Breve introdução à história do vandalismo do Castelo de Leiria

July 14, 2017 | Autor: Micael Sousa | Categoria: Patrimonio Cultural, Patrimonio, Castelo de Leiria, Vandalismo
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BREVE INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DO VANDALISMO DO CASTELO DE LEIRIA

Mestrado em Estudos do Património Unidade curricular: História e Teoria do Património Professor Doutor Paulo Oliveira Ramos Autor: Micael Sousa Aluno nº: 1100043

ÍNDICE

1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9.

INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 1 BREVE HISTÓRIA DA FUNDAÇÃO E CONSTRUÇÃO DO CASTELO DE LEIRIA ............ 1 A DEGRADAÇÃO DO CASTELO E OS VANDALISMOS DESTRUTIVOS INTENCIONAIS .. 3 OS REGISTOS ARTÍSTICOS DO CASTELO ENTRE O SÉCULO XVIII E XIX ................ 7 VALORIZAÇÃO, RESTAURO, REABILITAÇÃO, RECONSTRUÇÃO E VANDALIZAÇÃO.8 PROPOSTAS DE USOS ALTERNATIVOS PARA O CASTELO ........................................ 16 A PRESPECTIVA ARQUEOLÓGICA ........................................................................... 16 CONCLUSÃO ............................................................................................................ 17 BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................... 19

1. INTRODUÇÃO Com este trabalho pretende-se fazer uma breve resenha histórica sobre o modo como foi sendo tratado, do ponto de vista patrimonial, o Castelo de Leiria, sua certa da Vila Medieval e várias dependências. Essa investigação surge para tentar averiguar até que ponto todo esse complexo patrimonial foi sendo conservado ou vandalizado. O Castelo de Leiria é um conhecido monumento nacional, mas também conhecidas são as polémicas em torno do seu restauro e reconstrução. Pretende-se também, neste trabalho, analisar, brevemente, o tipo de intervenções realizadas nesse espaço, de modo a averiguar se, apesar das boas intenções para com a salvaguarda do património edificado, as ações tomadas terão tido o efeito pretendido ou se podem ser consideradas também como vandalismo não intencional.

2. BREVE HISTÓRIA DA FUNDAÇÃO E CONSTRUÇÃO DO CASTELO DE LEIRIA

O recinto muralhado, que mais tarde daria origem ao castelo de Leiria foi construindo na primeira metade do século XII, com probabilidades de ter sido aproveitada uma alcáçova préexiste (Mendonça & Matias, 2000). Ao certo sabe-se da existência da primeira igreja intramuros, fundada entre 1144 e 1147. O morro fortificado estaria na posse do rei D. Henriques já em 1137 quando é tomado pelos mouros (Carvalho & Inácio, 2011). Depois, em 1139 estaria de novo sob controlo do mesmo rei, pois havia alcaide nomeado. O castelo é novamente cercado por sarracenos em 1140. Em 1143 voltaria definitivamente para controlo português. O povoamento permanente anterior a esta data é controverso, não havendo registos documentais que o comprovem (Saul, 1995). No entanto, achados arqueológicos recentes denotam algum tipo de ocupação no morro do castelo desde, pelo menos, da época do bronze (Carvalho & Inácio, 2011). Com a conquista da Linha do Tejo, em 1147, o termo de Leiria ganha maior segurança. Leiria cresce, sob o domínio dos Cónegos Regrantes de Santa Cruz de Coimbra, com representação na Igreja da Pena, assim denominada pela sua localização no morro, junto à penha. Em 1195 D. Sancho atribui a Leiria o primeiro foral, de modo a incentivar ainda mais o povoamento e fixação da população, devendo-se-lhe a construção da cerca da Vila Velha (Mendonça & Matias, 2000), ligada e imediatamente abaixo do primeiro recinto amuralhado do castelo. Essa 1

