BREVE CONTRIBUIÇÃO À ANTROPOLOGIA JURÍDICA: A CONSTITUIÇÃO DO HUMANO NA ANTROPOLOGIA PLATôNICA

July 16, 2017 | Autor: Felipe Bambirra | Categoria: Plato, Filosofia do Direito, Platão, Antropología y Sociología Jurídica
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BREVE CONTRIBUIÇÃO À ANTROPOLOGIA JURÍDICA: A CONSTITUIÇÃO DO HUMANO NA ANTROPOLOGIA PLATôNICA UNE CONTRIBUTION À L'ANTHROPOLOGIE JURIDIQUE: LA CONSTITUTION DE L'HUMAIN DANS L'ANTHROPOLOGIE PLATONIQUE Felipe Magalhães Bambirra Nathália Lipovetsky e Silva RESUMO O tema central da filosofia de PLATÃO pode ser considerado como a relação do homem com o divino, para o que o filósofo retoma a idéia socrática de alma, utilizando-se do mito para explicar a verdade parcialmente contemplada pela alma no mundo das idéias e para demonstrar como o homem pode, através da racionalidade, ser o responsável pelo seu próprio destino. Para PLATÃO, que divide a realidade entre mundo sensível e mundo inteligível, a alma, sede da racionalidade, subsiste à morte e pré-existe ao nascimento, e o corpo é um obstáculo ao conhecimento. A natureza da alma revela-se congênita com o mundo das idéias, diante do que é essencial cuidar da alma, não apenas pelo tempo que dura a vida, mas por toda a eternidade, e o único meio para fazê-lo é torná-la o melhor e o mais sábia possível, pois a única coisa que a alma leva consigo é a educação recebida. O amor é o que renova o conhecimento por rememoração e reflexão, apenas na alma há amor, pois apenas a alma aspira àquilo que não possui, sendo, assim, o amor, um intermediário ativo entre o mundo humano e o mundo divino (um daimon). O amor nos liga à realidade divina e participa da imortalidade na medida em que é um perpétuo superar-se. Em PLATÃO há elementos, posteriormente retomados por AGOSTINHO, basilares no cristianismo e na cultura ocidental. A tricotomia da alma pode ser considerada uma transposição ao plano da paideia, da polaridade entre logos e eros unificada na perspectiva da contemplação das idéias do Belo e do Bem. A justiça seria, então, a harmonização desses elementos, cada qual realizando sua função natural através de uma educação formadora de cidadãos plenos (paideia). Para PLATÃO, Deus é a própria justiça e nada pode estar mais próximo de Deus do que aquele que se torna o mais justo possível. Essa idéia, retomada no medievo (homem como imago dei) na obra de AGOSTINHO, principalmente, será embrião do conceito de dignidade humana, que florescerá na Modernidade. A partir da fundamentação feita por KANT sobre a liberdade e a igualdade baseadas no mérito de cada um por ser pessoa, somados ao valor trabalho inserido por HEGEL para o fazer-se racional do homem, tornou-se possível fazer da dignidade humana um dos núcleos do Direito contemporâneo, o que nos permite afirmar que o estudo da antropologia filosófica de PLATÃO é essencial para a compreensão dos fundamentos do Direito e da justiça. PALAVRAS-CHAVES: Filosofia do Direito na Antiguidade Clássica; Antropologia Jurídica e Filosófica; Justiça e Educação em Platão.

RESUME L’idée centrale de la philosophie de PLATON peut être considérée comme la relation entre le divin et l’humain, pour ce que le philosophe reprend l’idée socratique de l’âme et s’utilise du mythe pour expliquer la vérité partiellement contemplée par l’âme dans le monde des Idées et pour démontrer comment l’homme peut, en s’utilisant de la rationalité, être le responsable pour son propre destin. Pour PLATON, la réalité est divisée entre le monde sensible et le monde intelligible et l’âme est la source de la rationalité. L’âme subsiste à la mort et préexiste à la naissance, le corps n’étant qu’un obstacle à la connaissance. La nature de l’âme se révèle innée au monde des Idées, raison par laquelle il est essentiel d’en prendre soin, pas juste

pour le temps de la vie, mais pour toute l’éternité, et la seule façon de le faire c’est qu’elle devienne le meilleur et le plus sage possible, car la seule chose que l’âme peut porter c’est l’éducation. C’est l’amour qui renouvelle la connaissance par remémoration et réflexion, et seulement dans l’âme il peut exister, parce que seule l’âme aspire à ce qu’elle ne possède pas, c’est-à-dire, l’amour est un intermédiaire entre le monde humain et le monde divin (un daimon). L’amour nous relie à la réalité divine et participe de l’immortalité parce qu’il est un perpétuel dépassement. PLATON établit des éléments, plus tard repris par AUGUSTIN, qui sont à la base du christianisme et de la culture occidentale. La tricotomie de l’âme peut être considérée comme une transposition à la paideia, de la polarité entre logos et eros unifiée dans la perspective de la contemplation des idées de la Beauté et du Bien. La justice serait, donc, l’harmonisation de ces éléments, chacun étant responsable pour la réalisation de sa fonction naturelle à travers l’éducation pour la plénitude des citoyens (paideia). Pour PLATON, Dieu est la justice lui-même et rien ne peut être plus proche de Dieu que celui qui devient le plus juste possible. Cette idée, reprise au Moyen Âge (l’homme comme imago dei) chez AUGUSTIN, surtout, a été l’embryon du concept de la dignité humaine, qu’épanouira dans la Modernité. À partir de la fondamentation faite par KANT sur la liberté et l’égalité fondeés dans le mérite de chacun d’être personne, additioné de la valeur travail introduit par HEGEL, c’est possible pour la dignité humaine d’être un des noyaux du Droit contemporain, ce que nous permet d’affirmer que l’étude de l’anthropologie philosophique de PLATON est essentiel pour la compréhension des fondements du Droit et de la justice. MOT-CLES: Philosophie du Droit dans l’Antiquité ; Anthropologie Juridique et Philosophique ; Justice et Education chez Platon.

Autor 1[1] Autor 2[2]

Sumário: 1. Introdução; 2. O mito em Platão; 3. A alma e a imortalidade; 4. A dialética entre eros e logos; 5. A República e o conhecimento iniciático; 6. Conclusão: os desdobramentos da antropologia platônica no Direito contemporâneo; 8. Referências bibliográficas.

1. Introdução 1.1. Antropologia Jurídica e Filosófica Na Modernidade, desde o final do século XVIII, assistiu-se ao rápido desenvolvimento das chamadas Ciências Humanas[3] (Geisteswissenschaften) e das ciências da vida, que conhecem, cada vez mais profundamente, o homem em sua dimensão cultural e biológica, respectivamente[4]. A resposta à pergunta "O que é o homem?", objeto da Antropologia Filosófica[5], é comumente dada com preponderância do que Lima Vaz denomina pólos epistemológicos, centros de explicação que se formaram a partir do extraordinário horizonte de conhecimentos que o homem acumulou de si. Distinguem-se os seguintes pólos epistemológicos: o das formas simbólicas, a partir das ciências da cultura; o do sujeito, pelas ciências do indivíduo e de seu agir individual, social e histórico; e o da natureza, pelas ciências naturais do homem[6]. Ao Direito, forma de manifestação da cultura e objetivação do espírito humano no mundo, é essencial a idéia que o homem constrói de si, de que maneira ele pode ser pensado e se compreende. A história do

Direito é a história da liberdade, do homem que se conhece livre enquanto tal[7], e, sendo assim, não se pode admitir uma noção abstrata ou fragmentária do homem, sob pena de se comprometer a justiça que o Direito se propõe a realizar[8]. Por assim ser, até mesmo nas concepções jurídicas de caráter tecnicista, como o positivismo, é ilógico que se perca o homem no horizonte do Direito. Dá-nos este testemunho Tércio Sampaio Ferraz Jr., ao afirmar que "o fenômeno da positivação não só explica o papel ambíguo que o homem assume perante o Direito fundamento de todas as positividades jurídicas, o homem é também o seu objeto central -, mas também o nascimento da moderna ciência jurídica, com suas imanentes ambigüidades. Queremos dizer, com isso, que a positivação forçou a tematização do ser humano como objeto da Ciência do Direito. Mesmo correntes modernas que procuram fazer da ciência jurídica uma ciência da norma não podem deixar de enfrentar o problema do comportamento humano e suas implicações na elaboração e aplicação do Direito. As recentes críticas que se fazem, nestes termos, ao kelsenismo e sua Teoria Pura revelam que o objeto central da Ciência do Direito não é nem a positivação nem o conjunto das normas positivas, mas esse ser (o homem) que, do interior da positividade jurídica que o envolve, se representa, discursivamente, o sentido das normas ou proposições prescritivas que ele próprio estabelece, obtendo, afinal, uma representação da própria positivação"[9]. Vê-se que as idéias do humano e da pessoalidade estão no centro das reflexões jurídicas, com reflexos nas diversas manifestações do direito. Mas o que é este homem ocidental para o Direito? Para o presente trabalho, partimos da idéia de que o Direito constitui o logos discursivo sobre o homem, e, ao mesmo tempo, é também constituído por este discurso, sobretudo na civilização ocidental[10] contemporânea[11]. Há, portanto, uma forte interação entre as diversas instâncias científicas que buscam explicar o homem - e que são suprassumidas nas categorias próprias da Antropologia Filosófica[12] - e a Ciência e Filosofia do Direito, constituindo-se, portanto, elementos dialeticamente indissociáveis. "O que é o homem?" é uma pergunta fundamental para o desenvolvimento do Direito em consonância com a idéia de justiça no mundo contemporâneo, que, tal como proposta por Joaquim Carlos Salgado, almeja garantir a fruição da liberdade em seu conceito ao homem. Ressalta-se que, além disso, a disciplina Antropologia Jurídica foi recentemente incluída no currículo básico dos cursos de Direito pelo Conselho Nacional de Educação, através da resolução CNE/CES n. 9, de 29 de setembro de 2004, como obrigatória[13]. Por essa razão, há um grande incentivo para que se retome e seja trazida à consciência as relações entre o Direito e o Homem, e, considerando que a Antropologia Jurídica deve ser construída sobre os alicerces não só do método científico (Antropologia Social e Cultural)[14], mas igualmente a partir de fundamentos filosóficos (Antropologia Filosófica), voltaremos os nossos olhares para a antropologia filosófica platônica, uma vez que se trata de uma concepção fundante do Ocidente. 1.2. Platão ao longo da história Platão foi, sem dúvida, o mais poderoso influxo filosófico da Antiguidade. Foram as idéias platônicas que dominaram o horizonte de compreensão durante todo o helenismo, por meio do neoplatonismo, e, posteriormente, informou os principais alicerces da Idade Média, por meio de Agostinho, quem assumiu o Neoplatonismo de Plotino. Só a partir do século XIII, a partir da introdução do corpus aristotélico na Europa por Averrois, que o pensamento platônico foi colocado frente a frente ao de Aristóteles. Platão teve o mérito de conjugar, de modo dinâmico e dialético, as concepções cosmológicas dos pré-socráticos com o pensamento fortemente marcado pela posição central do homem e do humano presente no embate de Sócrates com os Sofistas. Operou essa síntese por meio de um sistema filosófico - pensamento que aparece

