BREVE ANÁLISE SOBRE A AÇÃO AFIRMATIVA

June 15, 2017 | Autor: C. Reis | Categoria: Política de Ação Afirmativa
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Breve Análise Sobre A Ação Afirmativa
REIS, Cristiane de Souza
Mestre em Ciências Penais pela UCAM, professora

de direito penal na UCAM/Niterói e advogada.


SOUSA, Carlo Arruda
MBA em direito da empresa e da economia e advogado




Ainda há quem afirme que em nosso país não existe racismo,
preconceitos, discriminações. Tais afirmações nos levam a refletir sobre
fatos que cotidianamente vêm trazendo como conseqüência a exclusão de
grande parcela da sociedade brasileira dos bens culturais e sociais. Nessa
direção se encaminham as preocupações constantes neste artigo: a
exclusão/cidadania e as ações que encaminhem no campo jurídico soluções
para enfrentar a questão.


Neste breve estudo, tentamos traçar um apanhado geral sobre a questão
em tela, objetivando mostrar um pouco sobre o que é e como atua a Ação
afirmativa, certa da grande desinformação da população acerca deste
assunto, até mesmo proposital por parte de alguns setores retrógrados da
sociedade.


Como menciona Abreu (1999:101), "certamente os afro-americanos e os
negros sul-africanos deixaram para a humanidade um dos maiores legados do
presente século: os civil rights e o fim do apartheid". Cumpre esclarecer
que apesar de enfatizar, neste trabalho, o racismo, a Ação afirmativa pode
e deve ser utilizada para qualquer tipo de minoria, tanto que o grupo que
mais tem se beneficiado, nos Estados Unidos, com as medidas de Ação
afirmativa é o das mulheres (brancas e negras, e mais aquelas do que
estas).


Assim situado, devemos pontuar que dois tipos de discriminações devem
ser levadas em conta: a aberta, onde há segregação, apartheid, na qual as
desigualdades e a separação ocorrem claramente, como nos Estados Unidos e
na África ; e a velada, "por debaixo dos panos", em que a população se nega
em reconhecer que a discriminação, seja por raça, sexo, deficiência física,
existe, como é o caso do Brasil. Essa, sem dúvida nenhuma, é a mais difícil
de se combater. Em nosso país, começamos a perceber que racismo, sexismo e
demais tipos de discriminações existem, o problema é que ninguém as comete.


O Senador Abdias Nascimento assim afirmou em sua justificação ao
projeto de lei ao Senado n.º 52, de 1997, em que pretendia definir como
crime a prática de racismo e discriminação e, ao mesmo tempo, disciplinar a
prática de instrumentos da Ação afirmativa:


"Embora goste de se autoproclamar uma 'democracia
racial', o Brasil está longe de ser o paraíso das relações
raciais que o discurso oficial ainda teima em apresentar.
Com efeito, pesquisas quantitativas realizadas nas últimas
décadas têm revelado uma realidade de desigualdades e
discriminação pelo menos tão grave quanto – e
freqüentemente pior que – a de países como os Estados
Unidos e a África do Sul, reconhecidos por todos como
exemplos negativos nesse campo de relações humanas".




Pressupostos Históricos
"Affirmative action programs remain
vital safeguards for protecting equal
opportunity.
That's why my father and other civil
rights workers so ardently defended
affirmative action in their day, and
why we must continue to support such
programs against present-day
attacks."
Martin Luther King III [1]


Na Índia, na década de 40, antes mesmo de o Presidente americano John
Kennedy utilizar a expressão Ação afirmativa pela primeira vez, em 1961,
certas medidas foram feitas para que as castas denominadas inferiores
tivessem espaço no Parlamento. Na Malásia, como a etnia numérica e
politicamente predominante (os bumiputra) é sub-representada na área
econômica, e como este setor é dominado por indianos e chineses, criaram-se
formas de os bumiputra participarem mais ativamente deste setor econômico
do país, através do sistema de metas e cronogramas, sendo esta uma das
formas de manifestação da Ação afirmativa.


Importante se faz percorrermos brevemente a história dos Estados
Unidos, onde os instrumentos utilizados de Ação afirmativa são mais
ressoantes, como veremos a seguir:


Em 1857, ao decidir o caso Dred Scott v. Sanford[2], a Suprema Corte
Americana determinou que os negros, como "existências inferiores e
subordinadas", não poderiam ser considerados constitucionalmente como
cidadãos, fossem os mesmos livres ou escravos.


Ao longo da história dos EUA, diversos presidentes demonstraram
insatisfação com o legado que o racismo, proveniente da escravidão, vinha
trazendo à nação. O presidente Lincoln foi um dos primeiros governantes a
se preocupar com a questão, emitindo, em 1º de janeiro de 1863, a
Proclamação da Emancipação, na qual libertava os escravos em todos os
Estados Confederados. Em 1866, o Congresso estava tomado pelo sentimento
anti-escravagista dos Republicanos Radicais, que lutavam arduamente contra
o Sul recalcitrante às mudanças.


Após o fim da Guerra Civil, duas emendas foram introduzidas à
Constituição Americana. Através da 13ª Emenda Constitucional, ratificada em
06 de dezembro de 1865, foi definitivamente abolida a escravidão. Um dos
mais importantes documentos desta época foi o Civil Rights Act de 1866, que
declarava que todas as pessoas dentro da jurisdição dos Estados Unidos
tinham os mesmos direitos, para contratar, expressar suas contrariedades,
ir a eventos sociais, estar em evidência e usufruir plena e igualmente de
todas as leis e procedimentos de segurança de pessoas e propriedade,
direitos estes que os cidadãos brancos desfrutavam.


