de baixo crescimento e baixa renda (cartograma 10) que se concentram, sobretudo, nas regiões Norte e Nordeste do país, constituem um campo desafiador para a PNDR. Essas áreas apresentam, pois, um quadro em que convergem baixos indicadores de renda aliados ao crescimento pouco dinâmico, o que resulta em espaços problemáticos no que se refere aos desequilíbrios inter e intrarregionais. A atuação da PNDR nesse conjunto territorial, requer melhoria da articulação entre ministérios, em especial com aqueles que lidam diretamente com a questão da pobreza. Convém ressaltar que nas sub-regiões de renda baixa e pouco dinamismo econômico, se faz necessário a articulação da PNDR com as políticas sociais, uma vez ser insuficiente a ação unilateral da política regional, decorrente das precárias condições de vida nessas sub-regiões. 47

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CARTOGRAMA 10

6.3. A Síntese da Tipologia e seu rebatimento nas variáveis do diagnóstico A partir destes cartogramas originais que organizam cada um dos tipos sub-regionais identificados, pode-se chegar a um cartograma síntese, que assinala a área preferencial de atuação da PNDR (cartograma 11) no que respeita ao financiamento dos programas de desenvolvimento regional. No cartograma síntese, as áreas em branco estariam fora do escopo preferencial de atuação da PNDR, uma vez que se classificariam como de alta renda. As ações da PNDR se concentrariam nas regiões acinzentadas, as quais devem, inclusive, receber tratamento diferenciado, conforme as particularidades que apresentam. As situações de rendimento domiciliar médio e dinâmica de crescimento do PIB se desdobram no Quadro 2 numa nova leitura , à luz dos quatro mundos identificados, das variáveis de diagnóstico apresentadas anteriormente. As áreas de alta renda compreendem 12,6% do território brasileiro e concentram um contingente considerável de população (53,7% do total). Como resultado, caracterizam-se por um forte adensamento populacional, em torno de 85 habitantes por km², e

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elevado grau de urbanização, de 93,2%. Essas MRG, em conjunto, detêm 74% da renda domiciliar total e participam com 76% do PIB total do país no ano de 1998. Os indicadores das condições socioeconômicas também refletem um distanciamento considerável com relação às demais áreas: 90,3% da população é alfabetizada; o rendimento médio por habitante representa 139% da média registrada para o Brasil; apenas 66,6% da população reside em domicílio que possuem de rendimento domiciliar menor que 2 salários mínimos, o menor percentual dentre todas as outras regiões típicas. CARTOGRAMA 11

As áreas classificadas como dinâmicas de menor renda cobrem 30,3% do território brasileiro e participam com 9% da população, resultando em uma densidade de aproximadamente 6 habitantes por km², dos quais 57,9% encontram-se em áreas urbanas. Sua parte no PIB é de 4% do total, e a renda domiciliar oscila em torno também a 4%, o que se reflete na participação dos rendimentos médios por habitante, que se situa próximo dos 27%. Nessas áreas, 89,5% dos domicílios apresentam rendimentos de até 2 salários mínimos e 72% dos indivíduos são alfabetizados. As regiões de média renda e crescimento baixo ou negativo se estendem por 33,9% do território e participam com 28,9% da população (densidade de 17 habitantes por km²), da qual 75,3% é

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classificada como urbana. A participação desse conjunto territorial no PIB nacional alcança 15,6% do total e na renda domiciliar, cerca de 19%, fato que demonstra o peso das transferências de renda para estas MRG. A participação dos rendimentos médios por habitante situa-se em torno a 65%. A proporção de domicílios com rendimentos médios inferiores a 2 salários mínimos gira em torno de 85,8%. Cerca de 80% da população é alfabetizada. Por último, as regiões classificadas como de baixa renda e crescimento baixo ou negativo apresentam números que traduzem a dimensão da face mais aguda do problema regional brasileiro. Essas MRG compreendem, juntas, 23% do território nacional e apenas 8,4% da população, o que implica numa densidade demográfica baixa, próxima de 7 habitantes por km². O grau de urbanização é de 50,4%. No conjunto, sua participação no PIB nacional é insignificante, algo em torno de 2%, sendo a participação no conjunto total da renda domiciliar pouco superior, cerca de 3%, o que atesta novamente a presença de transferências positivas de renda. Ainda assim, a participação na renda por habitante esta próxima de meros 27% da média nacional, com 95,7% do conjunto de domicílios ali situados recebendo até 2 salários mínimos. A proporção de alfabetizados também se reduz a um patamar mínimo, de 61,6% da população. 7. Conclusões A tipologia espelha o cenário drástico de desigualdades regionais no País, representando uma referência objetiva que ajuda a informar as demais ações de política pública do Governo. O mapa que informa as áreas elegíveis para definição dos programas de desenvolvimento regional colabora para a conformação de diretrizes mais gerais voltadas para o objetivo de redução das desigualdades regionais. Sejam ações de infra-estrutura econômica, sejam ações de política social, há lugar para que, ao lado das considerações específicas tradicionais que justificam e orientam a tomada de decisão nessas políticas, estejam colocados, no mesmo plano, os critérios que informam as estratégias estabelecidas de desenvolvimento regional e a visão crua das diferenças de renda e condições de vida das populações. A PNDR constitui um claro desafio para o novo governo e a sociedade civil, pois ao lado das ações que se delineiam para uma atuação eficaz sobre as desigualdades pessoais de renda, colocase a urgência de um enfrentamento simultâneo do problema das desigualdades regionais. A abordagem do problema justifica-se até

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Quadro 2

Variação do PIB 1988 /1990

Rendimento Médio por Habitante (Brasil 2000=100) ALTO d e 93 a 204%

ALTA RENDA (140 MRG): · 53,7% População 2000 ALTA · 12,6 do Território de 3,87 a · 85 hab/km2 25,30% · 74,0% Renda Domiciliar · 139,0% Renda Méd/hab · 76,0% PIB Brasil 1998 · 143,0% PIB Brasil 1998/ Hab · 1,2% Tx. de Cres. PIB MÉDIA 98/90 de 0 a · 93,2% Grau de Urbanização 3,87% · 90,3% Grau de Alfabetização · 66,6% de Dom. C/Renda < 2 SM

BAIXA de -16,85 a 0%

MÉDIO d e 33 a 93%

BAIXO d e 16 a 33%

DINÂMICAS DE MENOR RENDA (120 MRG): ·9,0% População 2000 ·30,3% do Território ·6,0 hab/Km2 ·4,0% Renda Domiciliar ·27,0% Renda Méd/hab ·4,0% PIB Brasil 1998 ·20,0% PIB 1998/Hab ·0,7% Tx. de Cres. PIB 98/90 ·72,0% Grau de Alfabetização MÉDIA RENDA E BAIXO CRESCIMENTO (210 MRG): · 28,9% População 2000 · 33,9% do Território · 17,0 hab/Km2 · 19,0% Renda Domiciliar · 65% Renda Méd/hab · 15,6% PIB Brasil 1998 · 61% PIB 1998/Hab · 1,54% Tx. de Cres. PIB 98/90 · 75,3% Grau de Urbanização · 80,0% Grau de Alfabetização · 85,80% Dom. C/Renda < 2 SM

BAIXA RENDA E BAIXO CRESCIMENTO (87 MRG): · 8,4% População 2000 · 23% do Território · 7,0 hab/Km2 · 2,0% Renda Domiciliar · 2,0% PIB Brasil 1998 · 27% Rend/hab · 20% PIB 1998/Hab · 0,64% Var PIB 98/90 ·50,4% Pop. Urbanizada ·61,6% Alfabetizados ·95,7% Dom. C/Renda < 2 SM

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Tänia Bacelar Bacelar de de Araújo Araújo ee Antônio AntönioCarlos CarlosGalváo Galváo Tânia

mesmo pela forma territorialmente delimitada com que se tende a definir parte expressiva das ações incidentes sobre o campo social. Há lugar, pois, para uma PNDR que contemple múltiplas escalas territoriais, explore os potenciais da rica diversidade social, econômica e cultural das regiões e articule a ação entre os entes federados e as forças sociais em prol de um país que apresente maior inclusão social, seja mais robusto em sua economia e mais atento à sustentabilidade ambiental, e que mantenha-se atento à coesão e integração nacional. o0o Notas 1

São várias os registros destas contribuições, cabendo destacar Guimarães Neto (1997), CNI (1997), Galvão e Vasconcellos (1998), Araújo (2000), Bandeira (2000), Campolina Diniz (2002), Cano (2002), dentre outras.

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Cabe lembrar que a maioria destas corporações globais está sediada nos países desenvolvidos, o que implica maior capacidade de extração de benefícios dos resultados gerados por elas. Essa relação termina transformando esses países nos grandes beneficiários do arranjo atual, mesmo que seus governos também tenham perdido, em certa medida, graus de controle sobre as empresas.

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Programa de Promoção da Sustentabilidade de Espaços Sub-Regionais (PROMESO); Programa de Promoção e Inserção Econômica de Subregiões (PROMOVER).

o0o Referências Bibliográficas AFFONSO, R. 1999. “A federação na encruzilhada”, in Rumos. Os caminhos do Brasil em debate, Ano 1, nº 2. São Paulo: Editora Brazil Now Ltda, março/abril. AJARA. C. 2001. Brasil: espaços incluídos e espaços excluídos na dinâmica de geração de riqueza. Rio de Janeiro: Tese de doutorado PPGG/UFRJ. ARAÚJO, T. B. 2000. Ensaios sobre o desenvolvimento brasileiro: heranças e urgências. Rio de Janeiro: Revan e Fase. AYDALOT, P. 1979 Contribution a la theorie de la division spatiale du travail. São Paulo: FIPE, IPEA e BID, Seminário de Economia Regional e Urbana, agosto. BANDEIRA, P. 2000. Considerações sobre a renovação das políticas territoriais e regionais do Brasil. Brasília: Ministério da Integração Nacional. BRANDÃO, C. A. 2000. Localismos, mitologias e banalizações na discussão do processo de desenvolvimento. Campinas, mimeo. CANO W. 1998. Desequilíbrios regionais e concentração industrial no Brasil 1930/1970. São Paulo: IE/Unicamp, Ed. revista e ampliada. CASTELLS, M. 1999. A sociedade em rede. A era da informação: economia, sociedade e cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra, volume 1.

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Política PolíticaNacional Nacional de de Desenvolvimento Desenvolvimento Regional Regional COMISSÃO EUROPÉIA – CEC. 2001a. Second report on economic and social cohesion – Unity, solidarity, diversity for Europe, its people and its territory. Luxemburg, DG XVI - Regio. CHESNAIS, F. 1996. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã. CNI. 1997. Por uma nova política nacional de desenvolvimento regional Proposta CNI. Brasília. CONSÓRCIO BRASILIANA. 2000. Estudo dos eixos nacionais de integração e desenvolvimento, 3 vol. Brasília: BNDES. DINIZ, C.C. 2002. Repensando a questão regional brasileira: Tendências, desafios e caminhos. Rio de Janeiro: BNDES, mediu, setembro. DOSI, G. 1982. “Technological Paradigms and Technological Trajectories: A Suggested Interpretation of the Determinants and Directions of Technical Change”, em Research Policy, Vol. 11, nº 3. Amsterdam, North-Holland, junco. DUNFORD, M. 2002. “Theorising regional economic performance and the changing territorial division of labour”. Brighton, mimeo, abril. FREEMAN, C. 1986. The economics of industrial innovation. Cambridge: The MIT Press, 2nd edition. GALVÃO, A. C. F. e VASCONCELLOS, R. R. 1997. Política regional à escala sub-regional: Uma tipologia territorial como base para um fundo de apoio ao desenvolvimento regional. Brasília, IPEA, TD nº 665, agosto. GUIMARÃES NETO, L. 1997. Dinâmica regional brasileira, Brasília: IPEA. HARVEY, D. 1999. Condição pós-moderna: Uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Edições Loyola, 8ª edição (edição inglesa original, Basil Blackwell Ltd., 1989) KRUGMAN, P. 1997. Geography and trade. Leuven, London e Cambridge: Leuven University Press e The MIT Press, 7th printing. LIPIETZ, A. e LEBORGNE, D. 1988. “O Pós-Fordismo e Seu Espaço” in Espaço e Debates, Ano VIII, nº 25. São Paulo: NERU. MYRDAL, G. 1960. Teoria econômica e regiões subdesenvolvidas. Rio de Janeiro: ISEB, Textos de Economia Contemporânea N° 1. PERROUX, F. 1967. A Economia do Século XX. Lisboa: Herder. STHÖR, W.B. 1972. El desarrollo regional en América Latina: Experiencias e perspectivas. Buenos Aires: Ediciones SIAP. VELTZ, P. 1999. Mundialización, ciudades y territorios. La economia de archipélago. Barcelona: Editorial Ariel SA.

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Três processos interligados, desencadeados e em curso nas últimas duas décadas (a revolução tecnológica informacional, genética e energética; a formação de uma economia global com a reestruturação dos processos econômicos em escala planetária; a emergência de novas formas de produção e gerenciamento, com a constituição de redes de interações que vão do local ao global) contribuíram para uma alteração substantiva nas relações sociais de produção e na vida cotidiana em todas as partes do país e do planeta. A informatização da sociedade e a emergência de novas formas e processos produtivos marcam o ingresso no século XXI, no terceiro milênio da civilização ocidental, de uma forma tal que ainda estamos a buscar compreender o alcance de tais alterações. De certa forma, tais processos fazem com que o mundo pareça cada vez mais incompreensível (Randolph, 1991), constatação relevante não apenas para a produção do conhecimento, mas, principalmente por seu aspecto social e político relacionado aos novos enfrentamentos e disputas intra e inter-regionais onde não se pode ignorar o peso e a importância adquiridos pelos “novos” agentes sociais que têm por meta reorganizar as sociedades contemporâneas “de baixo para cima” (por exemplo, os novos movimentos sociais). A transformação das condições da produção em todas as esferas da vida social implica, se seguirmos Lefebvre (1991:59), em transformar não somente a reprodução do capital, do trabalho e mesmo o modo de vida (o cotidiano) das diversas classes sociais, mas em reorganizar, reestruturar o espaço onde se processa a reprodução das relações sociais de produção e da totalidade. Se por um lado temos uma globalização da economia, da cultura e de padrões de consumo e de vida, por outro, temos um tecido social heterogêneo e um espaço onde a diversidade impera. A constante

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Brasil Século XXI, regionalizar Regionalizarpara paraque? que?Para Para quem? quem?

dissolução e recriação da sociedade industrial, tal como a mitológica fênix, conforme assinala Marx na célebre passagem “tudo que é sólido desmancha no ar”, resulta na constante (re)estruturação e (dis)solução do espaço a cada momento – neste sentido tende a haver uma mudança em processos espaciais como a urbanização e a industrialização que contribuem para a (re)estruturação territorial e para a conformação de “novas” regiões e formas de regionalização. Intervém nestes processos distintos atores e agentes sociais, organizados e ou congregados a partir de interesses diversos, que, de certa forma, encontram sua expressão espacial em diferentes contextos territoriais, que tendem a configurar, ao longo do tempo, em última análise, o que se poderia caracterizar como uma coerência territorial (Harvey, 1985:146) e que Gurisatti (1999:83) ao estudar o caso da terceira Itália designa de DNA territorial. Poder-se-ia dizer, então, que a região seria uma resultante da construção histórica desta complexa coerência, construída a partir da dialética articulação (enfrentamento) de distintos processos sociais, que tende a conferir características específicas a um determinado espaço social, e a expressar os distintos interesses dos agentes e atores sociais envolvidos. Neste sentido, não há como negar, a região é antes de qualquer coisa um fato político, um “resultado de um equilíbrio de forças” como assinalava Kayser (1980:280), e expressão espacial de articulações sociais conforme Becker (1982: 24-25). No entanto, Santos (1996) chama a atenção para o fato que o grau, intensidade e escala de abrangência de tais articulações estariam relacionados historicamente, e em uma visão clássica da geografia (Vidal de la Blache), a uma relação de poder entre um centro e seu espaço circunadjacente, através de interações horizontais hierárquicas, que hoje conquistam novos contornos graças aos processos a que nos referimos, que permitem interações verticais que rompem com a hierarquia pretérita, configuram novas territorialidades e novas articulações regionais ao propiciarem interações diretas entre centros de 1a e 2a ordem (vide a respeito Friedman, 1986 e Sassen, 1994) e periferias antes subordinadas a outros centros, por exemplo, como a interação direta entre Porto Real (RJ-Brasil) e Wolfsburg (Alemanha – sede mundial da Volkswagen), ou ainda entre as tribos Carajás na Amazônia e Londres, sede da empresa de cosméticos que adquire a produção indígena de castanha do Pará. A Geografia, talvez seja hoje a área do conhecimento responsável pela abertura de novos caminhos e perspectivas para a reflexão dos fatos contemporâneos, em sua pugna por alcançar uma abordagem integradora que permita a compreensão da organização do espaço através do processo histórico. A cidade, o território e a

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região, enquanto fatos sociais e categorias do espaço social, não são frutos apenas da tecnologia e da divisão social e territorial do trabalho, enquanto objetos, mas em termos de qualidade enquanto processos e fluxos que neles se desenrolam. Não é mais possível reduzir a leitura de uma sociedade a seu modo de desenvolvimento, (con)fundir sistema social e conjunto histórico, nas palavras de Touraine ...libertar o estudo dos fatos sociais dessas duas concepções é alçar ao primeiro plano a análise das relações sociais (...) movidas por grandes orientações culturais. O que esvazia a representação da sociedade como uma construção de dois andares - infra-estrutura e super-estrutura... Estamos habituados a criticar as relações de produção e opôlas às forças produtivas. As máquinas, a informação, a mudança eram em si valores positivos: a cultura estava acima da sociedade. E eis que esta confiança em um mundo superior ao das relações sociais desmorona. Não há mais fuga nem refúgio possível. O poder está em toda a parte, e não escaparemos dele apelando aos deuses, ao Homem ou à História. Só podemos contar com nossas próprias forças, com nosso desejo de liberdade e com os movimentos sociais por ele estimulados. (1988: 109 e 116)

Partimos de uma concepção do espaço enquanto um produto social (Lefebvre, 1991:26), porém toda concepção de espaço pressupõe uma de tempo, de processo histórico, que compreendemos aqui enquanto um entremeado de fluxos e processos, que coexistem espaço-temporalmente e tendem a se tornar hegemônicos em determinados momentos e espaços, condicionados e propiciados pelas circunstâncias e práticas sociais, econômicas, políticas, culturais etc. e pelas correlações entre os diversos setores da sociedade. Não se tratam, portanto, de processos “novos”, mas de processos pré-existentes ou “adormecidos”. Os processos e fluxos assumem uma configuração de uma meada onde co-existem espaço-temporalmente. Não há assim uma determinação única, mas múltiplas determinações, onde em cada momento distintos processos e fluxos sócio-espaciais assumem um papel hegemônico, enquanto outros subjazem adormecidos e se transformam para num momento subseqüente assumirem um peso maior. Decorre daí a geração de distintas formas espaciais. Neste sentido não podemos estudar a organização do espaço social sem ter claro o que lhe antecede e sucede. Não numa perspectiva evolutiva de sucessão/substituição, mas numa perspectiva dialética de (re) e (de) construção e (re) e (dis) solução

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das formas, estruturas, processos e práticas, espaços onde o passado é imanente ao presente e ao futuro - e o espaço é uma condensação e cristalização do presente e do passado e da imanência futura. No presente, a produção do espaço social e concomitante estruturação e ordenamento territorial teriam por base a urbanização do território (Lefebvre, 1991; Santos, 1996) e a distribuição espacial das atividades produtivas, em que interviriam diversos agentes em múltiplas escalas articuladas e que teria por corolário a conformação de novas territorialidades, novas regiões e novas formas de regionalização (Santos, 1996; Santos e Silveira, 2001). Entre a região e a regionalização Um primeiro ponto a ser considerado ao nos propormos a tratar da região e da regionalização concerne às razões para se proceder a uma regionalização. Porque a retomada da região? A região em si remete de imediato a sua construção enquanto tal, o que nos conduz à indagação: Por que regionalizar? A quem ou para que servem as regionalizações? Sobre a região muito já foi dito, muito foi escrito, principalmente no âmbito da geografia (Becker, 2004; Castro, 1994; Corrêa, 1991; Gomes, 1995 e Haesbaert, 1999 entre outros). Trabalhos recentes (Haesbaert, 1999:15 e Santos, 1999:16) discutem a persistência da região enquanto categoria de análise. Devemos recordar que a região a despeito de todas as adjetivações que a acompanham e perseguem, é antes de qualquer coisa uma construção social que atende interesses políticos precisos, mesmo em se tratando de uma região funcional, ou da região natural. A sua taxonomia e categorização científica podem inclusive seguir distintos procedimentos científico-metodológicos e ter por base critérios e cartografias precisas. Muito embora, não haja meios de definirmos de forma categórica uma linha divisória precisa, um marco delimitador que permita ao cientista afirmar aqui termina uma região A e ali começa uma região B, pois o espaço é uma expressão de continuidades e descontinuidades físicas e sociais. Então, ressurge o espectro que assombrou durante décadas o pensamento social na geografia, no planejamento e na gestão territorial: como definir a região, como regionalizar? Como estabelecer que uma região econômica, social, natural esteja delimitada por coordenadas geográficas precisas? Qual o significado de tal ato? Ora, tal região é produto do pensamento social, de práticas hegemônicas e contra-hegemônicas, assim, é

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uma representação, e parte da construção social do espaço de uma sociedade. Espaço que é “secretado” historicamente (Lefebvre, 1991:38), na medida em que entendemos que cada sociedade produz o seu espaço e suas representações do espaço a partir de suas práticas espaciais e de seus espaços de representação, em um processo não isento de conflitos, uma vez que a “sociedade” não implica na existência de um consenso social, e comporta também os movimentos de resistência às ações hegemônicas. A região constrói-se a partir da ação de distintos agentes em múltiplas escalas articuladas que de certa forma encontram um rebatimento em práticas e processos sócio-espaciais histórica e geograficamente localizados, o que permite a Silveira (1999:386) salientar que o local e o global se afirmam e se negam dialeticamente na região. Uma regionalização pode fundamentar uma reflexão teórica ou atender às necessidades impostas por uma política setorial, uma prática de planejamento ou por propostas de desenvolvimento regional. As regionalizações possíveis para um mesmo território, espaço social, podem apresentar variações em função da finalidade a que se propõem a atender e poderão estar pautadas em modelos neoclássicos de localização - nunca suficientemente criticados ou esquecidos; em matrizes e análises fatoriais - modelos para isto não faltam, ou ainda ter por base concepções variadas desde as regiões funcionais até as regiões polarizadas. De fato, as regionalizações possíveis e existentes para um mesmo território são inúmeras e usualmente atendem a interesses extremamente precisos e este, parece-nos, é um primeiro ponto a não se perder de vista. Há que se considerar, ainda, que as regionalizações podem emergir da análise e reflexão conforme se destaquem ou não determinados elementos e fatores. Uma regionalização pode servir de base a propostas de desenvolvimento regional. Propostas estas cujo caráter irá variar conforme os objetivos a que se propõe a atender. Permanece, porém, a indagação se a questão é regionalizar para se elaborar e implementar políticas de desenvolvimento regional cabe questionar para desenvolver o que e como? Uma vez que de nada valem investimentos vultosos em infra-estrutura e suportes logísticos, como já assinalava a este respeito Harvey em 1985, seja em áreas não articuladas aos fluxos produtivos, seja onde não há dinâmica econômica própria, ou incentivos a investimentos econômicos – áreas econômicas deprimidas podem converter-se facilmente em sorvedouros de investimentos que beneficiam grupos

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específicos de interesses sem tocar nas questões de fundo – neste caso temos áreas como o Nordeste do Brasil e o Noroeste fluminense onde a despeito da “vontade política” e dos investimentos econômicos permanecem as estruturas de poder e regulação social com um aprofundamento das desigualdades sociais. De certa forma, no entender de Harvey (idem) o desenvolvimento regional estaria relacionado ao que designa de coerência regional, forjada historicamente pelos movimentos dos diversos atores, capital, Estado e as diferentes classes sociais em disputa pelo espaço – em que a evasão de um dos atores pode colocar em risco aquela coerência e resultar em um processo de des-re-territorialização de atores, processos e escalas. Que conduzem a novos arranjos, a uma re-organização do espaço social, que torna obsoletas as regionalizações pré-existentes e obriga-nos a refletir sobre novas formas de regionalização. Questão assinalada de forma pioneira por Milton Santos (1994) e desenvolvido mais tarde em “A Natureza do Espaço” (1996). Se até a, assim chamada, terceira revolução industrial as regionalizações faziam-se horizontalmente a partir da extensão das áreas de influência e da dominação e organização de uma extensão territorial a partir de uma cidade ou rede de cidades, Santos (1996:227-228) assinala que com as novas tecnologias de comunicação, as regionalizações passariam a se fazer verticalmente – a partir de inter-relações entre pontos – lugares – selecionados – ultrapassando as tradicionais hierarquias urbanas mediante redes de interações ou, ainda, em uma rede de cidades e lugares globais – neste sentido o esquema de Friedman (1986) de cidades globais seria um exemplo interessante. Todavia, ainda assim, temos que nos referenciar, também nas tradicionais formas de regionalização, que ainda permanecem, embora hoje a forma prevalente de regionalização concretize-se através de interações verticais – como tem sido inclusive frisado e veiculado através de inúmeros comerciais de TV ou mesmo de exemplos práticos em que o cordão de abastecimento de uma fábrica, principalmente no setor de material de transporte, deixou de partilhar uma contigüidade geográfica e carece de continuidade com a própria e onde as empresas de logística assumem um papel fundamental (como são os casos das fábricas da Volkswagen de ônibus e caminhões em Resende; da General Motors - Suzuki em Gravataí ou ainda a fábrica da Daimler Chrysler em Juiz de Fora – sendo que as duas primeiras trabalham sem estoques e a primeira adota o sistema taylor-made – sob medida). Não se tem mais como corolário da implantação de uma montadora a instalação e implantação de um cordão de firmas de autopeças e de acessórios.

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Estudos relativamente recentes da Anfavea e do BNDES apontam para uma forte oligopolização no setor de autopeças – que também ocorre na indústria automobilística e em outros setores importantes entre os quais o siderúrgico e o de bens não duráveis de consumo. Um exemplo é a fábrica da General Motors que fabrica o Celta em Gravataí, comercializado na Argentina como Suzuki-Fun, bem como os produtos da linha branca da Brastemp com a etiqueta Whirlpool norte-americana. Brasil século XXI Na última metade do século XX o Brasil mudou “sua cara”, de um país com traços predominantemente rurais com uma industrialização quase incipiente, temos hoje um outro país onde novas paisagens surgiram. Com base em resultados de pesquisas recentes (Diniz, 2001; vários em Gonçalves et alii, 2003) podemos afirmar que há no presente uma gama diversa de especificidades na implementação de empresas de última geração em um país de capitalismo tardio como o Brasil – o que em parte nos diferencia de processos de reestruturação e renovação industrial implementados em outras partes e países. Após 25 anos de planejamento autoritário os resultados obtidos em termos da desconcentração espacial da riqueza foram irrelevantes (vide a respeito os trabalhos de Araújo (1997 e 2000) e de Diniz, 2001) com uma complexificação e diversificação dos problemas sociais e econômicos. O Estado, responsável direto pelas políticas e implementação do planejamento, desde a última década do século XX converteu-se em promotor e financiador do planejamento, implementado em parceria com iniciativas privadas, com o objetivo de inserir e articular o país aos fluxos globais e torná-lo competitivo internacionalmente. Neste sentido, temos os programas dos governos FHC, “Brasil em Ação” e “Avança Brasil” que definiram eixos de integração e pólos de investimento. Contexto, em que o BNDES passou a desempenhar um papel fundamental na articulação da relação Estado-Empresa – com importante peso para o desenvolvimento econômico e regional. O problema que se coloca hoje no governo de José Luís Inácio Lula da Silva é o que fazer? Temos hoje o Plano de Ação do governo e está a esboçar-se uma política regional onde estão a ser ressuscitadas algumas instituições como a SUDENE1 e a SUDAM2, porém, que se pretendem com significados diversos de suas predecessoras. Cabe neste contexto questionar de que Nordeste e de que Amazônia estamos a falar?

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Se os geógrafos e planejadores hoje trabalham com novas formas de regionalização e deixam intocadas as regiões de governo, o capital, por sua vez (Levy, 2002), tem muita clareza da nova realidade regional, ao redesenhar o mapa geoeconômico do país no qual o Nordeste é pensado e encarado de forma fracionada, em que a Bahia e Sergipe constituem uma região à parte, assim como o Ceará, alheios ao Maranhão e Piauí por um lado e aos outros estados do Nordeste por outro; enquanto a região Norte aparece dividida em duas partes a partir dos limites entre os estados do Pará e do Amazonas. Regionalização esta que reflete a realidade econômica destas áreas e os interesses a elas direcionados. Na escala global, a inserção recente do Brasil na divisão internacional do trabalho alterou-se em função da atual etapa da globalização – o que permitiu ao Brasil assumir um papel intermediário entre os países avançados e os países de capitalismo tardio no mesmo estágio ou em estágios mais atrasados que nós – cabe aqui considerar que o Brasil deixou de ser um mero fornecedor de matérias-primas, alimentos in natura e semi-manufaturados. Atualmente a bandeja comercial, apesar do tímido volume das exportações, engloba uma série de produtos de alto valor agregado como aviões, automóveis, caminhões e aves entre outros. Em termos da indústria aeronáutica um sinal do dinamismo e competitividade deste setor são os recentes conflitos com o Canadá na disputa de mercados (Becker & Egler, 1993). Em relação à indústria automobilística há que se ressaltar que hoje o Brasil concentra um dos maiores leques de montadoras e fábricas de veículos automotivos em comparação com outros países. Enfim, há muito o mercado nacional deixou de restringir-se apenas ao mercado interno ou a América do Sul e já alcançou, além da América Latina, os países árabes, alguns países africanos a União Européia, a Rússia, a China e mesmo os Estados Unidos – por vezes através de marcas maquilladas. Mesmo no âmbito dos produtos alimentícios, dadas as atuais condições de produção intensiva e beneficiamento de alimentos, estes produtos também apresentam um valor agregado como é o caso da avicultura – o Brasil converteu-se no maior exportador mundial de aves e a produção é realizada em moldes industriais e envolve desde a aquisição de rações, vacinas, antibióticos, hormônios até equipamentos e máquinas de processamento, empacotamento e refrigeração – ou seja de um lado entram ovos fertilizados e do outro saem frangos inteiros ou em pedaços congelados e empacotados. Na escala nacional havia até a última década do século XX, conforme assinala Araújo (1997 e 2000) uma “quase” especialização

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regional derivada da prática de planejamento governamental orientada pela visão de uma complementaridade inter regional, que buscou dividir o Brasil em regiões especializadas (o Sudeste Industrial, o Centro-Oeste e o Sul como fronteira agropecuária, o Nordeste com bens intermediários químicos (BA) e têxteis (CE e RN) e o Norte como área de mineração e extração de produtos primários). Esta organização do espaço nacional estaria relacionada não só à prática de planejamento, mas também à dinâmica da produção regionalizada das grandes empresas (Araújo, 1997) e às respostas do Estado nacional à globalização. Esta especialização espacial da produção apenas agora (há uns cinco ou oito anos) começou a ser timidamente rompida, em virtude, da nova divisão internacional do trabalho, das novas condições de produção, das necessidades do capital e das disputas inter regionais. Exemplos, neste sentido, são a implantação difusa de montadoras de automóveis em diferentes partes do país: como a General Motors em Gravataí - RS, a Volkswagen em São José dos Pinhais (PR), em Resende (RJ) e em São Carlos (SP); além da fábrica da Ford na Bahia. Em menos de dez anos, de 1995 em diante, através de acordos localizados e investimentos diretos assistimos ao início de uma desconcentração industrial no Sudeste com a difusão de um amplo leque de indústrias em diferentes partes do país, meta perseguida com reduzido sucesso pelo Estado brasileiro durante pelo menos um quarto de século de prática autoritária de planejamento. A despeito das controvérsias neste sentido (Diniz, 2001 e Sabóia, 2001) é perceptível um deslocamento das unidades produtivas do centro (região Sudeste) para a periferia (Norte, Nordeste, CentroOeste e Sul) com a manutenção de suas sedes administrativas na região Sudeste, particularmente em São Paulo. Além da dispersão espacial das empresas industriais, outro indicador é o crescimento do emprego industrial em lugares e regiões sem uma forte tradição industrial como são os casos do Ceará e da região Sul, evidenciados nos dados do IBGE e assinalado também por Sabóia (2001:85) na seguinte passagem. A indústria brasileira tem passado por um forte processo de modernização e desconcentração espacial nos últimos anos. A guerra fiscal entre as várias unidades da Federação, os salários mais baixos nas regiões menos desenvolvidas, a proximidade de fontes de matérias-primas, o nível da infraestrutura local e o desenvolvimento do Mercosul têm provocado o deslocamento da indústria em direção a diferentes regiões. Alguns estados e regiões têm se destacado, beneficiando-se do processo de descentralização industrial.

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Brasil Século XXI, Regionalizar regionalizar para para que? que? Para Para quem? Enquanto o emprego se reduz na maior parte do País, estados como o Paraná, o Ceará e aqueles localizados na Região CentroOeste mostram um grande dinamismo, recebendo novas empresas industriais e apresentando forte crescimento do emprego. Em termos agregados, a Região Sul tem sido a principal beneficiária, aumentando sua participação nos mais diversos segmentos industriais.

Tal deslocamento poderia ser designado como um movimento de dispersão concentrada caracterizado por uma dispersão geográfica das plantas industriais pelo território nacional e uma reconcentração econômica e financeira das sedes administrativas e financeiras no Sudeste. Enfim, de um país rural com um arquipélago de cidades o Brasil converteu-se em uma nação urbana com uma economia nacional articulada marcada por profundas desigualdades sociais e espaciais. Pode-se dizer, que o papel econômico e a inserção do Brasil no mercado mundial alterou-se radicalmente desde que se deu início à substituição de importações em 1930, com o 1º governo Vargas. Além disso, a distribuição das atividades produtivas no território nacional foi alterada de forma radical se compararmos a atual distribuição de atividades produtivas e de população com a situação de outros países da América do Sul que ainda mantém uma forte concentração demográfica e econômica em torno de suas capitais e de um número reduzido de cidades de porte médio como são os casos do Chile, Argentina e Venezuela, os mais desenvolvidos da América do Sul. No Brasil a concentração econômica e demográfica permanece acentuada na região Sudeste, seguida pela região Sul, porém o território nacional encontra-se efetivamente ocupado, situação um tanto distinta da Argentina, onde uma das províncias mais ricas – a de Santa Cruz na Patagônia conta com uma população em torno de 400.000 habitantes e onde pelo menos 30% da população nacional está na Grande Buenos Aires e outros 20% na província vizinha de mesmo nome. Bem ou mal, temos metrópoles no Nordeste e no Norte e a região que abrange Brasília, Anapólis e Goiânia, em pleno cerrado, conta hoje com mais de cinco milhões de habitantes. As regionalizações e propostas de desenvolvimento regional elaboradas durante o período da ditadura militar possuíam um caráter geopolítico preciso na medida em que tinham por objetivo a ocupação do território. Prevalecia, então, conforme Moraes (1994:20) a idéia de conquista e ocupação do território em que o país era “pensado como um espaço a se ganhar e não uma sociedade”.

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Pode-se dizer, que de fato o território foi conquistado e ocupado, e como afirma polemicamente Becker (2004) não há mais espaços de fronteira – os que haviam já foram ocupados, trata-se agora de consolidar esta ocupação – no caso da Amazônia e Centro-Oeste e pensar no desenvolvimento regional em termos da sociedade – o que acarreta desdobramentos que vão além do desenvolvimento econômico. Assim, se hoje, tais propostas pretendem ter um caráter distinto isto obriga-nos a refletir e a buscar novas formas de regionalização. Convivemos hoje com uma regionalização herdada da ditadura militar, em que o Estado, dadas as características de um país de capitalismo tardio, tomou a si, mais uma vez, diversas tarefas que caberiam a uma burguesia nacional emancipada e internacionalmente articulada, como assinala Francisco de Oliveira em A Economia da Dependência Imperfeita. E, em 1953, no meio tempo, entre o Estado Novo de Getúlio Vargas e o desenvolvimentismo de Juscelino Kubistchek foi definida a Amazônia Legal, ao norte de um paralelo e a oeste de um meridiano... incorporando o oeste do Maranhão e o norte dos estados de Mato Grosso e Goiás – hoje Mato Grosso e Tocantins. Todavia, há que se considerar, a partir, do exposto, que se desenham novas tendências a serem levadas em consideração. Em particular o novo projeto geopolítico nacional. Entre 1940-70 a geopolítica nacional estava direcionada para o domínio-controle e expansão do poder “territorial” do Estado nacional, na tentativa de alcançar uma hegemonia política e militar na América Latina e no Atlântico Sul, que então se evidenciava através da concentração do aparato militar junto à fronteira Argentina. No período seguinte com a globalização, a alta seletividade espacial, a valorização econômica do eixo SE-S pelo Mercosul e a revalorização da Amazônia (biodiversidade/ narcotráfico), o projeto precedente foi substituído pela busca de uma nova inserção internacional articulada à formação de um bloco econômico no cone sul – o Mercosul. No presente defrontamo-nos com novas relações intra e inter-regionais articuladas à formação de uma nova posição geopolítica do Brasil e de suas diferentes áreas no cenário político-econômico internacional – em que a produção local deixou de estar limitada e voltada aos mercados interno e regional. Os impactos da globalização e da reestruturação da produção e do espaço social fazem-se sentir em diferentes escalas e localizações (Limonad, 2003). A urbanização conquista uma maior relevância na ocupação do território e assume novos contornos que tornam a oposição rural - urbano e as tradicionais hierarquias urbanas

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obsoletas (Limonad, 1996 e 1999). Espaços tradicionalmente vistos como áreas de fronteira apresentam hoje uma ampla diversidade de atividades produtivas, desde as indústrias extrativas de minérios até complexos sojíferos e de produção de papel e celulose como são os casos de Rondônia e Roraima. Tais transformações foram acompanhadas por um incremento da urbanização, por uma sobrerepresentação política dentre outros processos. Coloca-se na ordem do dia repensarmos a regionalização brasileira em um contexto cada vez mais globalizado como um desafio para o desenvolvimento social e superação das desigualdades inter-regionais. Trataremos, portanto nos trabalhos expostos a seguir de diversas questões candentes relativas às possibilidades e às potencialidades do desenvolvimento regional, enquanto elementos que contribuam para pensarmos um novo Brasil e repensarmos as regionalizações correntes. Notas 1 SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste 2 SUDAM – Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia

Referências ARAÚJO, T.B. 1997. Dinâmica regional brasileira e integração competitiva. In: Encontro Nacional da ANPUR, 7. 1997, Recife, Anais...Recife: ANPUR; UFPE, 1997. [1070-1099]. _________. 2000. Ensaios sobre o desenvolvimento brasileiro. Rio de Janeiro: Revan – Fase. BECKER, B. K. 1982. A crise do Estado e a região – a estratégia da descentralização em questão. In BECKER, B.K. (org.) Ordenação do território: uma questão política?. Rio de Janeiro: DEGEO-UFRJ. _________. 2004. Uma nova regionalização para pensar o Brasil?. in LIMONAD, E.; HAESBAERT, R. e MOREIRA, R. (org.) Brasil, Século XXI – por uma nova regionalização? . São Paulo, Max Limonad. BECKER, B.K. e EGLER, C.A.G. 1993. Brasil; uma nova potência na Economia Mundo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. BRANDÃO, C.A. e GALVÃO, A.C.F. 2003. Regiões e cidades, cidades nas regiões: o desafio urbano-regional. São Paulo: UNESP/ANPUR [187-205]. CASTRO, I. E. 1994. Problemas e alternativas metodológicas para a região e para o lugar. In: SOUZA, M. A. Natureza e Sociedade de hoje: uma leitura geográfica. 2a. ed. São Paulo: Hucitec. CORRÊA, R. L. 1991. Região e organização espacial. São Paulo: Ática. DINIZ, C.C. 2001. A questão regional e as políticas governamentais no Brasil. Belo Horizonte: Cedeplar-Face/UFMG – Textos para Discussão 159. FRIEDMAN, J. 1986. “The World City Hypothesis” in Development and Change, Vol. 17 No. 1, [69-83]. GOMES, P. C. 1995. O conceito de região e sua discussão. In: CASTRO, I. E., GOMES, P. C. e CORRÊA, R. L. Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil [49-76].

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NOVOS

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INDUSTRIALIZAÇÃO NO

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Introdução O objetivo desse texto é de tecer algumas considerações sobre o processo recente de urbanização e industrialização do Estado de São Paulo. Essa temática tem sido objeto de nossa preocupação intelectual e esse texto tem como objetivo relacionar várias conclusões parciais que foram anteriormente elaboradas com o intuito de formular uma sistematização para a compreensão da atual dinâmica territorial paulista como uma primeira aproximação para se perceber possíveis tendências gerais. As transformações havidas nas últimas décadas no Estado de São Paulo são profundas e segundo a escala de análise a percepção delas é diferente. Tomando-se o estado paulista em relação aos demais estados da federação, percebemos a ocorrência de um processo de desconcentração no qual o peso relativo da indústria paulista tem diminuído em relação aos demais estados brasileiros1. Numa outra escala, a do Estado de São Paulo, a tendência de desconcentração territorial da indústria tendo como ponto irradiador a cidade de São Paulo parece ter encontrado, senão limites, pelo menos, uma desaceleração no seu espraiamento reafirmando a concentração industrial na região metropolitana e no seu entorno. Quanto ao processo de urbanização vem ocorrendo um crescente desenvolvimento dos espaços metropolizados por todo o território paulista. Além do mais, tudo parece indicar que estamos assistindo à constituição de uma cidade-região que faz parte de uma megalópole em formação que tem como centros as metrópoles de São Paulo e do Rio de Janeiro.

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A primeira observação que gostaríamos de tecer, diz respeito à preocupação de transcender ao aparente, que, também é real e, por isso, pode, do ponto de vista do conhecimento, nos aprisionar em suas armadilhas. Se de um lado, essas armadilhas nos aprisionam, não permitindo apreender a realidade objetiva, de outro, a interpretação assentada no aparente pode não só ser convincente, mas, também, servir para mistificações. No caso específico, discutiremos a falácia que foi interpretar as mudanças do último quartel do século XX como sendo produto de uma descentralização industrial. Essa compreensão tem seus motivos políticoadministrativos, pois foi a partir dessa perspectiva que se projetou e se legitimou a constituição da região metropolitana de Campinas. A segunda observação se relaciona ao fato do Estado de São Paulo ser um estado altamente urbanizado. Em 2000, o Censo Populacional indicou a cifra de 93% de população urbana no Estado de São Paulo, bem acima da média de 80% de população urbana do país. Assim, não cabe discutir mais o processo de urbanização em termos clássicos, em termos de crescimento da população urbana ou segundo a dinâmica rural-urbana. Trata-se, agora, de compreender que um novo processo está em curso, que é o da metropolização dos espaços, pois, esse sim, é que permite captar a diferenciação interna a essa urbanização. Essas observações iniciais estruturam o texto em duas partes: a primeira, que releva o processo de industrialização e, a segunda, o de urbanização. Metamorfoses da Industrialização em São Paulo Desde os anos 70, a indústria no Estado de São Paulo, que desde os meados do século XX se caracterizava pelos maiores índices de crescimento absoluto e relativo em relação ao restante do país, bem como pela concentração industrial na região metropolitana, não é mais a mesma. Entre 1970 e 1985 há uma diminuição do peso da indústria paulista em relação aos demais estados da federação. Essa, que representava, em 1970, 58,1% do valor da transformação industrial passou a representar, em 1985, 51,9%. Em direção aos anos 90, essa tendência continuou e em 1995 os percentuais chegam a 49,9% (Pacheco, 1998:71). Essa diminuição relativa da indústria paulista, acompanhada da perda de posição da indústria do Rio de Janeiro são indicativos da desconcentração industrial do Sudeste, e da industrialização de outras áreas do território nacional, a qual foi tão almejada em muitos planos de desenvolvimento regional.

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Novos Novosrumos rumos ee tendências tendências no no Estado de São Paulo “Em menos de dez anos, de 1995 em diante, através de acordos localizados e investimentos diretos assistimos ao início de uma desconcentração industrial no Sudeste com a difusão de um amplo leque de indústrias em diferentes partes do país, meta perseguida com reduzido sucesso pelo Estado brasileiro durante pelo menos um quarto de século de prática autoritária de planejamento”. (Limonad, 2004).