de modo inaugural na história. Uma vez assumida pelo cristianismo, como se verá mais a frente, a Filosofia e a Antropologia platônica marcam de forma indelével a civilização ocidental contemporânea[15]. Apesar de ter sido a principal referência filosófica até o medievo, o platonismo ficou em segundo plano por quase toda a Modernidade, só voltando novamente à tona a partir do Idealismo Alemão, e, segundo Jaeger, com a obra de Schleiermacher[16], grande hermeneuta e filólogo. Até a crítica de Schleiermacher, a obra de Platão vinha sendo considerada um sistema fechado, dogmático, privilegiando-se a leitura sob as luzes da Metafísica e Ética platônicas. Foi exatamente a sua posição hermenêutica, de cunho divinatório, que buscava reconstruir a personalidade e as vivências internas do autor para se compreender a sua obra[17], que Schleiermacher, ainda influenciado pelo período romântico, pode perceber que o sistema de Platão não era fechado ou dogmático, pelo contrário, havia ali uma viva filosofia, animada por uma dialeticidade questionadora, construída teoricamente face aos seus adversários e sob a demanda de intervenção política no soçobrar de um modo de vida que demonstrava fortes sinais de esgotamento[18]. Logo em seguida, como continuidade desses estudos, foi-se percebendo que havia uma evolução progressiva na obra de Platão, e começou-se a ganhar relevância hermenêutica a definição da época de aparecimento de cada um dos livros. Inicialmente, essa determinação foi feita a partir de raciocínios internos, aliados aos conhecimentos de filologia e historia grega. Esse método foi insuficiente, na medida em que se chegou a vários resultados contraditórios e dúvidas insanáveis[19]. Nada obstante, Campbell[20] teve o mérito de demonstrar a semelhança de estilo entre os diálogos finais de Platão, relacionando-o com As Leis, obra inacabada[21], e, em razão de seus estudos, chegou-se a certo consenso entre os especialistas. Consequentemente, houve uma verdadeira inversão do Platão de Schleiermacher, uma vez que várias obras nas quais se destaca o problema do método platônico - consideradas da juventude passaram a ser classificadas como de um período bem posterior, da velhice, nas quais Platão parece discutir sua teoria das idéias e busca objetivar sua concretização no mundo[22]. Essa nova posição, aliada ao contexto filosófico do século XIX, no qual dominava o Neokantismo, retirou do centro das discussões a Metafísica e a Ética platônicas, colocando na ordem do dia o problema metodológico, com destaque à poderosa dialética platônica. Nada obstante, ainda se tratava de uma visão unilateral - tal qual a anterior, que se preocupava, sobretudo, com a Metafísica - e que só foi superada com o estudo não de filósofos, mas de historiadores, como Eduard Meyer[23] e Wilamowitz[24], que demonstraram a autenticidade de algumas das Cartas, principalmente a sexta e sétima, que, por terem cunho biográfico, foram de importância decisiva para o conhecimento do Platão histórico. Concluiu-se que a vida e a obra em Platão são instâncias inseparáveis, "e toda a sua filosofia não é senão a expressão de sua vida"[25]. Por fim, destaca-se a grande discussão empreendida por Giovanni Reale, acerca da doutrina não escrita do platonismo (ágrapha dógmata)[26], sem a qual, segundo o autor, é impossível compreender corretamente o filósofo. Feita essa breve dissensão histórica acerca dos problemas interpretativos e de como Platão foi compreendido ao longo do tempo, focaremos nossas análises na questão da alma para Platão, pois foi esse um dos maiores legados à cultura ocidental, e parâmetro segundo o qual o homem contemporâneo continua a fazer referência para se autocompreender[27]. De todo modo, a sucinta retrospectiva nos permite perceber a dimensão do desafio de se voltar a Platão. Impõe-se, portanto, fazer algumas escolhas, referentes aos recursos hermenêuticos e à abrangência dos textos. Dar-se-á prioridade, majoritariamente, às imagens do homem traçadas no Fedro, no Banquete e n'A República, por serem altamente significativas do pensamento e da herança platônica, tecendo breves comentários sobre o desdobramento final dessa visão n'As Leis[28]. Ao final, buscou-se evidenciar a importância do estudo do tema, nos marcos da Antropologia Jurídica e Filosófica, tendo em vista principalmente a posição nuclear que o homem assume no Direito contemporâneo, sendo o fundamento e a justificativa de legitimidade de qualquer ordem jurídica.

2. O sentido dos mitos nos diálogos de Platão Em sentido tradicional, o mito é considerado um relato fantástico, sem bases na realidade, próprio de sociedades tradicionais. Eliade agrupou várias características que permitem uma aproximação desse complexo modo de pensar e viver[29]: "O mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do 'princípio'. Em outros termos o mito narra como, graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o Cosmo, ou apenas um fragmento dela: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, uma instituição. É sempre, portanto, uma narrativa de uma 'criação': ele relata de que modo algo foi produzido e começou a ser. O mito fala apenas do que realmente ocorreu, do que se manifestou plenamente. Os personagens dos mitos são os Entes Sobrenaturais. Eles são conhecidos sobretudo pelo que fizeram no tempo prestigioso dos 'primórdios'. Os mitos revelam, portanto, sua atividade criadora e desvendam a sacralidade (ou simplesmente a 'sobrenaturalidade') de suas obras. Em suma, os mitos descrevem as diversas, e algumas vezes dramáticas, irrupções do sagrado (ou do 'sobrenatural') no Mundo. É essa irrupção do sagrado que realmente fundamenta o Mundo e o converte no que é hoje. E mais: é um razão das intervenções dos Entes Sobrenaturais que o homem é o que é hoje, um ser mortal, sexuado e cultural"[30]. Atualmente, porém, não é possível compreender o mito apenas como um emaranhado a-lógico, segundo o qual uma mente ainda primitiva vive. Sua estrutura possui raízes mais profundas, pois, como afirma Cassirer, seu verdadeiro substrato "não é um substrato de pensamento, mas de sentimento"[31]: "O mito e a religião primitiva não são, de maneira alguma, inteiramente incoerentes, não são vazios de sentido ou razão. Sua coerência, porém, depende muito mais de unidade de pensamento que de regras lógicas [...] Se o pensamento científico presente descrever e explicar a realidade, é forçado a usar seu método geral, que é o da classificação e da sistematização [...] Mas a mente primitiva as ignora e rejeita. Sua visão da vida é sintética, e não analítica"[32]. Platão, porém, sem dúvida tinha consciência da superação que significou a passagem do mythos ao logos, ocorrida com os pré-socráticos. Como grande dramaturgo que era, recorre, nada obstante, e de modo freqüente, aos mitos em seus diálogos, mas com um propósito bem específico, e sem qualquer ingenuidade. Platão foi o responsável pela fixação definitiva do sentido de mythos, que, até ele, fora produto de uma evolução histórica vinculada às transformações por que passaram os vocábulos "dizer" e "palavra" na Grécia Antiga. As críticas que Platão faz ao tipo de discurso representado pelo mito, a partir de seu próprio discurso de filósofo (portanto, superior), são a de ser um discurso não-verificável e não argumentativo, o que, no entanto, não o impede de reconhecer sua utilidade e nem de se utilizar dele em grande parte de seu próprio discurso[33]. Todo mito pode ser considerado um logos se este for compreendido em sentido lato, como "discurso", que designa simplesmente o pensar (δι?νοιαν) manifestado pela voz (δι? φων?ς) através de verbos e substantivos (μετ? ρημ?των τε χα? ?υομ?τωυ). Em Platão, notadamente em uma passagem do Livro II d'A República[34], é esse o sentido dado ao mito: ele corresponde ao elemento "discurso" dentro do domínio da música na educação tradicional grega (constituída pela música e pela ginástica), juntamente com os elementos ritmo e harmonia. É possível realizar a assimilação entre logos e mito no sentido geral de "discurso" porque, em última instância, o logos guardou para si a herança de eros e mito[35]. É o que atesta Luc Brisson: "Em definitivo, quando Platão assimila mûthos a lógos, ele lhe reatualiza o antigo sentido, o de 'discurso'

