BREVE HISTÓRICO DA VIOLAÇÃO DOS DIREITOS INDÍGENAS EM RONDÔNIA

July 24, 2017 | Autor: Emilio Sarde | Categoria: History, Geography
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BREVE HISTÓRICO DA VIOLAÇÃO DOS DIREITOS INDÍGENAS EM RONDÔNIA

Adnilson de Almeida Silva1 Emílio Sarde Neto2 Ivaneide Bandeira Cardozo3 Nádia Floriani4 GT 09 – TRABALHO, (DES)IGUALDADE SOCIAL E DE GÊNERO E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NO MUNDO RURAL

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Geógrafo e Mestre em Geografia – PPGG/UNIR Doutor em Geografia/UFPR. E-mail: [email protected]

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Historiador e Mestre em Geografia – PPGG/UNIR Doutorando em Geografia – PPGG/UFPR – E-mail: [email protected] 3 Historiadora e Mestre em Geografia – PPGG/UNIR. E-mail: [email protected] 4

Bacharel em Direito/Universidade Tuiuti. Mestranda em Geografia/UFPR. E-mail: [email protected]

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BREVE HISTÓRICO DA USURPAÇÃO DOS DIREITOS INDÍGENAS EM RONDÔNIA

BRIEF HISTORY OF USURPATION OF INDIGENOUS RIGHTS IN RONDÔNIA RESUMO: O artigo procura contribuir com o debate acerca do papel do Estado, da sociedade e as implicações da violação dos direitos, em razão do significado que as Terras Indígenas (TIs) possuem como espaços indispensáveis à sobrevivência dos diferentes grupos étnicos, mas cuja compreensão não é apreendida pela sociedade envolvente. Discutir a questão indígena e a usurpação dos direitos não é uma tarefa das mais fáceis, em decorrência não somente da incompreensão da sociedade envolvente, mas, sobretudo, pelo processo histórico e econômico, o qual os indígenas foram submetidos ao longo de mais de cinco séculos. PALAVRAS-CHAVE: Amazônia. Direitos Indígenas. Rondônia. Usurpação. ABSTRACT: The article seeks to contribute to the debate about the role of the State, society and the implications of human rights violations, on the grounds of meaning that indigenous lands (TIs) have as essential for the survival of the spaces different ethnic groups, but whose understanding is not seized by the surrounding society. Discuss the indigenous question and the usurpation of the rights is not an easy task, as a result not only of misunderstanding surrounding society, but, above all, by the historical and economic process, which the indigenous people have been subjected for over five centuries.

I. CONSIDERAÇÕES INICIAIS O contexto atual na Amazônia, em especial em Rondônia, não difere em muito do passado quando se trata de usurpação dos direitos indígenas, porém com novos significados na medida em que o conjunto da sociedade tende a ser tornar mais complexo em virtude das demandas e anseios emanados do modelo vigente. Desse modo, discutir a violação dos direitos é encontrar-se numa gama de extensas e complexas relações que vai desde a garantia à vida, como elementar e fundamental, o direito ao território em seus aspectos de proteção jurídica e de preservação da territorialidade e atinge outros direitos necessários ao exercício da cidadania – saúde, educação, entre outros. A terra é um bem precioso para os povos indígenas, onde encontram os meios para sua subsistência, cultura, espiritualidade, organização social e com esta tem toda uma relação com os recursos naturais que envolvem seu modo de vida (RAMOS, 1988, p.13). A Constituição Brasileira de 1988 em seu art. 231 garante aos indígenas o direito originário sobre suas terras e o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos, além da inalienabilidade e a indisponibilidade dessas terras, e torna nulo qualquer ato de ocupação, domínio e posse que as envolvam. A proteção das terras indígenas está sobre a responsabilidade da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, que tem a obrigação da proteção jurídica desses territórios (FUNAI, 2009). As terras indígenas são importantes para conter o desmatamento na Amazônia, conforme observa Ferreira, Venticique & Almeida (2005), em que situam as TIs como prestadoras de