Analisando-se particularmente o estado paulista, a produção industrial da região metropolitana diminuiu entre 1970 e 1985, passando de 43,4% para 29,4% do valor da transformação industrial estadual, enquanto a do interior apresentou crescimento: de 14,7% para 22,5%. Esse processo se acentuou nos anos noventa e em 1995 a Região Metropolitana de São Paulo detinha 26,6% do valor da transformação industrial e o interior 23,3%. Nesse processo o perfil industrial da região metropolitana e do interior passou a guardar mais semelhanças que diferenças (Pacheco: idem). Dizemos que a indústria paulista não é mais a mesma desde a década de 70 porque sua indústria perde posição em relação ao restante do país e porque o interior paulista, em relação ao território brasileiro, passa a assumir a segunda posição em termos de pujança industrial. Analisando-se esse processo muitos autores o interpretaram como sendo um processo de industrialização do interior desconsiderando sua história. Convém lembrar que na década de 20, 30% da produção industrial paulista provinha do interior, sobretudo das regiões de Campinas e Sorocaba indicando que nessas regiões a indústria já se fazia presente de forma significativa (SEADE, 1988:23). A expressão “industrialização do interior”, dizendo respeito às transformações havidas a partir da década de 70, deve ser qualificada. Trata-se de uma industrialização referida a partir de uma data, a partir dos anos 70 e, assim, deve ser qualificada. Está a se falar de uma industrialização recente do interior. Uma outra falácia diz respeito à idéia de que teria havido uma desindustrialização da Capital, da cidade de São Paulo. De fato, a perda de postos de trabalho na indústria da cidade de São Paulo é brutal nas últimas décadas. De 1985 a 2001, a cidade de São Paulo perdeu 425.249 postos de trabalho na indústria. No entanto, não se pode esquecer que ela ainda é uma das maiores cidades industriais do mundo comportando 644.392 trabalhadores na indústria. A segunda cidade do país, em termos de emprego industrial, é o Rio de Janeiro com 203.364 trabalhadores na indústria2. Há uma desindustrialização, sim; mas ela é relativa e

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nada indica que a indústria na cidade de São Paulo tenha deixado de ser relevante. O interior paulista se transformando em importante área industrial do país, acompanhado da perda da potência industrial da capital levou à interpretação de que estaria havendo um processo de descentralização industrial. Trata-se apenas de uma aparência do processo, pois não houve uma reconversão da polarização, na qual o centro econômico passou a ser outra cidade. A idéia difundida de descentralização industrial serviu, acima de tudo, como legitimadora dos discursos que buscavam instituir a Região Metropolitana de Campinas. O desenvolvimento da indústria e o adensamento das condições gerais de produção voltadas ao capital industrial na região de Campinas não se constituem processos autônomos; estão fortemente relacionados à expansão territorial da industria da região metropolitana de São Paulo. A região metropolitana de São Paulo e a região metropolitana de Campinas constituem uma unidade. Que a administração pública tenha instituído uma região, é legítimo, mas não se pode confundir o fato administrativo com a essência do processo. E é isso que permite rejeitar a expressão ‘descentralização’, pois o recente processo de industrialização do interior, não nega o centro. Em outros termos, o processo não pode ser referido como um processo de descentralização (des-centralização), no qual o prefixo ‘des’ tem, aí, o sentido de negação. Trata-se de um processo de expansão da concentração, de um processo de desconcentração territorial da indústria da Região Metropolitana, no qual a cidade de São Paulo afirma e desenvolve sua centralidade, se inserindo como um nó da rede mundial de cidades globais3. Tanto que os serviços especializados relativos às finanças, à propaganda, ao marketing, ao planejamento e à consultoria tendem a se concentrarem na Capital. Não é à toa que cerca de 80% dos depósitos financeiros, bem como 1/3 das agências bancárias do estado paulista se encontram na cidade de São Paulo, que reafirma, cada vez mais, sua primazia no país (SEADE, 1994: 662 - 663). Em suma, só se compreende a importância econômica de Campinas, se relacionada à região metropolitana de São Paulo. Do ponto da administração pública aparecem, cada uma delas, independentes, mas, examinando a essência do processo, constituem uma unidade. A região metropolitana da Baixada Santista, vale lembrar, também está historicamente ligada a São Paulo, formando uma unidade historicamente constituída. Diferentemente de outras

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capitais, São Paulo se situa no planalto e sempre teve em Santos o seu porto. Não podemos considerar que um obstáculo natural – a serra do Mar – se constitua num elemento de ruptura do que historicamente constitui uma unidade. Essa transformação havida contou com a ação do Estado. Os exemplos são muitos, mas vale lembrar alguns, como a instalação das refinarias de petróleo em Paulínia e São José dos Campos, o desenvolvimento do Programa do Álcool - que teve efeitos multiplicadores devido ao encadeamento com as indústrias de bens de capital - o desenvolvimento das indústrias de informática, microeletrônica e telecomunicações e a construção de rodovias e duplicação de pistas. Do ponto de vista da política estadual se procurou incentivar o desenvolvimento industrial do interior, não com uma ação direta, nos moldes de incentivos financeiros ou isenções de impostos como o fez o governo federal, ou muitas prefeituras que se endividaram a fundo perdido buscando atrair indústrias. O governo estadual procurou orientar os empresários quanto às vantagens da localização no interior, ao mesmo tempo em que criou uma série de restrições à instalação da indústria na Capital, sobretudo relativas ao meio ambiente. Faz parte desse cenário a progressiva e intensa centralização do capital, na qual fusões, absorções e associações de empresas reforçam oligopólios e grupos econômicos. Esse aspecto é fundamental para se compreender a dinâmica da reestruturação sócio-espacial dos dias atuais marcada pela dispersão territorial, pois o ciclo de valorização de um dado grupo econômico quando segmentado em várias unidades dispersas territorialmente exige um centro gestor que possa coordenar a valorização do capital para a garantia de sua reprodução. É importante salientar que vale mais a capacidade do grupo controlar esse ciclo do que a proximidade física entre suas várias unidades4. Além do mais, não se pode esquecer que são os oligopólios e os grupos econômicos que detém a capacidade maior de estruturarem o território, pois suas ações significam, diretamente, emprego, além de induzirem à complementaridade industrial e ao desenvolvimento das atividades de comércio e serviços e de terem força política na redefinição dos investimentos públicos, quer esses, por exemplo, se expressem pela melhoria das vias de transportes, dos serviços ou da expansão da rede de fibra ótica. Em trabalho anteriormente realizado verificamos que a grande maioria das industriais que desenvolvem a prática da cisão territorial, 71 71

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na qual o chamado “chão de fábrica” se localiza num município e a gestão em outro, têm, na maioria das vezes, na cidade de São Paulo, a sua sede central. A cidade de São Paulo desempenha essa função de centro gestor do capital industrial não só em relação a essas empresas, mas em relação ao capital em geral. O coração e a alma da cidade de São Paulo são os negócios que aí se realizam podendo contar com a expressiva concentração de trabalho imaterial. Esse trabalho produz mercadorias e muito delas se consubstanciam em idéias, aconselhamentos e pareceres se constituindo num intenso uso do conhecimento como atividade diretamente prática. Esse aspecto é importante, pois embora a reestruturação econômica tenha reconvertido a base técnica da indústria, houve uma profunda transformação nas formas gerais de organização da produção que implicaram em profundas transformações urbanas. Vale observar, contudo, que não é exclusivo da cidade de São Paulo a prerrogativa de ser sede de indústrias, pois o entorno metropolitano apresenta casos em que o gerenciamento aí se localiza, enquanto a produção propriamente dita está em outros municípios, inclusive na Capital. Isso significa que no entorno metropolitano há o desenvolvimento de serviços às empresas e que, também, esse entorno é alcançado pelo ambiente inovador da metrópole. Quando estamos a falar de entorno metropolitano estamos nos referindo, em especial, às regiões administrativas de Sorocaba, Campinas, Baixada Santista e São José dos Campos. Esse conjunto conforma uma cidade-região. É nessa região, de elevada densidade industrial que se concentram os ramos mais dinâmicos e inovadores da indústria brasileira: a indústria química, de material de transportes, material elétrico, de comunicações e de mecânica. Sobretudo, no núcleo dessa região: a Região Metropolitana de São Paulo e a de Campinas. Na Região Metropolitana de São Paulo e no seu entorno, em 1996, estavam concentrados 88,4% do pessoal ocupado na indústria, 82% das unidades industriais, 88,9% da receita líquida industrial e 90,3% do valor adicionado. Para se ter uma idéia do significado industrial dessa região, seu PIB representa 32,4% do PIB nacional (Fonte: Dados Básicos: IBGE e IPEA, 1996). Em dados, o valor do PIB que é de 250 bilhões de dólares é igual ao de muitos países desenvolvidos, como a Noruega, Suécia, sendo três vezes o PIB do Chile e quatro vezes o PIB da Venezuela.

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Mas esse entorno vem apresentando queda no emprego industrial. Entre 1996 e 2000 houve uma queda significativa no número de postos de trabalho desse entorno. A perda foi de 12,9%, representando 370.295 empregos a menos. Particularmente foi a Região Metropolitana de São Paulo que perdeu mais postos de trabalho, com uma porcentagem de –20,7%, enquanto que a região de Sorocaba se apresentou como a única que teve variação positiva no período: de 3,3%. Aliada à perda no número de trabalhadores na indústria, houve queda de 20,8% no número de trabalhadores cujo contrato de trabalho são regidos pela CLT e, ao mesmo tempo, crescimento de outras formas de vínculos empregatícios, tais como trabalhadores temporários e avulsos, denunciando que a reestruturação produtiva vem acompanhada de flexibilização e precarização das relações de trabalho (Fonte: RAIS – Relações Anuais de Informações Sociais do Ministério do Trabalho e Emprego). Para além desse entorno a expansão industrial vai se distendendo concentrando-se ao longo dos principais eixos rodoviários, quer em direção ao norte do estado, quer em direção ao Rio de Janeiro, privilegiando, sobretudo, as cidades médias. Em direção ao Rio de Janeiro a cidade de Taubaté delimita o complexo industrial metropolitano, em direção ao norte alcança São Carlos e, a sudoeste, abarca especificamente a região de Sorocaba e Itapetininga5. Nesse entorno metropolitano são múltiplas as possibilidades de absorção de inovações e de consumo de serviços especializados sem se ter que compartilhar dos efeitos perversos do centro da aglomeração metropolitana; tais como, congestionamentos e alto preço da terra. Dada a proximidade dos mercados fornecedores e consumidores, reduzindo custos de transportes na distribuição das mercadorias e em face da provisão de infra-estrutura, quer para dar suporte aos fluxos materiais, como aos fluxos imateriais de informação, que são fundamentais no processo de dispersão territorial da indústria, integrando capital e espaço, o entorno metropolitano se firma como a mais importante região industrial do país. O processo de metropolização do espaço e o desenvolvimento de uma cidade-região O processo de desconcentração da indústria metropolitana em direção ao interior desenvolveu um território que, como dissemos, está altamente urbanizado, trazendo limite às discussões colocadas em termos de urbanização tendo como referência a dinâmica ruralurbana. O processo de urbanização, tanto quanto o de

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desenvolvimento de cidades, já está consolidado. Por isso, é fundamental buscarmos aportes teóricos que permitam captar a diferença no seio dessa urbanização. As diferenças na dinâmica urbana do território paulista podem ser apreendidas se compreendermos que esse processo de desconcentração industrial se fez acompanhar de um outro processo: o de metropolização do espaço. O processo de metropolização do espaço imprime ao território características que no passado eram específicas da concentração metropolitana. Espaços se metropolizam e podemos distinguir: espaços metropolizados e espaços não metropolizados. Essa distinção se constitui num recurso analítico, mas é importante esclarecer que, em primeiro lugar, no âmbito de cada um deles há nuanças e graduações e, em segundo, que tal distinção só é válida em grande escala, ou seja, quando é referida a uma grande extensão territorial. Quando falamos em espaço metropolizado, no caso do Estado de São Paulo, estamos nos referindo a um território que possui, em geral, as seguintes características: o fluxo de pessoas é múltiplo, intenso e permanente, a densidade dos fluxos imateriais é expressiva e a relação espaço-tempo vem se comprimindo; ou seja, a distância entre os lugares se altera em face da velocidade e multiplicidade dos fluxos. Além dessas características, esse espaço apresenta muitas cidades conurbadas, significativo número de cidades médias e concentração das condições gerais de produção (tais como, a rede de infra-estrutura, a rede bancária e a rede hoteleira para atender aos homens de negócios). Como contraponto, os espaços não metropolizados se caracterizam por uma maior heterogeneidade, apresentam menor densidade demográfica e um número bem maior de pequenos municípios, com uma população inferior a 20.000 habitantes. Nesse território a densidade dos fluxos de pessoas, mercadorias e capitais é bem menor e os investimentos industriais aparecem de forma pontual. São nos espaços não metropolizados que podemos capturar mais facilmente as diferentes temporalidades presentes nos lugares. Isso porque, em geral, o processo avassalador de homogeneização do território pelo capital senão arrasa o passado, dá opacidade aos diversos tempos presentes nos lugares. Uma observação é importante: nem a concepção de homogeneização e fragmentação dos espaços, nem a de espaços metropolizados e espaços não metropolizados podem ser 74 74

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Novos Novosrumos rumos ee tendências tendências no no Estado Estado de de São São Paulo Paulo

compreendidos como pares antagônicos de processos. No primeiro caso, pode se raciocinar que há uma descontinuidade absoluta entre espaços homogêneos e espaços diferentes, quando a descontinuidade entre eles é, em geral, apenas tênue. Também, porque os espaços interpretados como homogêneos não são inteiramente homogêneos, pois apresentam diferenciações internas e os espaços fragmentados não apresentam singularidades tão absolutas assim. No segundo caso, os espaços metropolizados e espaços não metropolizados não são, cada um deles, absolutos, podendo no interior dos espaços metropolizados haver espaços não metropolizados e vice-versa. A distinção, repetindo, é relacionada à escala de análise buscando apreender aquilo que aparece com maior força. Essa distinção é mais instrumental, repetindo, quando referida a grandes escalas. O processo de industrialização e o de metropolização do espaço imprimiram ao território do entorno metropolitano um novo ritmo pela concentração e adensamento das atividades econômicas. Constituíram uma cidade-região, uma forma territorial nova que se assenta em estruturas novas e herdadas, fazendo desaparecer algumas delas e redimensionando outras. O olhar sobre a região metropolitana e seu entorno indica que pensar esse território é pensar uma cidade-região que se definiu por um processo que desafia o planejamento urbano. Nessa cidaderegião, que é vinculada fortemente à economia global, os limites entre os municípios são tênues perdendo nitidez num cenário de paisagens repetidas. Essa cidade-região exprime a metamorfose da forma espacial da cidade, que agora assume uma outra dimensão territorial, a da região. Redimensiona-se, assim, o conceito de urbano e as clássicas divisões entre o intraurbano e o interurbano. Considerações Finais Os processos de industrialização e de metropolização do espaço não se deram, é bom frisar, sem tensões. Uma delas diz respeito ás tensões estabelecidas entre a sociedade e a natureza, significando, em muitos casos, o comprometimento dessas. Outra, a título de exemplo, se relaciona ao contraste visível entre edifícios high-tech e habitações precárias. Num cenário de grandiosidade dos edifícios e da moderna infra-estrutura urbana relacionada aos serviços altamente especializados, emergem precárias áreas de urbanização com moradias encortiçadas ou faveladas. As metamorfoses na indústria e no urbano tiveram como um dos seus pilares a revolução da informação e da comunicação que 75 75

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Sandra Lencioni Sandra Lencioni

passou a desenhar no espaço uma miríade de fluxos imateriais aproximando os lugares e realizando a reprodução do capital. Esses fluxos permitiram, também, o desenvolvimento da reunião entre o trabalhar e o morar por meio do teletrabalho. Além disso, alteraram a relação entre as cidades, pois cada vez mais vale mais a intensidade da conexão entre os lugares do que a proximidade entre eles. Como conseqüência desses processos, o território paulista se apresenta como um território-rede. No território paulista a cidade-região, núcleo da megalópole em formação, pulsa cheia de contradições desafiando a sua própria existência. Sua formação é concomitante ao processo de desconcentração do Sudeste evidenciando que esse processo, também, produziu o seu contrário. o0o Notas 1

Esse texto trata da indústria de transformação, que representa 77% dos estabelecimentos industriais no Estado de São Paulo e é referida, aqui, apenas como indústria.

2

Em 1985 o número de trabalhadores na indústria era de 1.069.641. Fonte: RAIS – Relações Anuais de Informações Sociais do Ministério do Trabalho e Emprego.

3

A discussão a respeito da interpretação do processo como sendo de descentralização ou de desconcentração pode parecer descabida, já que, atualmente, há consenso de que se trata de um processo de desconcentração industrial. No entanto, há doze anos tecemos essas considerações contra as vozes hegemônicas que interpretavam o processo como sendo de descentralização industrial. Com o correr dos anos, aqueles mesmos autores passaram a utilizar o termo ‘desconcentração’, sem, contudo, fazer referência à mudança de terminologia, parecendo um termo ser sinônimo de outro.

4

A respeito desse assunto, analisamos 7.562 indústrias no Estado de São Paulo e verificamos que cerca de 10% delas praticam a cisão territorial entre suas atividades de gerenciamento e produção. Essa porcentagem, que pode ser a primeira vista pouco significativa, é relevante, pois se trata, em geral, de grandes e médias indústrias que tem capacidade de induzir a mudanças territoriais, quer, por exemplo, pelo impacto que causam nas áreas industriais, quer em relação aos requisitos urbanos que exigem. Essa pesquisa é registrada no texto Lencioni: 2003a.

5

A região Administrativa de Sorocaba contém subdivisões que são denominadas regiões de governo. No caso em discussão estamos nos referindo às regiões de governos de Sorocaba e Itapetinga.

o0o

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Novos Paulo Novosrumos rumos ee tendências tendências no no Estado Estado de de São São Paulo

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RIO

UMA NOVA RELAÇÃO

J ANEIRO, CAPITAL -INTERIOR? DE

Ester Limonad

É nossa intenção neste ensaio fazer algumas ponderações acerca da relação capital-interior no estado do Rio de Janeiro. Embora haja uma hegemonia histórica da capital e, mais recentemente da região metropolitana, é perceptível, nos últimos anos, uma mudança substantiva no papel das diversas áreas do interior fluminense. Em particular, nas áreas mais articuladas aos fluxos produtivos verificase a ampliação dos espaços urbanos e um desenvolvimento econômico nas cidades médias e em algumas de pequeno porte. O que nos leva a indagar se está a se desenhar uma nova relação capital-interior. Trata-se de procurar clarificar a complexidade da diversidade regional deste estado de reduzidas proporções territoriais, em comparação a seus vizinhos da região Sudeste, Minas Gerais e São Paulo, que faz do estado do Rio de Janeiro, a 2ª unidade econômica mais importante e industrializada do Brasil. Neste sentido estruturamos o trabalho em três partes. Na primeira, tal relação é abordada, a partir da análise de alguns indicadores econômicos, no intuito de clarificar o caráter falacioso do discurso do “esvaziamento econômico”, que assolaria o estado desde a fusão, em 1975, - que haveria instituído uma relação parasitária entre o estado da Guanabara (criado em 1960) e o antigo estado do Rio de Janeiro. Na segunda parte, tratamos da redistribuição espacial das atividades produtivas e da população no território estadual, ocorrida a partir da fusão, à luz da reestruturação produtiva e das inovações recentes, as quais são de certa forma indicativas de uma mudança na relação capital-interior. Para, na terceira parte, procedermos a algumas considerações sobre o caráter destas transformações.

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Rio Riode deJaneiro, Janeiro,uma umanova novarelação relação capital-interior? capital-interior?

Levantando véus Iremos nos situar, rapidamente, frente ao discurso do “esvaziamento” do estado do Rio de Janeiro para mostrar que sua maior contribuição à compreensão da problemática estadual é “esvaziar” a complexidade das transformações que ocorreram e ocorrem no atual território fluminense, que não estariam limitadas à capital e a sua região metropolitana. Após a fusão, conforme diversos analistas (Singer, Geiger, Davidovich, etc...), o estado do Rio de Janeiro passou a crescer a taxas inferiores às de outros estados do território nacional, segundo o Instituto de Planejamento Municipal do Rio de Janeiro (IPLANRIO) [...] é inegável que, até 1980 - data dos últimos dados censitários disponíveis - o Município (do Rio de Janeiro), assim como o Estado sofreu uma perda incessante de importância relativa ao nível nacional. O fenômeno ficou conhecido como “esvaziamento econômico do Rio de Janeiro”. (1986:8).

Foi este tipo de discurso que, em parte, estabeleceu as bases ideológicas para um regionalismo, no sentido estrito, que, ainda hoje, visa seja desfazer a fusão e através de um plebiscito recriar o estado da Guanabara; seja fazer com que o município do Rio de Janeiro retome sua proeminência e volte a ser Distrito Federal. Este sentimento de regionalismo pauta-se também no sentimento de que é a cidade do Rio de Janeiro quem sustenta o resto do estado, como mostra a seguinte passagem: “E o resultado da simbiose da cidade rica com um estado falido desde o início do século foi o desastre econômico conhecido como ‘esvaziamento’”.(JB, Editorial, 13/11/94: 10). O esvaziamento, segundo diferentes abordagens, é atribuído: •

à transferência do Distrito Federal para Brasília que resultou na perda de serviços administrativos e da arrecadação tributária, que haveria acarretado uma redução do mercado local e a tornado menos atraente para a implantação industrial, conforme assinalava Singer pouco após a fusão Embora a Guanabara tenha excelentes possibilidades de compensar a perda sofrida com a transferência de órgãos da alta administração federal para Brasília, a curto prazo seu potencial econômico deve ter sido afetado de modo negativo. (1978 :143-144).



à fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, interpretada como a instalação de uma relação parasitária, do interior em relação à capital, através de um ato arbitrário do Governo Militar. 79 79

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Ester Limonad Ester Limonad



ao descaso do Governo Federal ao privilegiar investimentos em outros estados em detrimento do Rio de Janeiro - como, por exemplo, o Pólo Petroquímico, na década de 80 (instalado no Rio Grande do Sul) e o Pólo de Informática (instalado em Campinas - São Paulo) e os investimentos realizados em Minas Gerais.



ou, ainda, ao “declínio da participação da renda municipal na renda nacional, entre 1949 e 1970, comprova estatisticamente o ’esvaziamento’ referido” (IPLANRIO, 1986 :13).

Estas causas estão interrelacionadas e podem ser avaliadas através da análise da variação do PIB estadual em relação às variações do PIB nacional, a partir de 1970. Tal análise indica, entre 1970/80 um crescimento real de 99,16% do PIB estadual, inferior ao do PIB nacional (135,12%). Na década seguinte, o PIB estadual cresceu 11,12%, porém o PIB nacional também apresentou um desempenho inferior (16,98%). Mesmo assim e apesar da recessão e da escalada inflacionária, a participação do PIB estadual no PIB nacional passou de 9% em 1980 para 10,89% em 1990. De fato, como admitir o “esvaziamento” como algo plausível se a fusão, realizada em 1975, representou a união da 2ª maior economia nacional (o estado da Guanabara) com a 3ª (o estado do Rio de Janeiro). E, o “novo” estado do Rio de Janeiro, em todos os anos de “esvaziamento econômico” perdeu o 2° lugar na economia nacional somente em 1990, quando ficou aquém de Minas Gerais por 0,5%, que alcançou 12,49%. O estado do Rio de Janeiro, porém, logo se recuperou (tabela 1), em parte graças ao aumento dos investimentos no setor industrial. T AB E L A 1 - P a r ticip a çã o no p r o d uto inte r no b r uto , se g und o a s unidades da federação selecionadas - 1985/2000 Unidades da Federação

1985

1998

1999

2000

100,00

100,00

100,00

100,00

SUDESTE

60,15

58,16

58,25

57,79

Ri o de Janei ro

12,70

11,01

11,75

12,52

Es pí ri t o Sant o

1,72

1,90

1,93

1,96

Mi nas Gerai s

9,61

9,79

9,63

9,64

36,12

35,46

34,94

33,67

BR ASIL

São Paul o

Fonte: Contas regionais do Brasil: 2000. Rio de Janeiro: IBGE, 2000 e Fundaç ão CIDE.

80 80

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Rio capital-interior? Riode de Janeiro, Janeiro, uma uma nova nova relação relação capital-interior?

Enquanto o estado de São Paulo apresentou uma redução em sua participação no PIB nacional, caracterizada como uma desconcentração industrial, o estado do Rio de Janeiro apresentou variações ao redor de 1,0%. Mesmo na chamada década perdida (1980-90) o desempenho do crescimento da produção industrial do Rio de Janeiro foi melhor do que o de São Paulo, apesar de haver ficado aquém do Brasil e de Minas Gerais (tabela 2). O não acompanhamento da taxa de crescimento do PIB nacional pode ser atribuído, em parte, ao ingresso em sua composição de novas fontes de recursos. Mormente se lembramos que as décadas de 1970/80 caracterizaram-se pela implementação de grandes projetos na Amazônia, desenvolvimento do complexo agro-industrial no Centro Oeste, investimentos nos estados do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais entre outros na perspectiva de integrar, desbravar e dominar o território nacional. Há que se notar que principalmente em Minas Gerais o crescimento percentual acumulado da produção industrial apresentou um desempenho acima da média nacional e de seus vizinhos na região Sudeste (tabela 2). T ABELA 2 - crescimento percentual acumulado da produção industrial - 1970-89 1970-80

1980-89

13,35

7,80

9,34

8,30

São Paul o

12,83

1,60

Mi nas Gerai s

14,86

17,30

BRASIL Ri o de Janei ro

Font e - IBGE cens os econômi cos

É notório que o crescimento relativo da produção em um ano, ou em uma década, em espaços recém-integrados, ou onde nada havia, tende a apresentar taxas elevadas. Novas áreas de outros estados ao se integrarem e se desenvolverem produtivamente, passam a integrar a composição do PIB nacional, que passa a crescer a taxas superiores às de áreas com produção pretérita, mesmo que aumente a produção nestas áreas. Tende a diminuir, assim, a participação relativa das áreas antes empenhadas em atividades produtivas, como é o caso não só do estado do Rio de Janeiro, mas de São Paulo e outros já industrializados, sem condições de acompanhar o ritmo das áreas recém-integradas. Ver o “esvaziamento” sob esta ótica significa interpretá-lo à luz do desenvolvimento geograficamente desigual e combinado na escala do território-nação. 81 81

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Ester Limonad

Em que pese a hipótese de um crescimento mais lento da economia este não pode ser identificado com um “esvaziamento econômico”. De fato, o estado do Rio de Janeiro, a partir de 1984, apresentou um crescimento constante da produção industrial (tabela 2), acima da média nacional devido ao avanço da indústria de transformação e à extração de petróleo (Mesentier, 1993:44). Este avanço frente à redução da participação do setor industrial no município do Rio de Janeiro aponta para um crescimento da participação deste setor não só no entorno metropolitano, mas em áreas do interior, que em 1980 respondiam respectivamente por 21,11% e 23,51% do PIB industrial do estado (CIDE, 1989: 60). Já em 2000, segundo o censo do IBGE, dentre os dezesseis municípios responsáveis por 96,04% do VTI estadual, dez pertenciam ao interior do estado (Volta Redonda, Resende, Barra Mansa, Itatiaia, Petrópolis, Nova Friburgo, Porto Real, Cantagalo, Queimados e Campos), e eram responsáveis por 27,92% do VTI estadual, concentrado principalmente nos setores de extração mineral, metalúrgica, química, minerais não metálicos, produtos alimentares e material de transportes. Evidencia-se, assim, a falácia do esvaziamento e da relação parasitária entre o “estado da Guanabara e o estado do Rio de Janeiro. O mais marcante, nas últimas décadas, é a redução da participação da cidade do Rio de Janeiro no PIB industrial – com um crescimento do setor financeiro e de serviços - em um movimento similar ao da cidade de São Paulo. Desde a fusão é possível observar uma reconcentração e reorganização espacial da produção industrial no território fluminense que alterou de forma radical a participação das diversas áreas do Estado no PIB estadual. Por ocasião da fusão o antigo Estado da Guanabara respondia por cerca de 70% do PIB estadual e em 2000 o município do Rio de Janeiro respondia, se não considerarmos o petróleo, por 63,6% do PIB estadual e por 53,9% com o petróleo (tabela 3). Enfim se houve um “esvaziamento econômico”, este não é generalizado, e estaria restrito à cidade do Rio de Janeiro, já que é definido com base no decréscimo da participação do município do Rio de Janeiro na produção nacional e estadual (tabela 3) vis a vis ao aumento da participação na composição do PIB estadual de municípios do entorno metropolitano – como Duque de Caxias e Belford Roxo; e do interior – como Volta Redonda, Itatiaia, Porto Real, Campos, Macaé e Quissamã entre outros. Que tem levado os defensores da desfusão 82

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Rio Riode deJaneiro, Janeiro,uma uma nova nova relação relação capital-interior? capital-interior?

a defender um novo Estado da Guanabara que incluiria os municípios mais dinâmicos da região metropolitana. T ABELA 3 - Participação no PIB do Atual Estado do Rio de Janeiro Ano

1939

1949

1959 1968

1980 1996

2000

Ant i go Es t a do do R i o d e J a n e i ro

19, 7

24, 0

28, 1

29, 7

36, 8

36, 1

46, 1

R i o d e J a n e i ro (a nt i g o Es t a d o d a G u a n a b a ra )

80, 3

76, 0

71, 9

70, 3

63, 2

63, 9

53, 9

Font e - IBGE cens os econômi cos e CIDE, 2002.

De fato o “esvaziamento econômico” do Rio de Janeiro teve um marcado caráter ideológico, por identificar a situação da capital com a do interior do Estado, bem como geopolítico por haver, de fato, servido de “bandeira política” para colocar o Estado do Rio de Janeiro em condições de paridade com o Nordeste para reivindicar e disputar verbas nacionais (Limonad, 1996). Como dissemos de início esta questão serviu para “esvaziar” a complexidade das transformações em curso no estado, que apesar de todas as vicissitudes conseguiu manter, nas últimas décadas, sua participação no PIB nacional praticamente inalterada, ao contrário dos estados de São Paulo e Minas Gerais. O alcance destas transformações somente pode ser compreendido em um contexto mais amplo e mediante uma abordagem que contemple as relações capital-interior, ao invés de se manter centrada apenas na capital e região metropolitana. Uma nova relação capital-interior? O avanço da extração mineral, nas duas últimas décadas do século XX, com a descoberta de novos mananciais petrolíferos na Bacia de Campos, o crescimento do turismo no interior e das atividades de construção civil, a retomada de crescimento da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a fusão dos estaleiros Verolme com a Ishibrás em Angra dos Reis, a construção de um novo terminal de reparos da Petrobrás em Cabo Frio, e na década de 90 a implantação da fábrica de caminhões da Volkswagen em Resende e da Peugeot-Citröen e associadas em Porto Real sinalizam para um crescimento da atividade econômica e industrial no interior, vis a vis a uma mudança nas tendências de crescimento demográfico

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Ester Limonad Ester Limonad

delineadas até 1980. Tal quadro indica de certa forma uma inflexão na relação capital-interior prevalecente até a década de 1980, Uma olhar mais atento, na escala regional, revela que a reconcentração econômica na região Sudeste havida na década de 1990 não foi homogênea em todos os seus estados. Embora, tenha ocorrido um deslocamento das sedes administrativas de diversas empresas de várias partes do território nacional, em sua maioria, para o estado de São Paulo, inclusive daquelas tradicionalmente sediadas no Rio de Janeiro, como a CSN- a esta reconcentração financeira e administrativa não se seguiu uma equivalente reconcentração espacial das plantas industriais. Pelo contrário, foi acompanhada por uma dispersão das unidades produtivas, das empresas sediadas no estado de São Paulo, pelo interior de São Paulo e pelo território nacional – inclusive rumo ao interior fluminense - como ocorreu com as montadoras, não mais concentradas no ABC paulista e que extrapolaram a região Sudeste – apesar de se manterem aí sediadas, além de diversas tecelagens – entre as quais o grupo Vicunha, as mini-usinas e joint-ventures da CSN com outras empresas, que já chegaram ao Ceará. No espectro global da economia nacional o Rio de Janeiro é um dos estados onde o parque industrial mais se tem reestruturado, em parte, como decorrência da privatização das empresas estatais, muitas das quais aí instaladas – a começar pela CSN e pela Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) – que já se tornaram empresas multinacionais com uma atuação que extrapola o continente americano. A transformação tem seguido um sentido amplo no território fluminense por abarcar a reestruturação das indústrias, dos meios de circulação e da própria distribuição geográfica dos setores e das atividades econômicas. O que deu origem a um mapa de tendências de arranjo espacial ou a uma regionalização centrada em espaços especializados (“pontos” ou, assim chamados “pólos”) e áreas de crescimento demográfico (manchas) ao longo dos grandes eixos viários que cruzam o estado: a) a BR-116 (Rodovia Presidente Dutra) atravessa a área mais industrializada do Médio Vale do Paraíba (o “pólo” metal-mecânico) até a Região Metropolitana; b) a BR-040 cruza o “pólo” gás-químico industrial de Duque de Caxias e passa pela Região Serrana (o “pólo” tecnológico) rumo a Minas Gerais; e a BR-101 que, c) no sentido norte, liga a cidade do Rio de Janeiro à Vitória, no Espírito Santo, e atravessa os municípios das Baixadas Litorâneas e da Bacia de Campos “pólo” agro-industrial-petrolífero e d) rumo sul circunda a Baía de Sepetiba e a Baía da Ilha Grande “pólo” portuário-industrial e de turismo-veraneio. 84 84

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Rio Riode deJaneiro, Janeiro,uma uma nova nova relação relação capital-interior? capital-interior?

O território fluminense apresenta uma grande heterogeneidade de situações por contar, por um lado, com indústrias de tradição fordista (siderúrgicas inclusive) que realizam um esforço para se modernizar e adequar às novas condições da competitividade global; e por outro, com indústrias de última geração que aí se instalam com base em novos processos produtivos. É interessante notar que, a despeito da intensidade dos investimentos e da reestruturação espacial da produção, não houve no estado uma decadência das áreas e cidades industriais tradicionais, nos moldes dos países centrais, pelo contrário, apesar do crescimento do setor de serviços, do caráter das novas relações industriais e do downsizing, a indústria aí ainda parece constituir um fator de crescimento e desenvolvimento econômico e regional: na Região Metropolitana em diversos setores industriais; no Médio Vale do Paraíba com base em setores e produtos tradicionais e na produção de insumos e manufaturados com conteúdo tecnológico e alto valor agregado; no Norte Fluminense, em particular, na exploração e extração de petróleo e gás natural e na Região Serrana que busca estabelecer um novo “pólo” tecnológico. O que ocorre no território estadual não pode ser desvinculado de um contexto global de transformação em diferentes escalas. O novo modelo industrial por ser flexível não apresenta uma face única, como os que o precederam – sua marca característica é a multiplicidade e flexibilidade de organização da produção - ou seja a combinação variada de diversos fatores, entre os quais destacamse: o impulso da inovação associada ao desenvolvimento de novas tecnologias de informação; o movimento de abertura e mundialização econômica dos mercados, com um crescente número de empresas que aplicam estratégias globais e organizam uma nova divisão social e internacional do trabalho; ou, ainda, a progressiva segmentação espacial dos processos produtivos, com numerosas firmas que desconcentram tarefas e processos entre estabelecimentos próprios ou alheios, localizados em lugares diversos, mas interconectados em rede. A nova lógica industrial é matizada em cada sistema produtivo nacional e regional tanto pelas estruturas herdadas (tipos de empresas e setores dominantes, características dos mercados de trabalho, marco institucional, organização espacial da indústria...) quanto pelos tipos de relações mantidas com o exterior e a capacidade dos agentes econômicos e sociais em gerar novas iniciativas e responder de forma ativa às demandas do presente, o que faz com que as especificidades locais acabem por conferir alguns traços distintivos aos arranjos espaciais e à organização da produção. A hegemonia de um modelo produtivo não implica no fim dos

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Ester Limonad Ester Limonad

precedentes, ao contrário, estes são subsumidos. Assim, apesar do novo modelo não se encontrar tão disseminado, quanto nos países centrais, e de persistirem relações tradicionais de produção e de trabalho em diversos setores, podemos observar no território fluminense que: •

já há uma segmentação interna do mercado de trabalho em algumas fábricas, notadamente nas de última geração que exigem mão de obra qualificada - lado a lado a uma segmentação espacial (típica do fordismo) em algumas áreas do Médio Vale do Paraíba, como Volta Redonda, Barra Mansa e Barra do Piraí; bem como na área da Bacia de Campos.



a segmentação espacial da produção só ocorre em alguns setores – em particular, no ramo de material de transporte, e caminha lentamente no ramo da metalurgia e no beneficiamento de petróleo e gás natural;



o atendimento a mercados supra-locais / regionais também está limitado a alguns setores produtivos – muitas vezes por não atenderem às normas internacionais de controle de qualidade entre elas os padrões ISO. Merecem destaque, neste sentido, as empresas “globais”, localizadas no Rio de Janeiro, como a Volkswagen, a CSN, a Thyssen Krupp, a Galvasud e a Petrobrás, entre outras. A produção destas empresas “globais” não está mais limitada aos mercados locais, estaduais e ou regionais – no caso das montadoras do Médio Vale do Paraíba fluminense o mercado consumidor extrapola a América Latina; a Petrobrás por sua vez vende atualmente além de petróleo a tecnologia de extração em alto mar. Enquanto a Rede Globo de Televisão comercializa seus produtos pelo mundo afora, notadamente do leste ao oeste europeu.

A ampla bibliografia publicada nos últimos anos permite-nos deduzir a existência de uma divisão entre o que Benko e Lipietz (1995) chamam de regiões ganhadoras e regiões perdedoras, e Santos (1996) caracteriza como zonas luminosas e opacas. No caso do estado fluminense, entre as primeiras temos as grandes áreas urbanas e metropolitanas, os eixos de desenvolvimento industrial – os “pólos” e adjacências, assim como os sistemas produtivos locais de pequenas empresas. Entre as segundas encontram-se as áreas mais distantes e não articuladas aos fluxos produtivos e, ainda, as áreas voltadas para a agroindústria leiteira e canavieira tradicional, hoje em decadência, e diversas áreas rurais onde sobrevivem atividades tradicionais de caráter difuso. Com base em dados do CIDE (2000 e 2002) pode-se observar uma coincidência espacial das áreas com maior crescimento 86 86

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demográfico, maior variação no PIB, e PIB per capita mais elevado e os grandes eixos viários – quase que como uma tradução de que as áreas com reduzida acessibilidade ou articulação aos fluxos produtivos tendem ao esvaziamento demográfico e econômico e configuram-se em parte como bolsões estagnados, onde em muitos casos há uma disponibilidade de infra-estrutura e equipamentos dada a evasão populacional e a falta de dinamismo econômico. As transformações na distribuição e organização das atividades produtivas no estado refletem-se, não só em uma redução da participação da capital no PIB estadual com um acentuado crescimento da participação de municípios do entorno metropolitano (como Duque de Caxias e Belford Roxo), de municípios do Médio Vale do Paraíba Fluminense (Volta Redonda, Itatiaia e Porto Real) e da Bacia de Campos (Macaé e Quissamã entre outros) - já que sem dúvida, por responder por quase 90% da produção nacional, a extração de petróleo e gás natural converteu-se em um diferencial na geração de renda e distribuição do PIB estadual; mas também em novas regionalizações e em mudanças nos padrões de urbanização e distribuição espacial da população, que contribuem para reforçar a nova relação capital-interior no estado do Rio de Janeiro, como veremos a seguir. Os dados censitários de 1980 a 2000 (censos IBGE) indicam que a concentração demográfica na região metropolitana do Rio de Janeiro tem decrescido discretamente nos últimos 20 anos - como um resultado da queda das taxas de crescimento demográfico líquido nesta região em contraposição ao aumento da taxa de crescimento nas assim chamadas cidades médias, notadamente nas vilas e sedes que não são sedes de município nas áreas mais dinâmicas do Estado - que tem resultado em parte em diversas emancipações municipais. Até meados da década de 1980 o estado contava com 64 municípios. Entre 1980 e 2000 foram criados 28 novos municípios1, em um total de 92, notadamente nas áreas mais dinâmicas como as que recebem royalties do petróleo como é o caso das Baixadas Litorâneas e Norte Fluminense que envolvem a Bacia de Campos; ou ainda no Médio Vale do Paraíba Fluminense onde Porto Real e Itatiaia detêm as maiores taxas de crescimento do PIB municipal (CIDE, 2002). Muitas destas emancipações estariam relacionadas mais a interesses de ordem política e ou econômica e não necessariamente a fatores relacionados à preservação de uma identidade territorial específica pré-existente. A tendência ao crescimento demográfico fora das sedes municipais, principalmente nas áreas mais dinâmicas, no caso da

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região metropolitana aparece como uma densificação do que se poderia caracterizar como franja metropolitana ou área peri-urbana. Enquanto no interior do estado, nas áreas dinâmicas, assume uma forma pulverizada e dispersa entre diversas localidades não conectadas à malha urbana dos distritos sedes e/ou das vilas, sedes de distrito, inclusive com um crescimento da população rural, sem um equivalente aumento da atividade rural ou do número de estabelecimentos rurais, o que indica, em parte, uma rurbanização da população – ou seja um aumento dos domicílios de trabalhadores urbanos em áreas não-urbanas (Limonad, 1996). A corroborar esta tendência de dispersão e interiorização do crescimento demográfico, os saldos migratórios de 1980-91 e de 1991-2000 indicam uma reversão no perfil migratório do estado com o predomínio das migrações intramunicipais e intra-regionais, seja na escala do estado do Rio de Janeiro, seja na escala da região Sudeste. O que se contrapõe às projeções e estimativas feitas até o final dos anos 80 que apontavam para o crescimento desmesurado das regiões metropolitanas com a formação de massas urbanas contínuas - megalópoles. Fenômeno por nós caracterizado como uma urbanização fragmentada ou sub-urbanização em escala territorial de trabalhadores urbanos em áreas rurais ou urbanas carentes de infraestrutura (Limonad, 1996) – que se aproxima da idéia de urbanização extensiva assinalada por Monte-Mor (1994) e que de certa forma tem por base a idéia de Lefebvre (1969) de urbanização do território onde o tecido urbano apresenta-se esgarçado. Enfim, as mudanças assinaladas até aqui evidenciam que a dinâmica econômica está sendo acompanhada, pari passu pelos movimentos migratórios e crescimento populacional, destaca-se nesse sentido Macaé - sede operações da Petrobrás na Bacia de Campos, que registrou uma taxa de crescimento demográfico de 4,33% a.a., entre 1980 e 2000. E tais mudanças, ainda que sutis em relação ao peso da região metropolitana, sinalizam para uma inflexão na relação capital-interior, na qual o interior fluminense está gradualmente conquistando uma nova preeminência, conforme aí se instalam empresas de grande porte e de última geração e aumenta sua participação no PIB estadual. Cabe ressaltar que no caso do Rio de Janeiro, a despeito da diversidade geográfica existente a regionalização oficial atende a injunções de ordem política e econômica. Ou seja, as atuais regionalizações do território estadual possuem um caráter estratégico na geopolítica estadual, e mesmo nacional. Contribuem,

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assim, para configurar tanto um retrato da riqueza e do poder quanto da pobreza. Neste sentido a reorganização das regiões de governo2 fluminenses após a descoberta de petróleo na bacia de Campos, em 1984 é um exemplo interessante. Nesta ocasião o município de Macaé foi desvinculado das Região das Baixadas Litorâneas e passou a fazer parte do Norte fluminense - ao mesmo tempo em que os municípios desta região, com baixa renda per capita e reduzida participação no PIB estadual foram – em uma regionalização da pobreza congregados na região Noroeste fluminense, que até hoje permanece polarizada pela região Norte fluminense. De certa forma um artifício para manter a proeminência econômica e política da região Norte Fluminense e assegurar um espaço político para as oligarquias locais. Em um movimento contrário à centralidade metropolitana, obedecendo em parte a interesses econômicos, temos a desincorporação da Região Metropolitana dos municípios de Petrópolis (Serrana) e na última década dos municípios litorâneos de Mangaratiba (Baía da Ilha Grande) e Maricá (Baixadas Litorâneas). Algumas considerações finais Diante do quadro aqui exposto torna-se patente a importância para a reflexão a análise de diferentes escalas espaço-temporais articuladas de modo a não se perder a “sintonia fina” ou a especificidade dos processos sociais e econômicos - que muitas vezes, ainda que não pareça extrapolam a escala local-estadualregional. Há que se considerar, ainda na perspectiva de uma percepção de uma “sintonia fina”, que existem hoje processos que passam por fora da metrópole tanto ao nível das atividades produtivas quanto no concernente à distribuição da população no território. As práticas espaciais dos distintos atores sociais em disputa pelo espaço que se consubstanciam na ocupação e organização do espaço, têm por resultante a urbanização e regionalização do território. A adoção de uma abordagem de escalas articuladas permitenos perceber na escala dos lugares, processos e tendências não perceptíveis na escala municipal e das regiões de governo, conforme registramos em trabalhos anteriores (Limonad 1996 e 2002). No caso do interior fluminense tal procedimento contribuiu para verificarmos que a articulação e interação das novas condições gerais de produção e de re-distribuição da população no território conferem 89 89

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à urbanização um “novo” formato em que, por um lado, o urbano extrapola os limites físicos da cidade, enquanto por outro lado, o território tem sua face transformada e emergem novas regionalizações, conforme o espaço de produção pretérito, antes voltado para a produção agrária, é apropriado por novos atores sociais, para novas atividades produtivas de caráter industrial e por aglomerações dispersas e esparsas conformando um tecido urbano esgarçado (Lefebvre, 1969). Concomitante a tal apropriação, como se fora uma condição sine qua non são ampliadas, modernizadas e implantadas infra-estruturas de suporte, abastecimento e logística necessárias à reprodução dos meios de produção e à reprodução social. Conforma-se, assim, um espaço social com uma dinâmica regional singular a partir das práticas espaciais de distintos atores, voltadas para a produção dos meios de produção (dos distintos capitais) e para a reprodução social (da sociedade). A produção (social) do espaço, de uma geografia localizada materialmente, está relacionada historicamente à reprodução da sociedade (da família e da força de trabalho) e dos meios de produção. Portanto, para podermos apreender dialeticamente a produção (social) do espaço devemos debruçar-nos de forma articulada sobre os distintos momentos da reprodução social – o que na atual etapa implica em nos determos sobre a distribuição espacial da população e as tendências de expansão do tecido urbano. De fato, a combinação destas esferas de (re)produção social em disputa por localizações privilegiadas permitem-nos apreender certos aspectos da produção do espaço (social) que tendem a formar lugares de caráter urbano (Limonad, 1996) e constituem parte dos fundamentos do processo de urbanização e de estruturação do território (vide a respeito Pred, 1985 e Soja, 1993). Em síntese temos uma reestruturação do espaço de produção em diferentes escalas, que é acompanhada por uma reestruturação do espaço de vida e trabalho – cujo corolário é a disseminação em escala territorial de uma urbanização fragmentada mais complexa, diversificada e especializada – qualitativamente distinta da fase anterior em que o produto material da urbanização consubstanciavase em grandes massas e em malhas urbanas contínuas – cidades e suas periferias. Parece-nos que conforme o mundo torna-se mais urbano e conforme a urbanização avança e se estende de forma fragmentada além dos limites das cidades, como se fora um tecido esgarçado e não uma malha com continuidades e contigüidades físicas, através 90 90

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Rio Riode deJaneiro, Janeiro,uma uma nova nova relação relação capital-interior? capital-interior?

de aglomerações dispersas ao longo de grandes eixos e artérias (Limonad, 1996, 1997, 1999 e 2002) ou ainda como uma urbanização extensiva (Monte-Mór, 1994; Monte-Mór e Costa 1997), enquanto um modo de vida e inserção no processo produtivo, tornase necessário mais do que nunca re-qualificar a questão urbana e social. o0o Notas 1

Arraial do Cabo, Armação dos Búzios, Iguaba Grande e Rio das Ostras (Região das Baixadas Litorâneas); Areal, Comendador Levy Gásparian e Paty do Alferes (Região Centro-Sul Fluminense); Itatiaia, Pinheiral, Porto Real e Quatis (Região do Médio Paraíba); Belford Roxo, Guapimirim, Japeri, Mesquita, Queimados, Serópedica e Tanguá (Região Metropolitana); Aperibé, Italva, São José de Ubá e Varre-Sai (Região Noroeste Fluminense); Cardoso Moreira, Quissamã e São Francisco do Itabapoana (Região Norte Fluminense) Cordeiro, Macuco e São José do Vale do Rio Preto (Região Serrana).