como 'pensamento que se exprime, opinião'. Este sentido que se manifesta notadamente em Homero será retomado pelo lógos. Mas, ao opor mûthos a lógos como o discurso não-verificável ao discurso verificável e como a narrativa ao discurso argumentativo, Platão reorganiza de modo original e decisivo o vocabulário da palavra em grego antigo em função de seu objetivo principal: fazer do discurso do filósofo o padrão basilar para a determinação da validade de todos os outros tipos de discursos, incluído aí sobretudo o do poeta."[36] O mito, para Platão, apresenta os defeitos de ser um discurso não-verificável freqüentemente assimilável a um discurso falso, cujos elementos se encadeiam de maneira contingente e não numa organização interna caracterizada pela necessidade como no discurso argumentativo. No entanto, esses inconvenientes são compensados pelas vantagens de ser o mito um meio de comunicação da sabedoria compartilhada por todos os membros de uma coletividade, garantindo sua transmissão para as gerações seguintes, tornando-se um instrumento privilegiado capaz de modificar o comportamento da parte inferior da alma humana. O mito constitui, ainda, uma ferramenta de persuasão de grande eficácia, diante de uma audiência universal dentro de uma dada comunidade, bem como é um modelo ao qual se pode recorrer para determinar as condutas a serem adotadas num ou noutro caso específico[37]. Daí a afirmação de que "na ética e na política o mito pode servir de intermediário ao discurso filosófico"[38]. De modo geral, então, o mito serve de paradigma e instrumento de persuasão: "Mesmo sendo um discurso não-verificável que não apresenta uma característica argumentativa, o mito se investe de uma eficácia tão grande que traz consigo um saber de base compartilhado por todos os membros de uma coletividade dada, a partir de que pode fazer o papel de instrumento de persuasão de alcance universal. Única alternativa à violência, permite, na alma humana, a preeminência da razão sobre a parte mortal, e garante, na cidade, a submissão de um grande número às prescrições do fundador da cidade ou do legislador, que são os filósofos. Em ambos os casos, o mito tem o papel de paradigma, o qual, através não do ensinamento mas da persuasão, são levados a se referir, para dar conformidade ao seu comportamento, todos aqueles que não são filósofos, ou seja, a maior parte dos humanos."[39] Há, ainda, uma explicação interna à obra de Platão, filosófica, portanto, para a utilização do mito como metáfora, que é a contemplação incompleta do mundo das idéias pelos homens, uma vez que estão aprisionados aos seus corpos. Recorre-se ao mito, então, porque há uma limitação do próprio homem. Veremos esse ponto no tópico seguinte. 3. A alma e a imortalidade Nos diálogos compreendidos até a fase intermediária, a noção antropológica platônica é marcada pelo dualismo alma-corpo, especialmente tratada no Fedro[40]. O corpo é visto como sendo uma prisão para a alma[41], pois somente esta pode contemplar a verdade. Mas trata-se de um dualismo dinâmico, em que a alma busca se elevar ao plano espiritual, enquanto o corpo a impede, exigindo-a uma vida mundana: "O corpo é o obstáculo, o freio da aspiração. Em compensação, a alma eleva-se do mundo sensível para o mundo espiritual. Tende para o alto. A relação entre o mundo das Idéias e a alma exprime-se neste para cima e para baixo, neste desejo de habitar uma região superior [...] No entanto, a alma também participa desta vida humana; porém sabe que tal não é a sua vida"[42]. A idéia de alma é retomada de Sócrates com todo o seu vigor, constituindo um dos temas centrais da filosofia platônica[43]. Aliás, filosofar é conhecer a alma, libertando-se da realidade imediata representada pelo corpo, e, por essa razão, o filósofo está mais perto do sublime, da verdade, e também da morte, momento em que a alma poderá ser livre[44].

O mito da biga alada, apresentado no Fedro, explica a relação entre o corpo e a alma e que vale a pena ser melhor examinado, inclusive porque justifica, também, a utilização dos mitos no diálogos platônicos[45]. Inicialmente, Platão faz Sócrates demonstrar a imortalidade da alma. Afirma o seguinte, imediatamente antes de adentrar ao mito em si: "Partiremos do seguinte princípio: Tôda alma é imortal, porque aquilo que se move a si mesmo é imortal. O que move uma cousa e é por outra movido, anula-se uma vez terminado o movimento. Sòmente [sic] o que a si mesmo se move, nunca saindo de si, jamais acabará de mover-se, e é, para as demais cousas que se movem, fonte e início de movimento"[46]. Já no mito, compara-se a alma a "uma força natural e ativa", que une um carro puxado por cavalos alados e conduzida por um cocheiro[47]. Afirma que "Os cavalos e os cocheiros das almas divinas são bons e de boa raça, mas os dos outros sêres são mestiços. O cocheiro que nos governa rege uma parelha, na qual um dos cavalos é belo é bom, de boa raça, enquanto que o outro é de má raça e de natureza contrária. Assim, conduzir nosso carro é ofício difícil e penoso"[48]. O ser mortal corresponde à biga que perdeu as suas asas e, caindo, pousa num corpo, e, por isso, esse passa a ser capaz de se mover, sendo chamado de vivo ou mortal[49]. A imortalidade liga-se diretamente ao princípio e ao automovimento[50]. Vê-se que, o que interessa no homem, é a alma, pois o corpo é por ela movido. Já sobre o que é imortal, Platão põe na boca de Sócrates: "Quanto à denominação de imortal, isto é algo que não podemos exprimir de uma maneira racional. Nós conjeturamos, sem disso possuirmos a devida experiência nem a suficiente clareza, que um ser imortal é a combinação de uma alma e um corpo que se unem para tôda a eternidade [...] As almas daqueles que chamamos imortais, logo que atingem a abóboda celeste ai se mantêm; são impelidas por um movimento circular e podem contemplar tudo o que, fora dessa abóboda, abarca o universo"[51]. Já nesse início do mito, há a primeira subdivisão: entre a alma dos deuses, ou daquilo que é perfeito e está no plano das idéias, e da alma dos homens, conduzida por cavalos mestiços[52]. Acerca dessas últimas, Platão faz Sócrates explicar: "Elas tudo fazem para seguir os deuses, erguem a cabeça do guia para a região exterior e se deixam levar com a rotação. Mas, perturbadas pelos corcéis do carro, apenas vislumbram as realidades. Ora levantam, ora abaixam a cabeça e, pela resistência dos cavalos, vêem algumas cousas, mas não vêem outras. Outras há, porém, que nostálgicas, seguem todas para cima, acompanhando a rotação, incapazes de se levantarem, empurrando-se e derrubando-se umas às outras, quando alguma pretende passar adiante. Há confusão e briga e abundante suor. Muitas se ferem, por culpa dos cocheiros. Muitas perdem as penas de suas asas. Todas, após esforços inúteis, na impossibilidade de se elevarem até a contemplação do Ser Absoluto, caem e a sua queda as condena à simples Opinião"[53]. Há um caráter tripartite na alma humana, segundo o mito da biga alada[54]. O cocheiro, responsável pela boa condução da biga, representa o intelecto, o cavalo bom liga-se ao aspecto desiderativo e, o mau, o caráter apetitivo[55]. Nessa jornada, seguindo os deuses, as almas sempre contemplam algumas verdades, mas, sem conseguir seguir os deuses, "ela se enche de alimento impuro, de vício e de esquecimento, torna-se pesada e precipita-se sem asas ao solo"[56]. Não é qualquer alma que se tornará humana, mas só aquelas que contemplaram a verdade[57]. Estabelece-se, também, hierarquia entre os próprios homens, de acordo com esse mesmo critério[58]. Ora, a partir do mito da biga alada, relatado aqui em suas principais partes, podemos tirar algumas

conclusões. Primeiro, já se pode reconhecer o caminho dialético da unidade à multiplicidade, e da multiplicidade à unidade, mas o homem só é capaz de fazê-lo de modo parcial, pois a alma, imortal, encontra-se presa ao corpo, mortal. Segundo, que a alma é o que aproxima o homem da divindade, e nela e através dela se pode encontrar a verdade, aproximar-se do absoluto. Mas, ainda assim o homem é mantido a certa distância do divino: "As idéias, enquanto unidades que explicam a universalidade de tudo o que existe, são objetos de conhecimento da alma humana. Só a alma é que pode afirmar a universalidade de cada coisa. Mas tal afirmação não acontece de modo completo, pois a alma não chega concretamente às idéias durante sua condição terrena. O grande discurso sobre a alma é construído tendo muito presente essa condição do homem segundo a concepção grega, que o considerava antes de tudo a partir de sua oposição com a divindade"[59]. A preocupação de Platão no Fedro é explicar o humano, ser que possui acesso ao mais belo, à verdade e, ao mesmo tempo, também age por impulsos, por sentimentos menores, de praticar aquilo que não está conforme o bem: "O homem não se constitui somente de racionalidade, mas é também impulso irracional. E a filosofia não pode esquivar-se à tarefa de compreender o seu humano a partir dessa sua constituição que inclui também o irracional. Daí que a filosofia que surge das páginas do Fedro seja uma filosofia que brota da terra do diálogo concreto entre sujeitos. Diálogo que acontece especialmente no âmbito daquilo que cada sujeito tem de mais definitivo: a própria alma."[60] A alma, para Platão, se assemelha à Idéia: são ambas simples e puras, não se misturam com nada além de si próprias e são imortais. A diferença é que a Idéia é imutável, enquanto a alma tem uma história, sem a qual o homem não seria livre e o Bem não teria sentido algum, pois não haveria também o mal. Mas a alma pode escolher entre o Bem e o mal, o que não pode a alma é escolher morrer[61]. Para Hersch, a prova da imortalidade da alma não está nos diálogos: "Essas não são provas, no sentido estrito da palavra. A prova da imortalidade foi efetivamente morrendo que Sócrates nos deu, pois a maneira como ele morre testemunha por algo que está além do tempo"[62]. 4. A dialética entre eros e logos A oposição entre o eros, enquanto pulsão amorosa - também criticado como oposição à filosofia no início do Fedro[63] - e o logos aparece no Banquete. Recupera-se, "no movimento total da experiência humana, a dimensão do corpo e da beleza corporal", que, unidos os dois pólos em equilíbrio, arrasta "o homem todo para a contemplação, a um tempo intelectual e extática, do Belo absoluto"[64]. O debate do Banquete, sobre o eros, tem inicio com a festa cujo anfitrião fora Agatão, e dentre os convidados se encontrava o ilustre Sócrates. Cada um dos presentes tratou do amor, através de discursos, para louvá-lo[65]. Depois de terem todos falado, Sócrates traz à baila a necessidade de primeiro se definir o amor, o que faz tendo por base os ensinamentos recebidos de Diotima[66], uma sacerdotisa. O objeto do amor estaria sempre ausente, só se amaria aquilo que não se tem, daí ser o amor nem deus, nem mortal, mas algo entre mortal e imortal capaz de interpretar e transmitir aos deuses o que vem dos homens e aos homens o que vem dos deuses: as súplicas e as ordens, os sacrifícios e as recompensas[67]. O amor é, então, "desejo de qualquer coisa que não se tenha e à qual se aspire. No fim, o amor é a filosofia ela mesma"[68]. Assim, "Eros, o amor, segundo Platão, é o desejo, a nostalgia, é filho da riqueza e da pobreza. (...) Eros é, então, mais uma vez, um intermediário. Ele é mesmo um intermediário entre o saber e o não saber. Ele deseja o