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“importante serviço de barreira ao desmatamento, e que em Rondônia pode ser até 10 vezes maior do que fora das áreas protegidas”. O Estado, portanto, deve oferecer as condições para que não ocorra a invasão ou ocupação ilegal por madeireiros, grileiros, posseiros, fazendeiros, garimpeiros, ou quaisquer outros tipos de esbulho ou de ameaças às TIs, especialmente aos povos que nelas habitam e tiram os bens necessários à subsistência e à integridade da cultura e da cosmogonia. Neste sentido, o artigo tem como objetivo cooperar com o debate sobre o papel do Estado, da sociedade e as implicações da usurpação dos direitos, em razão do significado que as Terras Indígenas (TIs) possuem como espaços indispensáveis à sobrevivência dos mais distintos grupos étnicos.

2. BREVE HISTÓRICO SOBRE A QUESTÃO INDÍGENA NO BRASIL E EM RONDÔNIA O que verifica, na atualidade, é que estas áreas protegidas vivem em constantes ameaças, principalmente no que se refere à exploração ilegal dos recursos naturais, comprometendo não somente o espaço físico, mas também a base alimentar dos indígenas, ao tempo em que a biodiversidade fica seriamente comprometida, ciente de que várias das espécies encontradas nas TIs sequer foram catalogadas cientificamente e pouco se sabe de suas propriedades químicas e terapêuticas (ALMEIDA SILVA & LEANDRO, 2010). É igualmente preocupante, o discurso existente no meio da sociedade envolvente que as TIs se constituem em grande obstáculo para o desenvolvimento do país. Essa condição se deve ao fato dessa sociedade não compreender a relação que os indígenas mantêm com a natureza, cujo significado e usufruto são distintos do modelo econômico que vê essa mesma natureza como possibilidade de auferir lucros de forma rápida, porém destruidora. A concepção indígena, conforme observa Bastos, et all (2009, p.07) ocorre com a relação, cujo “vínculo com a floresta supera a objetividade material, em que essa faz parte da sua cosmologia, da sua simbologia e de todos os reflexos que as interações e percepções produzem em sua cultura, sociedade e espaço”. É nesse sentido que procuramos compreender tais relações, cientes que compete ao Estado em primeiro plano realizar a proteção física das TIs e seus habitantes, e a sociedade em geral, em conviver com as distintas culturas, considerando a formação multiétnica do país. Na realidade há um grande percurso a ser feito, em virtude de que os direitos indígenas ainda não foram plenamente absorvidos nem pelo poder público, nem pela sociedade, além do que esses direitos serem recentemente adquiridos e presentificados em legislações e que ocorreu após intensas discussões oriundas dos movimentos indígenas e indigenistas - ainda não serem suficientes para as garantias fundamentais.