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O estado do Rio de Janeiro é dividido atualmente em 8 regiões de governo: Metropolitana, Baía da Ilha Grande, Médio Vale do Paraíba, Centro Sul Fluminense, Serrana, Baixadas Litorâneas, Norte Fluminense e Noroeste Fluminense, esta última criada em 1984.

o0o BENKO, G. & LIPIETZ, A. (1995) “Das redes de distritos aos distritos de redes”. BENKO, G. & LIPIETZ, A. (org.) As Regiões Ganhadoras: Distritos e Redes – os novos paradigmas da geografia económica.Oeiras: Celta. CIDE. 1989. “Principais Aspectos Estruturais da Indústria Fluminense” Boletim Técnico nº 3. Rio de Janeiro, Governo do Estado do Rio de Janeiro. _________. 1993. Guia Sócio Econômico dos Municípios. Rio de Janeiro, CIDE/BANERJ/JB, vol. 1. _________. 2000. Anuário Estatístico do Estado do Rio de Janeiro 19992000. Rio de Janeiro: CIDE. _________. 2002. Anuário Estatístico do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: CIDE. (digital URL: http://www.cide.rj.gov.Br. DAVIDOVICH, F.R. 1986. “Um foco sobre o processo de urbanização do Estado do Rio de Janeiro” in Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro 48 (3) :333-371, jul./set. GEIGER, P.P. 1963. Evolução da Rede Urbana Brasileira. Rio de Janeiro, MEC. IBGE. 1980. Anuário Estatístico do IBGE. Rio de Janeiro: FIBGE. _________. 1985. Censo Econômico de 1985: indústria, comércio e serviços (Região Sudeste). Rio de Janeiro, FIBGE IPLANRIO (1986) Revista Metrópole. Rio de Janeiro, ano I, nº 1. _________. 1991. Anuário Estatístico do IBGE. Rio de Janeiro: FIBGE. (digital) _________. 2000. Anuário Estatístico do IBGE. Rio de Janeiro: FIBGE. (digital URL: http://www.ibge.gov.br)

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Ester Limonad _________. 2000. Contas regionais do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE. Fundação CIDE Jornal do Brasil, Editorial, 13/11/94 LEFEBVRE, H. 1969. O Direito à Cidade. São Paulo: Documentos. _________. 1991. The Production of Space. Oxford UK & Cambridge USA, Blackwell. LIMONAD, E. 1996. Os Lugares da Urbanização – o caso do interior fluminense. São Paulo: USP – tese de doutoramento. _________. 1997. “Novas redes urbanas?”. Anais do VII Encontro Nacional da Anpur. Recife: ANPUR v. 3, (2121-2145) _________. 1999. “Reflexões sobre o espaço o urbano e a urbanização”. Niterói: Geographia, Ano I, vol. I [:71-92] _________. 2002. “Multipolar urbanisation patterns in south Rio de Janeiro: from competition or cooperation to coopetition”. In: MARKOWSKI, T. & MARSZAL, T. (Org.). Polycentric metropolitan regions - new concepts and experiences. Varsóvia, v. 11, p. 143-158.LIMONAD 1997, MESENTIER, L. 1993. “Esvaziamento econômico do Rio de Janeiro” Cadernos IPPUR/UFRJ, ano VII, no 2, set. (35-50) MONTE-MÓR, R. & COSTA, H.S.M. 1997. “Diversidade ambiental urbanorural no contexto da grande indústria: saneamento e qualidade de vida”. Anais do VII Encontro Nacional da ANPUR, Recife. MONTE-MÓR, R. 1994. “Urbanização extensiva e lógicas de povoamento: um olhar ambiental” in SANTOS, M. et. al. (org). Território, globalização e fragmentação. São Paulo: Hucitec – Anpur. PRED, A. 1985. “The Social Becomes Spatial, The Spatial Becomes the Social: Enclosures, Social Change and the Becoming of Places in Skane” in GREGORY, D. & URRY, J. (ed.), Social Relations and Spatial Structures. London, Mac Millan, Cambridge. RIBEIRO, L.C.Q. e LAGO, L.C. 1995. “Dinâmica Metropolitana e os Novos Padrões de Desigualdade Social” in São Paulo em Perspectiva, SEADE, volume 9, no 2, abr-jun. SANTOS, M. 1996. A Natureza do Espaço. São Paulo: Hucitec. SINGER, P. 1978 Economia Política da Urbanização. São Paulo, Brasiliense, 5a ed. SOJA, E. 1993. Geografias Pós-Modernas - a reafirmação do espaço na teoria social crítica. Rio de Janeiro, Zahar. TASCHNER, S.P. 1992. “Mudanças no padrão de urbanização: novas abordagens para a década de 90” in Revista Espaço & Debates. São Paulo, Neru/FAPESP, ano XII, no 36 (77-90)

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SUDESTE BRASILEIRO : A INSTITUCIONALIDADE DA QUESTÃO REGIONAL

Cláudio A. G. Egler

Apresentação A proposta do presente trabalho enquadra-se na abordagem que ressalta o papel das instituições na organização do território, utilizando, como ponto de partida, as bases conceituais desenvolvidas originalmente por North (1990), que considera as instituições formais - como as que definem leis, normas e regulamentos de caráter obrigatório e coercitivo, como fundamentais na dinâmica econômica (Corei, 1995). O caminho percorrido nesse trabalho exploratório mostra que as relações entre espaço e matriz institucional são importantes para a compreensão da questão regional no Brasil e para avaliar suas implicações para a gestão do território. Tais concepções foram aplicadas à Geografia Econômica por diversos autores como Storper (1997), Storper e Salais (1997) e Martin (2000), dentre outros. Alguns ensaios de aplicação dessa concepção à realidade brasileira já foram realizados por Mattos e Egler (2002 e 2003) e Pires do Rio e Egler (2003). O presente trabalho discute o papel das novas institucionalidades na diferenciação regional do Sudeste brasileiro. O peso do Sudeste no contexto nacional A Região Sudeste, formada pelos estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo corresponde ao espaço mais industrializado e urbanizado do Brasil. Embora represente apenas cerca de 10% do território nacional, o Sudeste concentra 42,5 % 93

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Cláudio Egler Cláudio Egler

da população e é responsável pela geração de 57,8 % do PIB nacional. Um em cada dois brasileiros que vivem em cidades está no Sudeste, o que mostra sua importância, tanto como mercado consumidor, como também como território formador da concepção de nação e cidadania, decisivos para a construção da institucionalidade do Brasil contemporâneo. T a be la 1- Bra sil e Ma crorre giõe s - Indica dore s Se le ciona dos em números relativos (%) - 2000 Macrorregi ão

Área Terri t ori al

Popul ação Tot al 2000

Popul ação Urbana 2000

PIB 2000

Nort e

45,25

7,60

6,53

4,60

Nordes t e

18,25

28,12

23,90

13,09

Sudes t e

10,86

42,65

47,52

57,79

6,77

14,79

14,73

17,57

18,87

6,85

7,32

6,95

100,00

100,00

100,00

100,00

Sul Cent ro-Oes t e Bras i l

Font e dos Dados Bás i co: IBGE, Cens o Demográfi co de 2000 e Cont as

A dimensão relativa da importância desse conjunto de estados da federação também pode ser avaliada pela relação entre a renda per capita regional e a média nacional (Gráfico 1). Desde que existem Gráfico 1 Relação entre a Renda Per Capita Regional e a Média Nacional (1949-2000)

Fonte dos Dados Básicos : IBGE, Contas Nacionais

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Sudeste brasileiro: A a institucionalidade institucionalidade da da questão questão regional regional

Contas Nacionais no Brasil, a região Sudeste apresenta indicadores acima da média brasileira, situação que se mantém até os dias atuais, considerando o desempenho positivo das regiões Sul e Centro-Oeste, que são justamente aquelas mais integradas aos seus impulsos dinâmicos. Mais que isto, a presença da velha, e sempre transformada, questão regional na construção da institucionalidade nacional, fica patente pela permanência de estruturas rígidas nas regiões Nordeste e Norte, e que se refletem no seu fraco desempenho no período considerado. A dimensão institucional da questão regional A questão regional, vista como um óbice de fundo ao desenvolvimento do capitalismo, foi originalmente postulada por Gramsci, que a considerava como uma forma territorializada e transformada de expressão da questão agrária. Nos textos clássicos da segunda metade do século XIX e início do XX, a questão agrária era vista como o impasse maior ao pleno estabelecimento das relações assalariadas de produção e assumia uma dimensão nacional, manifestando os conflitos e ajustes entre proprietários de terra e proprietários de capital pelo controle do aparelho de Estado. A maneira de solucionar a crise agrária e garantir o desenvolvimento do capitalismo assume caráter decisivo na construção do próprio aparelho de Estado e de sua institucionalidade. A famosa diferenciação entre a via americana, fundada no acesso democrático a terra, e a via prussiana, onde os grandes proprietários conservam seus direitos fundiários, está descrita, tanto nos textos políticos de Lênin (1980), como nos acadêmicos de Moore Jr. Esse último, tanto no seu clássico As Origens Sociais da Ditadura e da Democracia: senhores e camponeses na construção do mundo moderno (1983), como também em Injustiça: as bases sociais da obediência e da revolta (1987), traça um formidável painel acerca das influências da questão agrária e seus corolários, na construção das instituições contemporâneas. O papel da questão regional, enquanto forma transformada da questão agrária, pode ser avaliado através do Mapa 1. De um modo geral, a fraca amplitude da divisão territorial do trabalho é fruto da elevada concentração da riqueza e da renda. Seu resultado mais imediato já foi explicado por Adam Smith há mais de dois séculos. Não existe um mercado proporcional ao tamanho demográfico destes adensamentos populacionais, o que faz com que não se desenvolvam as atividades produtivas para abastecê-los e o excedente que por ventura venha a ser obtido no local, seja pela prodigalidade dos

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Cláudio Egler Cláudio Egler

recursos naturais, seja pelo aviltamento da força de trabalho, é apropriado pelas mais diversas formas de capital agrário-mercantil, que estão presentes, seja na simples extração da renda absoluta da terra, seja no financiamento ao pequeno produtor, seja na comercialização dos resultados de sua produção, seja também no controle sobre abastecimento de produtos industrializados. Neste caso, é difícil denominar de urbanização aquilo que é uma mera expansão das redes mercantis de captura do excedente rural. A rede urbana e a diferenciação regional A resultante final deste processo é algo que poderia ser denominado de bacia urbana, mas jamais de uma verdadeira rede urbana. Para superar esse problema, estabeleceu-se o corte de 100 habitantes por quilômetro quadrado para a densidade demográfica municipal como o patamar onde o uso da terra pode ser considerado como dominantemente urbano. Mapa 1

Fonte dos Dados Básicos: IBGE, Censo Demográfico de 2000

A observação do mapa mostra a grande mancha urbana no estado de São Paulo, formada por três áreas metropolitanas: a de

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Sudeste brasileiro: A a institucionalidade institucionalidade da da questão questão regional regional

São Paulo, de Campinas e da Baixada Santista, que já estão praticamente conurbadas. Esta mancha se estende para norte, em direção a Araraquara, para oeste, ao longo do eixo da antiga estrada de ferro Sorocabana e para leste, seguindo o vale do rio Paraíba do Sul, tendo Sorocaba e São José dos Campos como núcleos de aglutinação pré-metropolitanos. É evidente o papel das rodovias como eixos de avanço do processo de urbanização e é preocupante que esse avanço ocorra sobre áreas que se caracterizam por dispor de um dos mais férteis solos do país, as conhecidas terras roxas estruturadas dos espigões paulistas. No Rio de Janeiro, alem da conhecida expansão da mancha urbana em direção à São Paulo, ao longo do Vale do Paraíba do Sul, que constituiria, segundo alguns autores, o embrião da cidade mundial brasileira, deve-se destacar a rápida expansão da urbanização litorânea que avança, já praticamente de forma contínua até Macaé, onde situa-se a base terrestre de suporte a extração petrolífera “off-shore” na Bacia de Campos que, em um curto período de menos de vinte anos, transformou-se na principal área produtora de hidrocarbonetos fósseis (petróleo e gás natural) do Brasil. A construção da ponte que liga o Rio de Janeiro a Niterói, cruzando a Baia da Guanabara, abriu a fachada atlântica da Região dos Lagos fluminense à especulação imobiliária, seja para segunda residência, seja para moradia permanente daqueles que trabalham na metrópole do Rio de Janeiro. A este movimento, deve-se acrescentar a rede de dutos e a intensificação da circulação de veículos pesados associados à extração petrolífera, o que em conjunto com a construção de usinas nucleares no litoral sul do estado, bem como os investimentos na construção do Porto de Sepetiba, na baía do mesmo nome, transformaram esta aglomeração urbana em uma das áreas de maior risco ambiental do Brasil, assim como em vetor de fortes pressões sobre a cobertura vegetal que ainda restou preservada na zona costeira. Processo semelhante pode ser observado em Minas Gerais, principalmente na área do Triângulo Mineiro, onde cidades como Uberlândia e Uberaba ampliaram sua área urbanizada como conseqüência do extravasamento das atividades industriais e de serviços a partir de São Paulo. Na mesma direção, com o agravante dos impactos resultantes da extração de minério de ferro, pode-se incluir a capital do estado, Belo Horizonte, que se transformou em um curto período de tempo, em um importante complexo industrial metalúrgico e metal-mecânico, em grande parte devido a implantação da FIAT, em Betim, em meados dos anos setenta.

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A estruturação de uma densa rede urbana regional, comandada por São Paulo, o hardcore da Rede Urbana Nacional, que compreende as regiões de influência das cidades de São Paulo, Baurú, Campinas, Marília, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Presidente Prudente e Uberlândia (MG), cujo dinamismo projeta-se sobre o território nacional, embora sua área de influência direta tenda a se reduzir pela emergência de novos centros regionais nas franjas do território por ele polarizado. A metrópole do Rio de Janeiro, que exerce sua influência sobre Vitória e Juiz de Fora, caracteriza-se pelo expressivo tamanho médio das cidades, que formando um sistema com forte primazia urbana, os indicadores mais elevados do Sudeste, o que indica um processo de urbanização fortemente concentrado na metrópole carioca. A área de influência do Rio de Janeiro é praticamente a mesma desde o apogeu de sua região cafeeira, sem grandes transformações no período recente. Dada esta característica, a tendência dominante é de estabilização e mesmo regressão, em grande parte devido ao dinamismo de Belo Horizonte, que tende a ampliar sua área de atuação sobre a Zona da Mata Mineira. Mapa 2

Fonte:IPEA/IBGE/NESUR (2002) Caracterização e Tendências da Rede Urbana no Brasil.

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Sudeste brasileiro: A a institucionalidade institucionalidadeda da questão questão regional

Belo Horizonte caracteriza-se por ser um sistema de transição entre o Sudeste e o Nordeste, o que ajuda a compreender suas principais características, isto é, elevados indicadores de primazia e de crescimento urbano O tamanho médio das cidades que o forma situa-se abaixo de 20.000 habitantes, o que significa o predomínio de pequenos e médios centros urbanos relativamente dispersos. Sua área de influência projeta-se na porção centro-oriental do estado de Minas Gerais, restringida pela influência de São Paulo sobre o Triângulo Mineiro, através de Uberlândia, e do Rio de Janeiro sobre a Zona da Mata, através de Juiz de Fora. Mapa 3

É interessante observar as relações entre a configuração da rede urbana e a distribuição intrarregional da renda no Sudeste (Mapa 3). É evidente que onde a urbanização é mais intensa e é maior a densidade da rede de cidades, os rendimentos são mais elevados, revelando que existe uma expressiva correlação espacial entre esses processos, que são responsáveis por uma marcante diferenciação sub-regional do território, onde o cinturão urbano-industrial em torno de São Paulo ocupa uma posição peculiar, quando comparado, tanto a áreas no interior do próprio estado - como o Vale do Ribeira ou o

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Cláudio Egler Cláudio Egler

Pontal do Paranapanema, como às vastas extensões do Norte e da Zona da Mata de Minas Gerais. Institucionalidades e territórios no Sudeste Essas diferenciações sub-regionais vão contribuir para a definição de novas institucionalidades que implicam em conflitos e ajustes na apropriação do território do Sudeste. Essas institucionalidades refletem, primeiro o aumento da participação nos fundos públicos, através da questão regional - utilizando as pressões políticas sobre o aparelho de Estado, como é o caso do avanço da área de atuação do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), posteriormente Agência de Desenvolvimento do Nordeste (ADENE) e, agora, transformada novamente em SUDENE, que passou a incluir o Norte de Minas Gerais e a totalidade do Espírito Santo (Mapa 4). Esse mesmo instrumento também está presente na proposta de criação do Fundo de Desenvolvimento Regional, como parte integrante da Reforma Tributária, que graças aos reclamos do governo estadual, passaria a incluir o Norte Fluminense. Segundo, é no Sudeste que criou-se a expressão territorial mais elaborada da agudização dos conflitos em torno da questão agrária Mapa 4

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Sudeste brasileiro: A a institucionalidade institucionalidade da da questão regional

no Brasil: o Pontal do Paranapanema. A posição estratégica dessa porção do Estado de São Paulo no contexto sul-americano, bem como o caráter de teatro preferencial de lutas conferido pelas organizações antagônicas, que disputam cada palmo de terra no Pontal: o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a União Democrática Ruralista (UDR). A construção de um novo mapa institucional no Brasil tem como marco fundamental a Constituição de 1988. Qualquer leitura que dela se faça, há que se reconhecer que naquele momento foram provocadas rupturas importantes no tocante ao fortalecimento dos entes federativos frente à União. Essas rupturas foram traduzidas, genericamente, por um processo de descentralização e de redistribuição dos recursos financeiros. A busca de novas institucionalidades está presente na regionalização do território pelos governos estaduais - através das Regiões Administrativas, como também nos diversos matizes de regionalismo, que permitem desvelar a dependência das esferas de poder local das transferências dos fundos públicos federais. O Mapa 5 mostra que a antiga configuração espacial do Sudeste – definida pelo Paralelo 17º foi transformada, tanto pela ação do mercado, como, e principalmente, pela intervenção do Estado. Mapa 5

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Cláudio Egler Egler

Breves Considerações Finais Em que pese a brevidade da análise apresentada neste trabalho, observou-se que a perspectiva institucionalista constitui uma linha de investigação bastante promissora para a Geografia Econômica. Essa perspectiva teórica vem apresentando grande desenvolvimento nos últimos anos com enfoques que privilegiam escalas distintas. Poucos são, entretanto, os trabalhos efetuados para sua aplicação no Brasil.A magnitude das transformações operadas na matriz institucional ainda precisa ser melhor analisada para uma compreensão abrangente da dinâmica espacial no Brasil contemporâneo. o0o Referências Bibliográficas CLARK, G. 1992. “Real regulation: the administrative state”. Environment and Planing A 24 (5) [:615-627]. COREI, T. 1995. L’économie institutionnaliste. Paris: Economica. GRAMSCI, A. 1987. A questão meridional. Rio de Janeiro: Paz e Terra. LENIN, V.I.U. 1980. Capitalismo e agricultura nos Estados Unidos da América. São Paulo: Brasil Debate. MARTIN, R. 2000. Institutional Approaches in Economic Geography in SHEPPARD, Eric and BARNES, Trevor J. A Companion to Economic Geography. Oxford (UK): Blackwell. [:77-94]. MATTOS, M. M C e EGLER, C A. 2002. Federalismo e Gestão Regional no Brasil: limites e alcances das regiões integradas de desenvolvimento. In: Anais do VII Seminario Internacional de la Red Iberoamericana de Investigadores sobre Globalización y Território. ________. 2003. Federalismo e gestão do território: as regiões integradas de desenvolvimento. Anais do V Encontro Nacional de Pós-Graduação em Geografia. CD Rom. Florianópolis. MOORE JR., B. 1983. As origens sociais da ditadura e da democracia: senhores e camponeses na construção do mundo moderno. São Paulo: Martins Fontes. MOORE JR., B. 1987. Injustiça: as bases sociais da obediência e da revolta, São Paulo: Brasiliense. NORTH, D. 1990. Institutions, Institutional changes and economic performance. Cambridge: Cambridge University Press. PECK, J. 2000. “Doing Regulation”. In: CLARK, G. L. et al. The Oxford Handbook of Economic Geography. New York: Oxford University Press. PIRES DO RIO, G. A. e EGLER, C. A. 2003. “O novo mapa institucional: o papel das agências reguladoras na gestão do território”. Anais do V Encontro Nacional de Pós-Graduação em Geografia. CD Rom. Florianópolis. STORPER, M. 1997. The regional world: territorial development in a global economy. Nova York: The Guilford Press. STORPER, M. e SALAIS, R. 1997. Worlds of Production. The Action Frameworks of the Economy. Cambridge, Mass.: Harvard University Press.

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Escalas insurgentes na Amazônia brasileira

ESCALAS

INSURGENTES NA

AMAZÔNIA BRASILEIRA Ivaldo Lima

A Amazônia, tornada área e objeto de estudo sistemáticos da geografia, passa, a partir da década de 1970, a ser encarada como a grande fronteira nacional, definida como um espaço não plenamente estruturado e dotado de um elevado potencial político, como sugere Bertha Becker (1990). É, sobretudo, um espaço no qual ocorrem rápidas e profundas transformações. E, parece lícito considerar, logo de saída, que esse movimento transformador –, essa intensa dinâmica regional, diriam alguns – constrói e desconstrói a fronteira, instaura o novo, refunda o pré-existente, hibridiza-os e, apesar de ou por isso mesmo, forja o espaço de fronteira e força a sua consolidação, negando-o dialeticamente, ou seja, fazendo com que deixe de ser fronteira, sendo. Assim, quanto à Amazônia, impõese a questão de fundo: o que é – como quem indaga o que já não é mais – a fronteira nacional da qual tratamos. Os traços regionais amazônicos (re)delineiam-se incessantemente. Fala-se, então, em novas feições, novos rumos, novas tendências, com uma insistente freqüência. Isto se expressa na construção intelectual da fronteira, pois não tardam ensaios metodológicos, propostas conceituais, agendamento de temas e problemas relevantes, no intuito precípuo de pesquisadores envolvidos na tarefa de compreender a Amazônia, atuando como seus intérpretes. Afinal, o que dizem, com que se preocupam? Por razões talvez óbvias e por um certo comodismo acadêmico, buscarei responder esta pergunta à luz dos trabalhos de pesquisa que venho desenvolvendo sobre a Amazônia, desde 1985. Portanto, é a partir da observância das condições objetivas, materiais ligadas à Amazônia, e das contribuições acadêmicas remetidas à interpretação regional que se estruturará este trabalho. A perspectiva aqui assumida ancora-se na articulação das escalas local e regional, e na visão crítica de uma inquestionabilidade dos avanços sócioespaciais da fronteira, como se expansão fosse o termo a fortiori 103

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tradutor de tudo o que se passa na Amazônia atualmente. O ângulo do qual nos posicionamos neste trabalho ilumina um processo de re-qualificação do espaço regional, tendo em vista seus usos (no sentido próximo de práticas sociais). Ressaltando-se que o prefixo re assume acepções enriquecidas, pois não se deve limitá-lo à conotação de repetição tão-somente; mas enviá-lo à noção de recuo, como retro, de retroceder; como futuro, como meta, de renovar; como conexão, comunicação, de religar e reunir; como intensidade, de reforçar, nos termos sugeridos por Morin (2001:373). O território em processo: políticas de escala Entendemos, como vários autores (Raffestin, 1982,1993; Souza, 1995; Santos e Silveira, 2001) que o território se forma a partir do espaço, não sendo, entretanto, termos equivalentes. Contudo, devido a tal derivação genético-formadora, a natureza do espaço está na natureza própria do território, e isto diz respeito inclusive ao movimento, atributo espacial em si, como nos alerta Patoèka (1994). Agregando-se, ademais, a idéia de Santos (1985:50) de que “processo pode ser definido como uma ação contínua”, sentimonos à vontade para falar de território em processo, i.e., vislumbrado a partir de movimentos e ações que lhe são intrínsecos, indissociáveis dos objetos e coisas constitutivos do território mesmo, como discutiu Santos (1996), numa perspectiva sistêmica. Preocupado com esse processo de (re)configuração do território na Amazônia Brasileira, há alguns anos questionei por que se dividia o território em frações que buscavam ampliar sua autonomia relativa; preocupava-me com o aspecto da fragmentação do espaço e de como isto poderia (ou não) representar o embrião de novas regionalizações (hoje, eu diria novas sub-regionalizações), conforme meus trabalhos daquele período, Lima (1989, 1991, 1993). A criação e a instalação de novas unidades municipais tornaram-se, àquela época, o elemento que privilegiei nos estudos sobre a fachada oriental da Amazônia, nomeadamente o sul-sudeste e leste paraenses. Inspirado nos estudos de Becker (1982) sobre a hipótese para a origem do fenômeno urbano na fronteira, tratamos de refletir acerca do urbano, da cidade e da urbanização, tendo em vista a formação de poderes locais, assim entendidos como poderes urbanos. A Amazônia urbana, a “selva urbanizada” era o horizonte de pesquisa, e, de algum modo, continua a sê-lo nos trabalhos que ora desenvolvo. O processo de urbanização regional esteve muito associado à redefinição da própria estrutura espacial da Amazônia, fato este que, agregado às migrações intra-regionais e às políticas governamentais voltadas para a ocupação daquele vasto espaço,

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finda por conduzir a novas feições, quer dizer, a novas subregionalizações.Ainda no que tange à urbanização como vetor fundamental para se pensar a regionalização em curso, cabe-nos ressair que a perspectiva de Browder e Godfrey (1996), acenando para uma urbanização desarticulada pode ser relida de forma relativizada, e até mesmo modificada. Isto significa dizer que se interpõe um princípio federador no lugar de um princípio desagregador ou desarticulador. Se, no passado, como dissemos, nos preocupávamos em pesquisar a questão da divisão territorial, hoje, nos preocupamos com o seguinte problema: por que se agregam (ou federam) as frações do território. Estamos atentos, especialmente, ao movimento de recomposição, de reacomodação territorial, conforme Lima (1998,2001), a partir de uma forma de organização representada pelas redes. Uma perspectiva para o estudo das redes Admitimos que as redes – e a reflexão sobre elas, não constituem novidade no debate científico, mas concordamos com Randolph (1993:172) quando fala da “proliferação de NOVAS redes”. É preciso reconhecer a pluralidade de redes existentes como o faz Bakis (1993: 119) e conclamar o desenvolvimento de uma cultura das redes, “a fim de evitar um novo iletrismo”. O geógrafo Milton Santos (1996) chega a ponderar sobre uma geografia das redes. Entendemos redes como um modo de organização. Kansky (apud Lobato: 1993) define rede geográfica como “um conjunto de localizações geográficas interconectadas entre si por um certo número de ligações. Para Santos (2002:82), “as redes são a condição da globalização e a quintessência do meio técnico – científico – informacional”. É também Santos (1996:215) quem afirma que a “existência das redes é inseparável da questão do poder”; como também o faz Raffestin (1993: 209), “as redes são não somente a exibição do poder, mas são ainda feitas à imagem do poder”. E nas relações de poder, são veículos comandos, decisões, para os quais as redes jogam um papel estratégico. Contudo, desejamos imprimir ênfase especial à seguinte anotação de Santos (1996:262) Mediante as redes, há uma criação paralela e eficaz da ordem e da desordem no território, já que as redes integram e desintegram, destroem velhos recortes espaciais e criam novos.

A passagem supracitada nos permite perspectivar os estudos sobre rede face ‘a relação ordem – desordem. Talvez, em lugar de paralelismo, sugerido pelo autor, melhor fosse falar de uma dialógica, uma articulação – melhor contraditória – entre ordem e desordem.

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Concordamos com Haesbaert (1998:62) quando reconhece a “íntima relação e interpenetração entre territórios e redes”. Podendose, entretanto, segundo o autor, ter pelo menos duas situações: i) uma em que o território é mais amplo do que as redes, sobrepondose a elas, caso em que as redes se tornam elementos constituintes ou fortalecedores do território; e ii) outra em que o território é mais restrito que as redes, podendo, as redes protagonizar um processo terrritorializador ou desterritorializador. O que se está sublinhando é o papel recíproco que desempenham redes e territórios em sua mútua constituição. O ponto de vista que estamos defendendo pode ser sintetizado da forma seguinte: as redes constituem aquilo que as constituir. Seguindo os apontamentos de Haesbaert (1997:94), temos que “desse modo, o território sempre foi constituído de redes. Poderíamos mesmo afirmar que elas passaram de elemento constituinte, na territorialidade mais tradicional e fechada, a elemento constituidor, malha cada vez mais globalizante dentro da qual os territórios podem se tornar meros pontos, ou seja, momentos ou parcelas elementares das redes”. O autor refere-se a essa distinção no papel das redes face à formação de territórios, como movimentos de introversão e extroversão. Assim, se ordem e desordem são potencialmente intrínsecos às redes, o são, igualmente intrínsecos aos territórios. Conseqüentemente, quando Haesbaert (1995: 39) diz que “nem só da ‘ordem’ de redes – territórios se organiza o espaço contemporâneo”, agregamos que há desordens nesta organização. Balandier (1997:84) reforça a percepção de nova ontologia, “pela qual ordem e desordem estão completamente misturadas em toda organização”, e de que “a desordem se inscreve naquilo que se define como ordem”. A idéia de desordem é ineliminável da realidade física, biológica e antropossocial; destarte, “a desordem coopera na geração da ordem organizacional”, decerto, a desordem pode gerar incerteza, mas “é esta introdução da incerteza que é enriquecedora”, fazendo-se coro às considerações de Morin (1994:156). O mesmo autor complementa e conclui que “para estabelecer o diálogo entre ordem e desordem precisamos de algo mais que estas duas noções (...), donde a idéia do tetragrama: ordem

integração

desordem

organização

Isto quer dizer o quê? Quer dizer que precisamos conceber nosso universo a partir de uma dialógica entre estes termos, cada um

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deles chamando o outro, cada um precisando do outro para se constituir “(Morin, 1994:158). Então, ordem e desordem vinculamse a idéia de rede, que por sua vez contribuem para o entendimento da construção e desconstrução de territórios. Postos sobre o crivo das interações, dos movimentos concorrentes complementares, os termos em tela tornam-se fundamentais para se compreender a organização... territorial. E mais, para se avaliar criticamente as propostas de realizações de ordenamento territorial. Deste modo torna-se frágil o senso-comum dicotômico em que “a rede é freqüentemente apresentada como a antítese do território: o movimento contra o enraizamento, a mobilidade contra fixidez, o movente contra o permanente”, como adverte Chivallon (1999). Nossa insistência na aproximação das noções de rede àquelas de ordem e desordem foge a qualquer voluntarismo fortuito, uma vez que se fundamenta teórico-conceitualmente na trajetória mesma da noção de rede. Senão, vejamos. A noção de rede não é recente. De um ponto de vista paroxístico, poderíamos recuar à mera condição do homem em sua posição bípede – pedestre e a seleção de pontos do espaço vivido e percebido. Afinal, como lembra-nos Raffestin (1993), a rede aparece como um instrumento que viabiliza a circulação e a comunicação. E Brunet (1995:477) recorda-nos que todo grupo social desenvolve aprendizagem e culturas e que “muito rápido o grupo percebeu certa possibilidades, viu que certos caminhos eram mais cômodos, e alguns lugares nefastos”. De um outro ponto de vista, mais brando, poderíamos remontar ao século XIX e iluminar as contribuições de Saint – Simon. Segundo Dias (1995:144), o termo rede aparece como conceito – chave do pensamento do Conde Saint–Simon (1760-1825). O filosofo e economista formulou a moral da nova sociedade que se formava. Ele vivenciou uma época fértil em revoluções, como a Francesa e a Americana, geradora “de ruptura com a sociedade ‘antiga’, substituída pela ‘sociedade industrial’”, conforme Balandier (1997:71). De acordo com Musso (apud Dias, 2004:167), Saint– Simon construiu o conceito de rede para pensar a passagem de sistema feudal – militar para o sistema industrial, defendendo a criação de um estado organizado racionalmente por cientistas e industriais. Vale lembrar que Augusto Comte foi secretário de Saint– Simon, aderindo com entusiasmo à sua doutrina, e, depois, rompendo com tal filiação; da mesma forma que, mais tarde, teria como seguidor Émile Durkheim, segundo Balandier (1997:74). Porém, o que nos interessa destacar é que Saint–Simon era sensível à interpretação entre ordem e desordem. O conceito de rede por ele abraçado ter-se-ia formulado nos domínios desta 107 107

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sensibilidade. Balandier (1997:73) informa que Saint–Simon “identifica um movimento de desorganização e de reconstrução, de decomposições progressivas que provocam rupturas de equilíbrio e criam tendências que levam a outros equilíbrios”. Insurgem ordem e desordem, que, no nosso entender, (re)organizam um tempoespaço especifico, assumindo papel notável as redes novas, sobretudo as territoriais. Todavia, não ensejamos debate aberto sobre as redes almejando redescobrir sua importância, mas sim construir um agregado epistêmico, encarado como resultado da formação e evolução de redes teóricas, no sentido a elas conferido por Echeverría (1994). Efetivamente, significa desenvolver uma proposta conceitual em que se possam aproximar e entrecruzar proficuamente abordagens de distintos corpos teóricos. Neste caso, propomo-nos a falar de redes políticas, tornando mais familiares a geografia e a ciência políticas. Entendemos, apoiados em Lechner (1996), que redes políticas são instâncias e procedimentos de coordenação horizontal e descentralizada. Acrescentamos que tais redes se edificam, com maior nitidez, nos interstícios criados pelo pacto federalista, permitindo que assumam relevância novas escalas geográficas, novas escalas territoriais de poder, enfim, novas arenas políticas – resguardando-se, propositadamente, a proximidade que enlaça estes termos. Pretendemos falar de políticas de escala, à guisa de Swyngedouw (1997), pensando na articulação entre diferentes escalas e suas, às vezes insuspeitas, interações. Geograficamente, isto se traduz em exemplos, como a cooperação municipal, ou mais precisamente, no papel desempenhado pelas associações (inter) municipais. Intentamos sublinhar rupturas escalares, sinalizando que entre as escalas local e regional insinuam-se escalas insurgentes; o supralocal reconfigura-se em novos formatos e o risco de robustecer uma “vulgata localista” (Bourdin,2001) ameniza-se. Um cenário estratégico para a Amazônia Na fronteira amazônica, como sugerido na introdução deste texto, operam movimentos de expansão, mas também e concomitantemente de consolidação. As áreas degradadas pelo calor destrutivo das queimadas, o chamado “arco do fogo”, por exemplo, dá lugar a uma agricultura sojífera, capitalista e de precisão (em muitos casos). Assim, a borda da fronteira parece recusar-se a ser “espaço não plenamente estruturado”, contudo, fortemente vinculado à estruturação espacial da Amazônia, sem excessos utópicos ou exóticos, mas sobretudo como parte das relações sociais de produção e das contradições a elas inerentes, que caracterizam o país como

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Escalas brasileira Escalasinsurgentes insurgentes na na Amazônia Amazônia brasileira

um todo. Afigura-se como uma exigência a regionalização da Amazônia Brasileira, no sentido stricto de expressar a diferenciação contemporânea do território. Propostas de uma nova regionalização logo se sucederam. Destacaremos duas dentre elas. Becker (1999, 2001, 2003) enfatiza a premência de subregionalizar a Amazônia, para não corrermos o risco de trabalhar com a idéia, absolutizada por algumas instituições, de macro-região e dados estatísticos abusivamente agregados que possam nos levar a pensar e falar de uma realidade geográfica há muito inexistente. Concretamente, propõe, a autora, que se pensem os limites da i) Amazônia Oriental, área de consolidação e recuperação correspondendo basicamente ao leste do Estado do Pará, ao Estado de Tocantins, o oeste do Estado do Maranhão e o extremo norte do Estado do Mato Grosso; da ii) Amazônia Meridional, localizada majoritariamente em Rondônia e no Estado do Mato Grosso, encarada também como uma área de consolidação e recuperação; da iii) Amazônia Central, abrangendo o oeste paraense e porções dos Estados do Amazonas, Acre, Roraima e Rondônia, além de todo o Estado do Amapá, uma sub-região caracterizada pelos movimentos de expansão e conservação; e por fim, da iv) Amazônia Ocidental, abarcando a porção oeste dos Estados do Amazonas, de Roraima e do Acre, encarada como uma sub-região caracterizada por conservação e preservação orientada. Outro exemplo, vale dizer, outra proposta de sub-regionalização da Amazônia, nos é apresentada por Pasquis et al (2001) sob a genérica denominação de formatos de ocupação do espaço amazônico, a partir dos quais são identificadas: i) Amazônia colonizada, subdividida em extremo-oriental (antiga e estabilizada), central (espaço de transição), meridional (pólo agropecuário) e subocidental (de colonização ativa); ii) Amazônia Ocidental, antiga e tradicional; e iii) Amazônia Central da margem esquerda, segundo os autores, “a nova fronteira”. São propostas que apontam para o fato incontornável de a Amazônia ser plural, como sentencia Gonçalves (2001), ao intitular seu livro “Amazônia, Amazônias”, e tratar de “outras Amazônias”. Tendo estas propostas em mira, arriscamos propor que se tornou impositivo pensar sob que condições mantêm-se esses subespaços regionalizados. Isto é, pensar o que permite, impede, retarda ou acelera o “movimento do território”, uma vez que tais sub-regiões não são instantâneos petrificados, não são imagens territoriais congeladas, mas sim, em animação ininterrupta. O princípio federador parece ajudar a esclarecer a tendência de fortalecimento de alianças, de um pacto local projetado regionalmente. As 109 109

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associações de municípios jogam, destarte, um peso crucial nesse processo cooperativo. Elas representam redes políticas territorializadas, consoante o que apresentamos conceitualmente na seção anterior. E, como tais, essas redes solidarizam, conectam poderes locais entre si, tornando-os (sub)regionais, re-desenhando contornos. Essa escala territorial insurgente deve ser considerada como algo que confere visibilidade aos processos de urbanização e de regionalização do território brasileiro, sobretudo no exemplo da Amazônia, como estamos a sugerir. O cenário estratégico para a Amazônia se pode imaginar a partir do reconhecimento e da valor(iz)ação da formação de redes políticas, associativas e federadoras em sua própria natureza, podendo ser traduzidas por políticas favorecedoras da cooperação (inter)municipal. Uma espécie de valoração das horizontalidades, nos termos assinalados por Milton Santos, em seu livro “A Natureza do Espaço”. Uma consideração final Procuramos um modo operativo para se pensar a regionalização no Brasil contemporâneo baseados no conceito de rede política. Nosso intuito consistiu em vincular estritamente um princípio regionalizador como princípio federador. Regionalizar não significa simplesmente dividir o espaço em frações, mas sim reconhecer processos, cada vez mais complexos, que recompõem o espaço de forma diferenciada. Trata-se de reconhecer uma diversidade territorial em constante reorganização, sendo que isto parece-nos particularmente mais explícito em áreas de fronteira, no nosso caso, nas múltiplas Amazônias em movimento. oOo Referências Bibliográficas BECKER, B. 1982. Geopolítica da Amazônia. Rio de Janeiro: Zahar. _________. 1990. Amazônia. São Paulo: Ática. _________. 1999. Cenários de curto prazo para o desenvolvimento da Amazônia. Brasília: MMA _________. 2001 Amazonian frontiers at the beginning of the 21st century in HOGAN, D. e TOLMASQUIM, M. (eds) Human dimensions of global environmental change. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Ciências. _________. 2003. A Amazônia e a política ambiental brasileira. Mimeo, inédito. BOURDIN, P. 2001. A questão local. Rio de Janeiro: DP&ª BROWDER,J.& GODFREY,B. 1996. Rainforest cities. New York: Columbia University Press BRUNET,R. 1995 La géographie science des territoires et des réseaux in Cahiers de Géographie du Québec,vol.39, n° 108. CHIVALLON,C.1999. Fin des territoires ou necessité d’une conceptualisation autre? in Géographies et Cultures, n° 31.