Mais tarde, com o advento da 14ª Emenda à Constituição, por influência
do Civil Rights Act, aplicou-se a "Declaração de Direitos" às ações de
estado e governo local, conferindo a todas as pessoas nascidas nos Estados
Unidos igual proteção legal e garantindo-lhes o devido processo legal,
antes que lhes fossem retiradas a vida, a liberdade, ou propriedade.
Passadas as emendas pós Guerra Civil, a 15ª Emenda garantiu a todos os
cidadãos, inclusive os outrora escravos, o direito ao voto. Tal emenda foi
ratificada em 1870.


Todas essas mudanças na legislação levaram ao surgimento da "Liga
Branca", na década de 1870, que se constituía pela união dos membros da Klu
Klux Klan com os veteranos do exército confederado, que se organizaram numa
campanha contra negros e Republicanos radicais.


Em 1876, o Partido Republicano abandonou o movimento dos direitos
civis, levando Rutherford B. Hayes à presidência. Com a chamada Lei de Jim
Crow, legislação racista que atingia principalmente os negros, a segregação
tomou conta do cotidiano americano. Negros foram expulsos das escolas, de
trabalhos, teatros, restaurantes, ficando claro que as raças não podiam "se
misturar".


Em 1896, a Suprema Corte americana, em mais um exemplo que envergonhou
a humanidade decidiu no caso Plessy v. Fergunson, que a segregação racial
em escola e transportes públicos não era inconstitucional, pois estes
serviços, ainda que prestados separadamente, não eram desigualmente
oferecidos, advindo, daí a expressão "separados, mas iguais".


No final do século XIX, os negros americanos estavam com suas vidas
totalmente inviabilizadas, entregues a sua própria sorte e discriminações
de todas as espécies e formas. Entretanto, no início do século XX, dezoito
estados do Norte e Oeste tinham leis contra a discriminação racial.
Entretanto, a Lei Jim Crow e outras restrições ainda tomavam conta do Sul.


Em 1905, o Movimento Niagra, formado por intelectuais negros,
incluindo W.E.B. Dubois, lutava por igualdade de direitos. E, em 1909, este
movimento uniu-se aos brancos reformadores fundando, então, uma das mais
influente organização de direitos civis do mundo, a National Association
for the Advancement of Colored People (NAACP).


Com o crescimento dos movimentos que lutavam por igualdade de
direitos, a Suprema Corte Americana teve que começar a se adaptar às novas
ordens comportamentais e foram gradualmente modificando suas decisões.


Em 1941, o líder do sindicato e socialista, A. Philip Randolph,
mobilizou milhares de trabalhadores negros para a realização da chamada
"Negro March On Washington Movement", que tinha com objetivo forçar o então
Presidente Franklin Roosevelt a levar adiante as reformas de direitos
civis. O Presidente Roosevelt fez, então, um acordo com Randolph no sentido
de que este não realizasse a Marcha sendo, em troca, assinado o Decreto n.º
8802, que gerou significativas mudanças no quadro de segregação existente.


Como já mencionado, a Suprema Corte começou a modificar, e porque não
dizer, a humanizar suas decisões, como, por exemplo, no caso Brown v. Board
of Education de Topeka, Kansas, em que a Corte unanimamente votou pela não
segregação racial nas escolas, considerando, ainda, o "separa mas equal",
expressão usada na decisão do caso Plessy v. Fergunson, inadmissível e
contrário a qualquer forma de direito e igualdade, violando-se, por
conseguinte, a 14ª Emenda Constitucional. Este caso ficou marcado na
história americana como uma referência do fim da segregação legal, apesar
de os Estados Unidos estarem vivendo neste período um dos momentos mais
marcantes de intolerância racial.


Outras decisões da Corte foram no sentido de proibir a segregação nas
bibliotecas públicas, nos parques, nas praias, nos hospitais e a outras
áreas públicas.


O ativismo judicial em defesa das liberdades civis que ocorria na
década de 60 foi de suma importância para a comunidade negra americana,
principalmente por ser uma época marcada por conflitos sociais. Buscava-se
então a igualdade e a superação das desigualdades sociais existentes.


Neste mesmo momento, em que a Suprema Corte começa a buscar decisões
favoráveis a não segregação, um movimento na contramão surgia: era a
corrente denominada contenção e que ganhava corpo a medida que o
conservadorismo republicano tomava mais espaço no poder.


O Presidente John Kennedy foi o primeiro a usar a expressão "Ação
afirmativa" ao expedir o Decreto n.º 10952, em 1961, criando a "Equal
Employment Opportunity Commission" (EEOC) e projetos financiados com verba
federal assegurando, assim, que os candidatos seriam empregados, e como
tais tratados sem discriminações raciais, de credo ou nacionalidade. O
Presidente Kennedy tentou, infrutiferamente, apressar o Congresso para que
votassem um Estatuto dos Direitos Civis, para estender as oportunidades de
emprego e educação às minorias. A fraca Ação afirmativa proposta pelo
Presidente incluía uma aprendizagem especial e programas de treinamento[3].



Em 1963, o povo americano e o mundo assistiu a imagens de racismo e
violência aterrorizantes. Em 28 de agosto deste mesmo ano, houve a maior
manifestação anti racista: a "Marcha de Washington", liderada por Martin
Luther King Jr., na qual se realizou uma bonita manifestação pela justiça
racial.


Em 1964, o Congresso aprovou a Civis Rights Act, sendo este um
conjunto de leis mais forte do que aquele primeiro apresentado por John
Kennedy. E em 1965, o Presidente Lyndon B. Johnson expediu o Decreto n.º
11246, que colocou como necessidade precípua para a Ação afirmativa o
convênio com o Departamento do Trabalho.