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O avanço mesmo que incompleto reside no fato de que várias etnias anteriormente desterritorializadas receberam “compensação” com a outorga de territórios, entretanto, ainda existem povos indígenas que não tiveram seu direito reconhecido. A história do contato interétnico no Brasil é, sobretudo, acompanhar processos de despovoamento das etnias indígenas, em um sistemático etnocídio (LEONEL, 1995), responsável pelo desaparecimento de milhões de indivíduos. Entre esses processos, podem ser enumerados: a guerra do implante da colonização; a violência das formas de apropriação do solo; os interesses de exploração econômica das riquezas naturais e da mão de obra indígena; a ação missionária e as políticas indigenistas desenvolvidas; as epidemias; os massacres; o deslocamento compulsório das etnias indígenas. Os primeiros atos de reconhecimento colonial da parte da Amazônia Ocidental, onde se situa o Estado de Rondônia, ocorreram a partir do século XVII, em consequência do bandeirismo originado no Norte e no Sudeste. As primeiras bandeiras do Norte, chefiadas por militares portugueses, eram formadas praticamente por indígenas e por mamelucos afeitos aos rigores do meio amazônico; as do Sudeste, organizadas por paulistas, eram integradas também por indígenas e mamelucos, eles foram atraídos pelas imaginárias riquezas de um meio distante, que intermediava naquela imensidão geográfica a planície e o planalto. O bandeirismo foi estimulado pela ambição de prear indígenas, colher drogas, descobrir e explorar metais preciosos. (PINTO, 1993. p.07). As populações indígenas, tantas vezes esquecidas pela historiografia, emergem como elemento principal na ocupação da região amazônica. Por um longo período, foi a mão de obra básica que sustentou as principais atividades econômicas da área. E por isso mesmo disputada com uma violência sem tréguas (FREITAS e SARDE NETO, 2002. p. 07). A princípio houve a tentativa de se “arrebanhar” indígenas para trabalhos forçados na coleta de produtos florestais, e constata-se o avanço dos não indígenas sobre as TIs que agiam impiedosamente, conforme afirma Ribeiro (1993, p.23): “ao longo dos cursos de água navegáveis, onde quer que possa chegar uma canoa a remo, as aldeias eram assaltadas, incendiadas e suas populações aliciadas”. Os seringalistas estabelecidos nos barracões deram continuidade a caça da mão de obra indígena, visando aumentar o número de “colocações” ao seu serviço, ao tempo que o avanço dos seringais iria provocar a disputa nos territórios tribais, e os indígenas eram caçados à bala. Os exploradores de seringa vinham de todas as direções da Hileia adentro, porém encontravam forte resistência das populações indígenas. O exemplo do povo Karipuna é ilustrativo, nas palavras de Meireles (1983, p.48): [...] Foi nesse período que a área correspondente ao rio Jaci Paraná e Abunã, então pertencente aos Karipuna foi ocupada e explorada pelos seringueiros, inicialmente bolivianos da fronteira, ocasionando assim conflitos intermitentes, mas que foram capazes de deter por um longo tempo a entrada dos invasores [...].

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O governo brasileiro arrendava e vendia áreas territoriais sem saber sua localização precisa, não se cogitando se haviam indígenas, pois os dados eram desconhecidos, ou propositalmente ignorados. Os relatos oficiais sobre a borracha não mencionam o problema do indígena a não ser muito superficialmente. Não se pode saber, com base nas documentações existentes o modo como as empresas concessionárias lidaram com os problemas. Neste contexto, em Rondônia, a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré – EFMM, iniciada em 1872, com ligação entre o rio Mamoré e o Madeira tinha o objetivo de escoar a produção de látex para o Oceano Atlântico, potencializou o acirramento entre os empreendedores e os indígenas (FERREIRA, 1987, p.83): Inúmeros desdobramentos foram se sucedendo na construção da EFMM, em que os conflitos foram inevitáveis, atingiram, sobretudo os indígenas e as turmas de operários que faziam as linhas de frente. Esses trabalhadores estavam avançando sobre a área dos Karipuna e dos Pakaa-Novos. Os funcionários mais graduados sabiam que a região era habitada por índios, mas não se tomava nenhuma medida nesse sentido. (FERREIRA, 1987. p. 83). Aliado a essa problemática de conflitos, a EFMM contribuiu para a proliferação da malária, sendo que os Karipuna foram os mais atingidos, com isso se supõe sua grande depopulação como iniciado nessas ocasiões. (MEIRELES, 1983. p.108). Já no início do Século XX, em muitas áreas os indígenas ainda resistiam a entrada dos ocidentais. No Congresso Brasileiro, legisladores tendo em vista o desenvolvimento nacional, argumentavam que seria conveniente utilizar as táticas do exército norte americano contra os índios na ocupação do Oeste brasileiro. (MEIRELES, 1983, p.109). Por outro lado, a existência grupos de influência nos círculos cosmopolitas do Brasil, influenciados pelas ideias do filósofo social francês Auguste Comte, alegavam ser responsabilidade do Governo a proteção das populações indígenas remanescentes no país. Acreditavam que com o tempo os indígenas assumiriam seu lugar como cidadãos na novíssima República brasileira. (GAGLIARD, 1996. p.103). Neste contexto, surge Candido Mariano da Silva Rondon, como porta-voz das ideias positivistas, que havia sido determinado, em 1890, pelo governo brasileiro a realizar uma série de expedições militares e cientificas nas regiões inexploradas do interior do país. Durante essas expedições Rondon estabeleceu contatos com várias sociedades indígenas, que para ele não eram apenas selvagens, ou condenados a assim permanecerem; simplesmente encontravam-se num dos estágios do desenvolvimento geral da civilização humana. Outros oficiais do exército compartilhavam dessa filosofia humanista. Em 1910, conseguiram convencer o governo a criar o Serviço de Proteção ao Índio- SPI, órgão especial para a proteção das populações indígenas nas áreas de pressão das frentes pioneiras.