conhecimento da verdade, e é porque ele não a possui; mas seu desejo desse conhecimento não será possível sem um certo conhecimento antecipado dessa verdade que ele deseja. Apenas um intermediário pode ser amor, e é enquanto intermediário que o amor é filosofia."[69] No Banquete e no Fédro a filosofia aparece como desejo da alma, como sublimação do amor que a inspira, cuja dialética é uma eclosão, de maneira que as perspectivas das duas obras se complementam: numa, descreve-se como o amor se eleva até seu verdadeiro objeto; na outra, é explicado como essa vida amorosa remonta à aventura da alma antes de ter-se juntado ao corpo. O amor não consiste em vantagem se não for enquanto busca daquilo que é bom. O amor é uma força da alma, um intermediário entre dois mundos: o humano e o divino[70]. Assim, "ao fim do movimento ascensional que o faz passar do particular ao universal e do sensível ao espiritual, elevando-se dos corpos às almas, depois às ações e às leis, e, enfim, às ciências, criará magníficos discursos e ingressará na ciência do Belo absoluto e perfeito, produtora da verdadeira virtude. O amor se realiza, então, na contemplação que divinisa."[71] A dialética do Banquete, que orienta em direção ao Belo absoluto, sem, no entanto, nele se suprimir, serve para confirmar o mito da biga alada contido no Fédro. Não é o banquete divino que explica o amor, mas, pelo contrário, a incapacidade da alma humana de nele se estabelecer que a derruba: "A dialética do amor, no Banquete, e o mito da queda das almas, no Fédro, são complementares. (...) Sobretudo, a dialética se manifesta como marcha ascendente que progride por degraus na dupla via da universalização e da idealização. O amor, do modo como é sentido, não conhece seu verdadeiro objeto. O belo corpo ao qual ele se prende não é nada mais que o signo e o reflexo do Belo perfeito que é obscuramente desejado. Toda beleza participa do Belo em si e incita a alma a procurá-lo através de sua elevação e pela depuração do sensível. O amor nascente ignora a si mesmo, mas à medida que se desenvolve e se conhece, ele se torna ciência."[72] O amor tem, portanto, uma dupla característica: de um lado é possessão, de outro, devoção. Longe de se oporem e formarem um "bom" e um "ruim", as duas características se suprassumem numa só realidade em Platão[73], de forma que logos e eros não são opostos e sim dialéticos. De fato, para Lima Vaz a tricotomia da alma desenvolvida n'A República, que examinaremos como o ponto de chegada da alma em relação à existência em sociedade, e na qual o justo tem um importante papel, "pode ser considerada uma transposição ao plano da paidéia, ou seja, da educação do indivíduo para a vida política justa, da polaridade entre o logos e o eros unificada na perspectiva da contemplação das Idéias do Belo e do Bem"[74]. 5. A República e o conhecimento iniciático Outra imagem de homem é-nos dada n'A República[75]. Platão inicia a explanação sustentando que, se a cidade justa é divida em três eixos fundamentais, o da temperança, o da coragem e da sabedoria, também o indivíduo, que integra a cidade, deverá ser composto por esses mesmos valores, ou ter em sua alma essas três partes, sob pena de a sua teoria sobre a cidade justa padecer de erro, devendo ser revista[76]. Na verdade, o fundamento da divisão da cidade reside no interior humano, na alma do homem, e isso que Platão esclarecerá[77]. Conforme Platão faz Sócrates falar, parece, num primeiro momento, que a alma seria dividida em duas partes, a parte racional e a concupiscível: "Não é, portanto, sem razão que consideramos que são dois elementos, distintos um do outro, chamando àquele pelo qual ela raciocina, o elemento racional da alma, e aquele pelo qual ama, tem fome e sede e

esvoaça em volta de outros desejos, o elemento irracional e da concupiscência, companheiro de certas satisfações e desejos"[78]. Entretanto, logo distingue o terceiro elemento, o irascível, que tem outra natureza[79], vejamos: "Porventura será diferente da razão, ou uma qualquer das suas formas, de maneira que haverá na alma, não três, mas dois elementos, o racional e o concupiscível? Ou tal como, na cidade, esta se compunha de três classes: a negociante, a auxiliar e a deliberativa; também na alma a terceira servia este elemento irascível, auxiliar do racional por natureza, quando não foi corrompido por uma má educação? [...] Ora, pois atravessamos a nado, com grande custo, este mar de dificuldades, e concordamos perfeitamente que há na cidade e na alma de cada indivíduo as mesmas partes, e em número igual"[80]. Em seguida, Platão integrará em uma unidade essas três partes da alma, e o fio condutor será a sua concepção de justiça, no sentido de cada uma dessas partes bem desempenhar o seu papel[81]. Passará, então, ao tema da educação (paidéia) do indivíduo para a vida justa, levando-se em consideração a educação da alma[82], em suas partes, mas com a finalidade última de reestabelecer a polis. A educação é essencial para Platão, seja para o Estado, seja para o cidadão, de maneira que sejam formados homens de espírito direito, que possam identificar o verdadeiro Bem e se guiar segundo o mundo das Idéias. Vale dizer, cidadãos que se recusem a reduzir a ação política a um mero jogo de técnicas de sucesso, por terem em seu espírito a presença viva das Idéias. Platão não reconhece o domínio do mais forte e, para ele, a política deve se submeter à moral, daí a afirmação de que o Estado adoece quando a política cede à corrupção, e a necessidade de se educar a alma para reconhecer o Bem[83]. A justiça é um Bem em si mesma, desejável por si mesma. Platão põe na boca de Sócrates a seguinte definição de justiça: é "o dever que se impõe a cada um de não exercer mais que um emprego na sociedade, aquele para o qual a natureza lhe deu mais aptidões"[84]. A justiça nasce do conhecimento, e, n'A República, há uma mera iniciação ao duplo sentido do termo conhecimento: um, como formação pedagógica que abre passagem ao saber; outro como o caminhar espiritual que se relaciona intimamente com o princípio último das coisas[85]. A justiça é um tema que está no centro da obra de Platão, é a virtude que a todos convém. Ela garante a especialização e impede a usurpação das funções. No cidadão, é feita da temperança dos desejos, da coragem das paixões, da sabedoria da razão; na polis, é a temperança dos produtores e comerciantes, da coragem dos soldados e da sabedoria dos governantes. A justiça visa à unidade no seio da multiplicidade, ao absoluto no âmago do relativo[86]. Para Deschoux "a determinação do Estado justo e de suas instituições notadamente educativas é em si uma educação, uma constituição da justiça na alma (...) Se a justiça é fundamento da cidade verdadeira e saúde da alma, é porque mais extremadamente ela é a lei do Cosmos, a verdadeira natureza das coisas"[87]. Por derradeiro, na parte final d'A República, no famoso Mito de Er[88], Platão defende a dimensão de responsabilidade do homem perante as suas escolhas, que devem ser feitas com cuidado, pensadas detidamente, revelando a vitória da liberdade do homem perante o seu destino[89]. Em As Leis, Platão se ocupará do legislador-filósofo, mas numa perspectiva não de um projeto para a polis ideal, como n'A República, mas sim tendo em vista os desdobramentos de sua idéia no mundo, a serem implementadas. Não se trata de um novo tipo de homem, mas de uma tentativa de adequação da sua teoria, elaborada com perfeição n'A República, com o mundo fenomênico, operando-se a passagem da primeira à segunda[90]. Isto posto, e esclarecendo que não há incompatibilidade entre A República e as Leis, podemos