Durante o governo do Presidente republicano Richard Nixon, foi
apresentado pelo então Secretário Assistente do Trabalho, Arthur
Fletcher[4], o Plano Philadelphia, a mais agressiva forma da Ação
afirmativa moderna. O Plano Philadelphia foi incorporado pela Ordem n.º 04
do Departamento de Trabalho, sendo revisada em 1971, para que fossem
incluídas as mulheres assim como os trabalhadores de qualquer minoria. Sob
a égide desta Ordem n.º 04, algumas grandes companhias e instituições
educacionais foram requisitadas a dar início ao plano de Ação afirmativa,
contratando e promovendo mais mulheres e demais minorias. Entretanto, em
relatório preparado pela Comissão Americana de Direitos Civis, concluiu-se
que os vários programas e agências federais de oportunidades iguais de
emprego estavam falhando em suas tarefas.


O que se fez parecer é que o interesse inicial pela Ação afirmativa
por parte de Nixon tinha somente o objetivo de tentar, sem muito êxito,
levar os eleitores negros a votar no Partido Republicano. Começou uma era
de recuo das reformas em busca da tentativa de se diminuir as desigualdades
existentes através da Ação afirmativa. Retornou-se ao conservadorismo.


Em 1978, a Suprema Corte decidiu, o caso Regents of the University of
California v. Bakke, que discutia o fato da Faculdade de Medicina da
Universidade da Califórnia ter reservado dezesseis das cem vagas para
estudantes pertencentes as minorias, onde suas candidaturas eram avaliadas
num sistema em separado de admissão. Entretanto, a Suprema Corte decidiu,
por cinco a nove, que os direitos do vestibulando branco, Alan Bakke ficara
violado com o plano de Ação afirmativa desta Universidade.


No mesmo ano, no caso United Steelworkers v. Weber, a Corte desfez o
plano de Ação afirmativa voluntária tratado entre uma companhia privada e o
sindicato. Decidiu ainda a justiça americana que o Congresso deveria
excluir da Lei (Civil Rights Act de 1964) a possibilidade de haver tais
ações afirmativas voluntárias.


O Presidente Ronald Reagan, eleito com a ajuda da classe média branca,
que estava preocupada com as mudanças ocorridas no setor de trabalho em
razão das medidas de Ação afirmativa, assim que tomou posse, começou a
cumprir com suas promessas, indicando para cargos importantes e
estratégicos, pessoas nada favoráveis à aplicação da Ação afirmativa como
Clarence Thomas e Clarence Pendelton para o EEOC, e Antonin Scalia e
Anthony Kennedy para a Suprema Corte. Reagan conseguiu manter enorme
popularidade, apesar de fazer uma campanha agressiva contra os direitos
civis, como, por exemplo, o corte na verba da EEOC.


O presidente George Bush não se apresentava como um inimigo da Ação
afirmativa, como seu antecessor, mas não era muito afeito aos progressos
dos direitos civis. A Suprema Corte voltou a decidir casos que chocaram a
comunidade de direitos humanos, que reagiu, propondo uma legislação que
remediasse a situação: a Civil Rights Act de 1990, sendo vetada, em
outubro de 1990, pelo então presidente Bush. Entretanto, o Civil Rights Act
foi finalmente promulgado em 1991, ajudando diversas vítimas da
discriminação.


Atualmente, num retrocesso vergonhoso, a Suprema Corte americana tem
decidido contrariamente às políticas públicas que adotem critérios de
"favorecimento", indo de encontro com os direitos já conquistados.










Considerações Conceituais
"Praticar a discriminação racial significa dar o
mesmo tratamento aos da mesma cor e conceder
partes desiguais aos que não são iguais quanto a
esta característica". Norberto Bobbio.




O ex-presidente dos Estados Unidos, Lyndon B. Johnson[5] descreveu
muito bem o espírito da Ação afirmativa ao sustentar:
" Mas liberdade não é o bastante. Você não limpa as
cicatrizes de séculos dizendo: 'Agora você está livre
para ir a onde quiser, fazer o que deseja e escolher
os líderes que achar melhor'.
Você não transforma um homem que por anos ficou
acorrentado, libertando-o, e levando-o ao início da
linha de corrida, dizendo: 'Você está livre para
competir com todos os outros', e ainda assim
realmente acreditar que você está sendo completamente
justo.
Assim, isto não é o suficiente para abrir os portões
da oportunidade. Todos os nossos cidadãos devem ter a
capacidade de atravessar estes portões.
Este é o próximo e mais profundo estágio da batalha
dos direitos civis. Nós procuramos não somente por
liberdade, mas por oportunidade – não somente por
igualdade legal, mas também por capacidade humana –
não somente por igualdade como direito e teoria, mas
por igualdade como fato e realidade".


Há um conto que ilustra muito bem a Ação afirmativa: Dois corredores,
um amarrado e o outro solto. Não precisa nem dizer que este sempre vencia
facilmente a corrida. Até que o público, percebendo a enorme injustiça que
existia, pressionou os organizadores da competição para soltar as amarras
do atleta, mas este continuou perdendo, pois seus músculos estavam
atrofiados.


Para que o atleta que tanto tempo ficou sob amarras realmente
competisse em igualdade de condições, necessário se fez algumas medidas
para compensar a fraqueza de seus músculos atrofiados, como por exemplo
garantir-lhe iniciar a corrida alguns segundos antes, colocá-lo alguns
metros à frente do outro ou outras medidas semelhantes, para que, desta
forma sim, disputasse em igualdade de condições.