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A Comissão Rondon colocaria em prática as ideias positivistas sobre, como a utilização pacífica de soldados no desbravamento dos sertões na construção de obras públicas e na concretização de objetivos “humanísticos”, como a “proteção dos aborígines”, demonstrando ao país e a parcelas do próprio governo que os índios tinham aptidão para a civilização e mostrando as possibilidades de sua incorporação ao progresso nacional como verdadeiros “trabalhadores nacionais”. “Ainda que essa região atravessada pela linha telegráfica não fosse densamente povoada, é um engano supor que se tratasse de um vazio. Rondon em seu relatório final vai mapeando pessoas, atividades, estabelecimentos produtivos e as relações entre uns e outros, com particular destaque para o conflito latente entre “civilizados” e índios.” (MACIEL, 1998. p.145).

De 1900 a 1957, centenas de etnias indígenas entraram em contato com a sociedade nacional brasileira e foram descaracterizadas ou destruídas pela doença e a contaminação (RIBEIRO, 1993.p.234), resultando na depopulação de cerca de um milhão para menos de 200 mil indígenas. As etnias que sobreviviam às depredações iniciais nas frentes pioneiras do Brasil restavam fortemente despovoadas e vivendo nas condições mais miseráveis, sofrendo discriminação e exploração, o que as impedia de “integrarem-se” à vida nacional brasileira. Ribeiro sinaliza ainda que o destino das etnias isoladas estaria nas mãos da futura expansão econômica e na capacidade política do SPI em criar uma barreira protecionista entre os indígenas e as frentes pioneiras da sociedade nacional, assegurando assim o direito de viver segundo seus costumes. A julgar pelos casos conhecidos, os efeitos devastadores de epidemias de gripe, sarampo e outros agentes mórbidos levados por pessoas civilizadas teriam reduzido sua população a mais da metade do que era quando estavam isolados. (RIBEIRO, 1993. p. 207- 214). Essas condições promoveram transformações completas em seus modos de vida, as quais podem ser atribuídas a fatores ecológicos e bióticos, mais do que ao processo de aculturação. Os fatores bióticos (doenças) ocasionados pelos contatos interétnicos foram os principais responsáveis pelo desaparecimento das populações indígenas. Após o fim do período pós-guerra a política indigenista sofreu varias mudanças, tornando-se cada vez mais ligada à política regional e nacional. Um novo grupo de oficiais do exército e funcionários públicos assumiu posições de poder no SPI. A corrupção burocrática impregnou a administração do SPI. Agora não eram mais as considerações humanitárias que formavam a base da política indigenista no Brasil, mas os interesses do sistema econômico. Em Rondônia a maior fase de depopulação indígena ocorreu durante o ciclo da borracha. Alguns grupos nem sequer mantiveram contatos permanentes com os não indígenas. Os contatos intermitentes foram suficientes para ocasionar os processos de contaminação de doenças, que não permitiu a esses grupos se recuperarem. Várias etnias indígenas ficaram reduzidas a pequeno numero de indivíduos. No inicio dos anos 1960, o então território Federal de Rondônia passou a sofrer um novo surto econômico de ocupação - o boom da cassiterita, que se constituiu em mais um determinante que