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URBANIZAÇÃO E MODERNIDADE NA AMAZÔNIA CONTEMPORÂNEA Roberto Luís Monte-Mór

A Amazônia Brasileira é certamente uma das regiões no mundo que vem sofrendo uma transformação mais rápida e intensa nas últimas três décadas. A entrada naquela região de cerca de quinze milhões de migrantes e o desflorestamento de cerca de seiscentos mil quilômetros quadrados por si só já constituem fato singular e atestam o impressionante processo de produção social do espaço regional e sua rápida transformação de espaço natural em espaço construído1. A Floresta Amazônica tem sido palco e cenário de intensa destruição e reinvenção de processos de produção social do espaço. A convivência de tempos espaciais distintos tem originado novos arranjos sócio-espaciais muitas vezes surpreendentes, manifestos em diversas escalas e múltiplas combinações dos espaços natural, social e abstrato. Novas articulações urbano-rurais, relacionadas à expansão da modernização sócio-espacial, têm contribuído para a redefinição da cidadania e da modernidade no contexto da selva em transformação. Das demandas urbanas articuladas ao nível local e da expansão de movimentos sociais ligados à produção e à reprodução a nível regional (e nacional), vem surgindo um tecido sócio-espacial (urbano) multifacetado, inovador e potencialmente transformador, que integra e (contrapõe) na região seringueiros e colonos agropecuários, hoje urbanizados, a pequenos industriais e comerciantes, crescentemente ruralizados. Este texto trata de uma nova visão da urbanização no Brasil contemporâneo – a urbanização extensiva - e de suas implicações sobre a construção e redefinição da modernidade – ou pósmodernidade – na Amazônia Brasileira. Apresenta os conceitos e os discute tendo como pano de fundo e referência o contexto brasileiro e amazônico. 112 112

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Urbanização UrbanizaçãoeeModernidade Modernidadena na Amazônia Amazônia Contemporânea Contemporânea

Identifica alguns processos de articulação urbano-rural, suas implicações e alguns desdobramentos face à extensão da cidadania e da (pós) modernidade naquela região. A urbanização brasileira se intensificou na segunda metade do século XX, quando o capitalismo industrial ganhou momento no país e dinamizou a economia a partir da formação e/ou consolidação das cidades industriais, particularmente São Paulo, o grande pólo de crescimento industrial do Brasil. Essa transformação de uma economia de base agro-exportadora e importadora de bens industriais em uma economia que cresce a partir da substituição de importações para o mercado interno em expansão colocou no centro dinâmico da economia a cidade industrial, pólo de dinamização e de transformações seletivas no espaço e na sociedade brasileira. A cidade industrial surgiu no Brasil a partir de duas vertentes principais, não necessariamente excludentes entre si: a primeira, a transformação da cidade política, tradicional sede do aparelho burocrático de Estado e sede política de comando das oligarquias rurais ligadas à economia agro-exportadora, em cidade mercantil, marcada pela presença do capital mercantil exportador e/ou concentração de comércio e serviços centrais de apoio às atividades produtivas rurais; a segunda, a partir de cidades que nasceram e/ ou se desenvolveram precocemente como espaços de produção industrial, pequenas cidades mono-industriais geradas ou capturadas por grandes indústrias e/ou que se desenvolveram como centros de concentração do excedente e da acumulação capitalista. Em ambos os casos, foram as cidades industriais que reuniram, no país, as condições básicas de modernidade e cidadania que caracterizavam a entrada em uma sociedade capitalista industrial. Em verdade, foram as grandes e médias cidades brasileiras – e algumas pequenas cidades mono-industriais – que reuniram as condições gerais de produção exigidas pelo capitalismo industrial em sua fase fordista, na qual o Estado do Bem Estar regulava as relações entre capital e trabalho, fazia os grandes investimentos em infra-estrutura necessários ao padrão de acumulação das grandes unidades produtivas, garantia os meios de consumo coletivos e os benefícios trabalhistas exigidos para a reprodução da força de trabalho; enfim, o Estado criava as condições gerais de produção para a grande indústria. Estas condições de produção estavam então restritas ao que Milton Santos (1994) chamou arquipélago urbano, evidenciando assim o caráter fragmentário e desarticulado da sociedade urbana brasileira. Nesse contexto, a cidade industrial é peça central da dinâmica capitalista, desdobrandose sobre as cidades comerciais e os centros urbanos variados que 113 113

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canalizam a produção para sua área de influência e controle. É também nessas cidades, e apenas nelas, que se concentram as possibilidades de acesso às facilidades da vida moderna, à cidadania, enfim, à urbanidade e à modernidade. A cidade industrial, todavia, tomada pela indústria e subordinada assim à lógica da produção sofre, segundo Lefèbvre (1999), um duplo processo de cisão: implode sobre si mesma, concentrando no seu interior as condições de comando financeiro, de gestão e de serviços de apoio à produção industrial que a domina; e explode sobre seu espaço circundante através do tecido urbano, forma e processo sócio-espacial que se estende para além da cidade e arredores para eventualmente atingir todos os espaços regionais, nacionais e, eventualmente, mundial. O tecido urbano prolifera, estende-se, corrói os resíduos de vida agrária. Estas palavras, “o tecido urbano”, não designam, de maneira restrita, o domínio edificado das cidades, mas o conjunto das manifestações do predomínio da cidade sobre o campo. Nessa acepção, uma segunda residência, uma rodovia, um supermercado em pleno campo, fazem parte do tecido urbano. Mais ou menos denso, mais ou menos espesso e ativo, ele poupa somente as regiões estagnadas ou arruinadas, devotadas à “natureza”. Para os produtores agrícolas, os “camponeses”, projeta-se no horizonte a agrovila, desaparecendo a velha aldeia. (Lefèbvre, 1999:17)

Para Lefèbvre, a sociedade urbana é uma virtualidade em concretização, uma realidade em formação que sintetiza e transcende as relações cidade e campo, diluindo ambos os termos dessa dicotomia em uma unidade relacional – o urbano. Esta realidade se apóia na centralidade teórica da sociedade urbana: …a relação “campo-cidade”, relação dialética, oposição conflitual que tende a transcender-se quando no tecido urbano realizado se reabsorvem simultaneamente o antigo campo e a antiga cidade. O que define a “sociedade urbana” é acompanhado de uma lenta degradação e desaparição do campo, dos campesinos, do povoado, assim como de estalo, uma dispersão, uma proliferação desmesurada do que antanho foi a cidade. (Lefèbvre, 1976a: 15)

O tecido urbano, no Brasil, tem sua origem na dinâmica territorial ao mesmo tempo concentradora e integracionista dos governos militares, em seqüência às políticas centralizadores e expansionistas do período Vargas e às ações para ocupação dos espaços interiores no período Juscelinista. O binômio “Energia e Transporte” traduziuse nos anos 70, em infra-estrutura (rodovias, hidrelétricas), comunicações, serviços financeiros, entre outros grandes 114 114

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investimentos. À entrada de capitais internacionais em busca de mercados e/ou recursos naturais associou-se, na acumulação interna, a indústria da construção civil, o latifúndio (subsidiado), a agro-empresa (em formação) que constituíram, em verdade, algumas das barganhas (políticas e econômicas) das elites nacionais e regionais para apoio ao militarismo (inter)nacional. Com e através do tecido urbano estenderam-se o (aparato do) Estado, a legislação (inclusive trabalhista e previdenciária), as redes de comunicações, os serviços urbanos e sociais (produção e consumo), potencialmente por todo o país, dos centros dinâmicos até as fronteiras de recursos naturais. A partir dos anos setenta, a urbanização se estendeu assim virtualmente a todo o território nacional integrando os múltiplos espaços regionais à centralidade urbano-industrial que emanava das regiões metropolitanas – particularmente, São Paulo – penetrando e desdobrando-se na rede de metrópoles regionais, cidades médias, núcleos urbanos afetados por grandes projetos industriais atingindo, finalmente, pequenas cidades nas diversas regiões e, em particular, naquelas onde o processo de modernização ganhou uma dinâmica mais intensa (e extensa). “Já não há mais problema agrário, agora se trata do problema urbano em escala nacional”, dizia de modo quase panfletário Francisco de Oliveira na SBPC de 1978 no seu famoso texto conhecido como “o Ovo de Colombo da urbanização brasileira” (Oliveira, 1978: 74). De fato, ao final dos anos setenta, as relações capitalistas virtualmente haviam se estendido a todo o espaço nacional. A essa urbanização que ocorreu para além das cidades e áreas urbanizadas carregando com ela as condições gerais de produção industrial tenho chamado urbanização extensiva. A urbanização extensiva pode ser definida como a forma sócio-espacial que expande as condições urbano-industriais de produção (e reprodução) por sobre o espaço regional articulando o urbano e o rural em uma única e (virtualmente) integrada forma urbana, carregando também consigo as especificidades de polis e da civitas: a práxis urbana, a política e a cidadania. A urbanização extensiva, no Brasil, em 30 anos atingiu praticamente todo o país: estendeu-se a partir das regiões metropolitanas, articulando-se aos centros industriais, às fontes de matérias primas, seguindo a infraestrutura de transportes, energia e comunicações, criando as condições de produção e estendendo os meios de consumo coletivo necessários ao consumo da produção industrial fordista que se implantava no país a partir do milagre brasileiro. Ao final do século XX, a urbanização se fazia presente 115 115

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em todo o território nacional, com destaque para a fronteira amazônica onde a produção do espaço já se dava a partir da base urbano-industrial que emanava dos centros metropolitanos e de seus desdobramentos sobre as regiões agrárias articuladas à base agro-industrial do país. A urbanização extensiva trouxe consigo os processos sócioespaciais e as formas próprias do capitalismo industrial (e pósindustrial) que se manifestaram inicialmente, e apenas, nas (grandes) cidades. A produção social do espaço sob a égide do espaço econômico abstrato, em países periféricos onde a heterogeneidade multitemporal2 é mais intensa, gerou múltiplas combinações sociais-espaciais-temporais a partir de dualidades aparentemente paradoxais, muitas vezes combinando processos incompletos de modernização com tentativas de construção de modernidades radicais e surpreendentes redefinições de tradições culturais e de práticas sociais. No Brasil, onde parcelas significativas da população têm sido excluídas dos projetos (burgueses) de modernidade e de modernização, a extensão das condições capitalistas de produção – materializadas na urbanização extensiva - a novas e velhas regiões e territórios implicou combinações diversas e inter-relacionadas de processos e formas sócio-espaciais distintas. Essas novas combinações espaciais, temporais e sociais representam não apenas manifestações locais de processos e formas ligados às hegemonias externas dos centros urbano-industriais (nacionais e mundiais) como também, e particularmente, múltiplas (re) criações de práticas tradicionais (re) informadas pelas necessidades imediatas derivadas das heterogeneidades multitemporais que se fundem no interior do espaço socialmente produzido. As tentativas de se produzir projetos de modernidade3 foram historicamente restritas a espaços onde a modernização, apesar de incompleta, tinha de alguma forma ocorrido. Em outras palavras, foi predominantemente nas grandes cidades que os processos sócioespaciais foram fortes o suficiente para produzir, em alguns extratos da população, as condições – os modernismos - que poderiam ser identificados como tentativas políticas e culturais de emancipação no Brasil, a maior parte deles fora lugar,4 isto é, carecendo dos elementos e contextos propícios à sua emergência enquanto processos de modernização. Momentos de modernidades incompletas Têm marcado a história brasileira – e amazônica - desde as tentativas de Ouro Preto em estabelecer uma República (escravocrata) nas Minas Gerais do século XVIII até as Revoltas dos Cabanos, no século XIX, ao longo do Rio Amazonas; do 116 116

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Movimento Modernista do início do século XX em São Paulo até os movimentos sociais contemporâneos. Outras tentativas de modernidade podem ser reconhecidas –e muitas vezes o foram no Brasil e na Amazônia, (sempre) como processos incompletos. De fato, no contexto diversificado do país e daquela região continentais, os processos de conquista da Amazônia e do Brasil podem ser vistos em si mesmos como vários projetos isolados ou desarticulados de modernidades produzindo não uma única e hegemônica modernidade, mas múltiplas modernidades. Os processos incompletos de modernização no Brasil, embora parciais em sua dimensão social e espaço-temporal, combinam-se para produzir em múltiplas escalas e interações temporais as heterogeneidades multitemporais descritas por Canclini. Como resultado, temos múltiplas experiências sociais/espaciais/temporais produzindo inovações sócio-espaciais manifestadas localmente em espacialidades particulares. Dada a pluralidade e complexidades tanto das forças imediatas quanto distantes que ali operam, podemos dizer que esses espaços sociais expressam construções culturais e sócio-espaciais multicondicionadas. A urbanização extensiva, compreendendo a extensão das condições urbanas e (pós) industriais de produção (e de reprodução), é tomada aqui como uma metáfora sócio-espacial para a complexidade da reprodução das relações de produção, conduzindo os processos de modernização.5 Em tal perspectiva, a constituição da modernidade não pode acontecer sem as conexões e mediações que o fenômeno urbano estabelece entre e dentro dos espaços social e abstrato. De fato, apenas trabalhando em ambos os níveis e integrando as forças sociais/espaciais/temporais distantes às determinações locais podem as múltiplas modernidades ser construídas. A modernidade implica em mais do que consciência espacial e temporal; implica em desalienação e na criação das condições para a construção do sujeito. Implica também a interconexão com outros sujeitos com os quais forma uma “totalidade”, uma consciência coletiva na qual uma espacialidade particular é reconhecida e incorporada a uma história. Em outras palavras, o local só pode ser moderno se e quando articulado com o global (e vice-versa, uma vez que o espaço abstrato é ele mesmo alienado). Nesse sentido, tanto a cidade como o campo não podem ser modernos sem estarem conectados ao urbano. Por outro lado, em seu sentido mais radical, a modernidade implica urbanidade. E essa geminação vem das metrópoles (e de

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suas manifestações incompletas) e cresce no interior de sua mais alta forma (imperial) – o urbano. Portanto, implica também as características da metrópole, da urbe: intensas transformações temporais, espaciais e reestruturação interna da vida social e coletiva. Dessa maneira, a verdadeira modernização implica novos projetos de modernidade que permitem a extensão da cidadania (da pólis, da urbe) e a conseqüente participação crescente das pessoas em seus processos de emancipação. Uma teoria da modernidade é uma teoria das transformações, das descobertas, das conexões, extensões, renovações e (re)constituições. A extensão da forma urbana (sócio-espacial) da metrópole para o espaço regional –que chamei de urbanização extensiva- poderia então ser também entendida como um processo de modernização, i.e., a extensão das condições sociais, espaciais e econômicas de constituição da modernidade para além dos limites da metrópole, onde originalmente foi gerada. Esta é a apropriação e redefinição dos processos e formas produzidas no centro dessas transformações –por definição, o urbano, a urbe- por um tecido ao mesmo tempo periférico e integrado que (re)produz e estende as possibilidades e os significados concretos (e mediações) da modernidade. Dessa maneira, é a urbanização extensiva, entendida como uma forma espacial do capitalismo urbano e industrial, que permite à modernidade (e a modernização) se expandir pelo espaço social como um todo . No entanto, a (pós)modernidade6, a qual pode hoje em dia se manifestar potencialmente imbricada à urbanização extensiva, não tem lugar fora de radicais transformações sociais, espaciais e políticas. A consciência crítica do tempo e do espaço amplia a necessidade de se tomar nas próprias mãos a construção da história. Portanto, a crescente participação que se segue à urbanização extensiva trouxe conteúdo à noção de cidadania para além dos limites da cidade, abrangendo o estado-nação, eventualmente os continente e o planeta (como esperançosamente anunciam os movimentos ambientais) . O conceito romano de cidadania, tomado da polis grega, implicou um controle temporal sobre a produção e a reprodução social, assim como a participação em um destino coletivo territorialmente definido. Os povos que conseguem tal controle se engajam numa práxis sócioespacial coletivamente definida em torno dos seus meios de reprodução e da reprodução das suas relações de produção, portanto, o controle sobre a própria produção do espaço social.

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Historicamente, foi a vida na cidade que permitiu a emergência de tal nível de integração e cooperação sócio-política. A burguesia revolucionária francesa clamou aos citoyens que tomassem a história em suas mãos, simbolizando o projeto de extensão da cidadania (e assim, da liberdade civil, da fraternidade e da igualdade) para além das classes e das províncias abrangendo o Estado-Nação como um todo, estendendo a práxis da cidade/pólis por todo o país. Contudo, foi o urbano, a extensão da pólis para além dos limites da cidade, que na realidade permitiu a maturação do projeto burguês de extensão da cidadania. Em outras palavras, foi a urbanização extensiva – a extensão regional das condições sócio-espaciais urbanas de produção e reprodução, materializadas no tecido urbano - que permitiu que esta extensão da polis sobre o campo abrangesse todo o país/Estado-Nação. A cidade industrial transbordou sobre a região que a circundava - a região metropolitana - dando origem a uma nova forma de urbanização (extensiva), integrando as práxis sócio-políticasespaciais (urbano-industriais) – a praxis urbana, segundo Lefèbvre – no interior do espaço social como um todo. À medida que o tecido urbano industrial se estendeu sobre parcelas distantes do território, levou também os germes da polis, da práxis política (urbana) que era própria e restrita ao espaço da cidade, território da modernidade e da liberdade. A luta política pelo controle dos meios coletivos de reprodução que caracterizam a noção contemporânea de cidadania – o direito à cidade – conduzem à revolução urbana antecipada por Lefèbvre (1970). Os movimentos sociais urbanos que emergiram ao redor do mundo nos anos setenta mostraram que a luta pela cidadania estava latente nas cidades e nas áreas urbanas e também além desses limites, atingindo todo o espaço social.7 Nesse ponto, a questão urbana torna-se a questão espacial em si mesma e a urbanização extensiva, uma metáfora para a produção do espaço por toda a nação em bases urbano-industriais. O industrial passa a ser virtualmente submetido às determinações do urbano, da vida cotidiana, das exigências da reprodução, e a re-politização da vida urbana torna-se, na verdade, a re-politização do espaço: A problemática do espaço, a qual subsume os problemas da esfera urbana (a cidade e suas extensões) e da vida cotidiana (consumo dirigido) deslocou a problemática da industrialização. (Lefèbvre, 1991:89).

É esse processo que nos permite compreender a rápida e intensa politização dos povos da floresta na Amazônia, desde as populações

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nativas pré-cabralianas – os índios – até garimpeiros, seringueiros e demais trabalhadores extrativistas, os colonos assentados, os fazendeiros, os sem-terra, todos organizados em centenas de movimentos políticos e sociais, e assim discutir os processos de urbanização em conexão íntima com a cidadania, as modernidades e as políticas de resistência. No Brasil, os movimentos sociais urbanos – MSUs – ganharam intensidade ao final dos anos 1970 quando o regime militar começou a mostrar sinais de fraqueza e a intensa mobilização social nas grandes cidades contribuiu para o fim daquele regime. No entanto, logo os movimentos sociais urbanos dispensaram a qualificação de urbanos, ganhando em intensidade e incorporando, já no início dos anos 1980, não apenas a maior parte do campo, mas também partes da selva. Um conjunto de ações políticas populares (re) unificou assim os povos ditos “rurais”, articulando-os ao urbano por todo o país. Desde então, a mobilização da sociedade civil no Brasil não ficou mais restrita às cidades; pelo contrário, incorporou o espaço social como um todo à medida que o tecido urbano foi estendendo a essência e natureza da polis e da civitas com ele. Política e cidadania atingiram o campo e o país com a urbanização extensiva. Urbanização (extensiva), modernidade e cidadania são, dessa maneira, facetas sócio-espaciais, culturais e políticas de práticas contemporâneas que virtualmente tomaram o país como um todo, incluindo a Amazônia. É a partir dessa tríade que devemos olhar para essa região continental de forma a colocar questões contemporâneas que podem nos permitir melhor compreender as novas realidades que estão pedindo para nascer nessa parte ainda muito desconhecida do Brasil. o0o Notas 1

Por espaço natural refiro-me ao espaço onde o processo de organização e ocupação humana e social se subordina predominantemente às leis biológicas, estando a vida social condicionada à extração dos meios de subsistência da própria natureza. No espaço construído, em oposição, a organização sócio-espacial está condicionada principalmente às leis e processos sociais e a dinâmica de ocupação local e regional se prende também, e predominantemente, a demandas distantes articuladas ao espaço abstrato do capitalismo mundial. Ver Smith (1984), Ibarra (1984), Lefèbvre (1991), Monte-Mór (1994).

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Canclini (1998:17) utiliza este termo para tratar as combinações culturais híbridas de tradição e modernidade na América Latina. É neste sentido

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Urbanização UrbanizaçãoeeModernidade Modernidadena na Amazônia Amazônia Contemporânea Contemporânea que o tomo emprestado conferindo-lhe, todavia, uma dimensão sócioespacial que não está expressa explicitamente no trabalho de Canclini. 3

Sintetizo aqui três conceitos que considero quase consensuais: modernidade(s), como condições sócio-espaciais particulares de vida coletiva que implicam uma consciência espacial/temporal das transformações permanentes; modernizações, como os processos econômicos e sócio-espaciais que produzem as modernidades; e modernismo(s), como os projetos políticos e culturais de construções sócio-espaciais (e ideológicos e/ou de representações críticas de práticas sociais). Vistos de uma perspectiva contemporânea ou pós-moderna, todos esses conceitos, que eram restritos ao projeto hegemônico e excludente Europeu (também chamado Ocidental), devem ser redefinidos pela pluralidade demandada pela crise societal atual que abre espaços para outras modernidades (e modernismos) e novas alteridades, Ver Souza Santos (1996), Soja (1998,1996), Hopenhayn (1994), Canclini (1995), entre outros.

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Roberto Schwarz, em famoso ensaio de crítica literária, cunhou a expressão idéias fora do lugar para se referir à impropriedade da importação de idéias descontextualizadas. (Schwarz, 2000: 11-31).

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Lefèbvre (1976b) enfatiza a dimensão espacial da reprodução das relações de produção nas suas discussões sobre a sobrevivência do capitalismo

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Utilizo o termo (pós)moderno entre parênteses quando me refiro ao contexto brasileiro dado que a discussão do processo incompleto de modernização no país exigiria uma discussão mais aprofundada das implicações, natureza, limites e possibilidades da pós-modernidade e do pós modernismo na periferia do mundo capitalista, tema que não poderá ser tratado no âmbito deste trabalho.

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Lefèbvre (1968, 1970) escreveu sobre o direito à cidade e o ressurgimento da praxis urbana como uma reação ao industrialismo, falando de uma revolução urbana, sendo por isso muito criticado. A mobilização política nas grandes cidades em todo o mundo nos anos 70 e, posteriormente no espaço social como um todo – os movimentos sociais ampliados – provaram que ele estava certo.

o0o Referências Bibliográficas CANCLINI, N.G. 1995. Consumidores e Cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: Editora UFRJ. _________. 1998. Culturas Híbridas. São Paulo: Edusp. HARVEY, D. 1989. The Condition of Postmodernity: an Enquiry into the Origins of Cultural Change. Oxford: Cambridge: Basil Blackwell. HOPENHAYN, M. 1995. Ni Apocalípticos ni Integrados. Aventuras de la Modernidad en América Latina. Santiago: México: Fondo de Cultura Económica. IBARRA, V. et al. 1984. La ciudad y el medio ambiente. Demografia y Economia, XVIII (1): 110-43. México.

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Roberto Monte-Mór Monte-Mór Roberto LEFÈBVRE, H. 1968. Le droit à la ville. Paris: Anthropos. _________. 1970. La Revolution Urbaine. Paris: Anthropos. _________. 1976a. De lo rural a lo urbano. Buenos Aires: Lotus Mare. _________. 1976b. The Survival of Capitalism. London: Allison & Busby. _________. 1991. The Production of Space. Oxford: Blackwell. _________. 1999. A Revolução Urbana. Belo Horizonte: Editora UFMG. MONTE-MÓR, R. L. 1994. Urbanização extensiva e lógicas de povoamento: um olhar ambiental. In: SANTOS, M. et al. (orgs.) Território: Globalização e Fragmentação. São Paulo: Hucitec/ANPUR. OLIVEIRA, F. 1978. Acumulação monopolista, contradições urbanas, e a nova qualidade do conflito de classes. In: MOISÉS, J.A. (org.) Contradições urbanas e movimentos sociais. Rio de Janeiro: Paz e Terra. ORTIZ, R. 1988. A Moderna Tradição Brasileira. São Paulo: Brasiliense. SANTOS, B. S. 1996. Pela Mão de Alice. O social e o político na pósmodernidade. São Paulo: Cortez. SCHWARZ, R. 2000. Ao Vencedor as Batatas. São Paulo: Ed. 34. SMITH, N. 1984. Uneven Development. Nature, Capital and the Production of Space. Oxford: New York: Basil Blackwell. SANTOS, M. 1994. Técnica Espaço Tempo: Globalização e meio técnicocientífico informacional. São Paulo: Hucitec. SOJA, E. 1996. Thirdspace. Journeys to Los Angeles and Other Real-andImagined Places. Malden: Oxford: Blackwell. _________. 1989. Postmodern Geographies. London: New York: Verso.

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NOVA DIVISÃO TERRITORIAL DO TRABALHO E AS

TENDÊNCIAS DE CONFIGURAÇÃO DO ESPAÇO BRASILEIRO

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É sabido que a divisão territorial do trabalho é um fato da produção e das trocas que compõem a estrutura das modernas economias. É nas sociedades de base industrial que melhor se aplica a máxima smithiana de que o tamanho do mercado é o tamanho da divisão do trabalho e, vice-versa, o tamanho da divisão do trabalho é o tamanho do mercado. Válida para o desenvolvimento da moderna sociedade industrial capitalista, a máxima smithiana é válida para a realidade brasileira, respeitadas as suas peculiaridades. No Brasil, as sucessivas formas de divisão territorial do trabalho costuraram uma relação sociedade-espaço cujos efeitos sociais (distribuição das oportunidades de emprego e renda), econômicas (custos de produção e escoamento) e sócioambientais (desarrumação dos espaços) são evidentes, ensejando pressões generalizadas por reconfigurações e mudanças. A evolução vai no sentido de uma diferenciação e integração crescente do espaço brasileiro, até que as reformas junto com as empresas estatais privatizam as políticas dos seus ordenamentos fraturam e desarticulam a unidade nacional do espaço no presente. Como a sucessão das configurações de espaço vai acumulando uma superposição de realidades e alianças político-sociais históricas diferentes, os conflitos crescem em tensão de territorialidades, que se acumulam igualmente, hoje chegando a um ponto explosivo diante da desintegração dos esquemas de regulação nacional do espaço brasileiro. O papel da atual divisão territorial do trabalho e da reestruturação que a acompanha em vista das tendências e problemas que trazem

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de organização da relação sociedade-espaço no Brasil é o tema deste texto. I. A divisão territorial do trabalho e as formas de organização do espaço brasileiro no tempo A evolução industrial moderna no Brasil tem início nos anos 18701880. Desde então, diferentes modos de organização de espaço são conhecidos, numa relação entre sociedade e espaço que espelha a divisão territorial do trabalho e de trocas existente. Quatro distintas formas de divisão territorial do trabalho e de respectivas configurações de espaço-tempo se sucedem a partir de então. Como que evoluindo em ciclos, cada momento configurativo dura em média vinte-trinta anos, quando então se substituem. A década de 1950 é o marco distintivo desses ciclos, grupandoos em duas grandes fases, que Francisco de Oliveira designa de “economias regionais nacionalmente organizadas”, para a fase dos anos pré-1950, e de “uma economia nacional, regionalmente localizada”, para a fase dos anos pós-1950 (Oliveira, 1984), e em outro estudo designamos por espaço molecular e espaço monopolista, respectivamente (Moreira, 1985). Duas sub-fases podem ser apontadas dentro de cada fase, com marcos respectivamente nos anos 1920 (anos 1920, não anos 1930 esclareça-se), para a primeira fase, e nos anos 1970, para a segunda. Temos, assim, no arco desse tempo de pouco mais de um século de evolução brasileira, quatro diferentes tipos de matrizes espaciais, cada qual organizando a sociedade no Brasil sob uma forma de regulação e ordenamento espacial específicos. Até os anos 1920 podemos falar de um espaço industrialmente disperso e indiferenciado. Entre os anos 1920 e 1950 temos um espaço progressivamente concentrado e ainda indiferenciado industrialmente. Dos anos 1950 aos anos 1970, o espaço é industrialmente concentrado e diferenciado. Nos anos 1970 a centralização toma conta da organização do espaço brasileiro, liberando para a desconcentração e diferenciação regional das indústrias. Por fim, hoje tende-se a uma configuração que designaremos por globalizada e nacionalmente desintegrada, indicando a entrada da sociedade brasileira numa fase “pósindustrial”. Tema que afloramos em outro texto (Moreira, 2003a). II. O espaço industrial brasileiro em perspectiva Analisemos o processo em sua chegada à configuração espacial atual. E assim as tendências e problemas do presente.

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AAnova nova divisão divisão territorial do trabalho

1. A ordem rural e a transição urbano-industrial: a dispersão e indiferenciação da indústria (1880-1920) De um certo modo a década de 1880 exprime uma ruptura na forma histórica de relação sociedade-espaço no Brasil até então existente, mercê da presença daí em diante de um modo de produção e de trocas próprio de uma sociedade de economia industrial. O processo se inicia com as transformações ocorrentes naquela década, entre elas a abolição do trabalho escravo e a instituição do estado republicano. O Brasil fazia parte então de uma divisão territorial internacional do trabalho e das trocas vinculada à acumulação primitiva européia, determinadora internamente de uma organização do espaço dispersa e indiferenciada do ponto de vista da natureza e distribuição da indústria. Dois tipos de indústria compõem o Brasil de então, segundo Castro (1980): a indústria de beneficiamento e a indústria doméstica, ambas ancilares da agroexportação. São indústrias de um Brasil rural e agroexportador A partir de 1880 a fábrica moderna entra no Brasil, em alguns casos para ocupar o lugar da indústria de beneficiamento, como no caso dos frigoríficos, em outros da indústria doméstica, como no caso da indústria têxtil e de alimentos. A fábrica moderna mantém, entretanto, o traço rural das formas de indústria anteriores, em particular seu vínculo locacional com as fontes de matérias-primas, mercado e capitais, tendo uma origem local e assim distribuindo-se tão dispersa e indiferenciadamente quanto aquelas. De certa forma, é ainda uma indústria de uma sociedade de economia rural. Nas capitais, como Rio de Janeiro e São Paulo, muitas são aquelas, todavia, em que a indústria fabril foge deste padrão de origem e vínculo rural, dado sua ligação com matérias-primas importadas, capitais de origem externa e mercados de consumo mais exigentes, a exemplo dos moinhos de trigo e outras indústrias do ramo alimentício. Temos, então, no geral, um parque industrial de indústrias de bens de consumo não-duráveis, em que a tecnologia da fábrica moderna coexiste aqui e ali com a tecnologia tradicional das indústrias domésticas e de beneficiamento remanescentes. Embora dispersamente distribuída pelo meio rural, a fábrica moderna separa indústria e agricultura, iniciando o estabelecimento de uma divisão territorial do trabalho entre cidade e campo, que daí em diante se acentuará para arrumar a organização do espaço brasileiro como um espaço de conteúdo urbano-industrial como um todo.

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Castro resume o processo nos seguintes termos: As atividades industriais até o presente referidas estão na estreita dependência da respectiva oferta de matérias-primas. Ao longo do século XIX iriam no entanto se acumulando condições propícias ao surgimento de um novo gênero de indústrias. Estas, ainda que vinculadas estreitamente à agricultura, se caracterizam por uma elaboração muito mais intensa dos bens primários. Conseqüentemente, o valor final do produto será um múltiplo do custo das matérias-primas. Em tais condições outros fatores que não a oferta agrícola passam a ter grande influência sobre a localização e a evolução das indústrias. A proximidade do mercado consumidor, por exemplo, passa a ser um importante elemento na determinação das oportunidades existentes numa certa área. O novo gênero de indústria depende ainda profundamente da disponibilidade de capitais e de mão-de-obra e é, por fim, condicionado pela infraestrutura de transportes e energia com que pode contar. Dado o que precede, não é de surpreender que este tipo de indústria tenda a ser atraído pelas cidades: aí devem existir, em princípio, mercado, capitais, mão-de-obra e serviços de utilidade pública. Com a emergência do novo setor, tendem pois a divorciar-se agricultura e indústria, aprofundando-se a divisão do trabalho no seio da economia em formação (Castro, 1980: 89).

Oliveira tem uma forma original de explicar a origem da emergência e ao mesmo tempo da manutenção do vínculo rural da fábrica, falando de uma forma de organização econômico-social nova no Brasil, que designa “modo de produção de mercadorias”. Nas palavras de Oliveira: As condições herdadas pela Primeira República, já pormenorizadas, levam à reiteração da “vocação agrícola” do País, atingindo o auge da exportação de café entre 1910 e 1925. Essa reiteração se dá tanto pelas novas relações de produção internas quanto pelo papel que naquela desempenha a intermediação mercantil e financeira. Ao mesmo tempo, essa reiteração aprofunda a virtualidade da diferenciação crescente da divisão social interna do trabalho, não tanto pelo efeitorenda – que Celso Furtado privilegiou na Formação –, mas principalmente pelo efeito-troca, cuja base está nas novas relações de produção, na destruição da autarcia das próprias unidades produtivas da agroexportação e na consequente formação de um quase-campesinato na agricultura brasileira de bens alimentícios, conhecida como a agricultura de “subsistência”. Olhando-se mais de perto, a ruptura das relações escravocratas e a instauração do trabalho assalariado não podiam, jamais, elevar a renda derivada do trabalho; o nível global da renda permanecia constante, mudando a sua forma.

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AAnova novadivisão divisão territorial territorial do do trabalho Mas, isto sim, a passagem para o trabalho assalariado expulsou para fora dos custos de produção do café a manutenção da massa trabalhadora (ainda que a produção dos bens de subsistência possa ter permanecido dentro das fronteiras do latifúndio); no proceder-se a essa mudança de forma da produção dos meios de subsistência, procedia-se, concomitantemente, a uma mudança de conteúdo fundamental, para a existência de um modo de produção de mercadorias, pois antes, ainda que existisse, a produção de subsistência pelos próprios escravos não fundava nenhuma troca. Mesmo no caso quase geral da agricultura brasileira, de persistência de uma fraca monetarização das relações de troca – fenômeno largamente existente ainda hoje –, a própria reiteração das relações de troca acaba por escolher uma mercadoria-padrão, que se metamorfoseia em dinheiro; virão a ser o sal, o querosene, o pouco vestuário e calçado, enfim, elementares artigos da cesta de consumo dos novos produtores da agricultura de subsistência, que quase tomam o lugar do dinheiro nas novas relações de troca – o arquiconhecido esquema dos “barracões” da zona açucareira do Nordeste e das zonas do colonato no Sul. O importante é que também esses elementares produtos nem são produzidos pelas unidades de agroexportação nem pelas unidades da chamada agricultura de “subsistência”, o que forceja a diferenciação da divisão social do trabalho em outros segmentos do sistema econômico (Oliveira, 1984b:15-16).

Resumindo. A abolição da escravatura, significando a “expulsão” do custo da reprodução da força de trabalho para fora dos custos gerais da produção em uma economia por muito tempo ainda de fundo rural (agroexportadora, diga-se), leva a surgir no Brasil um “mercado interno” de bens industriais de consumo leve, para o qual as indústrias de beneficiamento e domésticas, da classificação de Castro, irão mostrar-se despreparadas e insuficientes. A nova indústria desenvolve-se, pois, vinculada a este acanhado e pobre, rural e disperso mercado, trazendo para o país as fábricas nascidas da revolução industrial européia do século XVIII. Aparece, assim, de modo a tornar possível esta realidade, igualmente um sistema monetário de natureza dupla, correspondendo aos dois tipos de mercado: a libra, oriunda das divisas de exportações, moeda de compra de bens industriais importados para o suprimento da elite exportadora, e o vale do barracão, “moeda de curso interno” e destinada ao pagamento das compras de bens industriais leves pela população trabalhadora rural, um “quase campesinato”, espécie de assalariados rurais disfarçados que aparecem nas fazendas para substituir a antiga população de escravos. Abre-se a economia assim para uma divisão territorial do trabalho internamente à sociedade brasileira, juntando a agropecuária de 127

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exportação, a lavoura de subsistência, a indústria e os serviços urbanos, em particular os relacionados aos meios de transferência. Daí a distribuição dispersa, a natureza rural, a qualidade inferior dos produtos e a precariedade das condições de funcionamento dessa nova indústria, tal qual as indústrias de beneficiamento e domésticas de antes, mas também a razão pela qual ela sobrevive a tudo isso. Stanley J. Stein (1979) nos fala dessa dispersão, a propósito da indústria têxtil de algodão, característica da época. E Castro mostra o quadro de sua distribuição numérica entre os estados brasileiros e suas mudanças entre 1875 e 1885, quando a industrialização dá seus primeiros passos: 1 no Maranhão, 1 em Pernambuco, 1 em Alagoas, 11 na Bahia, 5 no Rio de Janeiro (capital), 6 em São Paulo e 5 em Minas Gerais, no ano de 1875; e 1 no Maranhão, 1 em Pernambuco, 1 em Alagoas, 12 na Bahia, 11 no Rio de Janeiro (capital), 9 em São Paulo e 13 em Minas Gerais, no ano de 1885. Um quadro francamente diferente do que conhecemos. Observese a presença industrial do Nordeste, área marcante na produção da matéria-prima do algodão à época. E compare-se o estado da Bahia com o estado de São Paulo e mesmo o Rio de Janeiro (o quadro limita-se às fábricas localizadas na capital). 2. O avanço industrial e começos da divisão regional e da concentração industrial (1920-1950) O período dos anos 1920 a 1950 vai registrar as primeiras mudanças. Um estudo da equipe do Grupo de Geografia das Indústrias do IBGE, coordenado pelo geógrafo Pedro Pinchas Geiger, datado de 1963 (GGI, 1963), mostra o teor dessas transformações: a dispersão vai dando lugar a uma crescente concentração quantitativa da indústria nos estados da região Sudeste. É assim que o Censo Industrial de 1907 registra um quadro de distribuição ainda marcado pela dispersão, mas com alguma tendência concentracionista. Considerado o valor da produção, 40% dos estabelecimentos industriais encontram-se no Estado do Rio de Janeiro (33% no Distrito Federal e 7% no restante do estado), 33% no estado de São Paulo, 15% no Rio Grande do Sul e 29% dispersamse pelos demais estados da federação (GGI, 1963: 172). Em termos sintéticos: Rio e São Paulo reúnem 56% do total da indústria brasileira nesse ano, o restante dos estados os demais 44%. Este quadro muda totalmente em 1958 (ano dos dados da pesquisa do IBGE): 73,3% da mão de obra empregada, 84,1% dos capitais 128 128

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aplicados, 84,3% da energia elétrica consumida e 78,8% do valor da produção industrial encontram-se na Região Sudeste (GGI, 1963:155). O grau de concentração passa de 56% para 78,8%. Tal é a configuração de espaço característica dessa época: ao mesmo tempo concentração e indiferenciação territorial da indústria. A indústria encontra-se já concentrada em 1958, mas do ponto de vista da estrutura é ainda fortemente indiferenciada. Contraditam estrutura espacial e estrutura setorial. Se do ponto de vista da estrutura espacial há uma desproporção nítida entre 1907 e 1958 (num lapso de apenas quatro décadas, o Sudeste concentrando 56% do total da indústria brasileira em 1907 e cerca de 80% em 1958), do ponto de vista da estrutura setorial os estados brasileiros não se distinguem industrialmente entre si entretanto tão radicalmente, sendo a estrutura setorial a mesma em todos eles. São indústrias de bens de consumo de não-duráveis, indústrias têxteis e alimentícias ainda predominantemente, incluindo-se as indústrias de São Paulo e Rio de Janeiro. Quando muito, percebe-se uma maior diversidade no leque dos ramos dos bens de consumo não-duráveis em São Paulo e Rio de Janeiro, mais São Paulo que o Rio de Janeiro, a estrutura industrial desses estados mostrando-se ligeiramente mais diversificada. Há, portanto, uma duplicidade geográfica na estatística industrial do país: se pelo lado da distribuição territorial a indústria é um fenômeno concentrado nos estados do Sudeste, já em 1907 e mais ainda em 1958, pelo lado da distribuição setorial é um fenômeno pouco diferenciado entre os estados brasileiros no seu todo. Daí a diferenciação que regionaliza, mas sob a forma de uma divisão regional estruturada em regiões homogêneas (as regiões naturais flagradas em 1941 por Macedo Soares), típica da hegemonia do capital mercantil. O quadro nacional distingue-se regionalmente mais pela quantidade que pela qualidade estrutural do sistema. Já o mesmo não se diga comparando a estrutura desse período com o período anterior: a moderna fábrica predomina em todos os estados. Uma profunda transformação econômica aconteceu no período dos anos 1920 a 1950, diferindo do ponto de vista da natureza da indústria 1958 de 1907. O motor da mudança é o processo substitutivo de importações. Tema controverso, seja como for, há uma impulsão industrial para frente, empurrada por três “choques adversos”, representados pela primeira guerra, a crise de 1929 e a segunda guerra, respectivamente. Três momentos de brusca redução

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das exportações e correspondente capacidade de importações, criando uma restrição ao consumo de manufaturados importados que será resolvida pela expansão da produção industrial interna, empurrando a sociedade brasileira no rumo duma industrialização acelerada. A indústria moderna assim se multiplica, se diversifica e se afirma no Brasil, ultrapassando o esquema acanhado de antes de 1920, descrito por Francisco de Oliveira. Em 1939 o Brasil pode-se considerar um país praticamente auto-suficiente na produção e consumo de bens industriais de consumo não-duráveis. E é esta aceleração que vemos estatisticamente condensar-se em São Paulo e Rio de Janeiro. 3. Revolução industrial: a concentração, polarização, e diferenciação do Sudeste (1950-1970) O período de 1950 a 1970 conhece uma mudança radical. Já nos anos 1940 uma nova estrutura industrial se prenuncia. Os ramos alimentício, têxtil, de fumo e químico de óleos vegetais, todos do setor de não-duráveis, cobrem 70% do valor da produção industrial. Mas a produção de ferro-gusa sobe de 50.000 toneladas em 1930 para 100.000 toneladas em 1940. A produção de cimento cresce nove vezes nesse mesmo período. Em 1941 inicia-se a construção da Usina Siderúrgica Presidente Vargas, da CSN, em Volta Redonda, estado do Rio de Janeiro. É dessa década a abertura da estrada Rio-Bahia. E o Plano SALTE (1946), anunciando a era da industrialização estatalmente induzida. Assim, no correr dos anos 1940 tem lugar o desenvolvimento do setor de bens intermediários e infra-estrutura de transferências (transportes, comunicações e transmissão de energia) em particular dos meios de transporte. E nos anos 1950 e 1960 é a vez do desenvolvimento dos demais setores: primeiro, o setor das indústrias de bens de capital; a seguir, o de bens de consumo durável; por fim, a grande arrancada do setor de bens intermediários e infraestrutura de energia, demandada pela arrancada dos dois primeiros. A indústria conhece uma revolução até então nunca vista. Davidovich (1974) dá-lhe a dimensão estatística: tomando 1940 igual a 100, o índice de crescimento industrial em valor da produção foi de 186 em 1950 e 291 em 1960, a produção praticamente triplica em apenas vinte anos. Vistos setorialmente, estes índices mostramse mais impressionantes: material elétrico, 1344; borracha, 1118; mecânica, 866; material de transporte e comunicações, 733; papel, 548; metalurgia, 537; química, 400.

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É esta a origem da nova qualidade: os ramos novos que entram no Brasil vão diretamente instalar-se em São Paulo, criando-se assim a diferenciação. E a rearrumação da divisão regional do Brasil em regiões polarizadas, típicas da hegemonia do capital industrial. Convergindo para instalar-se exclusivamente em São Paulo, os setores novos levam a concentração a caracterizar-se como uma diferença de natureza estrutural da indústria dos estados da região Sudeste em relação à dos outros estados, alterando a configuração concentrada mas indiferenciada que vigira até os anos 1950. O fato é que a revolução brasileira desigualiza a estrutura industrial a favor de São Paulo, subsidiariamente dos estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais, vindo o parque industrial dos estados do Sudeste a diferenciar-se agora quantitativa e qualitativamente da indústria dos demais estados e regiões. No lugar do espaço industrialmente disperso e indiferenciado de antes, instala-se no Brasil um espaço de padrão polarizado, concentrado e diferenciado, com pólo nacional em São Paulo, um padrão que doravante irá orientar o fluxo das relações cidade-campo e inter-regionais, setorial e locacionalmente no conjunto do território brasileiro. Espacialmente, o Brasil diferencia-se, assim, do ponto de vista do dinamismo e da hegemonia dos lugares. Comparando esse desigual dinamismo pelo desigual ritmo de incorporação da força-de-trabalho industrial entre São Paulo e Bahia nos períodos entre 1920-1940 e 1950-1960, Davidovich expõe sua radiografia. Diz Davidovich: Entre 1920 e 1940 o número de operários em São Paulo mais do que triplicou, enquanto o da Bahia aumentou em menos de 50%. No decênio seguinte o Estado bandeirante quase dobrou a quantidade de mão-de-obra, que representava então quase vinte vezes o da Bahia (Davidovich, 1974: 164).