Como podemos perceber, a ação afirmativa, chamada de discriminação
positiva pelos europeus, não se presta apenas a cuidar das discriminações
imediatas e sim da discriminação histórica, introduzida e arraigada em
nossa cultura e valores.


De acordo com o conceito da Comissão de Direitos Civis dos Estados
Unidos, a expressão ação afirmativa "abrange qualquer medida, além da
simples interrupção de uma prática discriminatória, adotada com a
finalidade de corrigir ou compensar a discriminação passada ou presente ou
evitar que a discriminação ocorra no futuro".


Conforme definição do Senador Abdias Nascimento[6], grande defensor da
causa negra em nosso País, a ação afirmativa consiste em "um conjunto de
instrumentos utilizado para promover a igualdade de oportunidades no
emprego, na educação, no acesso à moradia, e no mundo dos negócios, onde se
busca, através da prevenção, alcançar uma sociedade inclusiva, aberta à
participação igualitária de todos os cidadãos".


O pesquisador Sérgio Abreu entende ação afirmativa como um conjunto de
políticas públicas que visa compensar os negros, assim como outras minorias
em desvantagens, pela discriminação sofrida no passado. A ação afirmativa
objetiva, pois, diminuir as desigualdades existentes, oriundas dessa
chamada discriminação histórica, compensando certos segmentos da sociedade,
sem deixar de lado o mérito de cada indivíduo.


Seu conceito mais genérico a circunscreve como um conjunto de medidas
utilizado para promover a igualdade de oportunidades nos diversos campos da
vida, como trabalho, educação etc. É o conjunto de medidas pelas quais os
governos federal, estaduais e municipais, as universidades, assim como o
setor privado, deve procurar não apenas remediar a discriminação passada e
presente, mas também prevenir a discriminação futura, num esforço para se
chegar a uma sociedade inclusiva[7].


Deve se entender que a ação afirmativa visa dar efetividade às normas
constitucionais que versam sobre a igualdade entre as pessoas, como, por
exemplo, o artigo 5º da nossa Constituição da República de 1988, que
determina que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à
propriedade...". Trata-se aqui do Princípio da isonomia.


Manoel Gonçalves Ferreira Filho[8] afirma magistralmente que:
"o princípio da isonomia oferece, na sua aplicação à
vida, inúmeras e sérias dificuldades. De fato,
conduziria a inomináveis injustiças se importasse em
tratamento igual para todos os que se acha, em
desigualdade de situações. A justiça que reclama
tratamento igual para os iguais pressupõe tratamento
desigual dos desiguais. Ora, a necessidade de
desigualar os homens em certos momentos, para
estabelecer, no plano fundamental, a sua igualdade,
cria problemas delicados que nem sempre a razão
humana resolve adequadamente".


Deve-se mencionar ainda outros artigos constitucionais que são
correlatos, quais sejam:
O artigo 1º, inciso III trata da dignidade da pessoa humana, que
por si só fala. Todo ser humano, independentemente de raça, sexo
deve ser tratado com respeito e dignidade;
O artigo 3º, IV afirma que todo ser humano deve ser tratado sem
preconceito de origem, de raça, discriminação em decorrência do
sexo etc.
O art. 4º, VIII prevê como princípio o repúdio ao terrorismo e ao
racismo, sendo a prática do racismo capitulada como "crime
inafiançável, imprescritível e sujeito à pena de reclusão", como o
previsto no art. 5º, XLIV.


Como afirma Abreu[9], a "relevância da supressão das práticas racistas
ou discriminatórias, bem como a desmitificação da democracia racial,
aprimora e aumenta o acervo dos dispositivos anti-discriminatórios".
Surgem, então, leis infraconstitucionais como a chamada Lei Afonso Arinos
(Lei n.º 1.390, de 03/07/51, alterada pela Lei n.º 7.437, de 20/12/85) que
proíbe a prática do racismo, tipificando-a como contravenção, e ainda a Lei
n.º 7.716, de 05/01/89, parcialmente alterada pela Lei n.º 9.459, de
13/05/97 que passou a considerar tal prática como crime.


O princípio da igualdade não significa que todos sejam iguais, mas sim
que tenha igualdade de oportunidades, independentemente de suas diferenças.
Como se vê a Constituição se preocupa com a desigualdade advinda da
discriminação e dizer que esta não existe é uma falácia, pois ela está aí
para todos verem. Entendemos, pois, que a natureza jurídica deste instituto
é justamente se constituir em um instrumento de efetivação do princípio
constitucional da igualdade.










Campo De Atuação E Formas De Manifestação Da Ação Afirmativa


Conforme já esposado, a ação afirmativa tem por escopo diminuir as
desigualdades sociais historicamente existentes, inserindo-se em três
campos de atuação, quais sejam:
1. No mercado de trabalho: Neste setor, as medidas de Ação afirmativa visam
colocar as minorias (mulheres, negros e demais setores sociais
historicamente discriminados) dentro do mercado de trabalho, aumentando
suas possibilidades de contratação e de promoção.
2. Na área empresarial: aqui esses instrumentos visam dar oportunidade de
empresas pertencentes a estas minorias de concorrer em igualdade de
condições com as demais empresas para contratação com os governos
federal, estaduais e municipais.
3. Na área educacional: Neste campo, o que se busca é dar efetiva
oportunidade para estas minorias estudarem, visando-se, principalmente, a
chegada ao ensino superior, predominantemente atingido pelos setores
privilegiados da sociedade.