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impulsionou a ocupação da área. Assim, descoberta de qualquer coisa que possa ser explorada é sinônimo de pressão para os indígenas que são obrigados a abandonar suas terras ou chacinados dentro de seus territórios. Através de decretos tornava-se ilegal a prospecção individual das minas em Rondônia. Grandes companhias de mineração substituíram o garimpo artesanal pelo garimpo mecanizado, mesmo assim garimpeiros continuavam a explorar clandestinamente o minério, redundando na penetração de alguns territórios indígenas. A invasão das TIs e a ocupação ilegal foram duas facetas da grande problemática que resultou da intensificação do processo de colonização dessa região a partir de 1970. A procura da cassiterita pode ser considerada um precedente, no sentido que abriu estradas e chamou a atenção das multinacionais para a riqueza de Rondônia. O boom da mineração na Amazônia serve como base para entender a política indigenista no Brasil. É desse período o início de um grande projeto de ocupação da região amazônica, com a construção de grandes rodovias que cortaram a floresta. Quando o programa da Transamazônica foi iniciado, em 1970, o papel da FUNAI, órgão criado para substituir o SPI, era principalmente o de pacificar indígenas. Com as rodovias prontas, ou quase, a FUNAI foi requisitada, em geral contra os desejos de vários indigenistas dedicados, para abrir caminhos às companhias multinacionais e estatais interessadas em ganhar acesso aos recursos naturais da bacia amazônica. (DAVIS, 1978. p. 78.) A abertura dos projetos de colonização agrícola com a construção de estradas federais constitui-se em um último e definitivo processo de ocupação dessa região, que se caracteriza por ser determinante, no sentido de que redundou em mudanças irreversíveis das forças produtivas. Em Rondônia, a pavimentação da BR-364 colocou um fim ao relativo isolamento rodoviário do Estado em relação às demais regiões do país facilitando o movimento migratório e consequentemente pressão sobre as TIs. A colonização dirigida aparecia como um esforço consciente, por parte do governo para que os “vazios” amazônicos fossem ocupados e suas terras valorizadas, ao mesmo tempo em que se buscava uma alternativa para os problemas de pressão demográfica de certas áreas do país. O Instituto de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, órgão federal criado especificamente para desenvolver uma política de ocupação de terras, loteava áreas pertencentes aos indígenas, o que indubitavelmente propiciava mais conflitos e mortes. As populações indígenas viviam mais um período sombrio, suas terras estavam sendo novamente invadidas. Os maiores invasores eram os colonos, o fluxo migratório em Rondônia havia atingido proporções incontroláveis, superando as expectativas oficiais.

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A estrutura burocrática do INCRA revelou-se inoperante. Os colonos, com a conivência ou omissão dos funcionários do INCRA começaram por expandir, por conta própria os limites dos projetos oficiais, atravessando as TIs (MEIRELES, 1983, p.88-89). A total falta de informação sobre a situação das populações indígenas e suas terras, aliadas a uma mentalidade ideológica em que o indígena era considerado como “animal selvagem” levaria a eclosão da violência entre colonos e essas populações. O processo de colonização em Rondônia trouxe grandes e importantes impactos das diversas ordens, principalmente desmatamentos e queimadas intensas – já que desmatar era uma política incentivada e vista como desenvolvimento – a proliferação de madeireiras, o conflito por terras envolvendo atores como agricultores, madeireiros, indígenas e populações tradicionais. Na realidade produziu uma série de desordenado com profundas alterações no território. (ALMEIDA SILVA, 2012, p.11).