Sua origem é a diferenciação estrutural da indústria entre as regiões, visível em particular comparando Sudeste e Nordeste: A industrialização da década de 50, caracterizando-se pela ênfase adquirida pelos bens de produção, veio a conferir uma hierarquia às diversas regiões do País, segundo a maior ou menor presença dessas indústrias. Em 1960, o Sudeste concentrava 90% das pessoas ocupadas no setor de equipamento pesado e 80% das empregadas nas indústrias de equipamento leve. Em outros termos, nesta grande região se encontravam 95% dos operários da indústria de material elétrico e de material de comunicações, igual proporção na de construção e montagem de transporte, 88% da indústria mecânica, 85% da metalúrgica e 82% da química e farmacêutica. (Davidovich, idem: 164).

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Fica evidente o contraste desta estrutura industrial com a que vimos para 1875-1885, e mesmo 1907 e 1958. Não se trata, pois, mais, de uma desigual densidade territorial de indústrias de mesmos ramos como flagrado para o período pré-anos 1950, mas de uma estrutura industrial regionalmente de todo diferenciada e polarizada no espaço nacional brasileiro. Dois momentos de tempo, todavia, cabe aqui destacar. Um primeiro momento em que a indústria é já uma realidade regionalmente concentrada, polarizada e diferenciada, mas é um dado estrutural ainda presente nas economias de todas as regiões brasileiras. E um segundo momento, em que mesmo os ramos tradicionais das indústrias secam nas regiões hegemonizadas pelo mercado da produção das indústrias do Sudeste. Em 1962, ainda segundo Davidovich, os cinco maiores ramos industriais, vistos referidos ao volume de mão-de-obra que empregam, são, respectivamente, os ramos têxtil, alimentar, metalúrgico, minerais não-metálicos e material de transportes. Quanto ao valor da produção industrial, entretanto, são eles o alimentar, químico (inclusive óleos vegetais), têxtil, metalúrgico, material de transporte e material elétrico e de comunicações, mostrando um entremeio de indústrias emergentes e indústrias têxtil e alimentar. Seja por um critério e seja pelo outro, os ramos tradicionais são ainda dominantes na estrutura industrial brasileira, e isto se deve à presença ainda forte dessas indústrias na estrutura de todas as economias regionais, além da região Sudeste. No final dos anos 1960, entretanto esta presença cai vertiginosamente na estrutura industrial brasileira, indicando a desaparição ou insignificação do fenômeno da indústria na economia das regiões, excluída a região Sudeste. Houve uma espécie de “agrarização por desindustrialização” das regiões brasileiras, o contrário ocorrendo na região Sudeste, isto dando no forte desequilíbrio regional que alimenta o intenso debate que toma conta do cenário intelectual e político do país no final da década de 1960 sobre a questão regional. Para Oliveira, na verdade está havendo “uma redefinição das relações regionais”, antes que um “alargamento das disparidades”, acarretado pela divisão inter-regional do trabalho que se instaura de 1947 a 1968 no Brasil, tendo o crescimento industrial de São Paulo por epicentro. Oliveira assim resume o processo: O processo de redivisão, partindo da indústria do Sudeste, é amplo e atinge todas as regiões. Transfere e repassa tarefas agropecuárias para outras regiões, tais como o Nordeste e o Sul, cria uma outra região, como o Centro-Oeste, destrói numa primeira etapa ou reduz o crescimento da indústria no Sul e no

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AAnova novadivisão divisão territorial territorial do do trabalho Nordeste; apenas o Norte mantém-se relativamente imune a seus efeitos, em virtude da inexistência de uma infraestrutura de transporte que viabilize a integração (esse isolamento começa a ser rompido (entretanto) com a Belém-Brasília). O crescimento industrial do Sudeste cria e amplia a fronteira agrícola, reproduzindo, nas margens, formas de acumulação não inteiramente capitalísticas, das quais transfere excedente que vai reforçar a capacidade de acumulação no próprio Sudeste (1984b:72)

Sintetizando: 1 – Houve uma redivisão do trabalho a partir do surto industrial do Sudeste e que afetou as regiões Nordeste e Sul; 2 – “O Sudeste, que tinha, até um certo momento, toda uma estrutura produtiva voltada para a agricultura, quando começa a industralizar-se repassa esta tarefa para o Nordeste e o Sul, para ter como atividade principal a indústria” 3 – O Sudeste aumentou sua participação na renda industrial do Brasil e a diminui na renda agrícola. No sentido contrário, o Nordeste e o Sul aumentaram sua participação na renda agrícola e diminuíram-na na renda industrial. O Centro-Oeste acompanhou, no geral, mas de modo diferenciado, pela via da agro-indústria, o Nordeste e o Sul. O Norte não foi, aparentemente afetado, dado seu isolamento interno dos eixos de circulação. 4 – Esta divisão do trabalho tornou o Nordeste e o Sul (a) mais exportadores regionais de produtos agrícolas e (b) mais importadores dos produtos industrializados do Sudeste; 5 – “A partir daí, a tendência é de que o Sul e o Nordeste, em suas trocas com o Sudeste, tenham que vender mais produtos primários para comprar produtos industrializados”, numa típica relação de deterioração dos termos de trocas. Portanto, ao tempo que nacional e intrarregionalmente o Nordeste e o Sul se tornam menos industriais e mais agrários, o Sudeste se torna mais industrial e menos agrário, o Centro-Oeste e o Norte incorporam-se a esta divisão inter-regional do trabalho como típicas fronteiras de expansão agropastoril do Sul e de São Paulo. Há, pois, uma escalada que leva de um lado a uma maior industrialização e de outro a um certo esvaziamento industrial na relação entre o Sudeste e as demais regiões. A diferenciação estrutural assim se radicaliza, implantando com a concentração a polarização territorial da indústria no Brasil.

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4. Desindustrialização e redistribuição: a reestruturação industrial no Brasil (1970-2000) Em 1970 a concentração do parque industrial brasileiro chega a 80,8% na região Sudeste (58,1% só em São Paulo), considerado o valor da produção, as demais regiões repartindo entre si os 19,2% restantes: Sul 12,0%, Nordeste 5,7%, Centro-Oeste 0,8% e Norte 0,8%, quando juntas em 1907 repartiam 44%. Em 1958 reuniam 78,8%, mas há aqui uma grande diferença - a causa é simples: São Paulo reúne praticamente todo o setor de bens de capitais, equipamentos, intermediários e consumo durável, e o grosso do setor de consumo não-durável. Dessa forma, a diferenciação-concentração industrial chega a um grau insustentável, criando efeitos contrários à própria lógica que em sua origem a presidia. Uma deseconomia de escala, visível já na virada dos anos 1960 e 1970, afetando custos e produtividade, congestiona a continuidade do processo industrial e põe em compasso de marcha-ré a continuidade do ritmo do desenvolvimento brasileiro. Visando a reversão desse quadro, os sucessivos governos militares ascendidos ao poder em 1964 mobilizam um conjunto de estratégias redistributivas da indústria através dos PNDs (Plano Nacional de Desenvolvimento) – o I PND (1970-1974), voltado para a modernização da agricultura; o II PND, para a redistribuição da indústria; e o III PND (1980-1985), uma espécie de correção de rumos –, iniciando uma fase aguda de reestruturação espacial da indústria no Brasil (Lessa, 1998). O objetivo é redistribuir a indústria excessivamente concentrada na região metropolitana de São Paulo, corrigir seus efeitos, de modo a provocar maior repartição da infra-estrutura e interações espaciais por todo o território do Brasil em vista de projetos de integração nacional – o projeto Brasil Grande. Uma estratégia que só parcialmente será conseguida, mas que atingirá uma amplitude territorial com força suficiente para reordenar a divisão territorial do trabalho e a configuração de espaço nacional então existente. A deseconomia de escala e a política redistributiva dos PNDs atuarão de forma combinada nessa reordenação da relação sociedade e do espaço no Brasil. A deseconomia de escala é fato na Grande São Paulo já na segunda metade dos anos 1960. Muitas indústrias fogem da metrópole saturada e iniciam o caminho da interiorização, transferindo-se da região metropolitana para cidades do interior do estado de São Paulo. O grau de concentração metropolitana se reduz, mas o estado de São Paulo se mantém na hegemonia industrial do país. 134

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É onde a ação do governo federal intervém através dos PNDs, atuando justamente sobre o nível estadual. No correr do período dos anos 1970 a 2000 uma desindustrialização vai acontecendo: o peso da participação do estado de São Paulo no valor da produção industrial brasileira cai de 58,1% em 1970 para 48% em 1999; o da região metropolitana de São Paulo cai de 44% em 1970 para 26% em 1999 (o emprego industrial cai de 34% para 24%), no nível nacional, e de 76% para 54% no nível estadual (o emprego industrial, de 70% para 55%). Em paralelo, o peso da participação dos demais estados da região Sudeste aumenta no mesmo período: o estado de Minas Gerais sobe de 6,5% para 9,4% em 1999; o estado do Espírito Santo sobe de 0,5% para 1,2%; a exceção é o estado do Rio de Janeiro, cujo peso sofre uma forte queda de 15,7% para 8,0%. Há uma nítida redistribuição relativa no sentido de um menor desequilíbrio dentro da região Sudeste. O mesmo se dá no plano inter-regional: o Nordeste aumenta seu peso de 5,7% para 8,4%, o Sul de 12,0% para 20,2% e o Centro–Oeste de 0,8% para 1,7%. Foi atingido o duplo objetivo do II PND, dando-se a reversão pretendida: entre 1970 e 1999 há de um lado desindustrialização de São Paulo e de outro como que uma reindustrialização dos demais estados regionais. Desindustrialização de São Paulo, redistribuição no triângulo do Sudeste e repique das demais regiões antes afetadas por uma perda vigorosa de participação na produção e no emprego industrial no período anterior, eis o que acontece. A fórmula da recuperação industrial dos estados e regiões é a política de instalação de indústrias de bens intermediários, em geral na forma de pólos mínero-industriais, e de usinas hidrelétricas de grande porte em pontos estratégicos da periferia nacional, localizadas ao longo das periferias regionais de São Paulo, acompanhada de uma expansão da fronteira agrícola e maior difusão dos meios de transferência pelo território nacional, de modo a atender a demanda de circulação de transportes, comunicação e energia entre regiões e pólos e favorecer o florescimento industrial para além do Sudeste. Tal como se vê no mapa 1: o pólo petroquímico CanoasTriunfo, no Rio Grande do Sul; carboquímico, em Santa Catarina; de nióbio e fertilizantes de Catalão, Goiás; estanífero (apenas a mineração), em Rondônia; siderúrgico e de alumina-alumínio de Carajás, no Pará, e de Itaqui-São Luís, no Maranhão; químico (sal/ álcalis), no Rio Grande do Norte; fertilizantes, no sergipe; sal-gema, em Alagoas; petroquímico de Camaçari, na Bahia; papel e celulose (Aracruz), no Espírito Santo. Todos conjuminados a pólos energéticos (Itaipu, Itumbiara, São Simão, Tucuruí, Xingó).

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Mapa 1 Brasil - principais áreas de atividade mineradora e pólosmineiro-industriais e de bens intermediários do II PND

O II PND (1974-1975) distribuiu estrategicamente pólos mínero-industriais num amplo círculo ao redor do Sudeste industrial, provocando maior distribuição da indústria pelas regiões, desconcentrandoa da região Sudeste e dando origem à divisão territorial do trabalho e configuração do espaço brasileiro atual (Fonte: produzido a partir do mapa Brasil: Principais Áreas de Atividade Mineradora, extraído do Diagnóstico Brasil: a ocupação do território e o meio ambiente, IBGE, 1990)

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Observe-se que os pólos são instalados estrategicamente nas outras regiões que não o Sudeste e localizados preferencialmente na linha de fronteira, em pontos da Amazônia, do Nordeste, do Sul e do Centro-Oeste, com enorme repercussão na distribuição dos transportes, meios de comunicação e rede de transmissão de energia, fluidificando e nacionalizando o espaço brasileiro através da difusão desses meios de transferência. III. A divisão e regionalização do trabalho industrial atual São estas transformações a origem da configuração territorial do trabalho atual, e a organização que segmenta o espaço brasileiro em quatro grandes regiões de divisão de trabalho (mapa 2). A região Mapa 2 Brasil: a nova divisão territorial do trabalho

A atual divisão territorial do trabalho fraciona o espaço brasileiro em quatro grandes segmentos – fronteira bio(tecno)lógica, difusão da agroindústria de fruticultura irrigada, complexo agroindustrial e polígono industrial –, cada qual mostrando as tendências e os problemas de sua nova configuração.

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de concentração industrial dos anos 1970 se alarga pelo Sudeste e Sul para formar o polígono industrial, designação dada por Diniz (2002), que estamos incorporando. A expansão da agroindústria da soja se difunde pelas terras do cerrado do planalto central para formar a segunda região. A terceira tira suas características da combinação de pólos mínero-industriais com os de agroindústria de fruticultura irrigada difundidos pelos vales úmidos do Nordeste, e a entrada de indústrias do ramo de bens de consumo de nãoduráveis migradas do Sudeste e do Sul para aí transferidas. A Amazônia, por fim, é uma quarta região, relacionada hoje à potencialidade da sua imensa riqueza genética. Vejamos cada segmento. 1. A região do polígono industrial A análise é de Diniz, que nos parece rica e procedente. A redistribuição industrial da região metropolitana para o interior de São Paulo de um certo modo será copiada pelas cidades de mesmo porte e capacidade de industrialização dos estados do Sudeste e do Sul, formando uma grande região industrial estendida de Belo Horizonte para o sul até Porto Alegre. Em parte isto é o efeito da estratégia redistributiva do II PND e em parte (nos parece) da atração do mercado do Mercosul. Prende-se a este segundo dado o que indica ser uma característica do polígono, qual seja a expansão pelas suas cidades componentes, chamadas “aglomerações industriais relevantes” por Diniz, das indústrias mais intensivas em tecnologia, vale dizer, dos ramos de bens de capital e de consumo duráveis, de que a indústria automobilística é um bom exemplo. Seja como for, emerge neste período “um conjunto de novas áreas industriais”, distribuídas pelos diferentes estados do polígono, “dentre as quais cabe destacar as regiões de Campinas, São Carlos, São José dos Campos, no Estado de São Paulo; Santa Rita de Sapucaí/Pouso Alegre e Belo Horizonte, em Minas Gerais; Curitiba, no Paraná; Florianópolis, em Santa Catarina e; Porto Alegre e Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul” (Diniz, 2000: 92). Há, simultaneamente, “deseconomias de aglomeração na área metropolitana de São Paulo e criação de economias de aglomeração em vários outros centros urbanos e regiões”, nesse alargamento da fronteira industrial para além da região metropolitana de São Paulo, rumo ao Sudeste e Sul, observa Diniz (1993): Neste sentido, o processo de desconcentração observado a partir do final da década de 1960 foi operado em uma economia fechada, com forte participação dos investimentos estatais

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AAnova trabalho nova divisão divisão territorial territorial do do trabalho diretos e dentro do mesmo padrão tecnológico anterior, com grande peso dos bens intermediários e insumos básicos. No entanto, as mudanças tecnológicas, estruturais e políticas recentes apontam no sentido de uma reconcentração na área mais desenvolvida do país, por nós caracterizada como o polígono e seu entorno definido por Belo Horizonte – Uberlândia – Maringá – Porto Alegre – Florianópolis – São José dos Campos – Belo Horizonte, excluída a área metropolitana de São Paulo.

A grande região antes mencionada, excluída a área metropolitana de São Paulo, ampliou sua participação na produção industrial do país de 32% para 52%, entre 1970 e 1999. Tomadas as aglomerações industriais relevantes, entendidas como as microregiões homogêneas do IBGE com mais de 10.000 pessoas ocupadas na indústria, segundo dados do Censo Industrial de 1970 e 1980 e dados da RAIS para o ano de 1991, o número dessas aglomerações, no Brasil, subiu de 33, em 1970, para noventa, em 1991 (Diniz e Crocco, 1996). Dentre essas, o polígono referido continha respectivamente 24 e 64 nos anos mencionados. O Estado de São Paulo teve o número de aglomerações industriais relevantes ampliado de dez para 25 nos anos referidos, indicando a tendência de combinar a reversão da polarização da área metropolitana com o crescimento industrial do seu interior, coerentemente com a expansão econômica e demográfica das cidades médias brasileiras (Andrade e Serra, 1998). (Diniz, 2002: 88-89). Assim, intervêm de um lado espontaneamente a deseconomia de aglomeração e, de outro, indutivamente a União no sentido da correção de rumo da geografia industrial brasileira. O efeito Mercosul é um dado posterior, e indica, numa aparente contradição, a estratégia dos países do Cone Sul de uma reação regional à economia de mercado globalizado. Deve-se observar que entre 1990 e 2000, em apenas dez anos, o comércio somado de importações e exportações entre os parceiros do Mercosul aumentou de 2,5 bilhões de dólares para 20 bilhões, informa Diniz. Que o Brasil exporta principalmente produtos industriais sofisticados. E que mais de 90% dessas exportações saem das áreas industriais do polígono. Nas palavras de Diniz: Do ponto de vista da estrutura setorial de comércio, o Brasil exporta, prioritariamente, produtos industrializados ou semiindustrializados e importa produtos primários. Do total exportado, no ano de 1996, mais de 70% correspondem a indústrias mais sofisticadas (21% foram de material de transporte, 20% da indústria de máquinas, material elétrico e eletrônico, 20% de produtos químicos e seus derivados, 9% de produtos metalúrgicos), além de outros produtos

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Ruy Moreira industrializados ou semi-industrializados. As exportações de produtos primários ou de bens de consumo foi relativamente pequena. Ao contrário, no total das importações, mais de 70% foram de produtos primários ou de bens de consumo (37% de animais vivos e produtos vegetais, 13% de produtos minerais, 9% de alimentos e 8% de têxteis, entre outros). Como produtos de industrialização mais intensa constam 15% de material de transporte e 5% de máquinas e material elétrico. Sabe-se que o comércio de material de transporte está relacionada com a divisão de mercados por linhas de produtos, estabelecida pelas filiais de multinacionais automotivas que possuem plantas no Brasil e na Argentina. Esta especialização de comércio, a localização da produção industrial no Brasil e a posição geográfica dos parceiros do Mercosul condicionam a origem regional das exportações brasileiras para este mercado. A região Centro-Sul do Brasil participa com mais de 90% das exportações brasileiras para o Mercosul, com destaque para os Estados de São Paulo e Rio Grande do Sul. A tendência à reconcentração macro-espacial das atividades industriais na região Centro-Sul do Brasil, a predominância da localização dos serviços de exportações em cidades de maior parte e com melhor oferta de serviços, o peso das metrópoles primazes (São Paulo e Rio de Janeiro) na economia brasileira, o maior dinamismo das chamadas metrópoles de segundo nível da Região Centro-Sul (Belo Horizonte, Campinas, Curitiba e Porto Alegre) indicam que a expansão do Mercosul terá um efeito dinamizador sobre a produção e os serviços destas metrópoles. (Diniz, 2000: 112-113).

De imediato, integram-se a produção e o mercado do Sul-Sudeste aos mercados da Argentina e Uruguai, mercado de consumo mais sofisticado, determinando, face à pauta das exportações, um começo de realinhamento espacial e igualmente territorial da indústria na região do polígono, visto no estimulo à expansão prioritária das indústrias mais sofisticadas em tecnologia, predeterminando os ramos de indústria e a tendência de estrutura industrial futura do polígono. 2. A região do complexo agroindustrial O planalto central aloja a segunda região de divisão territorial do trabalho. Trata-se de uma extensão de território que avança das fronteiras da região Sul para as fronteiras com a Amazônia (“nortão” do Mato Grosso) e o Nordeste (oeste da Bahia e sul do Maranhão e Piauí), e grande parte da qual sobrepõe-se ao território da região do polígono industrial. No que nos interessa, o domínio dos cerrados é o seu centro de gravidade. Daí, que reproduz-se do outro lado da floresta amazônica, nos cerrados de Roraima.

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Sua formação relaciona-se à modernização da agricultura, mas antecede as políticas modernizantes dos PNDs, que promovem a fusão de domínios do cerrado e da soja no planalto central, a sojicultura atuando como o grande vetor da formação regional. Essa formação é o resultado de um processo de modernização que começa inicialmente com a cultura do trigo no Rio Grande do Sul nos anos 1940-1950, avança com a dupla trigo-soja pelo oeste de Santa Catarina e oeste-noroeste do Paraná no correr dos anos 1950-1960, e chega em dupla ao Mato Grosso do Sul nos anos 1960, para deslanchar com a cultura solo da soja pelos cerrados do Mato Grosso e circundâncias nos anos 1970 e 1980, já sob a égide dos PNDs (Brum, 1988). A formação regional seguiu dois momentos. O primeiro relacionase à dissolução do binômio latifúndio-minifúndio (Moreira, 1988 e 1990) e à fusão da agricultura com a indústria, num processo que lembra um retorno à relação de antes da constituição do capitalismo na história numa só unidade sistêmica (Guimarães, 1982). O segundo, à dissolução da histórica indústria de beneficiamento e à abertura ampla do leque de divisão do trabalho que fará do sistema um complexo. O primeiro é o momento da constituição da agroindústria e o segundo do complexo agroindustrial, compreendidos como dois conceitos distintos (Moreira, 2003b). Vejamos o processo histórico. A forma histórica de modelo agrícola no Brasil é a do binômio latifúndio-minifúndio. O interesse da economia gira ao redor do sucesso da produção e venda do grande produto de exportação, tocado pelo latifúndio, na forma da monocultura. Mas este sucesso depende da existência da policultura, atividade tocada pelo trabalho de um tipo de campesinato – que Prado Jr. prefere designar de um assalariado disfarçado e cuja natureza é bastante diferenciada no território nacional – encarregado ao mesmo tempo do suprimento alimentício internamente à sociedade sustentada na agroexportação e da manutenção de um exército cativo de trabalho no interior do latifúndio, para uso sobretudo em época da grande safra. Este tema foi analisado por vários estudiosos, entre os quais ressalte-se Furtado (1959), Prado Jr. (1966), Rangel (1957 e 1985) e Oliveira (1981). É a implementação do Estatuto do Trabalhador Rural, de 1963, que irá provocar o começo do fim da instituição binomial. Destinado a levar para o campo os benefícios trabalhistas já previstos para o trabalhador da cidade, o Estatuto do Trabalhador Rural vai produzir ao longo dos anos 1960 e 1970 a onda de expulsão e transformação que irá converter esse campesinato num trabalhador volante, o bóia-fria, e forjar a modernização generalizada das relações de 141 141

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produção no campo (D’Incao e Mello, 1977 e 1984), assim capitalizando o latifúndio, extinguindo o chamado minifúndio dominial e dissolvendo a relação binomial nas áreas agrícolas de latifúndios modernizados. Em 1972, o governo federal intervém nesse processo através do I PND, introduzindo a vertente da modernização tecnológica, política que se radicaliza e se completa entre 1975 e 1979 com o II PND, realizando, através da criação de um setor de indústria para a agricultura, isto é, um setor produtor e fornecedor ao campo de insumos industriais, em particular máquinas agrícolas, fertilizantes e defensivos agrícolas, e da implementação de ampla rede de transportes, comunicações e distribuição de energia elétrica, a integração da agricultura e indústria que origina no Brasil a agroindústria moderna. Esta pode ser entendida como uma estrutura de produção no campo que vincula a agropecuária à indústria tanto a montante quanto a jusante, reorganizando o espaço agrário brasileiro numa relação antes-durante-depois da porteira, a agropecuária relacionando-se à montante com as indústrias de insumos agrícolas e à jusante com as indústrias transformadoras do produto agrícola (Araújo, Wedekin e Pinazza, s/d). No correr dos anos 1980 e 1990, a continuidade da tecnificação da agroindústria irá promover a autonomização das diferentes fases do processo da agroindústria como ramos especializados, dessa forma afetando a indústria de beneficiamento das antigas fazendas e abrindo o sistema da agroindústria para uma ampla divisão técnica do trabalho. A indústria de beneficiamento é uma outra peça chave da estrutura binomial. Faz um elo orgânico na atividade agropecuária das velhas fazendas brasileiras (de lavoura e de gado), tornando sua produção uma forma de quase-agroindústria. É assim com o beneficiamento do fumo, do cacau, do café, para não dizermos do açúcar, a mais típica agroindústria tradicional do Brasil. Sob esse nome reúne-se um incontável número de atividades artesanais e manufatureiras que cumprem, na grande e na pequena fazenda anteriores ao capitalismo moderno, um papel econômico semelhante ao da roça do minifúndio na sua função de reduzir os custos da monocultura nos latifúndios. Brum assim discrimina sua presença nas pequenas produções coloniais do Sul: Assim, na localidade, no município ou na região produzia-se a maioria, ou ao menos grande parte, dos instrumentos de trabalho e outros bens de uso mais comum, nas serrarias, marcenarias, carpintarias, fábricas de móveis, olarias de telhas e tijolos, ferrarias, selarias, oficinas, etc. Igualmente, grande parte da produção agrícola era beneficiada com vistas ao

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novadivisão divisão territorial territorial do do trabalho AAnova consumo, nos moinhos de milho e trigo, engenhos de arroz, engenhos de erva-mate, alambiques de fabricação de aguardente, fábricas de banha, fábricas de manteiga, fábricas de bebidas, além de numerosa e variada “indústria caseira”. Toda essa diversidade de atividades – ocupando predominantemente a mão-de-obra familiar e voltada para a auto-suficiência familiar, local e regional – assegurava relativa abundância e mesmo certa fartura de bens, dentro dos padrões simples, mas valorizando sobretudo as “coisas” consideradas fundamentais para o atendimento das necessidades básicas. (Brum, 1988: 58-59).

A instituição da moderna agroindústria vai dissolver esta estrutura, nas áreas coloniais do Sul e nas grandes fazendas de lavoura e gado do Centro-Oeste. No latifúndio transformado em empresa rural, a modernização tecnológica expulsa, tal qual na abolição a agroexportação fizera com o trabalho escravo, a indústria de beneficiamento para fora dos custos da estrutura produtiva, forjando sua autonomização. Vemos, assim, surgir nas áreas de maior desenvolvimento técnico da agroindústria uma série de atividades autônomas de natureza industrial e terciária, antes ancilares da grande fazenda, atuando como ramos especializados e voltados para o fim de complementar a atividade principal da agroindústria. São os armazéns e silos que vão se posicionando à beira da estrada ao redor da indústria de esmagamento da soja ou de moagem do trigo, disputando espaço na cidade com as serralherias, indústrias de móveis, pequenas metalurgias, igualmente autonomizadas, numa diversificação dos ramos da divisão territorial do trabalho sem fim. Atividades a que vêm se somar no tempo a pesquisa biotecnológica e serviços de informática, do novel setor quaternário. É o complexo agroindustrial, uma unidade de economia que integra em um só sistema atividades dos setores primário, secundário, terciário e quaternário, levando a divisão territorial do trabalho agroindústria estruturalmente para além da combinação primário-secundária (agricultura-indústria) a que a agroindústria até então se limitara, rumo a uma divisão de trabalho estruturada em rede de produção e de trocas de dimensão e abrangência territorial enormemente diversificada e ampla. É esta estrutura em rede que organiza em toda sua extensão o domínio espacial da agroindústria, provoca a criação generalizada dos sem-terra e muda por completo a forma de organização do espaço agrário no Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Norte, levando-a até a fronteira do Nordeste, onde hoje chega, numa incorporação da porção oriental do Nordeste cujos efeitos Araújo assim descreve:

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Ruy Moreira As produções maranhense e piauiense orientam-se basicamente para o exterior. A sub-região nordestina que vai do oeste baiano ao sul do Piauí e Maranhão tem experimentado um processo de ocupação comandado por agentes econômicos extraregionais e recebido capitais e capitalistas predominantemente não-nordestinos, implantando processos econômicos e construindo uma paisagem que se assemelha muito mais à macrorregião Centro-Oeste do Brasil. Suas ligações econômicas e semelhanças geo-sócio-econômicas com as demais subregiões do Nordeste são muito tênues. Até os estrangulamentos à continuidade de seu desenvolvimento são mais parecidos com os de Tocantins ou Mato Grosso do que com os do lado oriental nordestino: infra-estrutura de transporte, por exemplo. Aliás, dependendo da forma como consolidar-se-á a malha de transporte, sua vinculação futura com o Centro-Oeste poderá ser ampliada (Araújo, idem: 21)

3. A região da difusão da agroindústria e indústria de nãoduráveis No Nordeste a nova divisão territorial do trabalho combina os efeitos da política estratégica dos pólos a uma forma própria de agroindústria, a fruticultura irrigada, criando um espaço regional bastante diversificado. A agroindústria de fruticultura irrigada se expande nos vales úmidos do sertão. Nas cidades, os pólos de bens intermediários criados pelo II PND se alternam com as novas áreas de indústria de bens de consumo não-duráveis migradas do Sul e do Sudeste. Nos cerrados do oeste da Bahia, sul do Piauí e do Maranhão avança e domina o complexo agroindustrial da soja, expandido do CentroOeste vizinho. O novo vem assim de fora. Historicamente o Nordeste é o domínio da indústria tradicional de não-duráveis. A presença da cultura algodoeira e o mercado consumidor local deram origem à indústria têxtil, que junto à indústria alimentícia, sobretudo açucareira, reúne o par que ainda hoje forma o parque industrial nordestino. Nos anos 1960, diante da divisão territorial do trabalho advinda da aceleração industrial de São Paulo, a indústria nordestina de início se retrai, caindo de 10,0% para 6,3% em seu peso relativo no valor da produção industrial brasileira, como vimos, “agrarizando-se” e só reagindo com os estímulos do mecanismo 34/18, ainda nos anos 1960 (Oliveira, 1984a), e a implementação das políticas dos pólos de bens intermediários do II PND nos anos 1970.

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No transcorrer dos anos 1970 e 1980 a indústria de bens intermediários entra na estrutura industrial do Nordeste. São eles: o pólo mínero-alumínico (Projeto Alumar), no Maranhão, vinculado à bauxita do rio Trombetas, no Pará, e assim fazendo parte do Programa Grande Carajás, localizado no estado do Pará; o pólo químico de fertilizantes, no Sergipe; o pólo do sal-gema (soda cáustica), em Alagoas; o pólo petroquímico de Camaçari, na Bahia; e os pólos de celulose e papel no Maranhão (Projeto Celmar, Imperatriz) e Bahia (Mucuri). Com o desenvolvimento do setor de bens intermediários promovidos pela instalação desses pólos há uma mudança que põe os ramos desse setor no comando da estrutura industrial do Nordeste: na Bahia, por conta do pólo de Camaçari, o valor da produção industrial sobe de 12% para quase 30% do PIB estadual entre 1960 e 1990; no Maranhão, de 14,3% para 21,8%, entre 1980 e 1987 (Araújo, 1987: 14-15). Ao mesmo tempo, desenvolvem-se os pólos de fruticultura irrigada. O pólo agroindustrial de Petrolina-Juazeiro, na fronteira de Pernambuco e Bahia, no vale médio e médio-baixo do São Francisco e do vale do Açu (no Rio Grande do Norte), implementados a partir dos anos 1970. E o pólo de grãos, no oeste da Bahia e sul do Piauí e do Maranhão, desenvolvido nos anos 1980 a partir da expansão da soja, além do milho, arroz e feijão (Andrade, 1998). A mudança no quadro industrial relaciona-se hoje à instalação de pólos de indústrias de bens de consumo não-durável, a exemplo do pólo têxtil e de confecções de Fortaleza, expressando a tendência dos anos 1980 de transferência de empresas do setor de nãoduráveis do Sul e do Sudeste para o Nordeste, atraídas pela maior proximidade dos mercados americano e europeu e as facilidades criadas pelas “guerras fiscais”, e “dispensadas” pela crescente priorização do desenvolvimento das indústrias de alta tecnologia do Sudeste-Sul – transferindo algumas indústrias leves e de menor sofisticação para o Nordeste, mas mantendo o núcleo duro da indústria (metalurgia, mecânica, material elétrico, eletrônica e química) concentrado no Sudeste-Sul, como observa Diniz (2002:1110 – num momento em que a multiplicação dos pólos industriais de bens intermediários se estabiliza em todo o Nordeste). 4. A fronteira biológica A Amazônia forma o quarto segmento. Nos anos 1970, a estratégia dos PNDS faz da Amazônia ao mesmo tempo uma fronteira agrícola, mineral e energética.

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Desde os anos 1960 uma profusão de empresas de agropecuária dissemina-se pela Amazônia, relacionadas à política dos incentivos fiscais do mecanismo 34/18 (Oliveira, 1987, Becker, 1991; e Gonçalves, 2001). Assim, ao longo do arco de interseção com o Centro-Oeste, com maior concentração na porção oriental, em função da rodovia Belém-Brasília, a Amazônia vai sendo ocupada pelo que vem a ser chamada a política dos grandes projetos. São projetos em geral ligados a capitais privados vindos do Sudeste, muitos dos quais servem apenas para a especulação com a terra, grande negócio aberto na esteira da fronteira em expansão. Ao longo dos anos, e agora estimulados pelo I e II PNDs, estes projetos de agropecuária, projetos de “apropriação subsidiada da terra”, no dizer de Bertha Becker, se multiplicam por todo o arco fronteiriço. Becker resume sua filosofia e resultados: Entre 1966 e 1985, 590 projetos agropecuários foram aprovados pela Sudam para implantação em 134 municípios, totalizando investimentos da ordem de 113.046.000 OTNs. A figura 2 representa justamente a apropriação subsidiada de terras na Amazônia, e indica que os projetos se concentram na porção oriental da região, de ocupação mais antiga no recente processo de apropriação e situada nas proximidades da rodovia BelémBrasília; 72% estão situados no sul do Pará e no norte de Mato Grosso, distribuindo-se mais esparsamente ao longo da CuiabáPorto Velho e do vale do rio Amazonas, onde o movimento de expansão é mais recente. Segundo a Comissão de Avaliação dos Incentivos Fiscais (Comif ), alguns projetos são fictícios, muitos foram abandonados, ou se encontram em condições precárias (cerca de 70%), cerca de 10% foram cancelados, reembolsando o incentivo recebido sem correção monetária, e menos de 20% foram efetivamente implantados, permanecendo com uma produção equivalente a um quinto da prevista. Considerando que praticamente 50% dos investimentos dos projetos correspondem a incentivos fiscais, e considerando as constatações acima, é lícito concluir que a política de incentivos fiscais resultou em grande perda de impostos para os cofres públicos sem que o fluxo de capital privado previsto para a Amazônia se efetivasse. Considerando, porém, o objetivo geopolítico da rápida apropriação de terras, foi ela bemsucedida. (Becker, 1991: 27).

No correr dos anos 1970, aos projetos de empresas privadas de agropecuária vêm se juntar os projetos de colonização pública e privada da porção ocidental, abertos pelo eixo da rodovia CuiabáPorto Velho (BR-364). Com a chegada da soja e dos pólos mínero-industriais, fundemse, na faixa de interseção do Centro-Oeste e da Amazônia, as 146 146

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estratégias de modernização do campo e de redistribuição da infraestrutura e das indústrias do Sudeste que orientam a filosofia do I e II PNDs. E com ela os grandes projetos de usinas hidrelétricas. A Amazônia é então transformada numa região dos grandes pólos de agropecuária, madeira e mineração. E protótipo da política dos grandes projetos. O Programa Grande Carajás, localizado na porção oriental, é o centro de referência de implantação dos pólos de indústria de bens intermediários na Amazônia, secundado pelo pólo de mineração estanífero de Rondônia, localizado na porção ocidental. O Programa Grande Carajás é a reunião de dois grandes pólos mínero-industriais: o siderúrgico, instalado no sudeste, e o de alumina-alumínio, instalado no centro-norte, do estado do Pará. O pólo siderúrgico, na verdade um pólo mínero-florestal-siderúrgico, é um complexo de várias pequenas metalurgias do ferro, disseminadas pelo município de Marabá (desdobrado nos municípios de Parauapebas e Vila de Carajás), combinando a mineração do ferro da serra de Carajás, o emprego de lenha extraído da floresta amazônica como fonte de energia e a indústria de ferro-gura e ferroliga. O pólo de alumina-alumínio por sua vez é um complexo de cinco sub-pólos – Trombetas, Almerim, Barcarena, Paragominas e Carajás –, reunindo num triângulo com vértices no vale do rio Trombetas, a oeste, serra de Carajás, ao sul, e São Luís do Maranhão, a leste, áreas de mineração de bauxita (Trombetas, Almerim, Carajás e Paragominas) e áreas de indústria de alumina e alumínio (Albrás, em Tucuruí; Alunorte, em Barcarena; e Alumar, em São Luís-MA). Integram ainda o Programa Grande Carajás a usina hidrelétrica de Tucuruí, que dá sustentação energética tanto ao pólo siderúrgico quanto ao pólo de alumina-alumínio, ambas sendo atividades eletrointensivas, e a Estrada de Ferro Carajás e o porto de Itaqui, no Maranhão, por onde escoa a produção de ferro e alumínio na forma de lingotes, incorporando o pólo de alumínio de São Luís-MA (projeto Alumar), o que faz do Programa Grande Carajás um enorme enclave na região. O desenvolvimento da engenharia genética e da tecnologia de manipulação do DNA mudam de novo a trajetória da Amazônia, jogando-a no rumo da exploração genética dos biomas do mundo que a torna hoje a mais importante fronteira bio(tecno)lógica do planeta.

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V. Tendências e problemas da nova configuração Numa enorme ironia com o Projeto Brasil Grande dos governos militares, com apoio justamente nesses pólos e grandes projetos a reforma neoliberal desmonta e desintegra o espaço do projeto nacional brasileiro. Fatiado pelas empresas privadas e privatizadas controladoras dos pólos, e por isso autônomas nas suas políticas de territorialidades, com elas a natureza nacional do espaço se dissolve. Cada fração e pólo da divisão territorial do trabalho vira um lugar desorgânico com suas regiões e lugares de encaixe, cada empresa atuando com estratégias territoriais próprias. O melhor exemplo venha talvez do polígono industrial do SudesteSul. Antigo pólo de integração nacional, hoje dela se descola. Vincula sua divisão de trabalho e de trocas crescentemente na externalidade do Mercosul, deixando de fora o restante das regiões do Brasil. Fato significativo, o Mercosul, interligando as cidades brasileiras do polígono industrial, da Argentina e do Uruguai, sugere um relacionamento em rede que as integre num só ordenamento urbano fortemente entre si, Diniz assim resume a relação intra-Mercosul: Consideradas as importações, estas seguramente têm origem ou são operacionalizadas a partir das grandes e médias metrópoles dos países vizinhos, com destaque para Buenos Aires, Córdoba, Mar del Plata, na Argentina, Montevidéu, no Uruguai e Assunção, no Paraguai. Deixamos de considerar o comércio de bens importados de terceiros países, típico da região de Puerto Stroessner, no Paraguai, por estar fora do acordo com o Mercosul e por tender a ser reduzido com a abertura da economia brasileira. O comércio cruzado de exportações e importações entre os países do Mercosul, a ampliação dos fluxos de pessoas e de informação, o desenvolvimento da infra-estrutura de transportes e comunicações e os serviços de apoio a esta tenderiam a fortalecer os laços econômicos entre as metrópoles da região Centro-Sul do Brasil e as metrópoles mencionadas, nos países vizinhos. Este processo tenderia a estabelecer uma rede de metrópoles integradas e complementares na macroregião sul do continente americano. O grande risco está relacionado com a pressão do governo dos Estados Unidos em prol da criação da ALCA, o que poderia inviabilizar o Mercosul e enfraquecer os laços econômicos entre as metrópoles sul americanas. (Diniz, idem: 113).

Num outro extremo, mas em mesma situação de fundo, temos o Nordeste. Após analisar as relações de mercado do parque industrial nordestino com o de São Paulo, no duplo sentido de ida-e-vinda,e 148 148

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mostrar a situação quase postiça da economia dos grandes pólos (designados ora como frentes de expansão, ora como manchas ou focos de dinamismo e até mesmo como enclaves, qualificações que se aplicam sem dúvida a todos os pólos de bens intermediários da Amazônia, em particular o Programa Grande Carajás), Araújo caracteriza a economia dos pólos agroindustriais da soja e da fruticultura irrigada: Os novos pólos agrícolas também têm estabelecido importantes relações econômicas extra-regionais, em particular com o mercado internacional. A soja do oeste baiano, e agora do sul do Maranhão e do Piauí, destina-se em grande parte a atender à demanda externa. Estima-se que apenas o oeste baiano, até 1995, produzia 1,7 milhão de t/ano, devendo destinar um milhão de toneladas de derivados ao mercado internacional (Queiroz, 1992).

Da mesma forma, a produção agroindustrial, especialmente associada à irrigação, instalada tanto no vale do São Francisco (BA e PE) quanto no vale do Açu (RN), desenvolve importantes articulações econômicas extra-regionais, em particular no que se refere ao destino de sua produção (Araújo, idem: 20-21). Sabemos o destino da produção de soja e derivados do complexo agroindustrial do Centro-Oeste, e sua ligação e estratégia de grandes empresas privadas. Assim, diante da privatização das empresas estatais e da reforma que esvazia o papel regulador do Estado, a unidade histórica da organização do espaço nacional polarizado em regiões hierarquizadas se dissolve. O Sudeste integraliza-se com o Sul na região do polígono industrial. O Sul assim desaparece. O Centro Oeste dissocia-se do Centro-Sul para formar uma região que incorpora para além do antigo território o sul da Amazônia e a porção oriental do Nordeste, unidos ao centro de gravidade do complexo da soja, uma estrutura vinculada a corredores de exportação. O Nordeste se quebra numa porção oriental e ocidental que se dão as costas. Pólos e regiões da divisão territorial do trabalho viram totalidades em si mesmas num todo nacional desorgânico. Os pólos não se conectam com suas regiões, que viram quando muito panos de fundos históricos, pólos e regiões, expressões históricas, respectivamente, da política dos grandes projetos (Vainer, 1992) e grandes espaços (Moreira, 2003a e 2003b), sobrepondo-se como realidades geográficas de divisões territoriais de trabalho distintas e distantes. Vide a situação do Nordeste da cana-de-açúcar, do cacau e do complexo algodão-gado do semi-árido, mantidos no tempo e resistentes às transformações; e da Amazônia dos domínios 149 149

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extrativistas da borracha e da castanha, destroçados pela forma da intervenção militar. Antes hegemônicas e determinantes das políticas de alinhamento regional, num período típico de domínio espacial do capital comercial, as elites e suas estruturas desses espaços regionais são hoje meros panos de fundo de um espaço nacional organizado nos pólos dos grandes projetos. O Sudeste não foge à regra. Desindustrializado do ponto de vista da localização dos estabelecimentos, perdendo estabelecimentos para outros estados ou instalações de plantas novas em ramos que até então eram seu privilégio, como as novas plantas do ramo automobilístico, São Paulo, embora compensado com a centralidade das sedes dessas empresas – perde em concentração territorial e ganha em centralidade de gestão – é hoje um pólo gestor administrativa, política e financeiramente da economia brasileira, mas não dá mais a direção dos rumos da economia nacional, entregue ao sabor da territorialidade das grandes empresas. Nas formas de divisão territorial do trabalho anteriores o todo da sociedade era costurado por um regime de acumulação que atuava como nexo estrutural do sistema, arrumando o espaço brasileiro unitariamente nesta função. Foi assim com o regime de acumulação de base na indústria de consumo, vigente até os anos 1950, que estruturou e organizou o espaço nacional a partir do papel que cada setor e lugar cumpria no sucesso da divisão territorial do trabalho centrado no ramo-base do regime de acumulação. E foi assim também com o regime de base na indústria automobilística que passa a centralizar a estruturação e dinâmica da sociedade e do espaço no Brasil a partir daquela década. Garantia a centralidade paulista o regime nacional de acumulação centrado na indústria automobilística, dada a localização exclusiva dessa indústria em São Paulo. Há alguma fonte de acumulação interna capaz de contrarrestar a centrifugação de uma economia mundial globalmente financeirizada? Tendente a migrar para o complexo agroindustrial, deslocando todo o eixo do ordenamento territorial brasileiro, o regime de acumulação de base no complexo esbarra essa possibilidade na sua natureza de “economia para fora”, exceto para o pagamento de juros e abatimento de parcelas da divida externa contraída pelo Estado justamente em face da política dos grandes projetos, com divisas de exportação. Há alguma possibilidade de se bancar um novo projeto nacional para o capitalismo brasileiro? Fatiado territorialmente na política setorial das grandes empresas, muitas delas privatizadas, como a Companhia Vale do Rio Doce

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(CVRD), a divisão territorial do trabalho atual dissolve e desintegra o Brasil das grandes regiões, mas não põe no lugar do padrão dissolvido um modelo organizativo de espaço novo. A geografia do Brasil não se organiza mais em regiões e não se organizou ainda em rede, como seria tendência sua, caso acompanhasse a forma da organização matricial da sociedade e seus espaços nos tempos globalizados de hoje. Daí o crescimento das dissonâncias de sócio-espacialidades superpostas pelas acumulações de tempos diferentes. A profundidade dos conflitos de territorialidades. O tensionamento das relações de espaço e contra-espaço que são fruto de espacialidades de sujeitos de natureza social contraditórias. E então o fermento dos debates sobre a configuração de relação sociedade e espaço que temos e queremos. o0o Referências Bibliográficas ANDRADE, M. C. de. 1998. A Terra e o Homem no Nordeste. Recife: Editora Universitária da UFPE. ARAÚJO, T. B. 1997. Herança de diferenciação e futuro de fragmentação. in Estudos Avançados, no. 29, Volume 11, USP. São Paulo. ARAÚJO, N. B., WEDEKIN, I. e PINAZZA, L. A. s/d. Complexo Agroindustrial: o “agribusiness” brasileiro. Agroceres/Suma Econômica. São Paulo BECKER, B. K. 1991. Amazônia. Princípios 192. São Paulo: Ática. BRUM, A. J. 1988. Modernização da Agricultura Trigo e Soja. Rio de Janeiro: Vozes. CASTRO, A. de B. 1980. A industrialização descentralizada no Brasil. in 7 Ensaios sobre a Economia Brasileira. Vol. II. 3a. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária. DAVIDOVICH, F. 1974. Indústria. in Nova Paisagem do Brasil. 5a. Tiragem. Rio de Janeiro: IGBE. D´INCAO E MELLO, M. C. 1977. O “Bóia-Fria”: Acumulação e Miséria. 5a. Ed. Rio de Janeiro: Vozes. ________. 1984. A Questão do Bóia-Fria. Coleção Qual é a Questão. São Paulo: Brasiliense. DINIZ, C. C. 2002. A Nova Configuração Urbano-Industrial no Brasil. in Unidade e Fragmentação: a questão regional no Brasil. São Paulo: Perspectiva. FURTADO, C. 1959. Formação Econômica do Brasil. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura. GGI - Grupo da Geografia das Indústrias. 1963. Estudos Para a Geografia da Indústria do Sudeste. in Revista Brasileira de Geografia. no. 44 (4), out/ dez. IBGE. Rio de Janeiro GONÇALVES, C. W. P. 2001. Amazônia, Amazônias. São Paulo: Contexto. GUIMARÃES, A. P. 1982. A Crise Agrária. 2a. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. LESSA, C. 1998. A Estratégia de Desenvolvimento: 1974-1976. Sonho e Fracasso. Campinas: UNICAMP.