afirmar que o homem, entretanto, passa a ser considerado "como um facto psico-físico, como uma dada unidade vital de que pode constatar os traços característicos. Em seu entender, o homem é um dado geral. Ele analisa o humano. Certamente que a alma também representa, para ele, o mais alto valor; mas, no fundo, não se trata, a bem dizer, senão de uma relação de valores. O verdadeiro valor é este homem inteiro, esta vital unidade humana, sob a qual todo o dado humano deve, agora, ser ordenado no escalão que pertence"[91]. Lima Vaz empreende uma poderosa síntese do pensamento antropo-filosófico platônico. Salienta como eixo central da antropologia platônica, do Fédon às Leis, a relação do homem com o divino, que se sobrepõe a todos os outros assuntos, como o do logos verdadeiro, o da imortalidade e do destino da alma, o da educação para a justiça, o do desejo amoroso (eros) e do movimento imanente à alma, e, enfim, o tema do homem na ordem do universo (no Timeu e nas Leis)[92]. Vimos, portanto, como Platão retoma a idéia socrática de alma, e faz dela o fundamento de seu filosofar integrando a multiplicidade presente na vida humana por meio da justiça e da educação. Recorre-se ao mito para explicar a verdade já parcialmente contemplada pela alma, não o mito tal qual tratado por Homero e Hesíodo, mas um mito já repleto de racionalidade, apresentado como verdadeira teoria. O homem é o ser que se aproxima da divindade, e todos os seus aspectos constitutivos, do eros ao logos, devem se subordinar a esse último, à racionalidade, capaz de lhe conferir o poder de ser o próprio condutor e responsável pelo seu destino, como destacado no Mito de Er. Por fim, a preocupação platônica do homem e da justiça busca se integrar na realidade, de forma a conferir ao filósofo-legislador condições para exercer a função de educador, para homens reais, sujeitos às vicissitudes do mundo e das afecções de sua alma humana - e não puramente divina. 6. Conclusão: os desdobramentos da antropologia platônica no direito contemporâneo Como anteriormente mencionado, a obra de Platão condensou o pensamento dominante nos horizontes da Filosofia durante todo o período do Helenismo, prosseguindo pela Alta Idade Média, sobretudo em virtude do trabalho de Agostinho, que se converteu ao cristianismo por influência da "preparação" feita por Platão e, posteriormente, por Plotino[93]. O Helenismo fornece o pano de fundo político e cultural que possibilitou a aproximação entre o judaísmo e a filosofia grega, elementos fundamentais ao florescimento do cristianismo como religião universal, síntese que originou tradições das quais o Ocidente é hoje o herdeiro. Em virtude de seu cosmopolitismo e da convivência pacífica de várias culturas diferentes, esse processo teve forte presença na cidade de Alexandria, onde foi fundada a "Escola neoplatônica cristã de Alexandria" pelos primeiros filósofos convertidos ao cristianismo[94]. De fato, chegou-se a afirmar que filósofos gregos como Sócrates e Platão foram precursores do cristianismo por sua sabedoria e virtude, e só não foram cristãos por terem vivido antes do nascimento de Cristo[95]. Por óbvio que a apropriação da Filosofia grega pelos pensadores cristãos se deu de maneira parcial, apenas naquilo que condizia com os ensinamentos da religião: "Em síntese podemos dizer que a leitura que os primeiros pensadores cristãos fazem da filosofia grega é sempre altamente seletiva, tomando aquilo que consideram compatível com o cristianismo enquanto religião revelada. Portanto, o critério de adoção de doutrinas e conceitos filosóficos é, via de regra, determinado por sua relação com os ensinamentos da religião. Nesse sentido, privilegiam-se sobretudo a metafísica platônica, com seu dualismo entre mundo espiritual e material, a lógica aristotélica, com seus recursos demonstrativos e dialéticos, e a retórica dos estóicos e sua ética, com ênfase na resignação, na austeridade e no autocontrole."[96]

Agostinho, expoente do pensamento platônico na Idade Média, assimilou da obra de Platão "a concepção de que a verdade, como conhecimento eterno, deveria ser buscada intelectualmente no 'mundo das idéias'" e trilhou caminho no cristianismo no sentido do autoconhecimento e da interioridade na busca pela verdade[97]. Assim, pode-se encontrar na doutrina agostiniana traços evidentes da influência platônica, como a bondade, que remonta a Sócrates, ao afirmar que não se é mau voluntariamente, apenas por desconhecimento do bem[98], e que em Agostinho se soma ao elemento da vontade boa em si, da vontade que vem de Deus. Também a alma é ponto comum, que é imortal por pertencer à mesma realidade que a verdade, por terem em alguma medida a mesma substância. A alma é imortal, assim como a verdade, que é, por sua vez, Deus, ou seja, Deus está na alma[99]. Essa presença de Deus na alma é essencial para a legitimação racional do cristianismo, pois, "no momento em que Deus se torna mais interior que o próprio eu do crente, o pretenso conflito de liberdades perde toda sua significação: o que Deus quer, o que eu quero... Ao contrário: o que Deus quer é mais interior em mim que o que, por um momento, eu pensei querer."[100] O cristianismo é fundamental para a formação de uma nova visão do homem, que o valorize como ser humano, compartilhando a irmandade em cristo, Deus que se fez também homem e deu-se a conhecer a toda humanidade. A explicação bíblica de que o homem teria sido feito à imagem e semelhança de Deus se presta a uma valorização incalculável do homem e de sua individualidade[101], na medida em que conserva, acima de tudo, o livre-arbítrio de decidir a sua vida conforme entender, ainda que haja a previsão de sanções transcendentais a essa conduta. Nada obstante, os valores cristãos de liberdade e de dignidade iniciam o processo de reconhecimento do homem enquanto categoria universal, seja ele judeu, romano ou árabe. Trata-se, portanto, das raízes pré-modernas do conceito de dignidade humana, ponto central que norteia todo o sistema jurídico ocidental[102]. Assim, pode-se perceber que as concepções platônicas da relação entre o humano e o divino tiveram passagem ao longo dos séculos e refletiram no processo histórico que culminará, na Modernidade, no conceito de dignidade humana, informador do Ocidente daquele momento em diante e grande responsável pelas conquistas alcançadas em sede de direitos humanos. Kant, responsável pela cisão sujeito-objeto, afirmou que nosso conhecimento está condenado a um acesso limitado, pois a realidade nos aparece segundo fatores que dependem do tempo, do espaço e da causalidade, mas, do ponto de vista da moralidade, basta que a ação se cumpra unicamente por dever para ser moral. Para ele, a alma transcende o tempo e atinge um tipo de imortalidade, de forma que, em algum lugar, dever e inclinação coincidem em uma beatitude. Kant coloca o homem num processo infinito de combate contra sua própria finitude, limitação contra a qual seus sucessores reagem e desaparece o interesse pela sobriedade das distinções precisas da reflexão transcendental do a priori, terreno em que se encontra o Idealismo Alemão[103]. Uma importante conceituação foi expressa por Kant, em seu conhecido imperativo categórico: "age com respeito a todo o ser racional (a ti mesmo e aos demais) de tal modo que ele em tua máxima valha ao mesmo tempo como fim em si" [104]. Para Kant, o homem é livre e não pode jamais ser considerado meio, mas sempre um fim em si mesmo, idéia que contribui para a construção de uma nova concepção de justiça social que parte da noção de dignidade humana e do mérito próprio que cada um tem como pessoa que é[105]. A ética kantiana, como confirma Salgado, é fundamentada pela liberdade: "O conceito de liberdade de Kant não encontra similar nos pensadores que o antecederam, ressalvada a contribuição de Rousseau. Não se identifica com o conceito de liberdade natural (fazer o que se quer), nem

com a liberdade jurídica (fazer o que não é proibido ou ordenado por lei), nem com o de livre arbítrio (faculdade de escolher), que constituiu a concepção usual de liberdade até Kant."[106] Ainda segundo Salgado, a liberdade é característica primordial do homem, que o distingue de tudo mais que existe, pois, é "pelo fato de ser livre o homem, que a sua vida passa a ser um direito oponível a todos os demais. É o direito primeiro, pois que sem ela não há outros direitos; é, contudo, o mais global, pois que exige tão só que não se atente contra ela: uma ação meramente negativa."[107] Para Hegel, o homem, que é racional em-si, precisa também fazer-se racional, ou seja, alcançar a vontade livre (a liberdade). Fazer-se livre é algo que se processa no mundo exterior, através do trabalho, e pela formação interior, que em muito se aproxima da paideia grega (Bildung). Ao construir-se historicamente um ser livre e sujeito de direito, o homem pode alcançar uma idéia de justiça. A justiça deve se realizar, dialeticamente, enquanto liberdade individual e enquanto parte da ordem institucional em que se insere universalmente[108], conceito que, do ponto de vista da dialeticidade e do apoiar-se numa determinada formação, não difere muito daquele encontrado em Platão. A introdução da idéia de liberdade no conceito de justiça operada por Kant em sua fundamentação teórica, de modo definitivo, é o ponto de partida para que se construa uma idéia de justiça social concreta[109], e ao inserir o valor trabalho no binômio liberdadeigualdade de Kant, Hegel promove a construção de uma idéia de justiça social compatível com o Estado ético[110]. O Direito, para Reale, é uma experiência histórico-cultural que explica e modela a experiência jurídica, em que reina uma concepção humanista do direito: a pessoa humana é o valor-fonte de todos os valores, pois só "o homem possui a dignidade originária de ser enquanto deve ser, pondo-se essencialmente como razão determinante do processo histórico"[111]. Da elaboração histórica que o homem tem de si mesmo surge a necessidade de se estudá-lo, dialeticamente, em sua individualidade biopsíquica, em sua estrutura moral e em suas produções, uma vez que há estreita ligação entre a Axiologia e a História, e o Direito, enquanto experiência histórico-cultural, tutela os valores mais caros ao homem, dentre os quais a pessoa humana é o mais alto[112]. Diante da constante atualização da noção de dignidade humana e da transdisciplinariedade e da transversalidade existentes entre as ciências hodiernamente, a transcendentalidade da pessoa pode ser sustentada: "A pessoalidade é um processo, um vir-a-ser inacabado, mas que se sustenta, também, na positivação de determinados direitos pertinentes à pessoa. Assim, hodiernamente, deve haver uma contundente busca pela universalização de determinados direitos básicos, sem que se esqueça das inomináveis e riquíssimas diferenças culturais."[113] Tomando por base o exposto, explicitada fica a centralidade do homem no direito contemporâneo, sob influência das concepções Modernas de dignidade humana e dos princípios informadores da Revolução Francesa, hoje positivados na maior parte das Constituições[114] dos países ocidentais, fatos que podem ser considerados a continuidade de um processo iniciado na Grécia e que teve, na Antiguidade, seu maior expoente na obra de Platão. Como já ressaltado, a poderosa imagem do homem, do Estado e da justiça construídas por Platão, influenciaram todo o Ocidente, na religião, no seu ethos, enfim, no horizonte simbólico que medeia sua forma de vida no mundo.