São estes os campos de atuação da ação afirmativa; entretanto, várias
são suas formas de manifestação, devendo ficar claro que o sistema de cotas
não é a única forma. Empresas americanas, percebendo que os consumidores
caracterizam-se principalmente pela multirracialidade e tendo em vista a
internacionalização da economia, começaram a apostar nos mecanismos de ação
afirmativa, objetivando obter uma força de trabalho diversificada, o que
gerou resultados muito positivos, conforme estudo publicado na revista
Forbes, no qual demonstra que as empresas que se utilizaram da ação
afirmativa lucraram cerca de 18% a mais que as demais.


Há ainda nos Estados Unidos organismos, como por exemplo a National
Minority Supplier Development Council, Inc., que intermediam as relações
com as chamadas corporations para que estas contratem com as empresas
pertencentes às minorias, que jamais seriam alvo de contratação caso não
houvesse tais organizações.


As empresas começaram a observar as vantagens que advém da utilização
das medidas de ação afirmativa, tanto que várias dela, nos Estados Unidos,
já as colocam em prática, sem mesmo haver necessidade de leis as
determinando.


Outra forma de manifestação da ação afirmativa é a colocação de
anúncios pelas grandes empresas realizando uma convocação em massa para
emprego nos veículos de comunicação, aumentando assim as chances de
contratação de um membro qualificado deste setor discriminado, pois, como
se sabe, o que acontece normalmente é a empresa de grande porte fazer a
colocação de seu pessoal por meio de indicação, forma esta que as minorias,
por razões óbvias, nunca alcançam.


Muitas das vezes, as empresas utilizam o método de metas e
cronogramas, geralmente confundido com o sistema de cotas. Este sistema não
determina a contratação ou promoção de um número específico de candidatos
pertencentes às minorias (como nas cotas), dando-se da seguinte forma: a
empresa coloca como meta aumentar de 1 para 10%, por exemplo, o percentual
de funcionários negros, mulheres, deficientes etc., no nível gerencial, o
que encoraja seus gerentes a concentrar esforços na busca de candidatos
qualificados para a ocupação destes novos cargos. Há empresas
multinacionais, com sede nos Estados Unidos, têm aplicado a ação afirmativa
em suas filiais no Brasil. São elas, por exemplo: Levi Strauss, Levi&squos,
e Xerox.


Na área de educação, é sabido que somente uma pequena parcela da
população tem acesso à educação, sendo menor ainda este número que consegue
atingir a Universidade. A ação afirmativa visa justamente dar oportunidade
educacional aos estudantes qualificados.


Não se pode confundir as medidas de ação afirmativa com preferências
ou privilégios, pois tais instrumentos recompensam o mérito. Isso significa
que não é qualquer um que é beneficiado pelas medidas de compensação de
desigualdades.


Imaginemos dois estudantes que estejam prestando vestibular. Um
oriundo de escola particular (predominantemente freqüentada por alunos
brancos) que tira nota sete, e outro de escola pública (em regra,
freqüentada por negros) que obteve nota cinco. Além do ensino notoriamente
de melhor qualidade que aquele tem acesso, há ainda as atividades
extracurriculares que auxiliam na apreensão dos conteúdos escolares por
estes estudantes, tais como viagens, familiaridade com a informática,
diálogos mais profundos com a cultura universal, e demais facilidades que
as minorias não vivenciam. É patente a injustiça de toda essa situação,
devendo a mesma ser remediada.


As formas de manifestação da ação afirmativa neste campo pode se dar
por meio dos institutos que oferecem curso pré-vestibular para estudantes
negros, como por exemplo a experiência de Frei Davi, na Baixada Fluminense,
e o Instituto Palmares, na Lapa; pela concessão de bolsas de estudo
preferenciais etc.


Várias são as formas de manifestação da ação afirmativa, dentro destes
três campos de atuação acima delimitados, sendo o sistema de cotas somente
mais um dos modos de aplicação. Colocar a ação afirmativa como sinônimo de
sistema de cotas, exclusivamente, é o discurso utilizado por aqueles a quem
interessa a perpetuação das desigualdades históricas, tendo por objetivo,
nesta fala, provocar a antipatia da opinião pública.

Ação Afirmativa No Brasil


"O persistente caráter autoritário do sistema
político brasileiro, associado à mitologia da
democracia racial e da ideologia do embranquecimento,
mascara os antagonismos raciais e desmobiliza a
comunidade afro-brasileira, numa característica
estratégica de subordinação racial". Sérgio Abreu[10]


O regime escravocrata influenciou fortemente a estratificação social,
sendo esta situação acentuada no momento pós-abolicionista com a chegada
dos imigrantes europeus e a competição acirrada pelo mercado de trabalho.
Somente a partir dos anos 30, começou a proletarização e urbanização dos
negros e dos mulatos, havendo uma melhoria na situação nos anos 50, em
razão da industrialização no País.


Toda essa questão histórica perpetua até os dias de hoje a
discriminação, acarretando nas seguintes conseqüências, conforme Abreu
(1999):
O desenvolvimento escolar das crianças negras e pardas é mais lento do
que entre as crianças brancas (PNDA de 1982).
Dois terços das crianças negras e pardas têm um atraso de três ou mais
séries em relação às crianças brancas, ao final do ensino fundamental. O
percentual de crianças que chegam ao final de sua trajetória escolar sem
atraso, com pais que têm um a três anos e instrução, 19,5% são de
brancos, 5,9% de negros e 12% de pardos.
O baixo número de pessoas que atinge à Universidade é o resultado da
pobre escolarização os níveis de ensino básico. Enquanto 9,2% dos brancos
concluem o curso de nível superior, somente 1,2% de negros e 2,1% de
pardos conseguem atingir esse grau de escolaridade.
Importante se faz registrar que os baixos índices de escolaridade dos
afro-brasileiros estão associados também ao estigma enraizado. Pesquisas
de campo realizadas pelo profº Abreu (1988), em escolas de primeiro grau
no Município do Rio de Janeiro, revelou que 75% dos entrevistados
responderam que os brancos detêm qualidades aceitas socialmente, enquanto
os negros possuem características marginalizadas pela sociedade.
A relação entre as desigualdades raciais no mercado de trabalho e na
educação gera conseqüência nos índices de criminalidade e nos de
população carcerária.
Recente estudo feito pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e
Econômicas (Ibase), demonstrou que no Rio de Janeiro o perfil da maioria
de crianças e adolescentes assassinados é de pobre, do sexo masculino,
negro e mulato, morador de bairro de baixa renda e favelas.