Desse modo, os atos perpetrados sobre as populações indígenas, uma vez do conhecimento do grande público, chegavam, através da imprensa, ou por denúncias dos agentes ligados à sua defesa. A “tragédia” era denunciada, e em parte, já não permanecia impune. Nessa condição, o Estatuto do Índio (Lei 6001/71) serviu de parâmetro para se pensar uma política de recuperação das suas terras e para as suas demarcações definitivas, ao mesmo tempo em que projetava a assistência médica, social e jurídica, demonstrando a necessidade de ação em uma conjuntura que sempre se caracterizou pela violência para com os indígenas. Oliveira (1985, p.20) afirma que o fator decisivo para a elaboração, a aprovação e a divulgação da Lei 6001 era a preocupação do governo com a sua imagem no exterior então grandemente afetada por denúncias de violação de direitos humanos. Em função da divulgação pela imprensa internacional de massacres de indígenas, o governo enfrentava desde 1967 uma campanha sistemática no exterior de acusações de omissão ou mesmo comprometimento em práticas etnocidas. No início da década de 1980 em Rondônia foi demarcada a TI Uru-Eu-Wau-Wau, onde habitam os Uru-Eu-Wau-Wau, autodenominados Jupaú (os que usam jenipapo) ou PindobatywudjaraGã (gente dos babaçuais), Amondawa, Oro-Win (autodenominados Oro-Towati), e os indígenas isolados5 (Jurureí, Yvyraparakwara e outro povo não identificado) e os introduzidos na TI (Juma e Cabixi). Os dois primeiros povos foram assolados pelas doenças derivadas após os contatos, enquanto os Oro-Towati passaram pela depopulação nos anos 1960 em virtude de conflitos com seringalistas, além das doenças até desconhecidas. Na década de 1990 as populações indígenas de Rondônia iniciaram o processo de recuperação demográfica. O contato interétnico dos indígenas com os não indígenas durante toda a fase de colonização possibilitou a adaptação biológica e cultural à nação brasileira fornecendo novas formas 5

O termo que entendemos como mais adequado é que se trata de indígenas autônomos, visto que recusam sua aproximação com a sociedade envolvente. Isolados traduz a ideia de que não possuam nenhuma espécie de exterioridade, quando se sabe que as TIs são recortes territoriais contornados por propriedades rurais, vilas, entre outros, e que de alguma forma essa exterioridade é conhecida pelos indígenas.

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de vivência sociocultural. Já no século XXI, as notícias de vários povos autônomos aparecem como surgidos de filmes de ficção, que fogem aos contatos estabelecidos pela FUNAI. Apesar de todo o aparato jurídico a favor das populações indígenas, ainda são normais os conflitos e invasões de terras indígenas cometidos por fazendeiros e garimpeiros que atraídos pelas riquezas contidas nas TIs ainda levam às ultimas consequências tais investidas. Os indígenas são vistos e tratados como invasores, entretanto, são vítimas de um processo, em que tem seus territórios violados e em muitas ocasiões são exterminados. Entre uma série de estratégias que implicam no enfraquecimento desses povos é detalhado por Sampaio e Silva (1998, p.28) que: “apenas para lembrar que historicamente, a questão da educação escolar indígena tem sido como um instrumento de aculturação e destruição dos povos”. Hoje, para algumas etnias, a grande novidade é a construção dos complexos hidrelétricos do rio Madeira e suas compensações pelos impactos ambientais com recursos financeiros e construção de obras nas comunidades que na realidade trazem novos e sérios problemas de desagregação social como o desinteresse pela vida na aldeia e a competição entre os indígenas e suas lideranças. Adiciona-se ainda a tecnologia, as instituições laicas da modernidade que exercem sobre as populações indígenas um fascínio carregado de paradigmas que nos remetem a pensar o processo de contato interétnico e adaptação dos povos indígenas em uma nova fase histórica que se encontra em construção.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS A pressão sobre os recursos naturais das TIs em Rondônia necessitam de providências sérias por parte dos Governos Federal e Estadual para garantir a preservação da biodiversidade e a garantia dos direitos humanos e o respeito à Constituição Federal, especialmente em seu art. 231. Embora a FUNAI tenha feito sua reestruturação, esta não resolve os problemas de pressão nas TIs, devido a fatores entre estes citamos: a) orçamento incompatível para proteção falta de pessoal qualificado (mesmo tendo havido o concurso público este foi insuficiente para a demanda da FUNAI); b) falta capacitação dos servidores, já que se observa principalmente em Rondônia que a maioria não sabe qual é o seu papel e desconhece o básico da legislação indigenista e ambiental, e uso de instrumentos simples como GPS e a falta de planejamento estratégico das ações a serem desenvolvidas. Os direitos indígenas devem ser garantidos; devendo os mesmos ser ouvidos, bem como suas organizações no planejamento de ações e na execução de projetos em seus territórios. A Justiça deve atuar na defesa do meio ambiente, da garantia de direito e na punição dos infratores e criminosos, pois enquanto os juízes tiverem liberando equipamentos e soltando aqueles que invadem o patrimônio indígena e da União e causam danos ambientais, a situação de caos