cerca vilã envolvia a meseta a meia encosta entre o ponto mais alto do morro e o rio. Nessa altura ressurge a ameaça muçulmana sob o domínio almóada. A cerca da Vila Velha tinha duas portas principais, ainda hoje existentes: porta a norte conhecida como “Porta dos Castelinhos” e a porta a sul, conhecida como “Porta do Sol”, virada para a zona baixa da cidade e que foi muito modificada no século XVIII (Zúquete, 2013). Em 1300 D. Dinis passa a posse da vila e castelo para a Rainha Santa Isabel, tendo sido feitos importantes modificações, melhoramentos e embelezamentos. No último ano do reinado de D. Dinis, em 1324, ordena-se a construção da torre de menagem, que só é terminada no reinado de D. Afonso IV, como informa inscrição na dita torre. A nova torre terá vindo a substituir a anterior torre dos primeiros reinados. Sobre a construção dos Paços do Castelo e reconstrução da Igreja da Pena existe controvérsia sobre a autoria, tendo havido defensores da tese dionisiana (D. Dinis) e da tese joanina (D. João I) . Da autoria de D. Dinis e da Rainha Santa Isabel são sem dúvida os Paços de São Simão, junto à igreja de São Pedro (Mendonça & Matias, 2000), dentro do cerca da vila e próximos da Porta do Sol. É muito provável que os Paços do Castelo tenham tido várias fases de construção, como todo o complexo do castelo, pelo que deverá haver partes diferentes atribuídas a ambos os monarcas. Afonso Zúquete avança com a tese de que a Rainha Santa Isabel mandou construir uns paços, que não tinham a grandeza dos atuais e que pela frente eram definidos pelas duas torres e flanqueamento e parede que as une. Em frente corria um lanço de muralha que sai das mesmas torres (Zúquete, 2013a). D. Afonso IV terá ordenado também a construção de novo tramo de muralha e fechando uma porta no norte da vila. Em 1373, uma carta régia de D. Fernando atesta a presença de casas junto à Igreja da Pena que teriam ficado danificadas após a passagem de D. Gonçalo Teles, referindo a existência de muitas e boas casa no interior do castelo (Carvalho & Inácio, 2011). Vários documentos atestam a presença de D. João I e D. Afonso V nos Paços Novos, havendo igualmente registos de pessoal com funções de cuidar e manter o edifício. Teria sido então D. João I que, a partir da base edificada por Isabel, mandou levantado a parte superior dos Paços do Castelo, tendo-os modificado profundamente numa verdadeira reconstrução (Zúquete, 2013a). Os estudos de Saul António Gomes (2004) reforçam a tese joanina. Em 1475 o monarca faz doação do senhorio de Leiria aos Condes de Vila Real, alienando a vila e todo o castelo. Em 1498 surgem notícias do despovoamento da vila velha. D. Manuel, em inícios do século XVI, manda construir uma sacristia, entre a capela-mor da igreja e a torre sineira, 2

embelezando-a com vidraças pintadas. Em 1517 terá ocorrido um incêndio que suscitou imediata reparação. D. Manuel manda também efectuar obras nos Paços Reais em 1519. Apesar do abandono da vila velha e castelo, a Pena permanecia como Igreja Matriz, realizando-se nela os actos solenes relacionados com investiduras oficiais eclesiásticas dos comendatários de Santa Cruz de Coimbra, ainda antes da elevação a bispado independente (Gomes, 2004).

