Breve cronologia do “espectáculo das raças”

July 11, 2017 | Autor: Nilmar Bar | Categoria: Comunicação, Historia, Sociologia, Antropologia
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Breve cronologia do “espectáculo das raças” – Nilmar A. Barcelos *

Logo de início, no seu livro O espetáculo das raças, Lilia Schwarcz [1993] explica que, durante todo o século XIX, o Brasil foi visto como uma espécie de paraíso natural, com elites que visavam manter as suas hierarquias de poder. Em 1808, com a chegada de D. João VI e da corte portuguesa à colónia, são implementadas diversas instituições (como o Museu Real, a Biblioteca e a Imprensa Régia) com a finalidade de produzir e reproduzir a memória lusitana em terras brasileiras. Foram criadas as primeiras escolas de Direito, com a intenção de substituírem as forças até então reinantes e dar origem a um código nacional. A Escola de Olinda (fundada em 1828 e transferida para o Recife em 1854) tinha como base as ideias racistas e sanitaristas. Já a de São Paulo (também fundada em 1828) era do modelo político liberal mais marcante, embrenhando em campos como o jornalismo, a literatura e a política. No ano de 1832, a Escola de Medicina da Bahia (que propagava o cruzamento de raças como causador de criminalidade, degeneração e loucura) e a Escola Médica do Rio de Janeiro (que propagava que doenças tropicais como a febre amarela e o mal de Chagas eram derivadas do grande número de migrações raciais para o Brasil) ganham o status de faculdade, embora já existissem anteriormente as escolas de Direito, por volta do ano de 1808. Em 1838, com a emancipação política do Brasil, funda-se o primeiro Instituto Histórico e Geográfico do Brasil (IHGB), no Rio de Janeiro, tendo a sua produção intimamente ligada às idéias cientificistas europeias de D. Pedro II (que assumiria o comando do pai, de volta a Portugal). Em 1850, surgem ideias como as de poligenia, frenologia e antropometria. E em 1862 surge o Instituto Arqueológico e Geográfico de Pernambuco, com o mesmo viés racista do seu antecessor.

* Centro de estudos afro-orientais, Universidade Federal da Bahia [[email protected]].

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As faculdades de medicina da Bahia e do Rio de Janeiro ganham carácter mais científico em torno dos anos de 1870, quando se dá a Lei do Ventre Livre. Há predominância de movimentos positivoevolucionistas – que já perdiam força na própria Europa – com ideias racistas propagadas em jornais e romances naturalistas. Nessa mesma época, surgem os museus etnográficos (biológico-evolucionistas), com o intuito de preservar alguns modelos de raça, em nome do branqueamento do Brasil, ou seja, do seu suposto progresso. Nessa altura, o pensamento do Brasil como exemplo de nação degenerada, expresso por Thomas Buckle, é aceite pela intelectualidade presente na época (como Nina Rodrigues, Euclides da Cunha e Sílvio Romero), salvo raras exceçpões. No ano de 1883, surge a eugenia com Francis Galton e a sua deturpação das ideias darwinistas. Em 1890, 46% da população é contabilizada como mestiça. E em 1894, através do naturalista alemão Von Ihering, surge o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, que actuava ainda sob orientação racista. Ocorre o I Congresso Internacional das Raças, em 1911, no qual o director do Museu Nacional do Rio de Janeiro, João Batista Lacerda, afirma que o Brasil só teria saída e solução através do seu branqueamento no espaço de um século. Em 1920, com a derrocada dos museus etnográficos, esses tornam-se museus de ciências naturais. Edgar Roquette-Pinto, director do Museu Carioca e presidente do I Congresso Brasileiro de Eugenia em 1929, posiciona-se publicamente contra o racismo. Por fim, no ano de 1930, a derrocada dos museus etnográficos torna-se um fenómeno mundial, surgindo no Brasil dessa época uma tímida vanguarda contra o racismo. O pensamento racista teve hegemonia na elite intelectual brasileira do período de 1888 (ano da abolição da escravatura) até 1914 (início da I Guerra Mundial e contexto propício para o desenvolvimento de um pensamento de unificação nacional, tendo nas teorias culturalistas de Gilberto Freyre um forte aliado). Devido ao complexo histórico desse desenvolvimento histórico-conceitual, Schwarcz [1993] mostra que a utilização do termo raça traz uma série de implicações históricas e ideológicas num país como o Brasil, que até hoje é visto pelo exterior como exótico e interessante, devendo assim ser cautelosa a utilização desse termo.

Referências bibliográficas SCHWARCZ, Lilia Mortiz 1993: O espetáculo das raças. São Paulo: Companhia das Letras.

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