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[1] É bolsista da CAPES, Mestre em Direito e Doutorando em Direito pela (gentileza incluir na publicação o nome da instituição, não mencionado por questões de não identificação). [2] É Mestranda em Direito pela (gentileza incluir na publicação o nome da instituição, não mencionado por questões de não identificação). [3] Coube à Wilhelm Dilthey a diferenciação estabelecida entre o esclarecer (ou explicar), próprio das Ciências Naturais, e o compreender, próprio das Ciências do Espírito. Nota, entretanto, Coreth, que tal distinção já encontra precedentes em Ranke e K. J. Droysen, Cf. CORETH, Emerich. Questões Fundamentais de Hermenêutica. Trad. Carlos Lopes de Matos. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1973, p. 19-21. [4] Loc. cit. [5] KANT, Immanuel. Logik, Einleitung (Werke, ed. Weischedel, III, p. 448), apud LIMA VAZ, Pe. Cláudio Henrique de. Antropologia filosófica I. 8. ed. São Paulo: Loyola, 2006, p. 9. [6] LIMA VAZ, Antropologia..., V. I, cit., p. 12. [7] SALGADO, Joaquim Carlos. A Idéia de Justiça no Mundo Contemporâneo: Fundamentação e aplicação do Direito como Maximum Ético. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 1. [8] Assim, o Direito garante a personalidade jurídica a qualquer homem, em qualquer lugar. Esta não é certamente um dado da natureza, mas uma representação do espírito, "que postula a unidade de sua carne e de seu espírito e que proíbe reduzi-lo a um ser biológico ou a um ser mental", cf. SUPIOT, Alain. Homo juridicus: Ensaio sobre a função antropológica do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. XI. [9] FERRAZ JR, Tércio Sampaio. A ciência do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 42. [10] O Direito e a Lei adquirem uma posição central no pensamento ocidental, o que não se observa de modo necessário nas outras civilizações. O povo chinês, por exemplo, nunca lhes deu este mesmo valor, pois "segundo a tradição confuciana, o homem 'civilizado' não necessita de lei porque incorporou em si mesmo toda a arte do saber-viver junto (os 'ritos'); a lei é muito boa para os bárbaros incapazes de atingir este saber-viver" [SUPIOT, Homo juridicus..., cit., p. 53]. Esta é uma explicação para o fato de inexistir, na China, a nossa concepção de direito como garante dos direitos dos indivíduos [cf. SUPIOT, Homo juridicus..., cit., p. 57]. Também David afirma que "o povo chinês vive normalmente sem a preocupação do direito. Não se pergunta quais são as normas legais, nem comparece perante os juízes; regula as suas relações com outrem de acordo com a sua noção daquilo que é conveniente, sem reivindicar direitos, mas tendo em vista a conciliação e a harmonia", DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Trad. Hermínio A. Carvalho. São Paulo: Martins Fontes, 1986, p. 473. [11] Entende-se que a Filosofia Contemporânea desenvolve-se a partir do século XIX, vale dizer, após a filosofia kantista. Hegel, pela profundidade e abrangência sistemática de sua obra, apresenta-se como síntese

de toda filosofia até ali produzida, e, igualmente, como a aurora da Filosofia Contemporânea. Em sua concepção integral de homem, Hegel articulará os momentos da natureza, do espírito individual ou subjetivo, do espírito na história, ou espírito objetivo, e, como síntese, o absoluto. Cf. LIMA VAZ, Antropologia Filosófica, v. I, cit., p. 111-8. [12] As categorias da Antropologia Filosófica levam em conta "tanto a mediação empírica, que tem lugar no nível da pré-compreensão, como a mediação abstrata, que é própria do nível da compreensão explicativa (ou compreensão científica). Portanto, do ponto de vista do movimento dialético que conduz à elaboração da categoria, esta constitui o nível do concreto conceptual (ou da mediação ontológica), suprassumindo o concreto empírico da pré-compreensão e o momento abstrato da compreensão explicativa", cf. LIMA VAZ, Antropologia Filosófica..., v. I, cit., p. 166. [13] Determina a referida resolução, em seu artigo 5º, que "O curso de graduação em Direito deverá contemplar, em seu Projeto Pedagógico e em sua Organização Curricular, conteúdos e atividades que atendam aos seguintes eixos interligados de formação: I - Eixo de Formação Fundamental, tem por objetivo integrar o estudante no campo, estabelecendo as relações do Direito com outras áreas do saber, abrangendo dentre outros, estudos que envolvam conteúdos essenciais sobre Antropologia, Ciência Política, Economia, Ética, Filosofia, História, Psicologia e Sociologia". [14] Cf. MARCONI, Marina de Andrade; PRESOTTO, Zélia Maria Neves. Antropologia; uma introdução. São Paulo: Atlas, 1986, p. 22 et seq. [15] Cf. JAEGER, Werner. Paidéia; A Formação do Homem Grego. Trad. Arthur M. Parreira. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 581 et seq; LIMA VAZ, Antropologia..., cit., p. 30. [16] A retomada dos estudos aristotélicos por TOMÁS DE AQUINO, aliada à mentalidade cientificista surgida na modernidade, e que assume uma posição de distanciamento perante preocupações de índole teológicas e metafísicas, o platonismo se vê em descrédito por um grande período histórico. Se o método cartesiano já coloca em dúvida todo saber pretérito, dando início à Filosofia do Sujeito, a crítica kantiana, e a forte influencia que a leitura da Escola de Marburgo imprimiu ao kantismo através da Crítica da Razão Pura, são fatores importantes para se entender a razão do ostracismo a que foi submetido PLATÃO na Modernidade. V. JAEGER, Paidéia..., cit., p. 581-91; HEINEMANN, Fritz. A Filosofia no Século XX. Trad. Alexandre F. Morujão. 4. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993, p. 424 et seq. [17] V. CORETH, Questões..., cit., p. 18-9; PALMER, Richard E. Hermenêutica. Trad. Maria Luísa Ribeiro Ferreira. Lisboa: Edições 70, 1986, p. 91-103; PEREIRA, Rodolfo Viana. Hermenêutica Filosófica e Constitucional . 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 33. [18] Cf. JAEGER, Paidéia..., cit., p. 583-4. [19] Cf. JAEGER, Paidéia..., cit., p. 584-5. [20] JOWETT, B; CAMPBELL, Lewis. Plato's Republic. Oxford: At The Clarendon, 1894. [21] Cf. JAEGER, Paidéia..., cit., p. 585. [22] Assim, tem-se geralmente uma divisão tripartite das obras platônicas, sendo as primeiras os diálogos menores, correspondendo à fase da juventude e ao ciclo de morte de SÓCRATES (Apologia, Críton, Laquês, Hípias menor, Eutífron e outros), seguido dos diálogos da fase intermediária (Górgias, Fedro,

Teeteto, O Sofista, O Político, Filebo, A República etc) e, por fim, os diálogos da maturidade (Timeu, As Leis, Epinomis etc) [JAEGER, Paidéia..., cit., p. 585]. Há, ainda, aqueles que dividem em quatro grupos, compreendendo uma fase interacalada entre a intermediária e a fase final, v. MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 9. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005, p. 54-5. [23] MEYER, Eduard. El historiador y la historia antigua : estudios sobre la teoria de la historia y la historia economica y politica de la antiguedad. Trad. Carlos Silva. Mexico: s/ ed. 1955. [24] V. WILAMOWITZ-MOELLENDORFF, Ulrich von. Platon; sein Leben und seine Werke. Berlin: Weidmannsche, 1948; e WILAMOWITZ-MOELLENDORFF, U. von. Storia della filologia classica. Trad. Fausto Codino. Torino: Giulio Einaudi, 1967. [25] Cf. JAEGER, Paidéia..., cit., p. 588-9. [26] REALE, Giovanni. Para uma nova interpretação de Platão; releitura da metafísica dos grandes diálogos a luz das "Doutrinas não-escritas". Trad. Marcelo Perine. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2004. [27] Vale anotar as palavras de GROETHUYSEN, denotando a posição aberta da filosofia platônica, o que lhe permitiu ser interpretada de modos tão diferentes, e, mesmo assim, continuar uma interrogação aberta ao futuro: "A filosofia de Platão é como um vasto país, o país da filosofia em geral; não um sistema filosófico, não esta ou aquela visão do mundo, não uma doutrina. Aqui, a reflexão do filósofo dirige-se para a própria meditação, para o caminho percorrido e que será necessário voltar a percorrer um número infinito de vezes. O que nos acontece pelo caminho, as maravilhas que se encontram percorrendo-o, isso é a filosofia. Esta viagem não conduz a um resultado definitivo, que se pudesse aceitar como tal; ela aparece como um impulso sempre retomado para o mundo das idéias, e este, por seu turno, só adquire a sua verdadeira significação em relação a tal impulso; ele não é um dado, mas um objecto da investigação", cf. GROETHUYSEN, Bernard. Antropologia Filosófica. Trad. Lurdes Jacob e Jorge Ramalho. Lisboa: Presença, 1953, p. 17. [28] Não se ignora, contudo, as perspectivas antropológicas presentes em vários outros diálogos, porém, o recorte feito retrata satisfatoriamente o legado platônico. [29] Acerca da dialética entre mythos, logos e nomos, v. BAMBIRRA, Felipe Magalhães. Estado, Direito e Justiça na Aurora do Homem Ocidental. Belo Horizonte: Faculdade de Direito da UFMG, 2010 [Dissertação de Mestrado em Direito]. [30] ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. 6. ed. Trad. Pola Civelli. São Paulo: Perspectiva, 2002, p. 11. [31] CASSIRER, Ernst. Ensaio sobre o Homem: introdução a uma filosofia da cultura humana. Trad. Tomas Rosa Bueno. São Paulo: Martins Fontes, 1994, p. 135. [32] CASSIRER, Ensaio sobre o Homem, cit., p. 135-6. [33] BRISSON, Luc. Platon les mots et les mythes ; Comment et pourquoi Platon nomma Le mythe? Paris: Éditions La Découverte, 1994, p. 12. [34] "Sócrates. - Mas nós não vamos começar essa educação pela música ao invés de pela ginástica? Adimante. - Como fazê-lo de outra forma? Sócrates. - Ora, na música, digo eu, colocas o discurso (λ?γονς), ou não?