3. A DEGRADAÇÃO DO CASTELO E OS VANDALISMOS DESTRUTIVOS INTENCIONAIS

Em 1545, no reinado de D. João III, foi criada a dioceses de Leiria (Zúquete, 2012b), sendo a vila elevada a cidade. Em 1605, segundo o Couseiro (s.n., 2011), ainda se oficiava na Igreja da Pena, apesar da Sé Nova já estar em uso, ainda que não totalmente concluída. A torre sineira ainda mantinha um dos quatro sinos, tendo os restantes sido transportados para a Sé nova. As casas do vigário geral, junto à Igreja da Pena, estariam por essa altura arruinadas e um outro edifício que existira junto da torre dos sinos teria sido mandado demolir pelo primeiro bispo, com autorização real em 1548 (Carvalho & Inácio, 2011), pois no século XVII, nessa zona, apenas existia um alpendre, pelo qual se acedia à sacristia e as ruínas no logradouro. Korrodi (2009) refere-se à Igreja da Pena como tendo sido “modificada e mutilada em diversas épocas” Atribui a D. Manuel a “construção da sacristia junto da capela-mor, na qual abriu uma porta de comunicação, amputando nesta ocasião uma das colunas pilastras que suportam os arcos ogivais da abóboda”. Do mesmo rei há notícias de preocupações de reforma do clero e da necessidade de continuar a usar a antiga igreja, pelo que determinou que na Pena se mantivesse um mestre de gramática para funções de instrução (Gomes, 2004). Korrodi afirma também que a Igreja da Pena, no século XVII, foi coberta de um ordinário telhado de beiral, mutilando a “bela baulastrada”, e que para colocar um altar, taparam três janelas centrais da abside, tendo compensado a perda de luz ao amputarem as janelas laterais de pinázios, o que as levou a “perderam muita elegância”. Na construção medieval comum não monumental utilizavam-se materiais mais modestos. Nos registos documentais associados a Leiria surgem registos relativos a paredes de pedra e cal ou de taipa e utilização de madeiras para sobrados, pavimentos, coberturas e vãos. A telha revestia as coberturas tal como se recorria a ferragens metálicas. A pedra era estrutural na construção da casa medieval estremenha. Edificavam-se paredes em pedra com argamassas 3

ligantes de areia e cal, ou até de lodo. O conjunto dos edificados haveria de ser muito contrastante nas idades e estado de conservação, havendo casario novo junto a outro arruinado e derrubado, e até mesmo queimado por incêndios que se propagavam facilmente entre casas vizinhas. A necessidade de reparação era recorrente, havendo registos de várias casas arruinada em 1488 junto ao Rio Lis (Gomes, 2012). As reparações e manutenções nem sempre eram efectuadas tal como se exigia, pelo menos não de modo a garantir máxima durabilidade e resolução de patologias e dos riscos ao continuar da degradação. Tendo em conta esta realidade, não é de espantar que existisse uma constante pressão por procura de novos materiais para as constantes reparações dos casarios, especialmente da pedra já aparelhada, uma vez que tinha funções estruturais nas habitações medievais e das épocas modernas posteriores. Tal necessidade poderá estar na razão do desmonte do castelo para obtenção de matérias-primas para as construções e manutenções da vila que crescia na zona baixa ao longo do rio. Em 1566, uma carta régia de D. Sebastião doa a barbacã e parte das cercas velhas da cidade ao Bispo de Leiria, por este ter demonstrado vontade em repara-las, pois estariam caídas e arruinadas. D. Fr. António de Santa Maria, entre 1616 e 1623, mandou arrasar os chamados Paços de S. Simão (Zúquete, 2013). Mas logo em 1640 inicia-se a construção dos Paços Episcopais durante o Bispado de D. Diogo de Sousa, no local onde antigamente existiam os Paços de S. Simão (Matias et al., 2002). Jorge Estrela (2012) considera, apesar das muitas alterações, que estes trabalhos foram um bom exemplo de reconstrução. No entanto, não se conseguiu aferir até que ponto foram feitas as anteriores demolições por D. Fr. António de Santa Maria nem o estado em que estaria o edifício antes dessa ordem. Apesar da existência de legislação favorável à manutenção de população residente no interior da vila velha o arruinamento geral avançava. De notar as palavras de lamento de Frei António Brandão ao ver que “Castelo vai sentindo os danos do tempo” e verbera “ o descuido de quem deixa ir perdendo tão nobre antiqualha que se poderia conservar com bem pouco custo”. Após a restauração da independência, em 1641, o Marquês de Vila Real e seu filho são executados por traição à pátria, passando o senhorio de Leiria para a coroa e os bens incorporados na Casa do Infantado. Nas cortes de 1641-1642 dá-se conta do mau estado do Castelo de Leiria, pedindo-se ao rei que o faça reparar e habitar por alcaide, para o manter limpo e fechado. De pouco terá servido esse pedido, pois em 1773, no termo de declaração de 4