Por esses breves dados estatísticos, percebe-se que a desigualdade e a
discriminação existem, apesar de muitos tentarem negar, e ela é
(com)sentida em todos os campos, como o educacional, o social, o
profissional, e para extirpá-la, ou ao menos minorá-la, devemos lançar mão
de medidas da ação afirmativa, ressaltando ainda que a extinção das
desigualdades é um dos objetivos fundamentais do Estado.


Com exceção do período de repressão militar, o Brasil ratificou
diversos tratados internacionais de proteção contra o racismo e a
discriminação, especialmente a Convenção Internacional sobre a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 27/03/1968; Convenção
Relativa à Luta Contra a Discriminação no Campo do Ensino, de 19/04/1968; e
Convenção (n.º 111) sobre Discriminação em Emprego e Profissão, de
26/11/1965.


As leis contra discriminação também são de suma importância, como se
pode observar da análise da Lei n.º 7.716/89 (chamada Lei Caó), que gerou
três vezes mais o número de denúncias contra a discriminação racial e de
condenações, em dois anos de vigência do que em trinta e quatro anos da Lei
Afonso Arinos ( Lei n.º 1.390/51), que tratava as práticas racistas como
contravenção. Entretanto, nenhuma das duas leis avançaram
significativamente no combate à discriminação.


Todos esses tratados ratificados e leis punindo a discriminação são de
extrema importância e prevêem a adoção de medidas compensatórias a grupos
discriminados.


A Cimeira-99, primeira reunião entre Chefes de Estado e de Governo da
América Latina e Caribe e da União Européia, realizada na cidade do Rio de
Janeiro nos dias 28 e 29 de junho de 1999, estabeleceu através da
Declaração do Rio de Janeiro, os seguintes pontos atinentes aos direitos
humanos:


1. Promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades individuais,
inclusive o direito ao desenvolvimento, levando em consideração seu
caráter universal, interdependente e indivisível, reconhecendo que sua
promoção e proteção são responsabilidade dos Estados e de todos os
cidadãos.(item 12, área política).
2. Fortalecer a educação para a paz e rejeitar todas as formas de
intolerância, inclusive a xenofobia e o racismo, em benefício da
segurança internacional e regional e do desenvolvimento nacional, bem
como promover e proteger os direitos dos grupos mais vulneráveis da
sociedade, em especial as crianças, os jovens, os deficientes e as
populações deslocadas e os trabalhadores migrantes e suas famílias. (item
13, área política)
3. Reafirmar a total igualdade de gênero, como parte inalienável integral e
indivisível de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais,
comprometendo-nos assim a incorporar uma perspectiva de gênero nas
políticas públicas de nossos Governos. (item 15, área política).
4. promover e proteger os direitos das populações indígenas, inclusive seu
direito de participar eqüitativamente das oportunidades e benefícios do
desenvolvimento político, econômico e social, e deles desfrutar, com
total respeito à sua identidade, cultura e tradições. (item 16, área
política)
5. Reiterar nosso compromisso, no tocante ao estabelecimento de uma
parceira sólida entre a América Latina e Caribe e a União Européia, nas
esferas educacional, cultural e humana, com base em valores
compartilhados e no reconhecimento da importância da educação para o
alcance da igualdade social e do progresso científico e tecnológico.
Comprometemo-nos também a conduzir nossas relações fundadas nos
princípios da igualdade e do respeito à pluralidade e à diversidade, sem
distinção de raça, religião ou gênero, preceitos que constituem o meio
ideal de construção de uma sociedade aberta, tolerante e abrangente, na
qual o direito do indivíduo à liberdade e ao respeito mútuo seja
garantido pelo acesso igualitário à capacidade produtiva, à saúde, à
educação e à proteção civil. (item 54, área cultural, educacional,
científica, tecnológica, social e humana)
6. Promover o acesso universal à educação e à capacitação profissional para
o emprego como fatores determinantes da redução das desigualdades
sociais, diminuição da pobreza e criação de empregos adequadamente
remunerados, garantindo uma educação básica completa para todas as
pessoas em idade escolar, e do direito individual de manutenção da
identidade cultural e lingüística; destacamos o direito à própria
educação, fundamentado na responsabilidade nacional específica de cada
país de oferecer educação adequada a todos os seus cidadãos. (item 64).

Como se observa destes pontos, ficou estabelecido na Cimeira-99 que os
países que assinaram a Declaração do Rio estão juntando esforços para
tentar diminuir as desigualdades, inclusive com a utilização de medidas de
ação afirmativa.


Existem alguns casos, no Brasil, de aplicação, mesmo que tímida, de
medidas de ação afirmativa, como é o caso do tratamento preferencial aos
portadores de deficiência física; a recente reserva de 20% para mulheres
nas listas de candidatos de todos os partidos; a famosa Lei dos Dois
Terços, que obrigava as empresas a contratarem um a maioria de
profissionais brasileiros, em uma época que era grande o número de
imigrantes no mercado de trabalho e mais recentemente o polêmico sistema de
cotas adotado para ingresso de candidatos declarados negros em algumas
Universidades do Rio de Janeiro.