Adimante. - Eu o coloco. Sócrates. - Mas não há duas espécies de discurso, uma verdadeira e outra falsa? Adimante. - Sim. Sócrates. - Ora, a educação deveria ser o fato dessas espécies, mas, antes de tudo, de discursos falsos? Adimante. - Eu não compreendo, diz ele, o que queres dizer. Sócrates. - Tu não compreendes, replicarei eu, que primeiro contamos mitos (μ?θους) às crianças. Ora, é lá, eu suponho, que se diz alguma coisa falsa, mesmo se há no fundo algo de verdadeiro. Mas nós, é dos mitos que fazermos uso com as crianças, antes dos exercícios do ginásio. Adimante. - É isso." Platão. A República 376 e 6 [377 a 8] apud BRISSON, Platon les mots..., cit.,. p. 1112, no original : "Socrate. - Mais n'allons-nous pás commencer cette éducation par la musique plutôt que par la gymnastique ? Adimante. - Comment faire autrement ? Socrate. - Or, dans la musique, dis-je, places-tu les discours (λ?γονς), ou non ? Adimante. - Je les y place. Socrate. - Mais n'y a-t-il pas deux espèces de discours, l'une vraie, l'autre fausse ? Adimante. - Oui. Socrate. - Or, l'éducation devra-t-elle être le fait de ces espèces, mais, avant tout, des discours faux ? Adimante. - Je ne comprends pas, dit-il, ce que tu veux dire. Socrate. - Tu ne comprends pas, répliquai-je, que c'est d'abord des mythes (μ?θους) que nous racontons aux petits enfants. Or, c'est là, je suppose, en somme dire quelque chose de faux, même si là-dedans il y a aussi du vrai. Mais nous, c'est des mythes dont nous faisons usage envers les petits enfants, avant les exercices du gymnase. Adimante. - Cest cela." [35] BRISSON, Platon les mots..., cit.,. p. 111. [36] BRISSON, Platon les mots..., cit.,. p. 113, no original: "En définitive, lorsque Platon assimile mûthos à logos, il en réactualise l'ancien sens, celui de « discours » comme « pensée qui s'exprime, avis ». ce sens qui se manifeste notamment chez Homère sera repris par lógos. Mais, en opposant mûhtos à lógos, comme le discours invérifiable au discours vérifiable et comme le récit au discrous argumentatif, Platon réorganise de façon originale et décisive le vocabulaire de la parole en grec ancien en fonction de son objectif principal : faire du discours du philosophe l'étalon permetant de déterminer la validité de tous les autres types de discours, y compris et surtout du poète." [37] BRISSON, Platon les mots..., cit.,. p. 144-5. [38] BRISSON, Platon les mots..., cit.,. p. 145, no original: "(...) en étique et en politique le mythe peut servir de relais au disours philosophique."

[39] BRISSON, Platon les mots..., cit.,. p. 151, no original: "Même s'il est un discours invérifiable qui ne présente pas un caractère argumentatif, le mythe est investi d'une efficacité d'autant plus grande qu'il véhicule un savoir de base partagé par tous les membres d'une collectivité donné, où, de ce fait, il peut jouer le rôle d'instrument de persuasion à portée universelle. Seule alternative à la violence, il permet, dans l'âme humaine, la prééminence de la raison sur la partie mortelle, et il assure, dans la cité, la soumission du grand nombre des philosophes. Dans les deux cas, me lythe joue le rôle de paradigme, auquel, pas le moyen non de l'enseignement mais de la persuasion, sont amenés á se référer, pour y conformer leur comportement, tous ceux qui ne sont pas philosophes, c'est á dire le grand nombres des humains." [40] PLATÃO. Fedro, in: Diálogos; Mênon - Banquete - Fedro. Trad. Jorge Paleikat. [s/l]: Tecnoprint, [s/d]. [41] Em vários diálogos PLATÃO joga com as palavras sema (sepulcro) e soma (corpo), a exemplo do Fedro, PLATÃO, Fedro, op. cit., p. 229 [250]: "Não tínhamos mácula nem tampouco contato com este sepulcro que é o nosso corpo ao qual estamos ligados como a ostra à sua concha". [42] GROETHUYSEN, Antropologia Filosófica, cit., p. 25-6. [43] V. CARDOSO, Delmar. A alma como centro do filosofar de Platão: uma leitura concêntrica do Fedro à luz da interpretação de Franco Trabattoni. São Paulo: Loyola, 2006, p. 113. [44] Cf. REALE, Giovanni. Corpo, alma e saúde; o conceito de homem de Homero a Platão. Trad. Marcelo Perine. São Paulo: Paulos, 2002, p. 176-7. [45] Não é possível saber com segurança as razões de do homem não ter tido a oportunidade de contemplar as Idéias, exatamente porque elas não foram contempladas em sua totalidade. Não é igualmente possível, ao homem enquanto homem, interpretar a sua própria relação com o mundo das Idéias, de modo que "a unidade entre a filosofia e a vida só se pode conceber através do recurso ao mito. O sentido, a significação do pensamento filosófico como processo vital, só pelo mito se pode exprimir [...] A alma aspira a separar-se da vida, para se perder na contemplação das Idéias. O mito explica esta nostalgia, este amor, a partir do destino cósmico da alma", cf. GROETHUYSEN, Antropologia Filosófica, cit., p. 27. [46] PLATÃO, Fedro, op. cit., p. 223-4 [245]. [47] PLATÃO, Fedro, op. cit., p. 224 [246]. [48] PLATÃO, Fedro, op. cit., p. 225 [246]. [49] PLATÃO, Fedro, op. cit., p. 225 [246]. [50] V. CARDOSO, A alma como centro..., cit., p. 133. [51] PLATÃO, Fedro, op. cit., p. 225-6 [246-7]. [52] "Os carros dos deuses são mantidos em equilíbrio, graças à docilidade dos corcéis, sobem sem dificuldade. Os outros grimpam com dificuldade porque o cavalo de má raça inclina e repuxa o carro para a terra. Há então grande trabalho para a alma", cf. PLATÃO, Fedro, op. cit., p. 225 [246]. [53] PLATÃO, Fedro, op. cit., p. 226 [248]. [54] PLATÃO, Fedro, op. cit., p. 233-4 [253-4]. [55] CARDOSO, A alma como centro..., cit., p. 135.

[56] PLATÃO, Fedro, op. cit., p. 227 [248]. [57] PLATÃO, Fedro, op. cit., p. 228 [249]: "A alma que nunca contemplou a verdade não pode tomar a forma humana. A causa disso é a seguinte: É que a inteligência do homem deve se exercer segundo aquilo que se chama Idéia; isto é, elevar-se da multiplicidade das sensações à unidade racional. Ora, esta faculdade não é mais que a recordação das Verdades Eternas que a nossa alma contemplou quando acompanhou a alma divina nas suas evoluções". [58] PLATÃO, Fedro, op. cit., p. 226 [248]: "aquela [alma] que mais contemplou [verdades] gerará um filósofo, um esteta ou um amante favorito das Musas; a alma de segundo grau irá formar um rei legislador, guerreiro ou dominador; a do terceiro grau forma um político, um economista ou financista; a do quarto, um atleta incansável ou um médico; a do quinto seguirá a vida de um profeta ou adepto dos mistérios; a do sexto terá a existência de um poeta ou qualquer outro produtor de imitações; a do sétimo, a de um operário ou camponês; a do oitavo, a de um sofista ou demagogo; a do nono, a de um tirano". [59] CARDOSO, A alma como centro..., cit., p. 139. [60] CARDOSO, A alma como centro..., cit., p. 132. [61] HERSCH , Jeanne. L'étonnement philosophique; Une histoire de la philosophie. Paris: Gallimard, 2007, p. 45. [62] HERSCH, L'étonnement...cit., p. 45, no original: "Ce ne sont pas là des preuves, au sens strict du mot. La preuve de l'immortalité, c'est effectivement en mourant que Socrate la donne, car la manière dont il meurt témoigne pour un au-delà du temps." [63] "O maior prejuízo, porém, que o apaixonado acarreta ao objeto do seu amor é priva-lo daquilo que daria pleno desenvolvimento à sua inteligência, isto é, a divina filosofia, da qual o amante necessariamente afasta o amado", PLATÃO, Fedro, op. cit., p. 213 [239]; [64] LIMA VAZ, Antropologia Filosófica, V. I, cit., p. 31-2. [65] PLATÃO. O Banquete, in: Diálogos; O Banquete - Fédon - Sofistas - Político. Trad. José Cavalcante de Souza, Jorge Paleikat e João Cruz Costa. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. [66] "Sócrates fala por último, mas não em nome próprio: ele afirma reportar as palavras de uma mulher, cujo nome não será jamais esquecido no curso da história do pensamento europeu, e que muito particularmente inspirou Hölderlin: Diotima. É ela que dá ao amor sua natureza sublime." HERSCH, L'étonnement...cit., p. 46, no original : "Socrate parle le dernier, mais pas en son nom propre : il affirme rapporter les paroles d'une femme dont le nom ne sera plus jamais oublié au cours de l'histoire de la pensée européenne, et qui a tout particulièrement inspiré Hölderlin : Diotima. C'est elle qui donne à l'amour sa nature sublime." [67] PLATÃO, O Banquete, op. cit., p. 32-5. [68] HERSCH, L'étonnement...cit., p. 46, no original: "désir, de quelque chose que l'on a pas et à quoi l'on aspire. Pour finir, l'amour c'est la philosophie elle-même." [69] HERSCH, L'étonnement...cit., p. 46-7, no original: "Éros, l'amour, selon Platon, c'est le désir, la nostalgie, il est fils de richesse et de pauverté. (...)Éros est donc, une fois encore, un entre-deux. Il est de même un entre-deux entre savoir et non-savoir. Il désire la connaissance de la vérité, et c'est donc qu'il ne la possède pas ; mais son désir de cette connaissance ne serait pas possible sans une certaine connaissance