bens da Casa do Infantado dá-se conta de que o castelo e a Torre de Menagem se encontravam arruinados, devido ao facto da população retirar pedra para construções particulares, apesar de se continuarem a celebrar missas na Igreja da Pena (Carvalho & Inácio, 2011). Pode ler-se a seguinte descrição no Livro do Tambo da Casa do Infantado (Cabral, 1993): “…e está mais dentro do dito castelo uma torre que chama de homenagem, descoberta sem mais materiais nela, que as mesmas paredes arruinadas todas, e desbaratado o dito castelo, e por achar por informação que este dano cresce, por se retirar muita pedra para obras de particulares pelo que foi proibida a utilização de pedras retiradas do castelo para essas obras”. Korrodi (2009) refere-se também ao estado decrépito da Igreja de São Pedro que já não conservada no todo o seu aspeto primitivo. No século XVIII tinham sido nela rasgadas uma série de janelas laterias e uma na fachada, em substituição das originais frestas e respectiva rosácea. Nessa altura foi também renovada a cobertura da nave da mesma igreja. Posteriormente a Igreja foi transformada em teatro no século XIX e “mais tarde foi arrendada pela Fazenda Nacional a um particular para armazém de trapos e madeiras” (Korrodi, 2009). Tudo indica que as consequências do terramoto de 1755 tenham sido diminutas em Leiria, mas, segundo as Memórias Paroquias de 1758, terão ocorrido vários danos na vila e no Castelo, que já se encontrava muito arruinado. Tais danos não terão suscitado qualquer tipo de reparação no Castelo (Carvalho & Inácio, 2011). Depois do terramoto destaca-se a acção do bispo D. Miguel de Bulhões, que tratou de reparar e embelezar os edifícios religiosos atingidos pelo sismo, adoptando e introduzindo definitivamente o barroco na cidade (Correia, 1995). A sua acção no castelo foi bem vincada na Porta do Sol, onde mandou alargar a entrada e adaptar uma das torres militares para torre sineira, construindo-se sobre o arco a casa do sineiro. O castelo, por volta de 1772 teria algum uso como prisão de Estado, por nele esteve preso, por ordem do Marquês de Pombal, o secretário de Estado Tomé Joaquim da Costa Corte-Real, por considerar demasiado severos os tratos aos jesuítas (Cabral, 1992). Com as invasões francesas a cidade foi saqueada, especialmente o Paço Episcopal, em 5 de Julho de 1808, na sequência da repressão da insurreição de Leiria (Estrela, 2012). Em 1810 a Igreja da Pena foi despromovida e destinada a usos profanos por D. Manuel de Aguiar (Zúquete, 2013a), tendo sido a causa do seu rápido arruinamento. Nesse ano o Paço Episcopal foi novamente saqueado por tropas Luso-Inglesas durante a sua retirada para as fortificações da Linha de Torres. Logo de seguida a cidade é novamente ocupada pelos 5

franceses. Passado um ano, aquando da retirada francesa, Massena ordena a Drouet que incendei a cidade. Assim o Paço Episcopal ardeu por completo, desmoronando-se e restando apenas as paredes de pé. Em 1819 reúne-se então finalmente dinheiro para a reconstrução dos Paços Episcopais, com um esforço do Bispo D. João Inácio Fonseca Manso para se manter a traça original, embora as gravuras de Alexandre-Jean Noel demonstrem importantes alterações (Estrela, 2012). Os antigos Celeiros de Mitra, ao longo da instabilidade militar de inícios do século XIX, terão sido ocupados pelos vários exércitos que passaram pela cidade. A origem destas construções de múltiplas arcadas, situadas no interior da Vila Velha, perto da Porta dos Castelinhos, será da Idade Média, com ampliações na Época Moderna. Até ao final do século XIX seria utilizada por vários regimentos do exército. O exército Liberal terá passado pela cidade em 1834 devido à inscrição existente na Torre de Menagem. É Após o triunfo do regime liberal, que a opinião pública se começa a manifestar, de forma evidente, preocupada com o estado de ruína atingido pelo monumento (Gomes, 2004). Na ata da reunião de câmara de 4 de Fevereiro de 1879, surge uma declaração que indica o crescimento do sentido de preocupação perante o património e valor dado aos castelo na cidade. Consta que o vice-presidente José Joaquim Leitão, nessa reunião, declarou: “Via com grande mágoa que um dos padrões da glória de Leiria, se, não fosse o único, se ia desmoronando a pouco e pouco, e não era só a acção do tempo que concorria para isso, mas muito principalmente a mão do homem, que achava bárbaro, indecoroso até, que a vereação de leiria deixasse reduzir a um montão informe, um monumento que atestava as suas glórias passadas, e que por isso e em vista das razões que acabava de apresentar, pedia para que a municipalidade representasse ao governo de sua majestade, pedindo-lhe a concessão daquelas ruinas, que sem dúvida todos os leirienses deveriam respeitar, para o efeito do que esta pelos meios ao seu alcance pode obstar ao seu completo e próximo aniquilamento”. Esta declaração terá surtido aplausos entre os presentes. Uma outra declaração, do capitão João Lúcio Lobo, em 10 de Fevereiro de 1888, refere que, na qualidade de caserneiro lhe competia a guarda do Castelo dessa cidade. Uma vez que receava o efeito das obras camarárias a decorrer para a construção da explanada do mesmo castelo, iria participar ao comando geral de engenharia e declinar de si toda a sua responsabilidade, pedindo também à vereação da câmara municipal que fosse ao local avaliar