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GLOBALIZAÇÃO

E

ESPAÇOS

DA

DESIGUALDADE Jorge Luiz Barbosa

O mundo inaugurado após a segunda grande guerra presenciou um crescimento inaudito da riqueza material. Segundo os dados do Banco Mundial, entre 1965 e 1990 – portanto no curso de apenas 25 anos! - o PNB mundial cresceu em 10 vezes, enquanto a população mundial apenas duplicou. Por outro lado, a fortuna dos 358 empresários mais ricos do mundo é superior à renda anual da metade dos habitantes do planeta. Talvez, isso possa explicar a outra face do crescimento da riqueza no mundo: o alargamento desmedido da pobreza. Se a riqueza conhece um crescimento geral, o trabalho vivo necessário para a sua criação foi sendo drasticamente reduzido, especialmente nas últimas três décadas do século XX. Na França, o emprego do trabalho diminuiu em 15% en trinta anos e, na Alemanha, o uso do trabalho diminuiu em 30% desde 1955 (Gorz, 1990). Embora o crescimento econômico seja desigual entre os países e a atual conjuntura recessiva empurre para baixo os dados quantitativos da produção contínua de riquezas, o mesmo não se pode falar do volume trabalho que vem conhecendo reduções progressivas. Essa redução do trabalho ainda não foi medida em termos estatísticos confiáveis no Brasil. Porém, podemos exemplificar a redução aludida em algumas empresas transnacionais localizadas em nosso país, a exemplo da Mercedes Benz que, em 1978, empregava 20 mil trabalhadores e, hoje, emprega apenas 7 mil para produzir três vezes mais, ou da Volkswagen, que passou de 44 mil empregados, no início da década de 80, para os atuais 15 mil, mas aumentou três vezes e meia sua produção de automóveis. É evidente que a aplicação sistemática de tecnologias tem ampliado a produtividade de determinadas empresas, porém traz como contrapartida a supressão de postos de trabalho. Isto pode 153

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Jorge Luiz Barbosa Barbosa Jorge Luiz

ser explicado pela formatação técnica que carrega os imperativos de fazer crescer a produção e, ao mesmo tempo, reduzir os custos da força de trabalho humana. Tal processo tem gerado o desemprego em massa universal, atingindo nos países da OCDE a cifra de 40 milhões de desempregados. Acrescenta-se que boa parte deles jamais poderá voltar às suas antigas funções, em virtude da extinção tecnológica da atividade anteriormente exercida ou pela brutal defasagem em relação às novas exigências empresarias. Na Europa de “primeiro mundo” os desempregados somavam 18 milhões em 1998, com uma taxa média de desemprego em torno de 15% e 31%, na faixa até 25 anos. Entre nós, homens e mulheres de um pequeno-vasto mundo chamado Brasil, o desemprego já atinge 7.715.000 pessoas (aqui, não estão incluídos os jovens que jamais conseguiram um emprego em suas vidas). Curiosamente o desemprego parece acompanhar a concentração de riqueza. É assim que em uma recente pesquisa (ver Franco, 1997) contabilizou-se a existência de 37 mil empresas transnacionais com mais de 200 mil afiliadas em todo mundo. Juntas, essas firmas controlavam 1/3 dos ativos globais produzidos e 70% do comércio mundial. Entretanto, empregavam apenas 5% da força de trabalho do mundo. Esses dados demonstram o papel dos oligopólios na economia mundial e desmentem os defensores da adequação dos países ao mercado mundial como a melhor solução para superar a crise social e econômica. Na Inglaterra e nos Estados Unidos, países que experimentam o modelo de supressão de direitos trabalhistas como terapêutica contra o desemprego, os desempregados e os empregados a título precário e em tempo parcial atingiram mais de 45% da força de trabalho ativa. E, segundo os números apresentados por Gorz (1990), de 35 a 45% da população ativa britânica, francesa, alemã ou norte-americana vive à margem da civilização burguesa do trabalho, de seus pretensos valores universais e de sua ética de mérito. Segundo um recente relatório (julho de 2003) da Organização Internacional do Trabalho (OIT), são 180 milhões os desempregados no mundo. Na América Latina a taxa de desemprego atinge 10% da população em idade de trabalho, enquanto na África já alcança 15%. Contudo, entre os que trabalham, há pelo menos um bilhão no subemprego ou no trabalho parcial. Ainda segundo o mesmo relatório, metade da população do planeta (cerca de três bilhões de pessoas) vive na pobreza. São pessoas que contam com menos de dois dólares ao dia para sobreviver.

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Globalização Globalização ee espaços da desigualdade

Outro dado significativo oferecido pela OIT diz respeito à ampliação da desigualdade social no mundo, uma vez que a diferença entre os mais pobres e os mais ricos era de 30 para 1 em 1960 alcançou, em 1999, a dimensão de 74 para 1. Apesar de concentrada nos chamados países periféricos, as desigualdades sociais avançam nos países centrais do capitalismo. Nos vinte países mais industrializados do mundo, pelo menos 10 % da população vive nos baixos índices de precariedade do trabalho e condições de pobreza, delimitando, inclusive, indivíduos e grupos sociais que são considerados (moralmente e socialmente) como supérfluos. Podemos falar de uma globalização das desigualdades sociais? Tais condições de desigualdade são resultantes dos graves recuos no campo dos direitos sociais. As leis do mercado passaram a imperar sobre as instituições sociais, reduzindo a esfera pública ao domínio dos interesses privados e, com isso, suprimindo conquistas importantes no campo da cidadania moderna. Brasil: globalização e espaços de desigualdades Muitos afirmam que a globalização é inexorável, devido ao alto grau de integração das economias no planeta. Isto não é uma verdade absoluta, porque até o período imediatamente anterior à segunda grande guerra, as economias dos países eram fortemente entrelaçadas e, logo depois, assumiram um formato de maior participação e influência das diretrizes dos estados nacionais. Por outro lado, é possível desmistificar que a globalização é o único e imprescindível caminho da humanidade, pois é ainda a escala nacional o espaço de geração de empregos, de aplicação de investimentos financeiros diretos e realização do mercado de bens e serviços. Portanto, o inexorável faz parte de uma construção ideológica interessada em produzir o “consenso imposto” e desmerecer toda e qualquer postulação diferente. É verdade que lutar contra a fabulação da globalização tem sido uma tarefa árdua. Os sindicatos de trabalhadores encontram-se fragilizados para defender os seus filiados. O desemprego e a precarização do trabalho tem reduzido, em todo mundo, o número de sindicalizados que atinge apenas 1/8 da classe trabalhadora. Como podemos observar o percentual de sindicalizados é muito baixo, e diminui mais ainda tanto no Brasil (com apenas 18% da população ativa) como para o conjunto da América Latina. O mesmo podemos falar a respeito do movimento social organizado, que hoje enfrenta sérias dificuldades políticas em suas ações, sobretudo na esfera das reivindicações dos bens de consumo coletivos.

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A fragilização quantitativa e qualitativa dos movimentos organizados da sociedade civil faz com que fiquemos mais expostos às exigências da acumulação global e à política de desmontagem das responsabilidades sociais do Estado. Nesse sentido, podemos afirmar que o neoliberalismo vem expondo os limites da cidadania na sociedade burguesa e, de modo bastante radical, expõe a precariedade da cidadania em países como o Brasil. Em nosso país a democracia, mesmo formal e representativa, foi sempre uma exceção e nunca uma regra. Vivemos breves momentos onde era possível a participação social mais efetiva na política. Todos as vezes que os trabalhadores tentaram se organizar de modo mais autônomo e reivindicar com firmeza os seus direitos, as classes dominantes recorreram a regimes autoritários para impor suas regras unilaterais do jogo. A política da classe dominante em relação aos trabalhadores sempre foi conduzida como “ato de polícia”. Foi sempre através de golpes militares e uso da violência física que os dominantes silenciaram e transformaram a diferença e a divergência em consenso imposto. Nossa experiência democrática é ainda bastante limitada e reduzida a alguns curtos períodos da história, cujo resultado é a sociedade injusta, desigual e violenta em que vivemos. O neoliberalismo praticado em nosso país apóia-se largamente na tradição autoritária das classes dominantes. É do alto do consenso imposto que é possível converter as despesas socias públicas e os próprios funcionários públicos em “bodes expiatórios” da falência financeira do Estado. É também possível privatizar - diga-se de passagem, em leilões bastante suspeitos - o patrimônio nacional criado por diversas gerações de brasileiros. Assim como é da verve autoritária as medidas que alteram leis constitucionais (evidentemente as que impedem o jogo neoliberal), sem a participação popular e sem ter um congresso eleito com tal finalidade. De fato, o que assistimos é uma corrida de supressão de obstáculos para a desmontagem ideológica e política das responsabilidades do Estado com a sociedade como um todo, para convertê-lo à lógica da propriedade privada. Portanto, não devemos nos esquecer das conclusões de Karl Marx, contidas nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos; a falência do Estado é a pedra de toque da privatização do público. É por isso que nossas lutas precisam tomar o rumo de políticas sociais amplas e exigir do Estado a redistribuição da riqueza social. Não podemos mais nos acomodar diante das remessas de dólares 156 156

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Globalização desigualdade Globalização ee espaços espaços da da desigualdade

de uma dívida externa que cresce sem parar, graças a obediência à política de juros altos ditada pelo dinheiro global. Resistir ao cortejo de empobrecimento da maioria da sociedade brasileira, quando uma pequena fração detém mais de 80% da renda nacional, é lutar contra um dos mais radicais atos de violência social praticados nesse país nos últimos tempos. A riqueza que é socialmente construída aparece, em nosso cotidiano, como privação e desigualdade socioeconômica. É por isso que reivindicar investimentos públicos na educação, na saúde, na habitação e na geração de empregos é lutar pela redistribuição de renda no país. Um Estado Democrático de Direito também se edifica através do alargamento de suas obrigações sociais para com a maioria da nação. Atitude que o Estado-empresa do neoliberalismo é completamente avesso e, evidentemente, o caracteriza como autoritário e anti-social. É para o espaço social que todas essas questões da atualidade convergem, sejam elas técnicas, culturais e/ou políticas. Portanto, o espaço é a sociedade no seu momento mais concreto. Vislumbrase daí o reconhecimento estratégico dos lugares, como recortes específicos da sociedade e, evidentemente, devido a sua importância para um projeto de democracia social em nosso país. O lugar como medida da desigualdade social O primeiro plano da questão em causa é o sentido da expressão desigualdade. Qual o seu significado? O que ela sintetiza da realidade? Afinal, quando falamos em desigualdade estamos falando de quê, de quem, de onde? Não há a menor dúvida que o termo desigualdade ganhou imensa força nos últimos anos, sendo contemporâneo de outra expressão recorrente, entre nós, latino-americanos: década perdida. Elas representam um conjunto de perdas e danos sociais definidos pelo crescimento da pobreza, da concentração de renda, do desemprego estrutural, dentre outras mazelas sociais que assolam a nossa América depois do Rio Grande. São muitos os indicadores das desigualdades, aqui entendidas como sociais. Um deles é a diferença de renda, medida em salários mínimos ou na quantidade de dinheiro, equivalente ao dólar, disponível para cada pessoa por dia. No Brasil, quatrocentos mil famílias (1% da população), pouco mais de 1,5 milhão de pessoas controlam cerca de 20% da renda nacional e mais da metade de todo o estoque da riqueza (bens, propriedades, serviços), corresponde a uma renda anual de US$ 157 157

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160 bilhões (renda familiar média de US$ 400 mil) e uma riqueza de US$1,1 trilhão (riqueza familiar média US$2,7 milhões). Por outro lado, 99% da população brasileira - 39,6 milhões de famílias ou 158 milhões de pessoas – responde por uma renda familiar anual média de US$ 16.000 e uma riqueza familiar média de US$ 24.000. Ou seja, a riqueza média de 15% da população é 110 vezes maior do que a riqueza do restante da população brasileira. Entretanto, as médias não falam dos extremos. Não daqueles extremos brutais de homens e mulheres (9,9%) que vivem abaixo da linha da pobreza, hoje, segundo a ONU, em torno de US$ 1,00 ao dia. O Brasil destaca-se entre os países de forte concentração de renda no mundo, portanto das desigualdades. Em recente estudo publicado pela ONU, o Brasil ocupa o nono lugar entre os países onde a renda dos 10% mais ricos é maior que a dos 10% mais pobres. Contudo, encontramos sérios concorrentes nesse campeonato perverso, Namíbia, Serra Leoa, Honduras, Paraguai, Botswana, Nicarágua, República Centro Africana e África do Sul. Em termos de índice de pobreza humana ocupamos o nada confortável 18º lugar (11,4% a proporção de pobres) e o 65º posto no Índice de Desenvolvimento Humano. Apesar desses números assustadores, sobretudo para os que percebem a desigualdade social através dos noticiários de TV ou dos jornais, corremos o risco de confundimos os indicadores com o conceito. Voltemos à questão inicial, afinal o que é mesmo desigualdade? Jean-Jacques Rousseau identificou, no Discurso sobre a origem e fundamentos da desigualdade entre os homens, duas formas principais de desigualdade entre os seres humanos. A primeira delas seria a desigualdade física ou natural, própria aos estágios de vida social mais simples, onde a experiência humana estava subordinada ao império das necessidades, defesa permanente e sobrevivência da espécie. A segunda desigualdade estaria associada, contraditoriamente, ao progresso material e a maior complexidade da organização social. Essa seria definida em função do direito à propriedade privada e a divisão do trabalho que, por sua vez, iluminavam as desigualdades políticas e, com estas, a criação de um sistema socioeconômico de diferenciação entre os homens. Na obra de Rousseau, podemos notar que a desigualdade está diretamente relacionada com o nosso papel político na Sociedade, ou seja, com o Ser social de indivíduos, grupos e classes na ordem vigente. Isto nos remete, é claro, às relações de exercício de poder presentes em nossa sociedade. A desigualdade é a expressão de

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Globalização Globalizaçãoeeespaços espaçosda da desigualdade desigualdade

relações de dominação e subordinação de determinados atores sociais sobre outros, portanto, um constrangimento ao exercício pleno da liberdade do Ser em sociedade. Outra possibilidade de interpretação da desigualdade, também aberta na obra de Rousseau, diz respeito ao ter em sociedade. Ora, a ordem da propriedade burguesa e a alienação promovida pela divisão do trabalho evocam uma sociedade onde prevalecem interesses privados e individualistas em detrimento do público e do coletivo. Tal construção socioeconômica implica restrições à superação das necessidades de homens e mulheres, cada vez mais subalternizados diante das exigências do regime de propriedade e da divisão do trabalho sob a égide das classes dominantes. Os constrangimentos do Ser e as restrições do Ter embaralhamse, se reproduzem uma na outra. Elas constituem um complexo amálgama que se consolida como desigualdade social. Assim, quando retomamos os indicadores da desigualdade social rendimentos precários, baixa escolaridade, desemprego e subemprego, vulnerabilidade da saúde e da habitação, desrespeito aos direitos civis e humanos - queremos dizer que eles são sempre relacionais. Eles só podem ser entendidos no campo de relações entre indivíduos, grupos e classes. Isto quer dizer que quando falamos em desigualdade estamos falando de conflito, contradição e subalternização social. Contudo, é preciso explicitar onde estão e quem são esses homens e mulheres profundamente desiguais. Qual a relação possível entre o espaço e a desigualdade? Podemos afirmar que as desigualdades são reproduzidas através do espaço, portanto podemos falar de desigualdades sócio-espaciais? Como os lugares do cotidiano nos ajudam a interpretar a desigualdade e, ao mesmo tempo, contribuir para que transformações políticas e sociais possam se efetivar? O lugar é, como nos alerta Hall (1997), específico, concreto, conhecido, familiar. Portanto, o lugar é expressão de práticas sociais específicas que nos moldaram e nos formam e com as quais nossas identidades estão estritamente ligadas. Entretanto, lugar nem sempre é solo seguro para nossas existências, pois também é movimento e contradição. Nossos atos de vida fazem e percorrem os lugares. Tudo pode se tonar instável, perene e desigual, diante de processos impostos e dirigidos pelas forças hegemônicas do modo de produção dominante e, ao mesmo tempo, o extravasar da espontaneidade das ações de homens e

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mulheres. Daí podemos apreender que o lugar, tomado como construção da experiência social, é abrigo de lógicas distintas e conflituosas. Nesse sentido, pensar a desigualdade significa pensar como esta se exprime em diferentes escalas geográficas. É pensar a relação de fusão e fissão entre o que acontece no mundo e o lugar do acontecimento: “Desse modo o lugar se apresenta como ponto de articulação entre a mundialidade em construção e local enquanto especificidade concreta, enquanto momento. É no lugar que se manifestam os desequilíbrios, as situações de conflito e as tendências da sociedade que se volta para o mundial” (Carlos, 1996:29).

Quando inscrevemos os lugares em nossas práticas, as desigualdades não são abstratas porque os homens e mulheres são concretos. Estamos diante da possibilidade de pensar/ agir em uma geografia da complexidade do Ser e do Ter em sociedade. oOo Referências Bibliográficas CARLOS, A. F. A. 1996. O lugar no/do mundo. São Paulo: Hucitec. FRANCO, M. C. 1997. Trabalhadores em tempo de globalização. Revista Universidade e Sociedade. ANDES. Ano VII, nº 14, outubro. GORZ, A. 1998. Porque a sociedade salarial tem necessidade de novos criados? In: MALAGUTI, Manoel L.(Org.). Neoliberalismo: a tragédia do nosso tempo. São Paulo: Cortez. HALL, S. 1997. Identidades culturais na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A Editora. KUJAWSKI, G. M. 1991. A crise do século XX. São Paulo: Ática. LEFÈBVRE, H. 1981. La production de l’espace. Paris: Antropos. ORTIZ, R. 1994. Mundialização e cultura. São Paulo: Brasiliense. SANTOS, M. 1996. A natureza do espaço. São Paulo: Hucitec. SANTOS, M. et. al. 2002. Território, Territórios. Programa de Pós- Graduação em Geografia – UFF/ AGB. ZAVALA, M. D. F. 1976. Origenes y características de la crísis capitalista atual. Revista Latino-Americana de Economia, México DF, n° 26.

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IMPORTÂNCIA DAS REDES PARA UMA NOVA

REGIONALIZAÇÃO BRASILEIRA : NOTAS PARA DISCUSSÃO

Leila Christina Dias

Por que pensar as redes é importante para refletir sobre uma nova regionalização brasileira? Esta foi a questão que nos guiou na elaboração deste trabalho. Respondê-la implicou adotar uma perspectiva que fosse ao mesmo tempo histórica e conceitual. Histórica porque cada período tende a produzir sua ordem espacial associada a uma ordem econômica e uma ordem social (Santos e Silveira, 2001). Conceitual porque a distinção entre uma lógica de redes e uma lógica de territórios se impõe para tentar compreender o resultado concreto dessa interação. Em direção a um projeto de integração territorial Regiões ou redes de comunicação. Este foi o título dado por P. Monbeig ao último capítulo da sua obra Pioneiros e fazendeiros de São Paulo, publicada em 1952. A tese de Monbeig pode ser sintetizada nos seguintes termos: Criam os trilhos a unidade, porque asseguram o escoamento da produção e porque o sucesso individual, tanto quanto o das empresas colonizadoras, depende da expedição fácil, contínua e regular dessa produção. A distância é sempre inimiga do pioneiro: pesa sobre a economia dele, aumentando-lhe os preços de custo e diminuindo os de venda (Monbeig, 1984:385).

Com o objetivo de reconhecer a existência de regiões, o autor mostra como as capitais regionais – Rio Preto, Araçatuba, Marília, Presidente Prudente, Londrina – cresceram devido a sua excepcional posição em relação à ferrovia. Mostra também a participação dos fazendeiros de café nas novas sociedades ferroviárias e o poder crescente da burguesia paulista que, decidindo sobre a configuração espacial da rede ferroviária e assim sobre a circulação, passa a

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comandar de forma quase completa o processo produtivo. Organizada sobre bases capitalistas, a produção do café engendra o aparecimento de um verdadeiro mercado de trabalho constituído em grande parte por mão-de-obra imigrante. É nessa época que se constitui em São Paulo uma importante infra-estrutura de transporte, se comparada à de outras regiões. A dinamização de todas essas atividades estimula o crescimento urbano e a criação de serviços públicos. Modificado pela revolução de 30, o equilíbrio das forças políticas se redefine pelo deslocamento parcial dos interesses agrários mais conservadores em favor dos interesses industriais e urbanos. A reestruturação do Estado transforma a escala mesma do tratamento das questões econômicas: a partir de então, os problemas associados à produção do café, da cana-de-açúcar etc., tradicionalmente concebidos como regionais, são convertidos em problemas nacionais1. Substituir o conjunto de regiões econômicas isoladas ou pouco articuladas entre si pela integração do mercado nacional se tornou um dos principais objetos da ação do Estado novo. O desenvolvimento industrial se torna o setor prioritário da economia nacional, representando um modelo através do qual o Estado devia realizar a integração do mercado nacional. Apesar da ausência de um discurso explícito, as decisões políticas tomadas ao longo dos anos 1930 representavam um conjunto de medidas protecionistas à indústria2. A eliminação de barreiras de todas as ordens constituiu a condição primordial para integrar o mercado interno, pois esta integração pressupunha a elevação do grau de complementaridade entre as diferentes regiões brasileiras. A barreira jurídica constituída pelos impostos sobre a circulação de mercadorias entre os estados da federação é objeto de sucessivos decretos governamentais, como estes, datados do início dos anos trinta: “...considerando a necessidade de assegurar a unidade econômica do território brasileiro, a fim de que todos os produtos nacionais ou já nacionalizados sejam tratados com a mais absoluta igualdade e respeito ao trabalho nacional3, ... considerando que os impostos entre os estados e os municípios constituem um dos mais sérios embaraços ao desenvolvimento econômico do país ... considerando que é da mais alta conveniência nacional erradicálos”4. As resistências à eliminação de tal imposto, fonte importante de renda para vários estados da federação, explicam sua permanência até 1943.

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AAimportância regionalização importânciadas das redes redes para para uma uma nova nova regionalização

A decadência do setor ferroviário, agravada durante os anos da 2ª guerra mundial pelo bloqueio das importações de equipamentos e de combustível, favoreceu o desenvolvimento de correntes prórodoviaristas no governo federal e nos governos dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Estes últimos já haviam realizado seus projetos independentemente de um plano nacional e pressionavam o poder central em busca de aumento de seus recursos. A história do desenvolvimento rodoviário mostra a articulação de diversas escalas em dois tempos precisos. No início, o processo de unificação dos mercados comandado por São Paulo suscita, produz a estrada e dela depende. A entrada em cena do governo federal legitima as aspirações regionais através da implantação do plano rodoviário nacional (1944), que, fato novo, situa-se numa perspectiva nacional. Os efeitos dessa nova orientação se materializam no fim dos anos 1940 pela construção da rodovia Rio-Bahia, primeira ligação rodoviária entre o sudeste e o nordeste do país. Alguns anos mais tarde, a implantação do Plano de Metas (1956-1960) marcaria o início de um longo período de investimento maciço nas rodovias. A instalação da indústria automobilística foi um dos principais eventos do Plano de Metas, que destinou 30% dos recursos para o setor de transporte (Ribeiro e Almeida, 1988). Para que as estradas assegurassem o principal papel nos fluxos de média e de longa distância, a extensão da rede rodoviária aumentaria 42% e a extensão de estradas asfaltadas quadruplicaria entre 1955 e 1960. A comparação entre esse período e os seguintes mostra a continuidade dessa política pelos sucessivos governos militares. A integração do mercado nacional pode ser medida pela evolução das exportações realizadas por São Paulo: em 1928, 63% das exportações se destinavam ao estrangeiro e apenas 37% para o resto do país; em 1950, os fluxos se invertem e as exportações em direção ao mercado interno alcançam 52%, para representar 82% onze anos mais tarde (Cano, 1985). Sob o governo Kubitschek, a expansão industrial se acomoda antes mal do que bem a um sistema bancário no qual ainda prevalecem formas de crédito e de financiamento herdadas do início do século, além de esbarrar num sistema de telecomunicações obsoleto e lacunar. Tal situação não seria tolerada por muito tempo: articulados a um vasto projeto de formação científico e tecnológico, de modernização da economia e de reorganização espacial, uma reforma financeira e uma política de telecomunicações são implementadas. Na ausência de instâncias democráticas de debate e de contestação, militares e tecnocratas impuseram um modelo 163 163

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brasileiro de desenvolvimento inspirado nos princípios ensinados na Escola Superior de Guerra, modelo que associava estreitamente a sua realização à segurança nacional e ao capital internacional (Dias, 1995a). Em menos de vinte anos, as redes suporte de telecomunicações – microondas e estações terrestres de satélites – cobriram o conjunto do território, permitindo a entrada em operação das diferentes redes de serviços – telefonia, transmissão de dados etc. O objetivo da integração nacional é atingido em 1985, quando todos os municípios são ligados às redes suporte de telecomunicações. Contudo, a capacidade das redes suporte de integrar todos os pontos do território representa apenas uma virtualidade: ela só se concretiza quando da instalação das redes de serviços. Apesar da rapidez das transformações, a densidade telefônica permaneceu fraca: 9,1% em 1986, inferior à de outros países latino-americanos como Argentina (10,3%) e México (9,6%) (Dias, 1995a). Ao contrário, as redes de transmissão de dados conheceram um desenvolvimento extraordinário, satisfazendo antes de tudo as exigências de grandes organizações nacionais e multinacionais, financeiras e industriais. Para essas organizações, a conexão às redes eletrônicas é uma etapa no processo de modernização – permanecer moderna equivale aqui a reduzir o tempo da circulação em todas as escalas nas quais as empresas operam. O que está em jogo é a busca de um tempo – nacional e mundial – beneficiando-se de escalas gerais de produtividade, de circulação e de trocas. A utilização que os diferentes agentes econômicos fazem dessas redes não tem a mesma amplitude – o sistema financeiro é de longe o maior usuário5. A reforma financeira e a modernização das redes de telecomunicações criaram as condições para que os bancos se tornassem instrumento privilegiado do Estado no processo de internacionalização da economia brasileira e no processo de integração do mercado nacional. Concentração bancária e constituição de grandes bancos nacionais que não se identificam mais com os interesses de um território limitado, mas de todo o país, configuraram processos que significaram o desaparecimento dos bancos regionais e a redução do número de praças bancárias6. A alteração de razão social dos bancos refletiu a ampliação do seu campo de ação: O Banco Nacional de Minas Gerais S.A. passa a ser simplesmente Banco Nacional S.A., o Banco Econômico da Bahia S.A. é renominado Banco Econômico S.A., enquanto o Banco Mercantil e Industrial do Paraná – Bamerindus – transformase no Banco Bamerindus do Brasil S.A. (Corrêa, 1989: 26).

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Vimos como, até os anos oitenta, as redes – de transporte, de telecomunicações ou bancárias – constituíram um dos elementos que definiram a escala nacional como referência para pensar a construção de um projeto para o país. A política regional brasileira nesse período foi centrada principalmente na atuação das agências macrorregionais, como Sudene e Sudam. Segundo Coutinho, o período também assistiu à implementação de políticas regionais implícitas, que são aquelas embutidas “nas grandes iniciativas da área econômica do governo” (2003: 41). Assim, a criação da Copersul em Triunfo, Rio Grande do Sul, e do Pólo Petroquímico em Camaçari, Bahia, implicaram impactos urbanos e sub-regionais (Coutinho, 2003). Lógica reticular e lógica territorial Da época de Monbeig aos nossos dias, assistimos à aceleração de quatro grandes fluxos que atravessam o espaço geográfico: os movimentos de pessoas ou fluxos migratórios, os movimentos comerciais ou fluxos de mercadorias, os movimentos de informações ou fluxos informacionais, os movimentos de capitais ou fluxos monetários e financeiros. Contidos durante muito tempo nos limites dos territórios nacionais, os fluxos atravessam fronteiras e introduzem uma nova ordem de problemas advindos de sistemas reticulares cada vez mais libertos de controle territorial. Os fluxos migratórios se ampliam, propiciando a formação de regiões transfronteiriças, que rompem os limites territoriais dos estados nacionais, como conclui a pesquisa de Haesbaert sobre a rede de migração de brasileiros nos espaços fronteiriços com o Paraguai, o Uruguai e a Argentina (1999). Os fluxos de mercadorias – bens materiais e serviços imateriais – atravessam os territórios soberanos graças à especialização produtiva e à deslocalização das implantações industriais. Os fluxos informacionais são hoje os mais voláteis e menos controláveis. O sistema financeiro se integra à escala mundial, enquanto seus subsistemas, geográficos e econômicos, se reorganizam. Essas mudanças estão no centro de debates pluridisciplinares e políticos que giram em torno da formação (ou não) de um mercado de capital global, do papel do Estado Nação, da complexidade das interações entre o sistema mundial e os espaços nacionais, da perda de importância dos bancos frente aos novos atores das finanças internacionais e da constituição de novas formas de autonomia e resistência nos lugares (Martin, 1999; Plihon, 2000; Santos e Silveira, 2001). Se os limites do Estado-Nação historicamente circunscreveram a região em termos de gestão ou planejamento, mudanças econômicas e políticas que favorecem a tendência à globalização – 165

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com fluxos que se estendem para além das fronteiras nacionais – exigem repensar os agentes envolvidos (Estado, empresas e instituições) que interagem e redefinem “as potencialidades e limitações das regiões subnacionais” (Arroyo, 1995: 1113). Fluxos de toda ordem tornaram-se mais espessos e as necessidades de circulação foram ampliadas, exigindo técnicas cada vez mais eficazes. Isso explica em parte o fato de a representação do mundo social integrar crescentemente a noção de rede, numa perspectiva que procura chamar a atenção sobre as relações e a complexidade das interações entre os nós. Com a multiplicação das técnicas reticulares, a rede se tornou uma forma dominante do pensamento contemporâneo – o “teatro das circulações”, na fórmula de Parrochia (2001: 17). A rede é objeto de muitas representações, freqüentemente marcadas por discursos prospectivos, segundo o pressuposto de causalidade linear entre o desenvolvimento técnico e as mudanças sociais e espaciais. Em 1905, alguém escreveu referindo-se aos Estados Unidos: “Com um telefone em casa, um carrinho no celeiro e uma caixa de correio rural na porteira, o problema de como manter os rapazes e moças nas fazendas está resolvido” (Sola Pool, 1979:11). Os anos passados mostraram o erro dessa previsão: se naquela época 34% da força de trabalho americana estava nas fazendas, nos anos setenta somente 4% da força de trabalho permaneceriam lá. O desenvolvimento das redes de transporte e telecomunicações na segunda metade do século XX favoreceu a difusão de teses que superestimam as mudanças técnicas e interpretam a relação entre as redes e os territórios e as redes e a sociedade numa perspectiva determinista (Dias, 1995a). Na origem dessas teses, encontra-se a própria história do conceito moderno de rede, construído na filosofia de Saint-Simon (1760-1825) pelos seus discípulos7. Segundo Musso, Saint-Simon construiu o conceito de rede para pensar a passagem do sistema feudal-militar para o sistema industrial: Como, se interroga Saint-Simon, assegurar a passagem tranqüila do sistema presente ao sistema futuro? Trata-se simplesmente de favorecer a circulação do dinheiro na sociedade. Estabelecer a circulação do sangue-dinheiro se traduz em organizar o corpo social como um corpo humano. A esperada transição ao sistema industrial se resume a liberar a circulação de dinheiro no corpo do Estado (Musso, 2001: 205).

Graças a essa analogia de organismo-rede, Saint Simon dispôs de uma ferramenta de análise para conceber uma ciência política,

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defendendo a criação de um Estado organizado racionalmente por cientistas e industriais e utilizando a rede para evocar a relação entre as comunicações e o crédito. As frases fundadoras da ideologia da comunicação não se encontram, contudo, na obra de Saint-Simon, mas sim na de seus seguidores: Melhorar a comunicação é trabalhar para a liberdade real, positiva e prática ... é produzir a igualdade e a democracia. Os meios de transporte aperfeiçoados têm como efeito a redução das distâncias não somente de um ponto a outro, mas igualmente de uma classe a outra (Chevalier apud Musso, 2001:207).

Na interpretação de Musso, os discípulos fizeram o caminho inverso do mestre. As redes de comunicação deixaram de ser percebidas como mediadores técnicos da mudança social, para se tornarem produtoras de relações sociais: “Enquanto Saint-Simon forjou o conceito para pensar a mudança social, ele se tornou um meio para não mais pensá-la” (Musso, 2001:217). Para não cairmos aqui na armadilha do paradigma sansimoniano, é importante considerar que a rede não constitui o sujeito da ação. Porém, o pensamento contemporâneo nem sempre resiste a essa tentação. Em trabalho recente, Jean-Marc Offner mostra como Manuel Castells – em A sociedade em rede – desconsidera os aspectos institucionais da organização dos serviços públicos que determinam em grande medida a morfogênese das redes. Segundo Offner, Castells projeta as redes num universo de auto-regulação, sucumbindo ao determinismo tecnológico que ele pensa combater (Offner, 2000). Os escritos de Milton Santos certamente nos auxiliam a avançar na construção de um conceito de rede casado com o tempo presente. Em A natureza do espaço, ele defende a idéia de que “a fluidez não é uma categoria técnica, mas uma entidade sóciotécnica” (2000: 275). Esse é o ponto central que diferencia sua interpretação de outras, contemporâneas, que colocam o foco na rede – enquanto metáfora explicativa – ignorando o conjunto das ações. Ela [a fluidez] não alcançaria as conseqüências atuais, se, ao lado das inovações técnicas, não estivessem operando novas normas de ação, a começar, paradoxalmente, pela chamada desregulação. A economia contemporânea não funciona sem um sistema de normas, adequadas aos novos sistemas de objetos e aos novos sistemas de ações, e destinadas a provêlos de um funcionamento mais preciso. Na realidade, trata-se de normas constituídas em vários subsistemas interdependentes, cuja eficácia exige uma vigilância contínua,

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Leila Christina Dias Dias assegurada por uma legislação mundial, tribunais mundiais e uma polícia mundializada. Ao contrário do imaginário que a acompanha, a desregulação não suprime as normas. Na verdade, desregular significa multiplicar o número de normas (Santos, 2000: 275).

Nesta perspectiva, tentar compreender a interação entre as redes e os territórios pressupõe reconhecer que estamos diante de duas lógicas distintas. De um lado, a lógica das redes, definida pelos agentes hegemônicos que desenham, modelam e regulam. Parece essencial conhecer suas ações, identificando as estratégias dos agentes e a maneira como as redes são desenhadas e administradas. De outro lado, a lógica dos territórios, aqui concebidos como arenas da oposição entre o mercado – que singulariza – com as técnicas de produção, a organização da produção, a “geografia da produção” e a sociedade civil – que generaliza – e desse modo envolve sem distinção todas as pessoas. Com a presente democracia de Mercado, o território é suporte das redes que transportam as verticalidades, isto é, regras e normas egoísticas e utilitárias (do ponto de vista dos atores hegemônicos), enquanto as horizontalidades levam em conta a totalidade dos atores e das ações (SANTOS, 2000: 259).

A lógica territorial também necessita ser desvendada como resultado de mecanismos endógenos – relações que acontecem nos lugares entre agentes conectados pelos laços de proximidade espacial – e mecanismos exógenos – que fazem com que um mesmo lugar participe de várias escalas de organização espacial. Isto quer dizer que à tradicional combinação das escalas da organização espacial, segundo o modelo da boneca russa – do imóvel ao prédio, do prédio ao quarteirão, do quarteirão ao bairro, do bairro à cidade, da cidade à região, da região à nação –, somam-se novos arranjos institucionais e espaciais que nos desafiam a redefinir as categorias analíticas que utilizamos para representar o mundo. Há na literatura recente sobre o uso e a organização do território brasileiro um relativo consenso sobre a ausência de um projeto integrador e de uma regionalização que considerem o conjunto de atividades, dos homens e de suas ações (Bacelar, 1997; Santos e Silveira, 2001; Coutinho, 2003). A principal política espacial implementada na última década foi orientada pela lógica das redes técnicas; a concepção que estava subjacente à proposta dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento (ENID), implementada durante o governo Fernando Henrique Cardoso, era a de pensar as redes de transporte como fatores de desenvolvimento e de integração regional. Na interpretação de Galvão e Brandão, desde o início 168

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AAimportância importânciadas das redes redes para para uma nova regionalização assumiu-se uma visão bipartida do território que emanava da ambigüidade consciente estabelecida entre os conceitos de “eixo” e “espaço”... ... Quando se discutia a questão dos projetos de infra-estrutura de transportes se estava no domínio autêntico dos “eixos”, que se bastavam a si próprios como forma espacial do quadro analítico que se queria delinear. Quando se pensava nos projetos de desenvolvimento social e informação e conhecimento [...] os estreitos referenciais contidos na porção delimitada para os “eixos” não eram suficientes, restando adotar uma forma espacial mais ampla e territorialmente mais abrangente, definida no “relatório inicial” como “área de influência dos eixos” ou “região complementar”8 (2003:197).

Como sugerem esses autores, a chamada região complementar “parecia ser anexa, acessória e de importância menor” (idem:198). O resultado foi a constituição de uma eficiente rede logística para o escoamento da produção agrícola, integrando cada eixo aos mercados internacionais de commodities (Galvão e Brandão, 2003; Frederico e Castillo, 2003). Como inverter essa ordem e pensar a região como objeto da ação política? Responder a tal questão, que orientou a realização deste seminário, é sem dúvida tarefa coletiva. Com base em nossa pequena reflexão, podemos tão-somente levantar alguns pontos para participar do debate. Considerações finais Se o período contemporâneo remete em causa o controle dos Estados sobre os fluxos que atravessam seus territórios, até que ponto há um desígnio fatalista que conduziria os Estados Nacionais a liberar a circulação dos fluxos, tal qual apregoava o movimento liberal de retirada do Estado, lançado desde o fim dos anos setenta pelo presidente Carter nos EUA e por Margaret Thatcher na GrãBretanha? Desde há alguns anos, experiências de cooperação entre Estados buscam fugir do fatalismo, seguindo outra lógica: reorganizar-se para reencontrar o domínio sobre os fluxos econômicos e monetários (Rachline, 1998). Vimos como num passado recente as redes de transporte foram concebidas como fatores de desenvolvimento e de integração regional no melhor estilo do culto sansimoniano à rede. É urgente romper com esse paradigma que esvazia a dimensão política da região e oculta os sujeitos da ação.

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Entendemos que a região institui uma reflexão política de base territorial e que a regionalização constitui instrumento de divisão do espaço. Como avançar na análise de uma e de outra, ultrapassando os limites do tradicional jogo de escalas – do município, passando pelo estado, até a federação? Pensá-las como construções sociais pode representar este salto teórico. Nesse sentido, as escalas não estão dadas, mas são construídas nos processos. Como os processos são conflituosos, as escalas são elas mesmas objeto e arena de conflitos (Smith, 1993 e Vainer, 2001). No lugar de definir a priori o tamanho da região – do macro ao micro – podemos pensar em regiões com geometrias variáveis resultantes de novos arranjos institucionais e espaciais. Se os fluxos participam na configuração da região, a urbanização é o destino da nossa sociedade. É nas cidades que se cruzam verticalidades e horizontalidades, para lembrar a formulação de Milton Santos. As redes constituem apenas um dos elementos de definição da escala de referência e a lógica territorial engloba, como vimos, outras interações e relações. O tempo, histórico e social, é um tempo longo – no qual se confrontam valores e se debatem idéias – e não pode estar limitado por uma ordem reticular. o0o Notas 1

A expressão convertidos é empregada por W. Cano. O autor mostra como esses produtos contam após 1930 com instrumentos de política econômica federal centralizada (CANO, 1985: 185).

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Especialmente em relação ao controle das importações e às políticas de desvalorização e controle do câmbio.

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Decreto 19995 de 14/05/1931, citado por W. CANO, 1985:188.

4

Decreto 21418, de 17/05/1932, citado por W. CANO, 1985:188. O autor explica como uma mercadoria produzida no estado “x” e vendida no estado “y” era taxada de novo por este último. Esse mecanismo aumentava o preço final da venda, favorecendo tanto a produção similar no estado “y” quanto o produto importado do exterior por esse mesmo estado.

5

Em junho de 1989, o Bradesco era responsável por 9,4% das receitas da Embratel e representava o primeiro usuário de serviços de telecomunicações no Brasil (DIAS, 1995).

6

O número de centros urbanos que acolhem sedes de bancos decresceu de 77 para 28 entre 1961 e 1985 (CORRÊA, 1989: 26).

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Não é nosso objetivo neste texto avançar na história do conceito de rede, apenas apontar que há diferenças fundamentais entre a posição de Saint-Simon e a de seus seguidores.