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ambiental não irá mudar, pois atualmente é lucrativo obter madeira ilegal em TIs e UCs, já que os inquéritos não são concluídos e quando tem, geralmente beneficiam os infratores, o que gera a crença que os juízes são coniventes com os danos ao meio ambiente e que sempre protegem madeireiros, garimpeiros e outros que entram ilegalmente em TIs. Restam provadas, como causas diretas relacionadas ao aumento dos crimes socioambientais, a atuação insuficiente do MPF e MPE nas denúncias e representações criminais e a débil e insignificante atuação do poder Judiciário na apuração, intervenção e combate aos crimes, como causas relevantes e potenciais de sentimento de “impunidade” que assola a região e serve de incentivo às modalidades de crime organizado que contam com presença marcante em UCs; descaso por parte do órgão indigenista e órgãos ambientais. A impunidade no Estado de Rondônia, deixa nos cidadãos rondonienses o medo de denunciar os danos ambientais e a falta de respeito aos direito humanos, pois não se tem certeza que haverá apuração dos fatos. A proteção das áreas protegidas tem que ser um compromisso do Estado que deve cumprir com o seu papel e investir em ações de fiscalização e controle nas TIs, entretanto se constata que tampouco isso se operacional, assim como os serviços ambientais prestados pelos indígenas no Brasil nunca foram valorados e valorizados pelos órgãos governamentais e pelo mundo acadêmico que realiza pouquíssimos estudos sobre importância.

4. REFERÊNCIAS ALMEIDA SILVA, Adnilson de. A questão indígena e os projetos de desenvolvimento na Amazônia Ocidental. Ciência Geográfica - Bauru - XVI - Vol. XVI - (1), 2012. p.8-14. _____. LEANDRO, E. L. Questão indígena na Amazônia, a especificidade de Rondônia: algumas considerações. In: AMARAL, J.J.O; LEANDRO, E.L. (Org.). Amazônia e Cenários Indígenas. 1 ed. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010, v. 1, p. 45-69. FERREIRA, L.V.; VENTICINQUE, E. & ALMEIDA, S. “O desmatamento na Amazônia e a importância das áreas protegidas”. Revista de Estudos Avançados 19 (53). Instituto de Estudos Avançados (IEA/USP), 2005. FERREIRA, M.R. A Ferrovia do Diabo. São Paulo, Melhoramentos, 1987. FREITAS, E.B. SARDE NETO, E. Éramos Quantos? Os Karipuna de Rondônia O Dilema da Depopulação Indígena. Porto Velho: Relatório Anual PIBIC/CNPq/UNIR, 2002. GAGLIARDI, J.M. O Indígena e a República. São Paulo, HUCITEC, 1989. HECK, E. & PREZIA, B. Povos Indígenas: Terra é Vida. 4ª ed. São Paulo: Atual, 1999. LEONEL, M. Etnodicéia Uru-eu-wau-wau. São Paulo: EDUSP,1995. MACIEL, L.A. A Nação Por Um Fio. Caminhos, práticas e imagens da Comissão Rondon. São Paulo: EDUC, 1998. MEIRELES, D.M. Populações Indígenas e a Ocupação Histórica de Rondônia. Monografia de Curso de Especialização em História e Historiografia. Cuiabá: UFMT, 1983.

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PINTO, E.P. Rondônia, Evolução Política. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1993. RAMOS, A. Sociedades indígenas. São Paulo: Ática, 1988. RIBEIRO, D. Os índios e a Civilização: a integração das populações indígenas no Brasil Moderno. Estudos da Antropologia da Civilização. 6°ed.- Petrópolis, ed. Vozes, 1993. SAMPAIO, W.B. & SILVA, V. Os Povos Indígenas de Rondônia: contribuições para a compreensão de sua cultura e de sua história. 2° Ed. – Porto Velho: EDUFRO, 1997.

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