Brasil: sobre a ausência da esquerda no poder.

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BRASIL: SOBRE A AUSÊNCIA DA ESQUERDA NO PODER



Iraci del Nero da Costa
São Paulo, junho de 2016




No Brasil, as elites sempre herdaram o poder e, com a dominância
política, todos seus privilégios econômicos viram-se mantidos e
reafirmados. Foi assim durante o período colonial com a doação das
sesmarias e a escravização de índios e africanos; com a chegada da família
real portuguesa e a constituição do Reino Unido; com a independência
liderada pelo herdeiro do trono português; com o golpe da república –
acompanhado por um povo que o assistiu "bestializado".(1)

A subida de Getúlio Vargas ao poder a contar de 1930 não trouxe
alterações quanto ao domínio sobre as terras exercido pelo latifúndio e,
sobretudo a partir do golpe de 1937, a postura getulista ampliou a
capacidade econômica e a participação política da burguesia industrial e
apenas lateralmente, dado o estabelecimento dos direitos trabalhistas,
operou no sentido de reconhecer a presença do proletariado urbano. Quanto
ao período do Estado Novo não se deve desconsiderar a furiosa perseguição
dos comunistas pelo getulismo. O golpe dirigido por Getúlio Vargas que
instituiu o Estado Novo e uma nova Constituição vigorou de novembro de 1937
a outubro de 1945. Neste período, além da concentração do poder em mãos do
ditador deu-se a implementação da censura à imprensa dirigida pelo
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) assim como, com base na Lei de
Segurança Nacional, forte repressão ao movimento de esquerda representado
pelos comunistas.

O golpe de 1964, desferido contra o presidente João Goulart,(2) levou
a uma ditadura sanguinolenta a qual apenas reforçou o papel dominador das
camadas sociais economicamente dominantes; a resistência armada à ditadura
não chegou a resultado algum e seus integrantes foram presos, brutalmente
mortos ou simplesmente viram-se desmobilizados ao certificarem-se da
fraqueza de seu movimento.

A luta pelas Diretas Já não obteve êxito imediato, mas dela resultou a
eleição de Tancredo Neves, que se opunha à ditadura, e, mais tardiamente, a
salutar Constituição de 1988. Não obstante tais fatos positivos, o Brasil
pouco conheceu em termos de avanços concernentes à parcela populacional
economicamente miserável e a vida política não vivenciou melhoras e
resvalou para a emergência de um número abusivo de partidos oportunistas e
de um poder Legislativo absolutamente viciado e distanciado de soluções de
interesse efetivo da população nacional.

Correlatamente, deve-se ter presente que jamais ocorreu no Brasil um
movimento imediatamente dirigido pela massa da população ou por algum
partido ou agremiação que a representasse. A Coluna Miguel Costa-Prestes
foi uma aventura dirigida contra a República Velha que durou anos (1925-27)
e percorreu milhares de quilômetros de nosso território, mas terminou sem
trazer qualquer mudança política. Por seu turno, o levante da Aliança
Nacional Libertadora (ANL), de 1935, liderado por Luís Carlos Prestes e
pejorativamente apodado de Intentona Comunista evidencia à saciedade o quão
alienados mostravam-se os comunistas e socialistas antifascistas
brasileiros.

Com a eleição de Luiz Inácio da Silva, já em pleno século XXI,
esperava-se que ocorresse pela primeira vez a presença da esquerda no poder
central da República (exerceu o cargo de presidente de 1º de janeiro de
2003 a 1º de janeiro de 2011), pois o Partido dos Trabalhadores, fundado
por esse sindicalista, dizia-se, em seu nascedouro, um partido de esquerda;
infelizmente aquela esperança inicial não se viu concretizada, pois tanto
Luiz Inácio como seu partido entregaram-se à direita e, em busca da
permanência no poder, voltaram-se abertamente para a corrupção, para o
crime de caráter econômico e para o aparelhamento abusivo da máquina
pública donde a deterioração de seus serviços.

As medidas assumidas pelo presidente eleito – necessárias, diga-se
desde logo – que sofrearam a miséria absoluta (Bolsa Família) e buscaram
atender à necessidade de moradia por parte da massa trabalhadora (Minha
Casa, Minha Vida) não foram bastantes para caracterizar sua governança como
de esquerda mesmo porque, dado o episódio criminoso do mensalão, tais
benefícios transformaram-se, como tenho dito, em um verdadeiro coronelismo
de Estado(3) e passaram a ser utilizados como maneira de garantir o apoio
da população desprivilegiada aos chamamentos políticos do presidente Luiz
Inácio o qual, dessa forma, além de reeleger-se, conseguiu eleger e
reeleger sua sucessora(4) a quem se deve uma administração absolutamente
desastrosa que levou o país à recessão, ao desemprego e afetou
profundamente a esfera dos empreendimentos públicos, sobretudo a Petrobras
dada a dilapidação da qual foi vítima em decorrência das decisões
governamentais quando à composição de sua direção.