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Como sugerem esses autores, a chamada região complementar “parecia ser anexa, acessória e de importância menor” (GALVÃO e BRANDÃO, 2003:198).

o0o Referências bibliográficas ARROYO, M. 1996. A espacialidade do futuro... além das fronteiras nacionais? In: Anais do VI Encontro Nacional da ANPUR, 1995, Brasília, Anais...Brasília: ANPUR, 1996. :1104-1115. BACELAR, T. Dinâmica regional brasileira e integração competitiva. In: Encontro Nacional da ANPUR, 7., 1997, Recife, Anais...Recife: ANPUR; UFPE, 1997. :1070-1099. CANO, W. 1985. Desequilíbrios regionais e concentração industrial no Brasil, 1930-1970. Campinas: Global. :369. CORRÊA, R.L. Concentração bancária e os centros de gestão do território. Revista Brasileira de Geografia, ano 51, nº 2. :17-32. COUTINHO, L. 2003. O desafio urbano-regional na construção de um projeto de nação. In: GONÇALVES, M.F.; BRANDÃO, C.A. e GALVÃO, A.C.F. Regiões e cidades, cidades nas regiões: o desafio urbano-regional. São Paulo: UNESP/ANPUR. :37-55. DIAS, L. C. 1995a. Redes: emergência e organização. In: CASTRO, I.E., GOMES, P. C. E CORRÊA, R.L. (orgs.). Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. DIAS, L.C. 1995b. Réseaux d’information et réseau urbain au Brésil. Paris, L’Harmattan, :172. FREDERICO, S. e CASTILLO, R.A. 2003. Sistema de movimentos no território brasileiro: os novos circuitos espaciais produtivos da soja. In: Encontro Nacional da ANPEGE, V, 2003, Florianópolis, Anais...Florianópolis: ANPEGE. 1 CD-ROM. :511-520. GALVÃO, A.C.F. e BRANDÃO, C.A. 2003. Fundamentos, motivações e limitações da proposta dos “Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento”. In: GONÇALVES, M.F.; BRANDÃO, C.A. e GALVÃO, A.C.F. Regiões e cidades, cidades nas regiões: o desafio urbano-regional. São Paulo: UNESP/ANPUR, 2003. :187-205. HAESBAERT, R. 1999. Regiões transfronteiriças e migração brasileira em países do Mercosul. In: Encontro Nacional da ANPUR, VIII., 1999, Porto Alegre, Anais...Porto Alegre: ANPUR. 1 CD-ROM. MONBEIG, P. 1984. Pioneiros e fazendeiros de São Paulo. São Paulo, Hucitec. :392. MUSSO: 2001. Genèse et critique de la notion de réseau. In: PARROCHIA, D. (org.). Penser les réseaux. Seyssel, Champ Vallon. :194-217. OFFNER, J.M. 2000. ‘Territorial deregulation’: local authorities at risk from technical networks. International Journal of Urban and Regional Research, volume 24 (1). :165-182. PARROCHIA, D. 2001. La rationalité réticulaire. In: PARROCHIA, D. (org.). Penser les réseaux. Seyssel: Champ Vallon. :7-23.

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DESTERRITORIALIZAÇÃO, MULTITERRITORIALIDADE E REGIONALIZAÇÃO* Rogério Haesbaert

Território e região, como dois conceitos-chave da Geografia, precisam andar juntos e são mesmo indissociáveis. Assim, podemos considerar que as dinâmicas que denominamos de desterritorialização (com hífen, respeitando o primeiro “teorema” da desterritorialização de Deleuze e Guattari [1980]) estão intimamente vinculadas e devem por isso ser consideradas em qualquer processo de regionalização, ou seja, a construção e destruição de regiões são indissociáveis da construção, destruição e reconstrução de territórios. Para muitos autores os processos de desterritorialização são uma das marcas fundamentais da chamada pós-modernidade, afetando diferenciadamente todos os contextos espaciais, tornandose assim indispensáveis ao estudo de qualquer processo de regionalização. O problema que se coloca, então, é o de como regionalizar num mundo envolvido numa dinâmica constante de des-territorialização, onde convivem, lado a lado, “múltiplos territórios” e aquilo que denominamos o fenômeno da “multiterritorialidade” (Haesbaert, 2001, 2002a). Para chegar a uma proposta preliminar de “elementos espaciais” a serem considerados numa nova regionalização, precisamos primeiro abordar, ainda que de forma introdutória, o que há de novo nas nossas experiências de espaço-tempo; em segundo lugar, precisamos avaliar as limitações dos discursos sobre a desterritorialização, tanto em termos da análise das desigualdades quanto das diferenças sócio-espaciais; por fim, devemos esclarecer o que entendemos por multiterritorialidade e o que ela implica em relação a um novo pensamento sobre o regional – ou, se quisermos, sobre o “multirregional”. *

Este artigo sintetiza idéias desenvolvidas no livro “O mito da desterritorialização”, em fase final de redação.

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A nova experiência “desterritorializada” de tempo e de espaço A famosa ruptura entre modernidade e pós-modernidade, tão em voga a partir dos anos 80, vista ora como superação radical (Lyotard, 1986; Vattimo, 1990), ora como mudança “setorial” (na “lógica cultural” do capitalismo tardio ou “desorganizado”, como em Jameson, 1991, e Lash, 1990]), reflete antes de tudo a nova experiência de tempo e espaço vivida sob a chamada “sociedade pós-industrial” ou informacional, fundamentada naquilo que Milton Santos (1996) denominou “meio técnico-científico informacional”. Mas o que haveria de realmente novo nessa nossa experiência “pós-moderna”, dita por alguns “desterritorializada” de espaço e de tempo – ou melhor, de espaço-tempo, já que devem ser vistos como dimensões indissociáveis? Harvey (1989) e Giddens (1990) utilizam, respectivamente, os termos “compressão” e “alongamento” (ou, numa má tradução de disembbeding, “desencaixe”) espaçotemporal para se referirem a essas novas formas de experimentação tempo-espaço. Enquanto um privilegia a “contração” local de um tempo-espaço que se globalizou, condensando-se assim em cada “lugar”, o outro destaca a “expansão” até o nível global de um tempo-espaço que parte do nível local. Tanto num caso como no outro, entretanto, parece confirmar-se a polêmica expressão de Marx que, ainda no século XIX, pregava a “aniquilação do espaço pelo tempo” – como se estas duas dimensões pudessem ser dissociadas, e uma pudesse “destruir” a outra. Massey (1993) complexificou essa idéia de compressão espaçotempo acrescentando suas distintas “geometrias do poder”, onde a compressão se multiplica pela desigualdade de suas configurações, de sua origem e de sua distribuição. Assim, torna-se imprescindível distinguir quais são seus agentes e como ela afeta diferentemente não só as classes sociais, em termos das violentas desigualdades sociais em que estamos inseridos, mas também as diferentes etnias, os diferentes gêneros, grupos etários etc. A compressão espaçotempo, portanto, não diz respeito apenas a “quem se desloca e quem não se desloca”: (...) diz respeito também ao poder em relação aos fluxos e ao movimento. Diferentes grupos sociais têm distintas relações com esta mobilidade igualmente diferenciada: alguns são mais implicados do que outros; alguns iniciam fluxos e movimentos, outros não; alguns estão mais na extremidade receptora do que outros; alguns estão efetivamente aprisionados por ela. (Massey, 1993:61)

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Desterritorialização, Desterritorialização, Multiterritorialidade Multiterritorialidade ee Regionalização Regionalização

Além dessa enorme desigualdade dos atores envolvidos, devemos salientar os distintos setores da sociedade e da própria economia. Enquanto o capital pode usufruir de uma “compressão global”, circulando em “tempo real” ao redor do mundo, mercadorias de consumo cotidiano ainda precisam de um tempo razoável para serem transportadas de um país para o outro. Alguns objetos se movem muito mais rapidamente do que outros, afetando a vida de todos que dependem dessa “mobilidade”. Enquanto alguns produtos efetivamente se libertam do constrangimento distância, outros adquirem novo valor justamente por dependerem dessas distâncias e se tornarem, assim, relativamente menos acessíveis. Além desse reconhecimento da complexidade da compressão tempo-espaço a partir da diferenciação dos seus objetos e atores, e das relações de poder extremamente desiguais que estão em jogo, como destaca Massey, é importante focalizar uma outra questão teórica, tão ou mais relevante. Referimo-nos ao reconhecimento de que a compressão espaço-tempo envolve apenas uma das “formas” com que o espaço social se manifesta, aquela que se encontra mais diretamente ligada ao que Shields (1992) denomina relação de presença e ausência, um dos três componentes “paradigmáticos” da espacialização da sociedade, juntamente com a diferenciação ou contraste e a inclusão e exclusão ou o dentro e o fora (o inside e o outside). Na verdade, preferimos denominar mais simplesmente estas três características de presença, desigualdade (na linha do que Bergson denomina diferenças de grau) e inserção (relacionada à “diferença” em sentido estrito ou diferença de natureza)1. O que Shields argumenta é que, na análise das mudanças provocadas pela chamada pós-modernidade, o que efetivamente se pode demonstrar empiricamente são apenas mudanças ocorridas na espacialização em termos de presença e ausência. Segundo o autor, “inclusão e exclusão e diferenciação espacial continuam aparentemente imutáveis”. (:187) As desigualdades e a exclusão sócio-espacial, podemos afirmar, foram até intensificadas. Assim, se uma ruptura entre as experiências de tempo-espaço da modernidade para a pós-modernidade ocorreu, ela se deu antes de tudo na esfera da presença e ausência: “é a diferença na espacialização de presença e ausência que justifica fazer uma distinção entre modernidade e pós-modernidade”. (:181) Partindo da concepção de estrangeiro de Simmel (1971[1908]), Shields coloca a questão da síntese aparentemente paradoxal entre distância e presença, lembrando que, apesar de comumente associarmos presença e proximidade, ausência e distância, o estrangeiro é sempre o distante-presente. Num sentido temporal, 175 175

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há uma relação entre presença e atualidade [nowness], o presente. Mas se o passado é visto como “uma série de ‘agoras’ em contínua passagem”, ele é “um agora que passou”, tornando-se, assim, uma ausência “concebida como um tipo de presença”. (:187) Com mais razão ainda o espacialmente distante pode se fazer “presente”, numa dissociação entre presença aqui (espacial) e presença agora (temporal). Ausência, assim, torna-se simplesmente uma nãopresença, definida que é, sempre, em sua relação com a presença2. Desterritorialização como “fim das distâncias”, por exemplo, nada mais seria do que um enfoque muito parcial que, além de confundir territorialidade e espacialidade, vê o espaço tão somente a partir dos processos de compressão tempo-espaço, ou seja, da sua “forma” ligada à presença-ausência. Ela nada nos diz da intensificação dos processos de diferenciação (“desigualização”) e de exclusão sócioespacial em curso. Em síntese, portanto, “o pós-modernismo desestabiliza a estrutura metonímica que relaciona presença e ausência com proximidade e distância. Uma união sintética de distância e presença, do estrangeiro e do íntimo, torna-se concebível e praticável”. (Shields, 1992:192) De forma aparentemente contraditória, podemos dizer que o próximo-presente (o aqui e agora) passa a ter maior importância, ou maior “visibilidade” e valor estratégico, justamente pela intensificação de seu sentido contrastivo, ou seja, pela emergência clara do seu antípoda, o distante-presente. As próprias fronteiras, assim, mudariam de sentido: (...) fronteiras podem ter se tornado mais do que linhas que definem o que está cercado daquele que não está, o ordenado do não-ordenado, ou o conhecido do desconhecido. Fronteiras marcam o limite aonde a ausência se torna presença. Mas tais fronteiras parecem estar se dissolvendo. Elas aparecem menos como barricadas impermeáveis e mais como limiares, “limen” através dos quais tomam lugar as comunicações e onde coisas e pessoas de diferentes categorias – local e distante, nativo e estrangeiro, etc. – interagem. (Shields, 1992:195)

Trata-se tanto da compressão tempo-espaço, no sentido mais abstrato de um distante que se torna próximo através dos recursos tecnológicos de que dispomos, quanto de uma experiência de contato com o outro, o estrangeiro, este “distante” que se torna próximo de nós praticamente a cada esquina nas grandes cidades. Na verdade, muito mais do que “se dissolvendo”, as fronteiras, como os territórios e as regiões, estão se tornando muito mais complexas, imersas numa multiplicidade ainda maior de tempo-espaços. O resultado dessa relação complexa entre presença e ausência é um espaço profundamente descontínuo, fragmentado. Desse 176 176

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modo, outra questão central e muito problemática deste espaço, em outras palavras, des-locado, é a sua representação: o mundo globalizado se tornaria irrepresentável (mas não incognoscível, ressalta Jameson). As transformações do “hiperespaço pósmoderno” transcendem “definitivamente a capacidade do corpo humano individual de autolocalizar-se, para organizar perceptivamente o espaço de suas imediações, e para cartografar cognitivamente sua posição num mundo exterior representável”. (Jameson, 1991:97) A nova máquina pós-moderna “não representa o movimento, mas pode somente representar-se em movimento”. (:100) Vivemos numa “confusão espacial e social (...). A forma política do pós-modernismo, se houver uma, terá como vocação a intervenção e o desenho de mapas cognitivos globais, tanto em uma escala social quanto espacial”. (Jameson, 1991:121) Assim, a concepção de espaço desenvolvida por Jameson “sugere que um modelo de cultura política apropriado a nossa própria situação terá necessariamente que levantar os problemas do espaço como sua questão organizativa fundamental” (:76) Essa crise nas representações espaciais pode, também, de alguma forma, ser associada à desterritorialização e, por extensão, à dificuldade ou mesmo impossibilidade de regionalizar o espaço contemporâneo. Mas, tal como na nossa crítica da desterritorialização muito mais como “mito” (Haesbaert, 1993), aqui também podemos dizer que a “não-representabilidade” do mundo é outro mito, no sentido de que se trata, isto sim, de perceber com que nova “cartografia” (ou, em sentido mais amplo, geografia) estamos trabalhando, ou melhor, de que nova experiência de espaço-tempo estamos falando. Massey (1993) parte da idéia de espaço como uma “dimensão” (em hipótese alguma estática ou se opondo ao movimento) dotada dos três “momentos” identificados por Lefebvre (espaços percebido ou “praticado”, concebido ou representado e vivido através de suas imagens e símbolos), e de sua indissociável relação com a dimensão temporal, uma (re)definindo a outra. A partir dessa concepção a autora atenta para a despolitização do discurso pós-moderno, o que inclui uma crítica ao sentido “irrepresentável” do espaço proposto por Jameson. Enquanto alguns autores, como Ernesto Laclau (1990), vêem o espaço como o fixo, o estático e, portanto, uma regularidade sem movimento ou “deslocamento”, impedindo assim a emergência do novo ou “a possibilidade do político”, Jameson identifica no aspecto oposto, no “caos” ou no “des-locamento” espacial contemporâneo, as dificuldades do político.

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Para Massey, o espaço de Jameson como o “caos irrepresentável” traduz uma velha questão geográfica que discute a dificuldade de se trabalhar com a justaposição de fenômenos no espaço, ao contrário da maior facilidade que se teria em se tratando de justaposições no tempo. Isto seria devido, “em parte, porque no espaço pode-se seguir em qualquer direção e, em parte, porque no espaço coisas que estão próximas não estão, necessariamente, conectadas”. (Massey, 1993:158) Mas o tempo também não se reduz “à segurança confortadora de uma história que é possível ser contada”. Coerência e lógica não são específicas da temporalidade, a não ser daquela temporalidade que Jameson gostaria que fosse restaurada, o “tempo/História na forma de Grande Narrativa”. (:158) Vivemos então a contradição: em plena “era do espaço”, temos também a era da “desterritorialização”, neste caso significando, de forma mais ampla, “desespacialização”. Pelo raciocínio de Jameson e de outros autores, não é porque o espaço “desapareceu” que o tempo tomou-lhe o lugar, mas sim porque ele adquiriu um peso tal que, visto de maneira desproporcional e dicotomizada, “suplantou o tempo”. Tempo e espaço teriam sido de tal forma dissociados que o que domina, na verdade, é um espaço desistoricizado, um espaço sem tempo: “vivemos a pura sincronia”, diz Jameson, um presente perpétuo – o “puro” espaço que, por não existir nunca como tal3, quando isolado do tempo simplesmente desaparece. Dominados pelo espaço sem tempo – ou, na perspectiva inversa, o tempo sem espaço, perdemos o “verdadeiro” espaço, que é o espaço densificado pela história e pelas possibilidades abertas para o futuro. Sintetizando, a chamada desterritorialização, ou melhor, desreterritorialização, e, conseqüentemente, os atuais processos de regionalização, estão fortemente vinculados ao fenômeno da compressão tempo-espaço – não no sentido de uma “superação do espaço pelo tempo” ou de um “fim das distâncias”, mas de um emaranhado complexo de “geometrias de poder” de um espaço social profundamente desigual e diferenciado. Em outras palavras e num sentido mais amplo, assim como não há “um” processo de compressão espaço-tempo, mergulhado que está em múltiplas geometrias de poder, também não há “uma” territorialização, mas múltiplas formas de (re)territorialização, seja no sentido de muitas, diferentes e lado a lado (o que iremos associar à noção de “múltiplos territórios”), seja como uma efetiva experiência “multiterritorial” conjunta e indissociável (a que denominaremos de “multiterritorialidade”). A multiterritorialidade, portanto, enquanto fenômeno proporcionado de maneira mais efetiva pela chamada condição da pós-modernidade, está intimamente ligada a essa nova experiência e concepção de espaço-tempo, onde um dos elementos 178

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fundamentais é a rede que articula esses espaços descontínuos. Dos múltiplos territórios à multiterritorialidade Graças à fluidez crescente nos/dos espaços e à dominância do elemento rede na constituição de territórios, conectando suas parcelas descontínuas, temos o fortalecimento não mais de um mosaico padrão de unidades territoriais em área, vistas muitas vezes de maneira exclusiva entre si e às quais denominamos territórioszona, mas uma miríade de “territórios-rede” marcada pela descontinuidade e pela fragmentação (articulada) que possibilita a passagem constante de um território a outro, num jogo que denominaremos aqui, muito mais do que de desterritorialização ou de declínio dos territórios, da sua “explosão” ou, em termos mais consistentes, de uma “multiterritorialidade”. A multiterritorialidade é, se não a forma dominante, pelo menos a forma contemporânea ou “pós-moderna” da reterritorialização, a qual muitos autores, equivocadamente, preferem caracterizar como desterritorialização. Ela é conseqüência direta da predominância dos territórios-rede, sobrepostos e descontínuos, sobre os territórioszona, exclusivistas e contínuos, que marcaram aquilo que podemos denominar de modernidade clássica, dominada pela lógica territorial exclusivista de padrão estatal. É interessante fazermos aqui uma breve síntese dos conceitos de território e desterritorialização (DT), que pode ser formulada através do seguinte esquema: 1. Território em concepções mais materialistas 1.1 Território como espaço natural ou “substratum” 1.1.1. materialidade: DT como ciberespaço ou “mundo virtual” 1.1.2. distância física: DT como “fim das distâncias” 1.1.3. recurso “natural” ou abrigo: “DT da Terra” (?) 1.2. Território como um espaço relacional mais concreto 1.2.1."fator locacional" econômico (dependência local) - DT como "deslocalização” 1.2.2dominação política ("área de acesso controlado"): DT como um "mundo sem fronteiras" 2. Território em perspectivas mais idealistas território como um espaço relacional simbólico (espaço de referência identitária, "valor"): DT como hibridismo cultural, "desenraizamento" ou identidades múltiplas 3. Território em uma perspectiva mais ""totalizante"" ou integradora 3.1 "experiência total do espaço" (território-zona) [Chivallon] 3.2 espaço móbile funcional-expressivo (território-rede) [Deleuze e Guattari] 179 179

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Poderíamos interpretar essa grande diversidade de concepções como prova da ambigüidade e mesmo da pouca utilidade de um conceito como desterritorialização. Mas não entendemos exatamente desta forma4. Devemos aprender a ler o que se esconde por trás dessas aparentemente díspares interpretações. Embora algumas noções, tomadas isoladamente, indiquem efetivamente uma visão muito simplista do território e da des-territorialização, cada uma delas carrega algum indicador daquilo que, de maneira muito genérica, podemos denominar de territorialização - as práticas e os significados humanos em relação ao espaço, ou seja, suas formas de apropriação e dominação, nos termos de Lefebvre (1984). Como entendemos que não há indivíduo ou grupo social sem território, quer dizer, sem relação ou um tipo de controle, seja ele de caráter mais material ou mais simbólico, sobre o contexto espacial no qual está inserido, o homem sendo também um homo geographicus (Sack, 1996), cada momento da história e cada contexto geográfico revela sua própria forma de des-territorialização. Entendendo território nesse sentido amplo, veremos que essa “necessidade territorial” pode estender-se desde um nível mais físico ou biológico (enquanto seres com necessidades básicas como água, ar, abrigo para repousar) até um nível mais imaterial ou simbólico (enquanto seres dotados do poder da representação e da imaginação e que a todo instante re-significam o seu meio e se expressam através dele), incluindo todas as distinções de classe sócioeconômica, gênero, grupo etário, etnia, religião, língua etc. Assim, ao contrário daqueles autores que consideram o território numa visão mais estreita, ligado a problemáticas mais específicas (como a dominação política ou a apropriação simbólica, destacada nos pontos 1 e 2 do quadro anterior), preferimos entendê-lo numa perspectiva mais integradora como o espaço imprescindível para a reprodução social, seja de um indivíduo (sua “experiência integrada” do espaço), seja de um grupo ou de uma instituição (firma, entidade política, igreja, etc.) Assim, por exemplo, ao nível do indivíduo, se antigamente era possível detectar claramente um território como “experiência total do espaço” (Chivallon, 1999) enquanto territóriozona contínuo e relativamente estável, hoje só podemos ter esta “experiência integrada” (nunca “total”) na forma de territórios-rede, descontínuos, móveis, fragmentados. Isso não significa, contudo, que outras interpretações de território, como as demais apresentadas no esquema, sejam destituídas de sentido. Dependendo do tipo de sociedade, do grupo cultural, enfim, do contexto geográfico - sem falar no contexto histórico, fundamental – a que estamos nos referindo, seu processo 180

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de territorialização se dá privilegiando uma determinada dimensão ou problemática sócio-espacial. E muitas dessas formas de se relacionar com ou através do espaço vão se acumulando de maneira diferenciada ao longo do tempo, originando a multiplicidade de territórios que temos hoje. Essa multiplicidade ou diversidade territorial, enquanto justaposição ou convivência, lado a lado, de tipos territoriais distintos, será identificada aqui como a existência de “múltiplos territórios” ou “múltiplas territorialidades”. Sintetizando, diferenciamos essa multiplicidade de territorializações que ocorrem, concomitantemente, na face do planeta, através das seguintes modalidades (Haesbaert, 2002a:47-48): a) Territorializações mais fechadas, ligadas ao fenômeno aqui denominado de territorialismo, que não admitem pluralidade de poderes e identidades, como ocorria na lógica dos talibãs afegãos e, em parte, nas propostas de resolução para os conflitos bósnio e palestino. b) Territorializações “tradicionais”, ainda exclusivistas, que não admitem sobreposições de jurisdições e defendem uma maior homogeneidade interna, como a lógica clássica do poder e controle territorial dos Estados nações, tanto daqueles moldados sobre a uniformidade cultural quanto dos Estados pluriétnicos, mas que buscam diluir essa pluralidade pela invenção de uma identidade nacional comum. c) Territorializações mais flexíveis, que admitem a sobreposição (e/ ou a multifuncionalidade) territorial, ora a intercalação de territórios – como é o caso dos territórios diversos e sucessivos nas áreas centrais das grandes cidades, organizadas em torno de usos temporários, entre o dia e a noite (Souza, 1995), ou entre os dias de trabalho e os fins de semana. d) Territorializações efetivamente múltiplas, resultantes da sobreposição de funções, controles e simbolizações, como nos territórios pessoais de alguns indivíduos globalizados que se permitem usufruir do cosmopolitismo multiterritorial das grandes metrópoles. Essa multiplicidade territorial é variável também de acordo com o contexto cultural e geográfico, encontrando-se desde territórios como “abrigo”, muito concretos, entre populações cujos parcos recursos de sobrevivência fazem com que ainda dependam diretamente de alguns aportes físicos do meio, até territórios vinculados ao ciberespaço, em que o controle é feito através dos meios informacionais os mais sofisticados – como alguns empresários

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capazes de exercer grande parte do controle de suas firmas (grandes fazendas, por exemplo) à distância, através do computador. No caso da organização terrorista Al Qaeda é possível perceber como eles fazem uso de vantagens de todos esses tipos de territorialização ao mesmo tempo (Haesbaert, 2002b). É como se a cada momento, através desses múltiplos territórios, seus membros (ou seus chefes, pelo menos) pudessem acionar os “ritmos” territoriais que estrategicamente mais lhes favorecessem. À multiplicidade justaposta (e muitas vezes hierárquica) visível até o terceiro desses conjuntos de territorializações, devemos destacar a efetiva “multiterritorialização” visível no último tipo, resultante não apenas da sobreposição ou da imbricação entre múltiplos tipos territoriais (o que inclui territórios-zona e territóriosrede), mas também de sua experimentação/reconstrução de forma singular por cada indivíduo, grupo social ou instituição. A essa reterritorialização complexa, em rede e com forte conotação rizomática (Deleuze e Guattari, 1980), ou seja, nãohierárquica, é que damos o nome de multiterritorialidade. As condições para sua realização incluiriam a maior diversidade territorial (daí o papel das grandes metrópoles como loci privilegiados em termos dos múltiplos territórios que comportam), uma grande disponibilidade/acessibilidade de/a redes-conexões (quer dizer, uma maior fluidez do espaço), a natureza rizomática ou pouco hierarquizada dessas redes e, anteriores a tudo isso, a abertura cultural, a liberdade (individual ou coletiva) e a situação sócioeconômica para efetivamente usufruir e/ou construir essa multiterritorialidade. Multiterritorialidade (ou multiterritorialização, se quisermos destacá-la enquanto movimento, ação ou processo) implica assim a possibilidade de acessar ou conectar, num mesmo local e ao mesmo tempo, diversos territórios, o que pode se dar tanto através de uma “mobilidade concreta”, no sentido de um deslocamento físico, quanto “informacional”, no sentido de acionar diferentes territorialidades mesmo sem deslocamento físico, como em algumas experiências proporcionadas através do chamado ciberespaço. A existência do que estamos aqui denominando de multiterritorialidade, no sentido de construir um território efetivamente múltiplo, não é exatamente uma novidade, pelo simples fato de que, se o processo de territorialização parte do nível individual, toda relação social implica uma interação territorial, um entrecruzamento de diferentes territórios. A principal novidade é que hoje temos uma diversidade ou um conjunto de opções muito

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maior de territórios/territorialidades com os quais podemos “jogar”, uma velocidade (ou facilidade) muito maior (e mais múltipla) de acesso e trânsito por essas territorialidades – elas próprias muito mais instáveis e móveis – e, dependendo de nossa condição social, temos também muito mais opções para desfazer e refazer constantemente essa multiterritorialidade. Não se trata, porém, de uma transformação meramente quantitativa: mais alternativas territoriais, maior facilidade de acesso, maior velocidade de mudança. Há uma transformação qualitativa, envolvendo aquilo que já comentamos como sendo a nossa nova experiência de tempo-espaço, mais fluida, e que inclui a compressão ou o desencaixe espaço-temporal – mergulhada nas distintas “geometrias de poder”, profundamente diferenciadas de acordo com as classes sociais e os grupos culturais a que pertencermos. Essa nova articulação territorial em rede dá origem a territóriosrede flexíveis onde o mais importante é ter acesso aos pontos de conexão que permitem “jogar” com a multiplicidade de territórios existente, criando assim uma nova territorialidade. Mas não se trata, também, como no passado, da simples possibilidade de “acessar” ou de “ativar” diferentes territórios. Trata-se de fato de vivenciálos, concomitante e/ou consecutivamente, num mesmo conjunto, sendo possível criar aí um novo tipo de “experiência espacial integrada”. Sintetizando, esta nova experiência inclui: •

uma dimensão tecnológica de crescente complexidade, em torno da já comentada reterritorialização via ciberespaço, e que resulta na extrema densificação de alguns pontos do espaço altamente estratégicos;



uma dimensão simbólica cada vez mais importante, onde é impossível estabelecer limites entre as dimensões material e imaterial da territorialização;



o fenômeno do alcance planetário instantâneo (dito em “tempo real”), com contatos globais dotados de alto grau de instabilidade e imprevisibilidade;



a identificação espacial ocorrendo muitas vezes no/com o próprio movimento (e, no seu extremo, com a própria escala planetária).

Há cada vez menos uma territorialidade central ou padrão frente à qual as demais acabavam sempre se referindo, como no caso do Estado nação da modernidade clássica. Aparece, ao mesmo tempo, a possível formação de uma territorialidade-mundo, pela primeira vez na história uma identidade territorial global construída a partir

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de problemáticas que envolvem o mundo como um todo, a começar pelas problemáticas ecológicas. Pelo menos um grupo ainda seleto de pessoas têm o mundo como sua nova referência territorial, a “Terra-pátria” defendida por Morin e Kern (1995). Entretanto, estamos longe de uma multiterritorialidade e/ou de um territóriomundo globalmente difundidos. Muitos são aqueles que ficam à margem do usufruto desse “jogo” de territorialidades e dessa circulação e identificação com o globo terrestre como um todo. Processos sociais e componentes espaciais para pensar a regionalização Territórios-zona, territórios-rede, multiterritorialidade: em que estas concepções podem contribuir para uma nova regionalização do mundo e, mais especificamente, do Brasil? Devemos partir do pressuposto de que regionalização não é apenas o produto de nosso exercício acadêmico de identificação de “regiões” enquanto recortes coerentes, representativos de uma sempre problemática “diferenciação de áreas”, mas um processo social complexo de formação de contextos regionais – contextos que não se resumem à “lógica areal” ou zonal (como nos tradicionais territórios-zona), mas que incorporam, de forma não-dicotômica, a “lógica reticular” ou das redes (como nos territórios-rede) e a “i-lógica” dos processos de exclusão que produzem aquilo que denominamos “aglomerados humanos de exclusão”. (Haesbaert, 1995) Sabemos que a região, tal como o território, nunca foi simplesmente uma área relativamente homogênea e com limites claramente estabelecidos. Mesmo na obra do autor que é considerado o primeiro grande clássico da Geografia Regional, Paul Vidal de La Blache, encontramos não só as regiões-área dotadas de homogeneidade interna, eternizadas na figura nostálgica do “pays” numa França rural em profunda mudança, mas também a “região nodal” ou de influência das cidades, regida pelas redes urbanas (La Blache, 1910), e que somente bem mais tarde seria efetivamente difundida na análise regional. Raffestin (1993, 1988) estabelece um ponto de partida interessante para a análise multivariada do território (e, conseqüentemente, da região), ao estabelecer como “elementos do espaço”, baseados na geometria euclidiana, as superfícies, os pontos e as linhas. A partir daí organiza-se o “sistema territorial”, cuja produção combina sempre as seguintes “invariantes”: malhas (também tratadas como “tessituras” na tradução brasileira), nós e redes. Dependendo do momento histórico (e do contexto geográfico,

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acrescentaríamos), haveria o domínio de uma ou outra dessas invariantes. Podemos então partir dessas unidades mínimas ou componentes fundamentais do espaço para compreender não só a desterritorialização mas também os novos processos de regionalização. Devemos enfatizar, contudo, que essas unidades elementares – malhas e/ou zonas, nós e redes – não devem ser entendidas no sentido da métrica topográfica euclidiana (“métrica territorial”, na polêmica nomenclatura utilizada por Lévy, 1991) que trabalha com um espaço bidimensional de pontos, linhas e superfícies, mas no sentido das métricas topológicas mais complexas, únicas capazes de dar conta das relações de poder forjadas na descontinuidade e nos fluxos da compressão espaço-temporal, enfatizando assim a perspectiva relacional do espaço. Malhas ou áreas, nós e redes, entretanto, não esgotam a “formação” territorial e/ou regional. Nem só de “métricas” logicamente estruturadas compõe-se o espaço social contemporâneo. Ele envolve outras dinâmicas, ainda mais instáveis e/ou imprevisíveis, que não são passíveis de identificação em termos de áreas ou de redes, sejam elas arborescentes ou rizomáticas, hierárquicas ou complementares. O principal processo social responsável por esses “espaços de instabilidade” é o que chamamos de exclusão ou, como prefere Martins (1997), inclusão precária, já que exclusão não deve ser vista como um movimento dicotômico ou alheio às dinâmicas de precarização da inserção social5. Nossa proposta para a incorporação dessas dinâmicas de inclusão ou, numa perspectiva geográfica, de territorialização precária, de grupos sociais mergulhados numa geografia instável de territórios confusamente delimitados, seja na forma de áreas de controles sobrepostos e/ou de redes em constante mudança (como as do narcotráfico e do poder “oficial”), foi a criação de um terceiro elemento ou “tipo ideal”, ao lado dos territórios-zona e dos territóriosrede: aquilo que denominamos “aglomerados humanos de exclusão”. Esses “aglomerados”, bem representativos dos níveis mais pronunciados da “desterritorialização” contemporânea6, seriam marcados por características representativas dos processos de exclusão sócio-espacial ou de des-territorialização precária em que estão inseridos, como: •

a instabilidade e/ou a insegurança sócio-espacial;



a fragilidade dos laços entre os grupos sociais e destes com o seu espaço (tanto em termos de relações funcionais quanto simbólicas); 185 185

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a mobilidade sem direção definida, como em muitos fluxos de refugiados, ou a imobilidade sem efetivo controle territorial (aquilo que autores como Hughes [1990] e Lash e Urry [1994] denominam “gueto imobilizado”).

Essas características gerais permitem identificar os diferentes tipos de aglomerados de exclusão de acordo com os grupos sócioeconômicos e culturais envolvidos, a forma de espacialização (extensão) e o caráter temporal (duração) nos quais são construídos. Castel (2000) também diferencia os “excluídos” numa perspectiva histórica, dando exemplos que vão bem além da sociedade capitalista (a “sociedade salarial”), desde os “intocáveis” nas sociedades tradicionais ou holistas, os leprosos, aos loucos e às “bruxas” na Idade Média até os escravos nas sociedades escravagistas. A partir dessa distinção Castel distingue três subconjuntos ou modalidades de exclusão (ou “desfiliação”) social: o primeiro, que realiza “a supressão completa da comunidade” pela expulsão ou mesmo o genocídio; o segundo, que constrói “espaços fechados e isolados da comunidade” (o sistema do apartheid, guetos, dispensários, asilos, prisões); e o terceiro, que obriga determinadas categorias da população a um “status especial que lhes permita coexistir na comunidade, mas com a privação de certos direitos e da participação em certas atividades sociais”. (Castel, 2000:39) Embora dominados hoje pelo terceiro tipo, consideramos que os dois primeiros também estão presentes e devem ser ressaltados. Podemos afirmar que um primeiro tipo de aglomerado de exclusão, relacionado à “modalidade mais radical” de exclusão, é aquele que envolve processos em que exclusão e barbárie acabam muitas vezes se confundindo7. Trata-se assim de um tipo muito específico de exclusão, bem além da “clássica” exclusão sócio-econômica, já que “bárbaros” constituiriam antes de tudo uma forma de representação social que distingue nitidamente “nós” e os “Outros”. Ao contrário da “barbárie” perpetrada pelo Estado nazista, por exemplo, Offe atenta para o fato de que, hoje, a maior parte dos fenômenos “bárbaros” é de origem não-governamental ou ocorre em “Estados em ruínas”, como Bósnia, Somália e Ruanda. Ele distingue duas conseqüências da “barbárie”, uma decorrente “de uma aplicação ‘real’ de violência física ou simbólica”, e outra “que resulta da negação de direitos ou recursos materiais” (:26). Enquanto a segunda encontra-se mais relacionada aos processos mais típicos de exclusão, a primeira se refere à forma específica que estamos agora enfatizando. É importante destacar que, para o autor, isso não quer dizer que a segunda seja “mais inocente” do que a primeira.

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A violência indiscriminada é um elemento fundamental, portanto, para entendermos este outro tipo de aglomerado que surge em meio à “barbárie pós-moderna”. Além da própria exclusão sócioeconômica, um dos principais fatores que alimenta esse processo é o que denominamos de “etnicização do território”, a delimitação de espaços exclusivos-excludentes onde a identidade étnica é um elemento central na definição do grupo e de seu território. A exclusão do Outro pode transitar entre a sua completa dizimação (primeira modalidade de exclusão) e a sua reclusão em espaços quase completamente vedados (segundo tipo de exclusão). A segunda modalidade de exclusão reconhecida por Castel, “a relegação em espaços especiais”, é bem mais disseminada – nos países centrais, não tanto no contexto europeu mas principalmente entre a “underclass americana”. (Castel, 2000:44) A ela podemos relacionar um outro tipo de aglomerado, mais coeso ou externamente delimitado, “sob controle” (de quem desterritorializa os seus componentes), como nos processos de grupos que são “desterritorializados na reterritorialização” (comandada por outros), como nas prisões, campos de concentração e em muitos bantustões sul-africanos da época do apartheid (e hoje reproduzidos parcialmente na fragmentação e cercamento dos territórios palestinos por Israel). Aqui fica evidente a proximidade com que podem aparecer (e mesmo se confundir) os aglomerados de exclusão e os territorialismos (fechamento em territórios-zona estanques), um “alimentando” o outro. Os aglomerados mais típicos, entretanto, que denominaremos de “aglomerados de massa”, de mais difícil delimitação, aparentemente “incontroláveis”, envolvem grande número de pessoas e encontram-se mergulhados em situações de crise (conjunturais ou mais prolongadas) onde há uma grande confusão de territórios-zona e territórios-rede, como no caso típico de alguns movimentos de refugiados em situação de grande instabilidade e insegurança. Aqui encontramos parte daqueles que Castel denomina excluídos pela “atribuição de um status especial a certas categorias da população”. (2000:46) Apesar de priorizarmos o caráter de “massa” destes aglomerados, devemos reconhecer que existe também a possibilidade de manifestações mais difusas ou “atomizadas” e dispersas, nas quais a denominação não se revela muito adequada, como entre pequenos grupos de sem teto ou mendigos em cidades dos países centrais. Nesses aglomerados “de massa” em seu sentido mais extremo, que também podem se confundir com situações mais radicais de exclusão (pois as fronteiras entre os três tipos são tênues), os grupos 187 187

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de indivíduos podem ser vistos no sentido mais extremo de “população” e de biopoder de Foucault (2002), muitas vezes importando basicamente (para os grupos hegemônicos) como entidades biológicas, pelo seu número (expresso em índices como mortalidade, natalidade, fecundidade) e, podemos acrescentar, pela “área” física que ocupam e/ou pela mobilidade que potencialmente são capazes de executar (como no caso dos acampamentos de refugiados). Uma das questões centrais que se coloca, então, para os atuais processos de regionalização, é a idéia de exclusão e, com ela, as correspondentes concepções de precarização sócio-espacial e de mobilidade instável das populações. A recente publicação do “Atlas da Exclusão Social no Brasil” (Pochmann e Amorim, 2003), apesar de todas as restrições envolvendo a construção de índices8, deixa muito clara a importância de um panorama espacial das desigualdades sociais-regionais no país (v. mapa). Os “aglomerados de exclusão” ou, mais amplamente, a distribuição geográfica dos processos de exclusão, criam aquilo que Allen et al. (1998) denominaram, para o caso do Sul da Inglaterra, “região com buracos”. O mapa da exclusão social no Brasil evidencia bem este fenômeno, invertendo-se claramente do Sul para o NorteNordeste: enquanto no Grande Sul (que se expande pelas áreas agro-industriais do Centro-Oeste) temos uma “região” mais integrada ou conectada com “buracos” de exclusão, no NorteNordeste temos uma “região” de exclusão com “buracos” mais integrados ou conectados”. Ao lado da inclusão precária que produz os “aglomerados de exclusão”, ou melhor, completamente imbricadas, encontramos ainda as dinâmicas sócio-políticas (e culturais) que, geograficamente melhor delimitadas, produzem um outro tipo de espacialidade (ou de territorialidade), aquela ligada à definição de zonas e limites. Aqui, trata-se da criação de territórioszona, muitas vezes a única forma de garantir a sobrevivência de certos grupos – caso das reservas indígenas, ou a preservação de determinadas dinâmicas – incluindo aí a chamada dinâmica ambiental, como no caso das reservas naturais. Por fim, mas talvez como os mais importantes, temos os processos sociais que espacialmente só se reproduzem na forma de rede, ou de territórios-rede, como é o caso das grandes empresas e de grupos migratórios em diásporas. Aqui está provavelmente o maior desafio para os atuais processos de regionalização, tradicionalmente mais preocupados com as lógicas sociais de caráter espacialmente zonal do que com as lógicas de padrão reticular. Quando enfatizavam as redes, as regionalizações

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Desterritorialização, Desterritorialização,Multiterritorialidade Multiterritorialidade ee Regionalização

– no sentido de método de análise – acabavam sempre, de algum modo, circunscrevendo “zonalmente” essas redes, como no caso das conhecidas “regiões funcionais urbanas”. Nesse caso, apesar de admitirem sobreposições, essas regiões eram claramente posicionadas em relação a um centro que hierarquicamente as comandava.

* quanto maior o índice melhor a situação social

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Hoje, com a proliferação de redes de outros tipos, chamadas complementares ou rizomáticas (sem um centro ou hierarquia definida), e diante do fenômeno da compressão tempo-espaço, fica muito mais difícil estabelecer “áreas de influência” mais coerentes, no sentido de sua contigüidade. Um exemplo muito interessante, para o caso brasileiro, é aquele da rede que os migrantes sulistas construíram no interior do país, do Sul ao Centro-Oeste e a algumas áreas do oeste nordestino e sul amazônico, e que denominamos “rede regional” gaúcha (Haesbaert, 1997). Podemos dizer que ela subverte todos os princípios tradicionais de regionalização do país, inclusive aqueles das redes urbanas, constituindo-se num fenômeno suficientemente expressivo para ser ignorado pelas novas regionalizações. Trata-se, assim, de considerar aquele que pode ser o mais novo e difícil desafio da regionalização: admitir a necessidade de “regionalizar” não só em termos de territórios ou regiões-zona, mas também em termos de redes, e não apenas de redes espacialmente circunscritas, mas efetivamente de “redes regionais” (como a rede gaúcha) ou “internacionais” (como as grandes diásporas) que incorporam diferentes pontos ou áreas (territórios-zona numa escala mais micro), de forma descontínua, ao longo de todo o território nacional – ou , no caso das diásporas, de diferentes países ao redor do mundo. Desse modo, em estudo anterior chegamos até mesmo a propor uma “regionalização global [ou nacional, no caso brasileiro] em rede”: (...) uma proposta interessante seria realizar uma “regionalização global em rede”, onde poderíamos distinguir territórios-rede de múltiplos agentes, como os que envolvem as grandes diásporas de imigrantes, os circuitos do narcotráfico, do contrabando, do sistema financeiro, do turismo internacional etc. Eles funcionam integrados ao sistema-mundo mas têm importantes especificidades que permitem uma leitura geográfica particular de suas atuações. (Haesbaert, 1999:31)

Isso significa considerar especialmente aquelas redes que incorporam o tipo de fluxo mais relevante, que é o fluxo de pessoas. A crescente e complexa dinâmica migratória vem portanto se somar às dinâmicas de exclusão social (ou de inclusão precária) como um dos principais dilemas a serem enfrentados pelo geógrafo em seus exercícios de regionalização. Na verdade a grande questão é como regionalizar considerando a interseção entre lógicas reticulares (redes e territórios-rede), zonais (territórios-zona) e a i-lógica daquilo que denominamos “aglomerados”, especialmente os aglomerados humanos resultantes dos processos de exclusão sócio-espacial. A

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Desterritorialização, Desterritorialização,Multiterritorialidade MultiterritorialidadeeeRegionalização Regionalização

“condição regional” seria dada por uma combinação particular entre “zonas”, “redes” e “aglomerados” que expressaria, assim, a especificidade de cada região. Sem cair numa “geografia unilateral dos fluxos” ou mesmo “das redes” que reduz o mundo a uma fluidez ou desterritorialização indiscriminada, como se a única propriedade do espaço social fosse a da descontinuidade dos processos de presença-ausência promovidos pela compressão tempo-espaço, uma nova regionalização deve incorporar a diversidade de espaços-territórios produzidos na pós (ou ultra) modernidade (os “múltiplos territórios” existentes no mundo contemporâneo), cientes de que, muito mais do que o universo globalizado de comunicação e mesmo ação à distância, vivemos o mundo do acirramento das desigualdades, da exclusão (ou da inclusão precária) crescente e da mobilidade complexa que participa da configuração regional re-produzindo relações de poder profundamente desiguais. o0o Notas 1

Sobre diferença de natureza e diferença de grau em Bérgson ver a obra de Gilles Deleuze, “Bergsonismo”. (Deleuze, 1999[1966])

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“A ausência permanece contida na rede da presença de modo muito semelhante àquele em que a pós-modernidade permanece dentro da órbita da modernidade e é definida por ela”. (Shields, 1992:188)

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Moreira (1993) utiliza a interessante metáfora do espaço como “o corpo do tempo” para definir essa indissociabilidade.

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Apesar de ser essa a opinião, na verdade um acréscimo feito por Michel Lussault, expressa em nosso verbete “Déterritorialisation” (Haesbaert, 2003:245).