O Senador Abdias Nascimento apresentou o projeto de lei n.º 52, em
1997, no qual tipificava como crime a prática de racismo, além da
discriminação em relação a orientação sexual, religião, idade, deficiência,
procedência nacional etc. Neste projeto, constava ainda o artigo 4º que
pretendia dispor como não configuração de crime "...a distinção realizada
com o propósito de implementar uma ação compensatória em função de
situações discriminatórias históricas ou passadas, ou quando existe uma
relação lógica necessária entre a característica na qual se baseia a
distinção e o propósito dessa distinção, ou ainda por previsão legal".
(g.n.)


Previa o projeto, então, a ação afirmativa como forma, inclusive, de
colocar o País em dia com as obrigações assumidas na arena internacional,
conforme menciona o Ilustre Senador quando da justificação de seu projeto,
referindo-se às convenções internacionais em que o Brasil é signatário.


Em outro projeto de lei (n.º 73, de 1997), o Senador Abdias visava
proibir a contratação, pela União, por pessoas jurídicas da Administração
Indireta e demais pessoas físicas e jurídicas que cometessem ações ou
omissões em favor da discriminação racial, crimes contra a ordem econômica
ou tributária atos que visassem ou tendessem a levar à formação de
monopólio ou à eliminação da concorrência e dano ambiental não reparado.


O Senador Abdias, incansável na luta contra a discriminação racial, à
época secretário extraordinário de defesa e promoção das populações negras,
solicitou, em 11 de agosto de 1993 ao então Governador Leonel Brizola a
criação de uma Delegacia Especializada em Crimes Raciais, sendo esta então
instituída pelo Decreto n.º 19.585, de 26 de janeiro de 1994.


O projeto de lei n.º 75, de 1997, também de autoria do Senador Abdias
Nascimento, disciplinava as medidas de ação compensatória para a
implementação do princípio da isonomia social do negro[11], visando atingir
"três dimensões da discriminação racial contra o negro no Brasil: as
oportunidades e a remuneração do trabalho, a educação e o tratamento
policial[12]". Tal projeto fora arquivado definitivamente por haver
encerrado a legislatura do Senador, sem que tenha conseguido nenhum parecer
favorável nas Comissões Permanentes do Senado.


Em 26 de agosto de 2002, o então Presidente Fernando Henrique Cardoso
edita a medida provisória n.º 63, por meio da qual cria o Programa
Diversidade na Universidade, tendo por fim implementar e avaliar
estratégias para a promoção do acesso ao ensino superior de pessoas
pertencentes a grupos socialmente desfavorecidos, especialmente dos
afrodescendentes e dos indígenas brasileiros. Esta medida provisória foi
prorrogada pelo ato do presidente do Congresso Nacional, publicado no
Diário Oficial de 25/10/2002, pagina 1, coluna 2 e transformada em Lei n.º
10558, em 13 de novembro de 2002.


A Lei Estadual (RJ) n.º 4151, de 04 de setembro de 2003, institui o
sistema de cotas para ingresso nas Universidades públicas estaduais, tendo
por finalidade reduzir desigualdades étnicas, sociais e econômicas, de
estudantes carentes oriundos da rede pública de ensino; negros; pessoas com
deficiência, nos termos da legislação em vigor, e integrantes de minorias
étnicas.


A Lei Estadual (RJ) n.º 4296, de 24 de março de 2004, institui reserva
de 10% (dez por cento) das vagas em instituições de ensino fundamental e
médio da rede particular para alunos excedentes da rede pública, deles nada
podendo ser cobrado a título de matrícula, mensalidade etc.


Como se observa a discriminação ainda é muito grande e muito há que se
fazer, temos que sair desta ilusão de "democracia racial", como coloca o
Senador Abdias Nascimento, e começarmos a lutar contra todo o tipo de
discriminação, seja, racial, de gênero, por nacionalidade etc., pois só
assim, começaremos a caminhar verdadeiramente para um mundo mais justo!


Conclusão

Várias críticas são feitas à aplicação da ação afirmativa por aqueles
que a desconhecem e, principalmente, por aqueles que querem perpetuar a
discriminação e a desigualdade existente em nosso país.


Desde que começou a ser usada a ação afirmativa, sua
constitucionalidade tem sido questionada, por ser um instrumento que
oferece vantagens às minorias. Ocorre que tal argumento é fraco e
inconsistente, pois, a ação afirmativa visa, como já se viu, dar
efetividade ao princípio constitucional da isonomia.


Outro tipo de crítica é a alegação de que a ação afirmativa baixa o
nível educacional e o padrão do trabalho. Quem se utiliza desta
argumentação desconhece que os instrumentos de ação afirmativa,
principalmente na área de educação e do mercado de trabalho, se baseia em
critérios que garantem que seus beneficiados sejam pessoas capazes de
aproveitar a oportunidade que esse instrumento lhes pode propiciar.