Ademais, é preciso lembrarmos que a elevação dos juros assim como os
privilégios votados a determinados ramos dos negócios propiciou aos donos
do capital ganhos várias vezes mais elevados do que o montante destinado ao
Bolsa Família. "Para termos uma idéia: o pagamento de juros sobre a dívida
do governo consumiu R$ 513 bilhões, nos 12 meses terminados em fevereiro de
2016, segundo o Banco Central do Brasil. Se dividirmos esses 513 bilhões
por 12 meses, concluímos que o governo federal gastou, em média, R$ 42
bilhões por mês de juros. Em março de 2016, o Bolsa Família pagou R$ 2,2
bilhões a 13,8 milhões de famílias." (Cf.:
https://jornalistaslivres.org/2016/04/por-que-eles-querem-o-poder-bolsa-
familia/).

Também devem chamar nossa atenção os empréstimos oferecidos pelo Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES): "O Tesouro se
financia com juros acima de 10% ao ano e emprestou, nos últimos anos, para
o setor privado, por meio do BNDES, cobrando juros médios de 3,5%, quando a
inflação estava acima de 6% ao ano. Segundo dados oficiais, o custo para o
setor público dessas operações entre 2009 e 2014 foi de R$ 323 bilhões, o
equivalente a 13 anos do programa Bolsa Família". (Cf. LISBOA, Marcos de
Barros & PESSÔA, Samuel, O país dos privilégios. Folha de S.Paulo,
Ilustríssima, p. 6, 05/06/2016).

Além disso, como lembra Clóvis Rossi: "O que caiu – se é que caiu
mesmo – foi a desigualdade entre salários, mas jamais a disparidade entre a
renda do capital e a do trabalho". No mesmo artigo, com base em estudo de
pesquisadores da UnB (Universidade de Brasília) e do Ipea (Instituto de
Pesquisas Econômicas Aplicadas), afirma o mesmo autor: "não houve em
absoluto queda da desigualdade [da riqueza] nos últimos 20 anos. Um só
dado: os 5% mais ricos passaram de deter cerca de 40% da renda total do
país em 2006 a abocanhar 44% em 2012." (Cf.: ROSSI, Clóvis, A fraude que a
esquerda engoliu. Folha de S.Paulo, Caderno Mundo, p. A12, 21/04/2016).

Já com respeito ao programa de distribuição de terras é preciso notar
que cerca de um terço das áreas distribuídas destinou-se a indivíduos que
não tinham direito a esse benefício. "O Tribunal de Contas da União
(TCU) determinou... que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra) suspenda cautelarmente a seleção e assentamento de novos
beneficiários da reforma agrária no país. Segundo o tribunal, há indícios
de irregularidades nos processos de 578 mil beneficiários do Programa
Nacional de Reforma Agrária. Entre os beneficiários irregulares encontrados
pelo TCU estão empresários, servidores públicos, pessoas com renda superior
a três salários-mínimos, estrangeiros, ou pessoas com sinais exteriores de
riqueza, como veículos de alto valor, além de 37 mil falecidos que ainda
constam na lista. Também foram encontrados 1.017 beneficiários que possuem
mandatos eletivos, entre eles vereadores, deputados estaduais, vice-
prefeitos, prefeitos e um senador." (Cf.: http://odia.ig.com.br/brasil/2016-
04-06/tcu-interrompe-reforma-agraria-por-indicios-de-fraudes.html).

Enfim, o período de governança de Luiz Inácio da Silva e de Dilma
Rousseff mostrou-se associado politicamente à direita e acumpliciado com o
crime dirigido contra o patrimônio nacional. Tal caracterização explica a
repulsa popular à presidente da República, aos dirigentes do PT e ao
próprio ex-presidente Luiz Inácio da Silva.

É no quadro delineado acima que se dá o apoio popular às atitudes
assumidas por Joaquim Barbosa quando presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF) e pelo juiz federal Sérgio Moro bem como às decisões e ações devidas
à Operação Lava Jato a qual tem sido absolutamente consequente em sua luta
contra a corrupção e o desvio político recorrentemente implementados pela
maioria dos que chegam ao poder político e por expressiva parcela da
burguesia brasileira, esteja ela vinculada a atividades rurais ou urbanas.






NOTAS



1. Sem comprometê-lo com meus eventuais enganos e erros agradeço ao Prof.
Julio Manuel Pires por suas críticas e sugestões.

2. O golpe militar depôs o presidente João Goulart que, embora simpático às
proposições avançadas propostas pela esquerda, não foi capaz de conduzir
sua gestão com a sabedoria necessária afim de evitar a mobilização da
extrema-direita a qual, desde 1954 preparava-se para assumir, por via de um
golpe político, a direção da Nação.

3. Como sabido, o assistencialismo promovido por Luiz Inácio da Silva deveu-
se, em larga escala, à conjuntura internacional dada a elevação de preços
de bens primários e às exportações substantivas de commodities dirigidas à
China, país que conheceu no período de governança de Luiz Inácio um
crescimento econômico inusitado.

4. Dilma Rousseff ocupou o cargo de 1º de janeiro de 2011 a 12 de maio do
corrente ano quando se viu afastada temporariamente da presidência devido a
processo de impeachment ora em andamento.
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