anticipée de cette vérité qu'il désire. Seul un 'entre-deux' peut être amour, et c'est en tant qu'entre-deux que l'amour est philosophie." [70] DESCHOUX, Marcel. Platon ou le jeu philosophique. Paris: Faculté des Lettres et des Sciences Humaines, 1980, p. 199-200. [71] DESCHOUX, Platon..., cit., p. 200, no original: "au terme du mouvement ascensionnel qui le fait passer du particulier à l'universel et du sensible au spirituel, s'élevant des corps aux âmes, puis aux actions et aux lois, et enfin aux sciences, il enfantera de magnifiques discours et débouchera dans la science de la Beauté absolue et parfaite, productrice de la vertu véritable. L'amour s'achève ainsi dans la contemplation qui divinise." [72] DESCHOUX, Platon..., cit., p. 201, no original: "La dialectique de l'amour, dans le Banquet, et le mythe de la chute des âmes dans le Phèdre, sont complémentaires. (...) Surtout, la dialectique se manifeste comme démarche ascendante qui progresse pas degrés dans la double voie de l'universalisation et de l'idéalisation. L'amour, tel qu'il est ressenti, ne connaît pas son véritable objet. Le beau corps auquel il s'attache n'est que le signe es le reflet de la Beauté parfaite qui est obscurément désirée. Toute beauté participe de la Beauté en soi et incite l'âme à la rechercher, par dépassement et épuration du sensible. L'amour naissant s'ignore lui-même, mais à mesure qu'il se développe et se connaît, il devient science." [73] HERSCH, L'étonnement...cit., p. 47. [74] LIMA VAZ, Antropologia..., cit., p. 32. [75] PLATÃO. A República. Trad. Pietro Nasseti. São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 131-8 [435-41]. A obra já foi interpretada de maneiras diversas: uma, em que seria descrito o modelo de Estado ideal e os paralelos estabelecidos entre homem individual e Estado não significam nada mais que uma ilustração desse Estado ideal; outra, em que o Estado não seria mais que um engrandecimento do homem individual, destinado a facilitar a compreensão do que o homem deveria ser. Para Hersch, no entanto, "talvez Platão não tenha querido fazer essa divisão. Pode-se ler a obra das duas maneiras." Hersch, L'étonnement...cit., p. 47-8, no original: "Peut-être Platon n'a-t-il pas voulu trancher. On peut lire l'oeuvre dês deux manières." [76] PLATÃO, A República, cit., p. 130 [435]. [77] V. JAEGER, Paidéia..., cit., p. 809-10. [78] PLATÃO, A República, cit., p. 135 [439]. [79] PLATÃO, A República, cit., p. 136 [440]: "E então quando uma pessoa julga que comete uma injustiça? Quanto mais nobre for, tanto menos pode encolerizar-se, ainda que passe fome, frio e qualquer outro sofrimento no gênero [sic], por parte daquele que, segundo ele julga, lhe inflige este tratamento com justiça, e, como digo, não consente em despertar a sua cólera contra ele [...] E agora, se uma pessoa se considerar vítima de uma injustiça? Acaso não ferve e se irrita e luta do lado que entende ser justo, quer passe fome, quer frio e todos os sofrimentos dessa espécie, agüentando firme; e vence, sem desistir da sua nobre indignação, antes de executar o seu propósito ou morrer, ou de ser chamado e acalmado pela razão que nele existe, como um cão pelo seu pastor?" [80] PLATÃO, A República, cit., p. 138 [441]. [81] "Devemos recordar-nos que também cada um de nós, no qual cada uma das suas partes desempenha a sua tarefa, será justo e executará o que lhe cumpre", PLATÃO, A República, cit., p. 138 [441].

[82] Como salienta JAEGER, "Uma vez educadas, e quando uma delas tiver aprendido bem o seu papel, ambas deverão guiar conjuntamente os impulsos do Homem. Estes formam a parte mais vasta da alma de cada homem e são por natureza insaciáveis. Nunca é pela satisfação dos seus desejos que se pode leva-los a 'fazer o que lhes compete'", JAEGER, Paidéia..., cit., p. 810. [83] HERSCH, L'étonnement...cit., p. 49-50. [84] NEMO, Philippe. Histoire des idées politiques dans l'Antiquité et au Moyen Âge. Paris : PUF, 2007, p. 128-9. [85] DESCHOUX, Platon..., cit., p. 215. [86] DESCHOUX, Platon..., cit., p. 250-1. [87] DESCHOUX, Platon..., cit., p. 253, no original: "La détermination de l'État juste et de ses institutions notamment éducatives est elle-même une éducation, une construction de la justice dans l'âme. (...) Si la justice est fondement de la cité vraie et santé de l'âme, c'est que plus radicalement elle est la loi du Cosmos, la vraie nature des choses." [88] PLATÃO, A República, cit., p. 313-19 [615-21]. [89] LIMA VAZ, Antropologia Filosófica, V. I, cit., p. 32. [90] A República, vista pela perspectiva das Leis, trata de um Estado perfeito, feito para deuses e filhos de deuses. Se na República e no Político há certa desconfiança em relação à proeminência que os gregos davam as suas leis, na última obra elas assumem uma função pedagógica essencial, como verdadeiro educador dos cidadãos. Não se trata de saber como punir, ou porque punir, mas exatamente o contrário: impedir que haja transgressões por meio da educação, elevando o homem a um patamar superior, que o aproxima da virtude. V. JAEGER, Paidéia..., cit., p. 1295-9. [91] Acrescenta, ainda, que "o homem não pode existir fora do mundo. E m virtude da sua existência, e da sua natureza, ele é relativo a um todo mundial. Este tema foi desenvolvido e sistematicamente levado à sua conclusão por Aristóteles. Quanto ao tema da alma, ele é retomado pelos neoplatónicos e, finalmente, por Santo Agostinho. Os dois temas: o homem, criatura da natureza, e o da alma, determinarão, na Idade Média, a esfera do pensamento cristão", GROETHUYSEN, Antropologia Filosófica, cit., p. 40-1. [92] LIMA VAZ, Antropologia Filosófica, V. I, cit., p. 33. [93] HERSCH, L'étonnement...cit., p. 89. [94] Sobre o tema, V. RAMOS, Marcelo Maciel. Ética Grega e Cristianismo na Cultura Jurídica do Ocidente. Belo Horizonte: Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, 2006 [Dissertação de Mestrado em Direito]. [95] MARCONDES, Iniciação..., cit., p. 107-110. [96] MARCONDES, Iniciação..., cit., p. 111. [97] COTRIM, Gilberto. Fundamentos da filosofia - História e grandes temas. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 121. [98] V. BROCHADO, Mariá. Prolegômenos à ética Ocidental. Revista do Tribunal de Contas do Estado de

Minas Gerais, v. 1, p. 59-72, 2009. [99] HERSCH, L'étonnement...cit., p. 101-2. [100] HERSCH, L'étonnement...cit., p. 103, no original: "Au moment oú pour le croyant Dieu devient plus intérieur que son propre moi, le prétendu conflit des libertés perd toute sa signification : ce que Dieu veut, ce que je veux... Au contraire : ce que Dieu veut est plus intérieur em moi que ce que, à l'instant, je croyais encore vouloir." [101] SALGADO, Karine. A filosofia da dignidade humana; A contribuição do alto medievo. Belo Horizonte: Mandamentos, 2009, p. 25-6. [102] SALGADO, Karine. A filosofia..., cit., p. 9-10. "Entende-se a dignidade humana como uma expressão tipicamente moderna que exprime o valor inquantificável do ser humano, a sua natureza de fim em si mesmo, natureza que, por sua vez, exige um tratamento compatível com o seu valor, que será posterior e gradativamente garantido e efetivado através de direitos que, justamente por tutelarem o homem em sua dignidade, recebem o nome de fundamentais. A dignidade humana permite uma visão absolutamente universal do homem, prescindindo de qualquer outra qualificação, como raça, religião ou atuação políticosocial. Ela se funda exclusivamente na própria natureza humana de ser racional, volta-se a ela totalmente e para todo o potencial que ela permite ao homem de desprendimento da esfera puramente natural e afirmação como ser livre." SALGADO, Karine. A filosofia..., cit., p. 13-4. [103] HERSCH, L'étonnement...cit., p. 252-7. O Idealismo Alemão é um movimento que se inicia a partir dos questionamentos à filosofia kantiana pelos pensadores do período histórico imediatamente seguinte: Fichte, Schelling e Hegel, que pretenderam, genericamente, elaborar uma filosofia que produza, de fato, um saber, e não que fique estagnada na crítica, que é tarefa meramente negativa da razão e deve ter papel apenas propedêutico. MARCONDES, Iniciação..., cit., p. 242-4. [104] KANT, Immanuel. Crítica da Razão Prática. Trad. Rodolfo Schaefer. São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 40. [105] SALGADO, Joaquim Carlos. A idéia de justiça em Kant. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1995, p. 333-4. [106] SALGADO, A idéia de justiça em Kant, cit., p. 226. [107] SALGADO, Joaquim Carlos. Os Direitos Fundamentais in: Revista Brasileira de Estudos Políticos, n. 82, jan/1996, p. 56. [108] SALGADO, Joaquim Carlos. A idéia de justiça em Hegel. São Paulo: Loyola, 1996, p. 499. [109] SALGADO, A idéia de justiça em Kant, cit., p. 333-4. [110] SALGADO define o Estado ético como aquele "em que os princípios éticos do que ele [Hegel] denomina Moralidade, na qual prevalece a idéia de liberdade individual, e o sistema mecânico de necessidades em que o indivíduo se satisfaz na produção para o outro, pelo trabalho, sob a lei abstrata que os rege, encontrem a sua unidade numa forma de organização livre, vale dizer, numa ordem conjugada dialeticamente com a liberdade, em que a lei é a objetivação da liberdade e a liberdade individual, realização da lei no sujeito de direitos universalmente reconhecidos". SALGADO, A idéia de justiça em Hegel, cit., p. 384 e 505; cf. SALGADO, Joaquim Carlos. O Estado Ético e o Estado Poiético, in: Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, n. 02 de 1998 - Ano XVI.

[111] REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 220. [112] REALE, Filosofia..., cit., p. 219-21. [113] STANCIOLI, Renúncia ao Exercício de Direitos da Personalidade ou como Alguém se Torna o que Quiser. Tese de Doutorado em Direito. Belo Horizonte: Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, 2007, p. 23. [114] Para uma classificação das Constituições contemporâneas v. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 31.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 168-170.

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