Há quem diga que as medidas de ação afirmativa não são necessárias,
tendo em vista que qualquer tipo de discriminação é ilegal. Ora, apesar dos
enormes ganhos conseguidos na luta pelos direitos humanos e movimento pelos
direitos das mulheres, negros e mulheres ainda sofrem todo tipo de
discriminação no mercado de trabalho e na educação. De acordo com o censo
Bureau realizado nos Estados Unidos[13], para cada 1 (um) dólar recebido
por um homem, as mulheres recebem 74 centavos; as mulheres negras, 63
centavos; e as mulheres latinas, 57 centavos. Segundo esta pesquisa,
somente 25% de todos os advogados e doutores são mulheres, e somente 8,4%
são engenheiras. Os números falam por si só. A desigualdade existe e tem
que ser compensada! A discriminação existe também em relação às
empresárias. Somente 3% dos contratos com o Governo Federal americano vai
para as empresas destas mulheres


Alguns ainda afirmam que as medidas de ação afirmativa e a política de
combate à pobreza são excludentes uma das outra. Confundem os dois
mecanismos e afirmam que a ação afirmativa não acabou com a pobreza em
nenhum lugar do mundo. Nesse ponto, os opositores têm razão, pois a ação
afirmativa não visa realmente acabar com a pobreza; não é este seu objetivo
e sim dar igualdade de condições aqueles que são desiguais. Ora, quem
conhece o país em que vive, e sabe que o Brasil de verdade é o que está
fora das novelas, sabe que estas duas medidas não são excludentes uma da
outra e que a implantação de ambas são de vital importância para que
possamos realmente chamar este país de Nação.


O texto denominado "Women Speak on Affirmative Action" (1998),
elaborado pelo The National Council of Women's Organizations, muito bem
ilustra a discriminação e ação afirmativa quando afirma que:
A direita radical sempre nos fez crer que mulheres e
pessoas de cor ganham menos porque não trabalham com afinco
e não são inteligentes. Isto simplesmente não é o caso. As
leis mudaram, mas a discriminação persiste. A ação
afirmativa somente abre portas, mas mulheres e pessoas de
cor tem que atravessá-las por si próprias[14].


Como visto durante todo este trabalho, verificamos que a discriminação
e a desigualdade decorrente desta existem e devem ser rechaçadas de nosso
sistema, pois impedem o país, a própria humanidade, de evoluir. E para que
isso realmente ocorra, devemos lançar mão das medidas tão benéficas da ação
afirmativa que pode ser traduzida pela célebre frase de nosso Ilustre Rui
Barbosa, na qual este E. jurista afirmava que devemos "tratar os desiguais
com desigualdade". Está é a verdadeira expressão de justiça!

Bibliografia
ABREU, Sérgio. "Os Descaminhos da Tolerância. O afro-brasileirismo e o
Princípio da Igualdade e da Isonomia no Direito Constitucional". Ed. Lumen
Juris. Rio de Janeiro. 1999.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. "Curso de direito administrativo". São
Paulo: Malheiros Editores, 1996.
CRETELLA JUNIOR, José. "Comentários à Constituição Brasileira de 1988".
Vol.I. Ed. Forense Universitária. 1989.

NASCIMENTO, Abdias. "A energia do inconformismo". Dionysos Tem. Minc.
Fundacen. n.º 28, 1988.

OUTRAS FONTES CONSULTADAS:
www.acsu.buffalo.edu
www.auaa.org
www.now.org
www.alternex.com.br
www.pdt.org.br

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[1] Martin Luther King III é co-fundador da Americans United for
Affirmative Action - AUAA
[2] Frederick Douglas, líder abolicionista, reagindo a este fatídico caso,
afirmou: "The Supreme Court is not the only power in this world. We, the
abolitionists and colored people, should meet this decision, unlooked for
and monstrous as it appears, in a cheerful spirit. This very attempt to
blot out forever the hopes of an enslaved people may be one necessary link
in the chain of events preparatory to the complete overthrow of the whole
slave system".
[3] O presidente Kennedy afirmava: "even the complete elimination of racial
discrimination in employment - a goal toward which this nation must strive
- will not put a single unemployed Negro to work unless he has the skills
required."
[4] Fletcher descreveu seu Plano em um ensaio publicado na coleção de
George Curry, em 1996, chamado de "O debate da Ação afirmativa".
[5] Discurso proferido na colação de grau de uma turma de Howard
University, em 04 de junho de 1965 cujo texto em inglês é: "But freedom is
not enough. You do not wipe away the scars of centuries by saying: Now, you
are free to go where you want, do as you desire, and choose the leaders you
please. You do not take a man who for years has been hobbled by chains,
liberate him, bring him to the starting line of a race, saying, "you are
free to compete with all the others," and still justly believe you have
been completely fair. Thus it is not enough to open the gates of
opportunity. All our citizens must have the ability to walk through those
gates. This is the next and more profound stage of the battle for civil
rights. We seek not just freedom but opportunity - not just legal equity
but human ability - not just equality as a right and a theory, but equality
as a fact and as a result".
[6] Conceito emitido em discurso proferido no Senado Federal em 13 de maio
de 1998.
[7] Conforme definição do I. Sub-secretário adjunto da Secretaria Estadual
de Direitos Humanos, Dr. Carlos Alberto Medeiros.
[8] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira
de 1969, 6ª edição, 1986, p.581
[9] Cf. Sérgio Abreu in Os Descaminhos da Tolerância, Lumen Iuris, 1999,
p.89
[10] Compilado da obra do mesmo autor intitulado Os descaminhos da
tolerância. Ed. Lumen Iuris, 1999.
[11] Conforme definição da ementa do projeto de lei.
[12] Conforme mencionado pelo Senador Abdias Nascimento na justificação do
projeto.
[13] The Census Bureau, Statistical Abstract of the United States, 1996
[14] "The radical right wing would have us believe that women and people of
color earn less because we don't work as hard or we're not as smart. That
simply isn't the case. Laws have changed, but discrimination persists.
Affirmative Action only opens doors, women and people of color have to walk
through those doors by themselves".
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