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Sobre o polêmico tema da exclusão-inclusão social, além de Martins, ver especialmente Castel (1998, 2000) e Silver (1994).

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Entendemos desterritorialização a partir das desigualdades e da diferenciação espaciais (ou seja, enquanto exclusão ou precarização sócio-espacial, tanto no sentido econômico quanto cultural). Outros autores, ao reconhecerem a desterritorialização tão somente do ponto de vista da relação de presença e ausência no espaço, consideram a elite global como estando “desterritorializada”, quando na verdade sua mobilidade (funcional e simbólica) corresponde a uma reterritorialização muito bem definida, em territórios-rede globalmente articulados, conectando sempre os mesmos locais, como hotéis, restaurantes, centros de convenções etc.

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Sobre a imensa variedade de usos da palavra “barbárie”, ver Offe, 1996. Para o autor, apesar do sentido passe-par-tout que o termo adquire, é relevante distinguir entre o seu uso “interno” e “externo”, no

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Rogério Haesbaert interior ou anterior e fora do âmbito da civilização. No primeiro caso os “bárbaros” são “um fenômeno geográfico e histórico”, pertencem a um espaço-tempo remoto e longínquo (:20). No segundo caso, barbárie refere-se a um “aqui e agora” de “abdicação da civilidade, uma súbita recaída” (:20-21), que autores como Weber e Benjamin associam à destruição ou ocaso de uma cultura e ao banimento do seu passado. Em síntese, os bárbaros são ou “os radicalmente outros”, ou estão dentro de nós mesmos, como “as partes violentas de nosso ser coletivo” quando “desaprendemos nossa linguagem”. (:21) 8

O “índice de exclusão social” da referida publicação, por exemplo, reúne os componentes “padrão de vida digno”, “conhecimento” e “risco juvenil” e os indicadores pobreza, emprego formal, desigualdade, anos de estudo, alfabetização, concentração de jovens e violência, cada um, também, com seu respectivo índice.

o0o Referências Bibliográficas ALLEN, J. et al. 1998. Rethinking the Region. London: Routledge. CASTEL, R. 1998 (1995). As metamorfoses da questão social. Petrópolis: Vozes. _________. 2000 (1995). As armadilhas da exclusão. In: Castel, R. et al. Desigualdade e a Questão Social. São Paulo: Educ. CHIVALLON, C. 1999. Fin des territories ou necessité d’une conceptualization autre? Géographie et Cultures n. 31. DELEUZE, G. 1999 (1966). Bergsonismo. Rio de Janeiro: Ed. 34. DELEUZE, G. e GUATTARI, F. 1980. Mille Plateaux (Capitalisme et Schizophrenia 2). Paris: Éditions de Minuit. FOUCAULT, M. 2002 (1976). Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes. GIDDENS, A. 1990. The Consequences of Modernity. Stanford: Polity Press. HAESBAERT, R. 1995. Desterritorialização: entre as redes e os aglomerados de exclusão. In: Castro, I. et al. (orgs.) Geografia: Conceitos e Temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. _________. 1997. Des-territorialização e Identidade: a rede “gaúcha” no Nordeste.Niterói: EdUFF. _________. 1999. Região, Diversidade Territorial e Globalização. GEOgraphia n. 1. Niterói: Pós-Graduação em Geografia. _________. 2001. Da Desterritorialização à Multiterritorialidade. Anais do IX Encontro Nacional da ANPUR. Vol. 3. Rio de Janeiro: ANPUR. _________. 2002a. Fim dos territórios ou novas territorialidades? In: Lopes, L. e Bastos, L. (org.) Identidades: Recortes Multi e Interdisciplinares. Campinas: Mercado de Letras. _________. 2002b. A multiterritorialidade do mundo e o exemplo da Al Qaeda. Terra Livre n. 7. Associação dos Geógrafos Brasileiros. _________. 2003. Detérritorialisation. (verbete) In: Lévy, J. e Lussault, M. (orgs.) Dictionnaire de Géographie et de l’espace des sociétés. Paris: Belin. HARVEY, D. 1989. The Condition of Postmodernity. Oxford: Blackwell.

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REGIONALIZAÇÃO:

FATO E FERRAMENTA

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Ajustando lentes Inicialmente procuramos definir ângulos de leitura do seminário que contemplassem o fenômeno – a regionalização – e as diferentes formas assumidas por seu questionamento durante o evento. Por outro lado, também buscamos esclarecer diretrizes analíticas da síntese aqui apresentada. Tais diretrizes encontraram abrigo na diferença entre a regionalização como fato, que independe da ação hegemônica do presente, e a regionalização como ferramenta desta ação na atual conjuntura. Convém esclarecer, ainda, que entendemos por ação hegemônica aquela conduzida pelas forças econômicas e políticas que dominam o território brasileiro, expressivas da aliança entre agentes externos e internos e condutora de numerosas e difusas ações subalternas ou subalternizadas. Na contra-face dos desígnios da ação hegemônica, temos tanto as formas de resistência, por vezes em confronto apenas com agentes secundários, como dinâmicas sociais que escapam aos mecanismos de controle que garantem a expansão da territorialidade dominante. A regionalização como fato O estudo da regionalização como fato, expressiva da gênese e da estruturação de regiões, depende da reconstrução histórica dos múltiplos processos que movimentaram e limitaram a ação hegemônica, como tão exemplarmente demonstrado por Francisco de Oliveira em Elegia para uma re(li)gião: Sudene, Nordeste, planejamento e conflito de classes. É exigida, neste estudo, a * Agradecemos a Ester Limonad a atenta leitura das primeiras anotações deste texto e as valiosas contribuições recebidas para a sua revisão.

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Regionalização: Regionalização: fato fato ee ferramenta

consideração do dinamismo econômico e das relações de classe na sociedade brasileira, assim como da evolução histórica do aparelho de governo. Trata-se da reflexão simultânea da estrutura espacial e da dinâmica sócio-econômica e político-jurídica da formação social brasileira. As práticas sociais, afinal, dependem das circunstâncias e das condições (materiais e imateriais) que enfrentam. Da mesma forma, estas práticas encontram limites associados à dinâmica da totalidade, em contínua e instável configuração. São os limites, intrinsecamente relacionados à técnica, que constroem fronteiras e que informam sobre a natureza dos projetos que conduziram a ação hegemônica, em seu confronto com outras ações: dos agentes que disputaram seus conteúdos ou aquelas que, tantas vezes apenas na escala do cotidiano, opuseram-se à sua (desejada ilimitada) afirmação. Desta maneira, a regionalização como fato encontra-se vinculada aos jogos dinâmicos da disputa de poder, inscritos nas diferentes formas de apropriação (construção e uso) do território. A pesquisa desta regionalização, que depende de articulações espaço-temporais de longo curso, exige, como tantas vezes defendido por Milton Santos, o apoio metodológico da periodização (Cf Santos e Silveira, 2001; Ribeiro, 2001). Este apoio é indispensável à própria compreensão de sentidos da ação: hegemônica e de resistência e/ ou autônoma. Aliás, a periodização ao mesmo tempo precede e resulta da interpretação de fatos. Ilumina, portanto, a decantação histórica das condições que possibilitam dizer da existência de homogeneidades nas relações sociais de (re)produção e na hierarquia político-espacial da sociedade brasileira. É a longa sedimentação de processos que emerge, por exemplo, na idéia de civilização associada a determinadas produções, como demonstram a civilização do açúcar na obra de Gilberto Freyre (1937; 1946) e a civilização do milho no trabalho clássico de Antonio Cândido, Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira e a transformação dos seus meios de vida. Neste estudo, aliás, são belamente reconstruídas e analisadas tanto a resistência das práticas tradicionais como a transformação que ameaça estas práticas. A tensão entre conservação e mudança / modernização manifesta-se na dissolução dos elementos culturais de modos de vida autônomos, pela intervenção dos elementos, desigualmente atuantes na área estudada, da forma dominante (urbano-industrial). Portanto, a análise de região correlata à regionalização como fato mobiliza interpretações que tocam, profundamente, as condições historicamente construídas da reprodução social. Com esta afirmação, desejamos, somente, valorizar remetimentos mais

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amplos, culturais e históricos, da questão regional, sem que esqueçamos que a regionalização como ferramenta sempre sustentou a ação hegemônica. Como compreender de outra maneira a cartografia da colonização? Regionalização como ferramenta No livro antes citado, Francisco de Oliveira demonstra os elos existentes entre a regionalização como fato e a regionalização como ferramenta, quando esta última assume a forma-conteúdo, historicamente determinada, do planejamento conduzido pelo Estado. Ambas regionalizações produzem e expressam a questão regional e, portanto, a região como espaço herdado e como dinâmica política plena. Aliás, após a rica contribuição de Pierre Bourdieu (1989) à reflexão das regiões, sabemos que a própria homogeneidade relativa, que caracteriza a unidade analítica e prática da região, resulta de simplificações e reduções estratégicas, relacionadas à arregimentação de forças sociais e a táticas discursivas: lutas por poder e prestígio, influências científicas e difusão desigual do conhecimento técnico. A regionalização, como fato e como ferramenta, envolve ideologia e recursos políticoadministrativos. Levantamos, neste texto, a possibilidade de que as duas faces da questão regional – a construída pela regionalização como fato e a que expressa a regionalização como ferramenta – são, em geral, desigualmente valorizadas pelos campos disciplinares e correntes de pensamento que constróem, atualmente, a problemática do território. É esta desigualdade que explica, ao nosso ver, os diferentes registros discursivos do seminário. Não se trata, apenas, de recortes temáticos mas, também, de escolhas analíticas e opções teóricas, como exemplificam os trabalhos que manifestam influências da geoeconomia, da geografia cultural ou da antropogeografia. Evidentemente, não se trata, aqui, de um exercício de classificação de textos / autores mas, de observar tendências que possam ser úteis à reflexão crítica do presente. A difusão do denominado, por Milton Santos (1994), meio técnicocientífico informacional e as recentes transformações na produção e na organização dos mercados, dependentes deste meio, expressam a presentificação (Santos, 1996), cada vez mais impositiva, tecnicamente informada e onipresente. Rompem-se as seguras fronteiras disciplinares e as barreiras espaço-temporais que protegiam os ritmos da regionalização como fato, sugerindo que o desenho do seminário correspondeu a uma correta opção. Como

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preservar em escaninhos seguros, por exemplo, a geopolítica e a antropogeografia? Numa conjuntura marcada pela transformação da eficácia em meta política; pela mutação da cultura em mercadoria; pela imposição do agir instrumental e estratégico e pelo desvendamento contínuo de contextos de inovação, a regionalização como ferramenta adquire extraordinário destaque, o que explica a sua utilização pelos agentes econômicos hegemônicos, desestabilizando a estrutura espacial do país. Porém, a relevância da regionalização como ferramenta depende do conhecimento da regionalização como fato, já que desta advém recursos essenciais tanto à vida como ao lucro. Dela, também dependem as resistências sociais à ação hegemônica, o que traz a obrigação do enfrentamento do enigma da regionalização democrática, ou seja, da socialização do direito de estabelecer fronteiras e divisões. Nesta direção, a geografia, aberta ao diálogo com outras ciências sociais, encontra-se convidada, como demonstrado no seminário, a rever algumas das suas heranças e, ainda, a contribuir nas articulações socialmente justas da regionalização como fato com a regionalização como ferramenta. É nesta direção que podemos reler, por exemplo, o livro de Bertha Becker Geopolítica da Amazônia: a nova fronteira de recursos, predominantemente dedicado ao estudo dos atores políticos e agentes econômicos capazes de construir estrategicamente o território adequado à realização dos seus desígnios. Trata-se de uma obra dedicada à análise da regionalização como ferramenta e, em consonância com a época em que foi elaborada, de uma ferramenta retida em mãos do Estado. Já no trabalho desta coletânea, a autora registra transformações na questão regional, trazidas pela resistência social, pelo esgotamento do nacional desenvolvimentismo e pela pressão ambientalista internacional e nacional. Nos movimentos do presente, a região como ferramenta é disputada pelo Estado, pelas corporações e pelos movimentos sociais, sendo também contestada nos conflitos territoriais, relacionados à afirmação, em diferentes escalas, de novos sujeitos e redes sociais, o que pode ser melhor apreendido em áreas de fronteira. Nestas áreas, a complexidade assume, por vezes, a fisionomia da questão ambiental e, como demonstra José de Souza Martins em Fronteira: a degradação do Outro nos confins do humano, as dimensões profundas das lutas interétnicas e entre tempos históricos. Nos confrontos entre as denominadas frente de expansão e frente pioneira, este autor reconhece os custos sociais da expansão do capitalismo no país e a destruição de tradicionais modos de vida.

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Nesta obra, José de Souza Martins constrói sintonias com os dominados e excluídos e também denuncia a destruição do Outro. Ao citar os trabalhos de Bertha Becker e José de Souza Martins, pretendemos recordar tensões discursivas, opções temáticas e desafios analíticos que foram tratados, citados ou tangenciados nos trabalhos debatidos durante o seminário. Afinal, a intenção propositiva do evento encontra-se exposta em seu título, o que possibilita a formulação das seguintes perguntas: Qual é a nova regionalização desejável? Quem a defenderá? Na busca de tratamento para estas perguntas, julgamos pertinente aproximarnos, da forma mais detalhada possível, dos trabalhos debatidos. O fenômeno da regionalização A noção de regionalização é nitidamente polissêmica. O termo refere-se, mais do que à efetiva existência de regiões, à capacidade de produzí-las, o que inclui o acionamento de ideologia, com apoio, por exemplo, em dados da paisagem, valores culturais compartilhados ou critérios político-científicos que legitimem fronteiras e limites. O reconhecimento de regiões fundamenta-se, como afirmado por Pierre Bourdieu (op cit), na naturalização de relações sociais, baseada em processos que ocultam diferenças e interesses. Atualmente, talvez seja justo dizer que a acirrada disputa entre agentes da regionalização dificulta a, até recentemente, segura preservação deste ocultamento. Emergem assim perguntas do tipo: Para que regionalizar? Indagação realizada por Ester Limonad** na abertura do seminário, a partir da história do planejamento. Esta pergunta também surge na contribuição de Cláudio Egler, quando valoriza as dimensões institucionais da questão regional. É necessário salientar que a estratégica conjugação entre regionalização como fato e regionalização como ferramenta, trazida pela presentificação, envolve as seguintes mudanças, identificadas no seminário: 1.

aumento da reflexividade e da influência da ação instrumental na formulação da questão regional, o que traz, como assinala Egler, mudanças significativas nos arranjos institucionais responsáveis pela regionalização;

2.

intensificação dos vínculos entre território, economia e política, conforme propõe Rogério Haesbaert ao ressaltar as diferentes modalidades de territorialização da ação social.

** Na primeira citação dos autores, serão apresentados nomes completos e, a seguir, apenas o último sobrenome.

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Com estes elementos, podemos dizer que, realmente, a problemática da regionalização possui duas faces, instavelmente conectadas. Na primeira, regionalizam-se atores, interesses e instituições e, na segunda, atores, interesses e instituições reconhecem, valorizam e formalizam regiões. O reconhecimento destas faces, mutuamente condicionadas, estimula o retorno à tradicional (e angustiante) questão: o que é, afinal, uma região? Qual é a mais útil e correta definição de região? Estas perguntas assombraram geógrafos, planejadores e outros cientistas sociais até o momento de sua secundarização nos estudos do território. O que explica esta secundarização? Um caminho de resposta a esta indagação é oferecido pela própria escolha temática do seminário: não mais a região e, sim, a regionalização. O que significa esta troca temática? É impossível, nos limites deste texto, ensaiar a resposta a essa última pergunta. Podemos, no entanto, elencar alguns processos que talvez ajudem a refletir a alteração temática registrada. São eles: (1) – o atual predomínio do pensamento estratégico, do qual o chamado planejamento estratégico é uma das manifestações mais instrumentais; (2) – o nível de desnaturalização alcançado na questão regional, cujas causas encontram-se em mudanças na ação hegemônica e nas reivindicações sociais que visam o resgate de identidades culturais desvalorizadas pela modernização; (3) – a crise do planejamento territorial implementado pelo Estado, em decorrência da globalização da economia, da reestruturação produtiva e da disputa da ação planejadora por grandes agentes econômicos e agências multilaterais de desenvolvimento; (4) – os avanços na técnico-ciência, que modificam a identificação de recursos e conteúdos da inovação. Podemos dizer, com base nos processos citados, que a região expressa a área formada pela articulação entre verticalidade (ordens, comandos) e horizontalidade (cooperação, conflitos locais, cotidiano) (Santos, 1996); entre fluxos e estrutura sócio-espacial; entre identidade / homogeneidade e a identificação, pela consciência social, do que é diferente ou oposto. A região corresponde ao extenso de uma forma social (Santos, 1986), ao corpo de relações sociedadenatureza, incluindo: organização social, cultura e decisão política. Nesta direção, Roberto Monte-Mór contribui, para a compreensão atualizada da região, ao tratar a forma sócio-espacial e articular rede urbana e região na Amazônia. Devemos acrescentar que os termos organização, cultura e política precisam ser acompanhados de complementos que explicitem conteúdos societários da própria região e, portanto, dos 199

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atos que a originam: empresarial, popular, étnica, progressista, regressiva, oligárquica, administrativa. A região converte-se, assim, em uma expressão espacial dos interesses e das práticas de distintos agentes e, também, da influência exercida por diferentes esferas da vida coletiva. Com esta definição (provisória) de região, cabe indagar: o que é regionalizar? Quais são os atos que permitem a regionalização progressista? Quais são as regionalizações que devem ser recusadas, por serem portadoras de destruição de modos de vida e do acesso a recursos indispensáveis à reprodução social? Em resposta a estas últimas perguntas, parece-nos possível adiantar, mesmo que a grosso modo, que o ato regionalizador compreende a institucionalização de fronteiras e limites, com vistas à implementação de uma determinada ação: analítica, política, econômica, enfim social. Trata-se da definição do cenário, do contexto e da escala correspondentes aos objetivos da ação, implementada ou pretendida. Regionalizar envolve: espaço – tempo - ação social e, portanto, sujeitos e conflitos sociais. O reconhecimento do tempo é, sem dúvida, indispensável à compreensão da ação, como antes dito com relação à periodização. Em defesa do tempo e do compromisso com a indissociabilidade entre forma e conteúdo, temos a contribuição de Monte-Mór, que destaca, no estudo da região, a heterogeneidade multi-temporal e as combinações sócio-espaço-temporais. Quase em consonância com este autor, Sandra Lencioni alerta-nos para os diferentes tempos nos lugares. Haesbaert, por sua vez, relaciona espaçotemporalmente presença–presente (presença aqui-espacial; presença agora-temporal), abordando o diálogo entre a cogniscibilidade do espaço e do tempo e ressaltando os ritmos territoriais. Na referência à relação espaço-tempo-ação social, o cotidiano foi valorizado por Jorge Barbosa; a relação entre território e movimento foi reconhecida por Ivaldo Lima e a relação espacial entre dinamismo e estagnação foi tratada por Limonad. De fato, regionalizar pressupõe poder, de duas naturezas distintas: em primeiro lugar, o poder de criar e estabelecer formas espaciais. E, em segundo lugar, o poder de institucionalizar (e garantir permanência a) estas formas. Enquadram-se, aí, tanto a própria construção da região, como apresenta Egler, quanto as diferentes regionalizações que permitem a sua consolidação, como assinala Limonad. Mas, o que é poder? Max Weber (1997) propõe, como uma das dimensões essenciais do poder, aquela que corresponde ao poder de dispor (de terras, funcionários, técnicas, recursos de

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convencimento, armas). Com esta orientação, seria possível indagar: Quem detém o poder de dispor? Como se manifesta, cultural e juridicamente, este poder? A partir de Marx (1968), por sua vez, torna-se possível realizar a decomposição analítica do poder: econômico, político, religioso, militar, administrativo, cultural, social. Esta decomposição, correspondente à dinâmica histórico-concreta das classes sociais, orienta a análise de conjuntura que, por sua vez, permite apreender sentidos da ação. Desta orientação, surgem novas perguntas: Qual tipo de poder sustenta qual regionalização, ou melhor, quais normas de partição? Como a luta de classes inscreve-se na regionalização? Lembramos que o exercício do poder, em todos os momentos da vida coletiva, pressupõe a espacialização de processos, de ações: da reprodução da família à reprodução da totalidade social. A interpretação das dinâmicas sócio-espaciais, da questão regional e das regionalizações exige análise da natureza do poder envolvido nos atos da regionalização, o que traz à tona a necessidade de resgatar o debate sobre o papel do Estado, como afirma Becker. Em contraste com momentos anteriores da questão regional, manifestam-se, atualmente, as seguintes tendências: ·

a sua radical desnaturalização – as regionalizações conduzidas pelas características topológicas, topográficas e fisiográficas cederam lugar àquelas relacionadas ao monitoramento da ação do homem;

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a sua renaturalização – a absorção da questão ambiental nos processos de regionalização implica, por vezes, na construção de consensos alimentados pela citação de determinantes naturalizados da vida social;

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a sua tecnificação – à medida em que ganham importância as redes materiais e imateriais – como assinalam Leila Dias, Lencioni, Limonad, Egler e Monte-Mór–, os atos regionalizadores alimentam-se do acesso à informação excepcional;

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a sua instrumentalização – a regionalização tem sido utilizada de forma crescentemente precisa em processos estratégicos de tomada de decisão, o que informa sobre a sua relevância na ação instrumental.

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a sua exatidão – relacionada à desnaturalização da questão regional, a exatidão significa a tecnificação do próprio ato regionalizador, o que modifica sentidos políticos da região e, também, a interação entre discurso técnico e senso comum.

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a sua matematização (logística) – a região surge, também, como sistema de movimento (Dias). Devemos ressaltar, neste ponto, 201 201

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as possibilidades de controle dos fluxos oferecidas pela informática. Os vínculos entre regionalização e ação estratégica possuem distintos significados para diferentes atores sociais, conforme explicitado a seguir. Para o Estado, a regionalização guarda os seguintes sentidos fundamentais: (a) - a determinação da qualidade da relação mantida com agentes econômicos, incluindo as apropriações estratégicas de recursos territorializados e as articulações com forças políticas com capacidade de formular a questão regional (Becker); (b) – a determinação da relação com a sociedade, sobretudo no que concerne à distribuição espacial de investimentos, a prestação de serviços e a busca de legitimidade no exercício do poder, como estuda a geografia eleitoral (Cf Souza et al, 2002); e (c) – a determinação da relação com os atores sociais e forças políticas, o que inclui pactos associativos que sustentam o alargamento de fronteiras (ex: Mercosul) (Becker). Para as grandes corporações, a regionalização representa: (a) a garantia de acesso excepcional a recursos raros; (b) – a possibilidade de influenciar a atuação de governos; (c) − a criação de complementaridades indispensáveis à produção; (d) − o controle territorial que assegura investimentos e lucratividade, reduzindo a incerteza característica do mercado globalizado; (e) − o alcance de condições (únicas) de produção, mediante o uso monopolista do território. Por fim, para a ação empresarial em geral, a regionalização significa: criação de nichos de mercado e possibilidade de determinação de regras para a organização do trabalho e do consumo. Já para os atores sociais, a regionalização representa simultaneamente: (a) – uma indispensável informação nas relações sócio-espaciais diárias, na medida em que atos cotidianos reiteram (ou questionam) a configuração espacial dos lugares. Deste ângulo, a regionalização envolve a problemática do espaço vivido (Cf Ribeil, s/d); (b) − um roteiro para a contínua (re)construção da memória, incluindo a influência exercida pelo imaginário social e os desafios de sua transgressão e (c) − uma condição estratégica na resistência à forma social dominante, na construção de alianças políticas e em lutas por recursos territorializados. De fato, as atuais características do ato regionalizador podem ser associadas aos impulsos da hiper-modernidade, o que impõe a valorização analítica dos elos entre regionalização e racionalização das relações sociais. Por outro lado, a regionalização, no atual período histórico, envolve a permanente disputa, entre atores sociais e agentes econômicos, por recursos que permitam garantir a 202 202

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preservação das fronteiras desejadas. Desta luta, resulta a redefinição das arenas e dos atores da regionalização, na medida em que crescem os confrontos entre atos regionalizadores e não apenas entre regiões (Said, 2003). Conforme antes afirmado com base em José de Souza Martins (op. cit.), agudizam-se os conflitos entre diferentes experiências espaço-temporais, ou seja, entre territorialidades. Neste sentido, acrescentamos que a regionalização da hiper-modernidade convive com os espaços herdados de sucessivas modernizações e da prémodernidade e, assim, com questões regionais preservadas pela memória política. Este convívio significa o confronto entre racionalidades de diferentes idades, como demonstram as territorialidades indígena e quilombola, em geral omitidas no debate político do pacto federativo. Becker oferece outro exemplo do confronto entre racionalidades ao citar a água, um recurso cuja disputa tem sido agudizada. De fato, a hiper-modernidade, portadora da racionalização extrema da vida, também faz emergir, com sua radicalidade, a lembrança de antigos caminhos da resistência; a presentificação de passados ocultos e o resgate estratégico de memórias ancestrais. Identificando questões e resultados Sem dúvida, os trabalhos apresentados estimulam a renovação da análise espacial. A observação dos elos entre temas e opções analíticas sugere alguns parâmetros que articulam dois ou mais textos. Apresentamos estes parâmetros a seguir, preferindo citálos, por sua natureza metodológica, na forma de grandes perguntas:

I. Por que os estudiosos do espaço resistem à exclusiva orientação da hipermodernidade? A resistência à hiper-modernidade, ao avanço do capitalismo globalizado, expressa compromissos com o conhecimento do território e a valorização do espaço banal, especialmente relevante para a ação não-hegemônica (Santos, 2000). Estes compromissos envolvem o reconhecimento do complexo, assim como a oposição às forças econômicas que buscam o alisamento dos lugares, a desapropriação de bagagens culturais e a redução de diferenças identitárias. Trata-se da resistência à matematização do mundo, encontrada em tantas partições do território conduzidas por exclusiva ênfase na economia. É contra as partições que omitem a sociedade que precisam ser valorizados a circulação e o intercâmbio. Porém, não 203 203

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basta realizar o exame dos fluxos. É necessário, também, considerar as rugosidades (Santos, 1996), o peso especifico das práticas sociais e a totalidade dos elementos que asseguram a reprodução da vida. Dias contribui neste sentido ao relacionar a lógica dos territórios à lógica das redes: rodoviária, bancária, financeira, de telecomunicação. Também Monte-Mór chama a atenção para a relevância da análise da modernidade no Brasil, que comporta múltiplas (re)criações de práticas tradicionais.

II. Por que a análise espacial exige a análise do poder? A compreensão do poder inclui a reflexão, como tantos já afirmaram, dos micro-poderes e, ainda, dos instrumentos e mecanismos que definem, de forma instável, os limites (que são sistêmicos) da totalidade social. Nas prática de poder, encontramse elementos imprescindíveis à análise da ação e ao estudo de homogeneidades parciais que apóiam a formulação da questão regional. Há que ser considerado, em acréscimo, que o conhecimento just in time do território adquire crescente relevância nas formas contemporâneas de exercício do poder. Não se trata apenas de conhecimento, mas, sobretudo, de fatores da ação estratégica. Os instrumentos do poder e as resistências sociais dependem, incisivamente, de domínio das características únicas dos lugares e de sua articulação a processos transescalares (Vainer, 2001). Estes elementos aparecem no trabalho de Dias, quando chama a atenção para o papel do Estado na afirmação da burguesia e na configuração da sociedade de classes no Brasil. Com especial ênfase, a questão do poder também surge na contribuição de Haesbaert, quando trata os fluxos e a compressão espaço-tempo. Este autor chama a atenção para os custos sociais do desencaixe espaçotemporal, que corresponde à difusão de um emaranhado de geometrias do poder. Estes processos geram desigualdade e exclusão; complexidade crescente da mobilidade social e espacial e configurações regionais que reproduzem relações de poder profundamente desiguais.

III. Por que a reflexão do espaço envolve o enfrentamento da problemática da escala? Em primeiro lugar, reconhecemos que as práticas sociais criam e expressam escalas. Em segundo, reportando-nos ao antes exposto, enfatizamos que o poder manifesta-se através de escalas e, também, da sua articulação ou transpasse (Vainer, op cit). As concretas condições das lutas por hegemonia surgem em alianças

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que são simultaneamente escalares e de classe. Afinal, apenas o acesso a diferentes escalas de poder viabiliza ações que corroem outras hegemonias, enfraquecendo atores políticos e destruindo agentes econômicos. Enfim, a pesquisa da regionalização evidencia a importância da escala como método e como instrumento de poder. Nesta direção, para Dias, a análise da fragilização de regiões históricas depende da identificação de forças econômicas e políticas e do reconhecimento dos seus interesses em diferentes escalas. Lencioni, por sua vez, enfatiza a relevância da escala na construção de conceitos (espaços metropolizados e espaços nãometropolizados). A escala ainda aparece nos textos: de Limonad, como necessária para ao estudo da divisão internacional do trabalho; Haesbaert, associada à experiência multirregional e Barbosa, quando questiona a efetiva configuração da escala mundial. A problemática da escala comparece em quase todos os trabalhos desta coletânea. Esta presença indica que a regionalização impõe a sua observação e/ou proposição em diferentes escalas, como afirma Antonio Carlos Galvão, e, como indica Lima, a análise da articulação das escalas local e regional, à medida que não é impossível tratar o local sem relacioná-lo a outras escalas e nem refletir o regional sem observação de especificidades locais. São estas características do presente que exigem, para Limonad, a percepção da complexidade das interações sócio-espaciais. Resultam das interações entre local e regional, novas escalas territoriais de poder, como demonstram as referências realizadas por Lima e Barbosa às associações (inter) municipais, ao supra-local e às escalas insurgentes.

IV. Por que a análise do espaço incorpora a problemática das fronteiras? Na observação do fenômeno da regionalização, é necessário valorizar, de início, o movimento das fronteiras; a movimentação nas fronteiras e a sua seletiva porosidade. Em segundo lugar, surge a necessidade de reflexão da natureza das fronteiras e do seu desenho como barreira econômica, jurídica, política, cultural e social. Dias, nesta direção, esclarece vínculos entre a relativização das fronteiras − sua desregulação e fluidez − e as redes sócio-técnicas, demonstrando ser impossível refletir o movimento da totalidade sem análise dos deslocamentos das fronteiras regionais. É este deslocamento que conduz à transformação escalar das regiões. Finalmente, há que considerar mudanças, em curso, na própria natureza das fronteiras. Ou seja, as fronteiras, conforme Haesbaert, tornam-se mais complexas, ganhando novas configurações, e, como diz Barbosa, adquirem novas qualidades. Becker e Lima também

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registram a (re)construção do espaço de fronteira e sugerem a existência de limites na contínua expansão da fronteira no país.

V. Por que o estudo do território exige a análise da ação social? A região e a regionalização aparecem, historicamente, como mediação e meio para a proposição e implementação da ação social. Como afirma Limonad, a delimitação de regiões obedece a injunções políticas, o que impede pretensões de neutralidade no ato regionalizador, em qualquer escala. Este ato, tantas vezes apresentado como somente técnico, decorre de uma ampla gama de ações e agentes, usualmente pouco (re)conhecidos. Conforme Dias, o ato regionalizador corresponde a intuitos de mudança escalar da ação; à construção de novas unidades de ação e a alianças entre atores. Quanto aos agentes envolvidos na nova regionalização, são destacadas, nos trabalhos aqui reunidos, as intervenções do Estado; a atuação de empresas e instituições (Dias); a ação dos oligopólios (Lencioni) e a presença dos agentes da compressão espaço-tempo (Haesbaert). Galvão acrescenta, no estudo da ação, outras escalas de poder, como a representada pelos estados, afirmando a necessidade de forte articulação dos entes da federação frente aos desafios do desenvolvimento. Nesta direção, enfatiza, como também faz Becker, diferenças entre a nova Política Nacional de Desenvolvimento Regional, do governo federal, e as anteriores concepções de desenvolvimento regional. Em direção aos vínculos entre ato regionalizador e ação social, Dias trata os elos entre rede e sujeito da ação, valorizando a análise de antigas e novas arenas. Nestas últimas, manifestam-se empresas globais, governos e, como propõe Limonad, setores dominantes locais, orientados por diretrizes instrumentais da nova regionalização (Lima). Resultam, das mudanças no ato regionalizador, novas formas espaciais (diferenciações sub-regionais), valorizadas nos textos de Becker, Egler e Lima. Egler, ao tratar o Sudeste, reconhece o valor da análise institucional e enfatiza: os condicionantes instrumentais do desenvolvimento regional; o atual fortalecimento dos governos estaduais e os novos regionalismos. Valoriza, ainda, as diferenças sub-regionais, associadas à intensificação dos conflitos, como exemplificam a luta pela reforma agrária e o confronto entre MST e UDR. Por outro lado, Lima, no estudo da Amazônia, analisa transformações nos usos do espaço regional, ressaltando o território em movimento e a formação de redes políticas territorializadas. Trata, ainda, da constituição de arenas políticas que correspondem a pactos locais regionalmente projetados. 206 206

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No que concerne aos conflitos entre agentes econômicos e sujeitos sociais, Haesbaert trata a problemática da desterritorialização; as práticas e os significados humanos do espaço; a multiterritorialização e a interação territorial. Nesta direção, Galvão enfatiza a importância do engajamento de atores sociais nas decisões territoriais e destaca o debate das contrapartidas econômicas e, sobretudo, sociais. Barbosa cita, ainda, os obstáculos ao engajamento dos atores sociais nas definições territoriais, acentuando que os obstáculos à participação política constituem um dos fundamentos essenciais da desigualdade.

VI. Por que a análise do espaço não se distancia do estudo da modernização? No debate da modernização – do avanço do capitalismo em todas as esferas da vida social –, precisam ser consideradas as relações entre: a) a modernização e os conteúdos técnicos do território, nos seus vínculos com a distribuição espacial das atividades econômicas e da população, como exemplificam a metropolização do território (Lencioni) e a organização da produção. Como diz Limonad, a flexibilidade da produção conquista território. A urbanização concentrada e delimitada, da fase anterior do capitalismo, tem sido substituída por uma urbanização mais fluida, extensiva, flexível (Monte-Mór). Esta urbanização surge esgarçada, como concebe Limonad, numa escala que ultrapassa os limites das cidades. Neste mesmo sentido, Dias analisa conteúdos das redes técnicas e da modernização e Lencioni valoriza, analiticamente, a cisão territorial da produção. b) a modernização e a ação planejada (e planejadora). Trata-se do confronto entre princípios e práticas na configuração do espaço, que atende a determinados interesses, e da intervenção nas relações sociedade - natureza. O texto de Monte-Mór contribui nesta linha de reflexão através de análise da modernização sócio-espacial, reconhecendo suas relações com a reestruturação produtiva e características do modernismo. Também Galvão, ao abordar a modernização, faz sobressair os vínculos entre inovação, visão sistêmica de recursos e agregação de valor. Já Barbosa destaca a modernização limitada da sociedade brasileira e a falta de cidadania, enquanto Egler aborda o tema da modernização a partir da nação. c) a modernização e a administração – as formas atuais de organização do espaço e das atividades econômicas exigem novos modelos de gestão nas fábricas (Lencioni e Limonad) e na administração municipal e metropolitana. Egler contribui, 207 207

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no exame deste tema, ao assinalar os obstáculos à difusão de inovações, enquanto Limonad alerta-nos para processos como a terceirização, que modificam a organização do trabalho.

VII. Por que a análise espacial necessita grandes investimentos nas tarefas teóricas e conceituais, que são também de método? A ideologização do presente. Na análise da regionalização, existem difíceis tarefas teóricas, relacionadas às mediações entre fenômenos aparentemente descolados uns dos outros. Estes fenômenos integram a racionalidade e a reflexividade contemporâneas, que atualizam relações técnicas e sociais de produção. Na análise do presente, torna-se relevante o retorno à história, como demonstram Dias, Monte-Mór, Lencioni, Barbosa e Egler. Este retorno também favorece, como demonstra Limonad, a observação crítica da retórica regionalista e, como apresenta Lencioni, a reflexão do complexo fenômeno da desindustrialização. Ganha destaque, atualmente, a problemática da produção social do espaço através do entrelaçamento, em distintas escalas, de processos de diferentes idades. Este entrelaçamento impõe a consideração dos conceitos de rede e de representação, tratados por Dias. A região ressurge através de novos ordenamentos dos fluxos, como Egler exemplifica ao citar os conceitos de bacia urbana x rede urbana. Nesta direção, Lencioni desenvolve a reflexão da produção social do espaço através da análise de processos complexos, tais como os que expressam a desconcentração e a descentralização industriais. Monte-Mór, por sua vez, examina o entrelaçamento de processos na urbanização extensiva e no espaço social regional. Nestes investimentos analíticos, evidencia-se a necessidade de construir reais híbridos teórico-empíricos, tais como as noções de cidade-região e território-rede (Lencioni), que buscam dar conta da nova dinâmica da expansão da mancha urbana (Egler).

VIII. Por que a reflexão do espaço exige a análise da face contemporânea do capitalismo? Atualmente, a regionalização adquire características da ação hegemônica, ou seja, dos traços estratégicos desta ação. A nova produção mudou a escala das interações sociais, difundiu o meio técnico-científico informacional e alterou relações técnicas e sociais de produção. Também mudou conteúdos das leituras hegemônicas do território, cada vez mais instantâneas. Estas leituras têm permitido a redução dos contextos que concentram condições de

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produção realmente excepcionais. Assim, ao mesmo tempo em que a produção globaliza-se, os controles da inovação e da gestão tornam-se mais precisos e seletivos. Quanto à problemática da regionalização, ganham destaque três grandes eixos orientadores da reflexão da produção social do espaço. 1.

o aumento da velocidade nas trocas mercantis e nos fluxos informacionais altera a composição das alianças entre agentes econômicos e atores políticos. Estas alianças, apoiadas pela técnica, correspondem à ação hegemônica e significam, como tratado por Dias, a afirmação de novas alianças regionalizadoras, que redesenham os contornos, multiescalares e instáveis, da produção.

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as transformações na forma dominante de produção exigem o controle da inovação e das relações entre firmas. No exame destas condições, alinham-se os trabalhos referidos aos processos produtivos e à aplicação das tecnologias de comunicação e informação (Limonad); às exigências do capital produtivo e financeiro internacional (Monte-Mór) e, ainda, à dispersão territorial correspondente à oligopolização da indústria e dos novos serviços (Lencioni).

3.

na atual fase do capitalismo, o exame do ato regionalizador inclui a observação da divisão internacional do trabalho (Limonad); dos impactos da compressão global (Haesbaert); da construção da mundialidade que corresponde às necessidades das corporações (Barbosa) e, enfim, dos circuitos globalizados de valorização do capital (Galvão)

Nestas diversas abordagens de tendências do capitalismo, destacamos as relações estabelecidas, pelos textos, entre: regionalização e conquista de hegemonia no mercado mundial; regionalização e urbanização dispersa; regionalização e inovação; regionalização e transnacionalização do território; regionalização e centralização do capital; regionalização e dispersão territorial da produção. Indicações de método No conjunto dos trabalhos, identificamos outros desafios de método. Citamos, de início, a crise do pensamento dicotômico, que restringia o recurso à dialética. Haesbaert destaca, nesta direção, as dinâmicas abertas e inconclusas, ao mesmo tempo em que valoriza invariantes da reflexão do espaço: superfícies, pontos, linhas e malhas, nós e redes. Em sua apreensão do mundo-mundializado, Barbosa, por outro lado, contrapõe indicadores e conceitos e, também, indicadores e 209 209

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relações sociais, procurando caminhos para o pensamento crítico comprometido com a redução das desigualdades. Haesbaert, envolvido nesta busca, assinala obstáculos à representação do espaço globalizado, questionando a real amplitude da atual crise das representações espaciais. Até que ponto a crise paradigmática associa-se a uma verdadeira crise de representação? Os trabalhos valorizam pares de conceitos que orientam a interpretação de relações entre agentes, atores e escalas. Estes pares apóiam a periodização e a escolha de objetos / temas. Porém, não constroem claras dualidades e nem correspondem a nítidos antagonismos. Expressam, com mais facilidade, a idéia de hibridação. Como considerar o espaço, sem a dimensão temporal (tempo ⇔ espaço)?; a forma, sem os processos (forma ⇔ conteúdo)?. Da mesma maneira, como tratar a ação, sem desvendar as suas metas (projeto ⇔ projeção}?; os comandos da nova economia, sem a cooperação (fragmentação⇔integração?; a estrutura, sem contextos (estrutura⇔estruturação?; a dinâmica social, sem a superação do imediato (espaço social ⇔ espaço abstrato)?; a ação, sem determinantes estruturais? (estrutura⇔ação)?; as descontinuidades, sem o tratamento da totalidade (sistema ⇔ elemento)?; compressão espaço-tempo, sem a dispersão (fixos⇔fluxos)? Algumas observações finais Diversas questões relacionadas à regionalização remetem, diretamente, aos temas da agenda política. Nesta direção, destacamos a ênfase na formulação da questão espacial (MonteMór e Egler); nas relações sociais de produção e na dinâmica territorial do capital. Com Becker, enfatizamos, neste momento, mudanças nas relações centro-periferia e o aumento da desigualdade na escala mundial. No mesmo sentido, valorizamos, com Barbosa, os vínculos entre regionalização e ampliação da concentração da renda e da riqueza, especialmente neste período de redução do trabalho e do emprego. Nos atuais conflitos sócio-espaciais, estão envolvidas agentes com diferentes escalas de ação, o que transforma as resistências (Monte-Mór); expressa o confronto entre lógicas / racionalidades (Dias) e esclarece a relevância da regionalização insurgente (Lima). Indubitavelmente, os conflitos estão presentes nos sentidos do urbano (Monte-Mór, Becker, Lencioni e Egler) e nas diferenças entre regiões históricas e regiões administrativas ou produtivas. Por exemplo: Quais são os rebatimentos territoriais das parcerias público-privadas? Como estas parcerias interferem na regionalização do desenvolvimento? 210

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Perguntamos, então, se os paradigmas tradicionais da regionalização foram, de fato, superados e, também, sobre a idéia de desenvolvimento que deve conduzir as práticas de regionalização implementadas pelo Estado. Estas perguntas, apesar de excessivamente simples, precisam ser repetidas para que afirmese a regionalização democrática e assim aconteça, no país, uma partição mais generosa e justa de recursos. Os textos desta coletânea, dedicados, como salientam os organizadores deste livro, a espacialidades expressivas de transformações na economia – o Sudeste, onde a urbanização alcança a prática totalidade do território e conquista novos contornos, e a Amazônia, onde a urbanização gera novas formas espaciais −, demonstram ser indispensável a pesquisa multiescalar da produção e das condições de vida. É urgente o aprofundamento do exame das conseqüências da reorganização ministerial do governo brasileiro, no que concerne à organização do espaço. Como articular o enfrentamento da problemática social às mudanças territoriais trazidas pela política de integração nacional? Como tratar as dimensões regionais da nova urbanização e da política urbana? Enfim, assinalamos que permanece aberta a questão central da escolha da unidade empírica e analítica que permita a reflexão íntegra da região ⇔ regionalização. Afinal, a seleção desta unidade determina o desvendamento ou ocultamento da dinâmica sócioterritorial. O entrelaçamento de processos, veloz e eficaz, recomenda a consideração simultânea da nova urbanização e da nova industrialização, o que aponta para carências conceituais a serem tratadas nos híbridos acima indicados. Esforços de conceituação precisam ser dirigidos, com especial insistência, à urbanização (Becker). Trata-se da manifestação de segmentações internas ao urbano: a urbanização da urbanização ou a hiperurbanização (Lencioni); a urbanização extensiva do território (Monte-Mór) e a tendência à (sub)urbanização (Limonad). Por outro lado, os textos também sugerem a necessidade de esforços de conceituação relacionados aos fluxos dependentes das redes e sistemas técnicos. Um caminho a percorrer seria, talvez, a rigorosa distinção entre as antigas redes − canais de irrigação do território − e as redes atuais, marcadas por sua função de conduto da nova industrialização e dos comandos da economia mundializada. Estas redes viabilizam diferentes sistemas de ação (Santos, 1996), sendo necessário considerar, através dos seus usos, o teor da cooperação que efetivamente sustentam e o tipo de dinamismo territorial que provocam. Afinal, trata-se, em ambos tipos de redes, do direcionamento da dinâmica social e, assim, das energias sociais, inclusive as utópicas.

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Esta obra foi impressa na Oficina de Livros para a Letra Capital Editora. Utilizou-se o papel pólen soft 80g/m² e a fonte Verdana corpo 10. Rio de Janeiro, julho de 2016.

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