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os trabalhos que relatava. A câmara municipal anuiu (Cabral, 1993). Não fica claro quais seriam estas obras relatadas. Em Abril de 1908, para escândalo geral, um grupo de estudantes do liceu efectuou demolições na Igreja da Pena, tendo havido comunicação à Comissão dos Monumentos. Em 1913 terá sido mesmo utilizado dinamite noutras partes do Castelo (Costa, 1997). Afonso Zúquete refe que terão existido na muralha sul, nas traseiras do Governo Civil, perto das Portas do Sol várias impressões das pontas dos dedos, em grupos de três. Uma parte terá desaparecido sob uma modesta construção utilitária do Governo Civil. De notar que o Castelo de Leiria e Igreja de S. Pedro só foram classificados como monumentos nacionais em 16 de Junho de 1910.

4. OS REGISTOS ARTÍSTICOS DO CASTELO ENTRE O SÉCULO XVIII E XIX

Os primeiros registos de visitantes forasteiros, muitos deles estrangeiros, que visitavam Leiria e produziram gravuras e textos sobre o estado da vila e seu castelo surgem no final do século XVIII. Estas visitas nasceram do espírito iluminista, e posteriormente romântico, das viagens de descoberta de novas realidades, paisagens e ambientes culturais. O primeiro de todos terá sido o francês Alexandre-Jean Noel, que terá feito os seus registos em 1780. Nesses desenhos é possível ver um alpendre ou galeria coberta onde se rasgam três janelas geminadas e um largo portal, ao qual se acede por uma escada levemente encurvada. Curiosamente, apesar do desconhecimento, as reconstruções hoje existente da estrutura dos arcos quebrados das janelas e dos partais na galeria de entrada com os seus capiteis trabalhados, são idênticas aos desenhos de Noel, embora se comprovando que Korrodi só terá tido acesso a estas gravuras por volta de 1942. Korrodi, em 1898 não apresentou projecto para a reconstrução desta fachada em alpendre, justificando dizendo que “desapareceu por completo, no decorrer do século passado, tendo por ela sido iniciada a obra criminosa de demolição que se prolongou impunemente até à data de dar início aos estudos de reconstrução” (Costa, 1997). Depois em 1814 J. Baily regista em água-tinta colorida os efeitos devastadores das tropas de Massena, aquando da retirada da cidade em 1811. Já as gravuras de Kinsley em 1828 e Holland de 1839 são fantasiosas e inúteis para uma reconstituição (Estrela, 2009). De 1836 surgem também três desenhos de J. Albuquerque, também podendo ser atribuídos também a Mouzinho da Silveira, que corroboram os registos de Noel. Vivian publica em Londres, em

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1839, gravuras desenhadas entre 1817 e 1819, importantes como fundamentação documental para o estudo do castelo (Estrela, 2009). Eça de Queiroz descreve, de um modo romântico, o morro do castelo, aquando da sua permanência como governador: “duro monte eriçado de vegetações rebeldes onde se destacam as ruínas do castelo, todas envolvidas à tarde nos largos voos circulares dos mochos desmanteladas e com grande ar histórico” (Estrela, 2009). De 1886 existe também o desenho do interior do castelo de Albrecht Haupt. Só em 1915 Korrodi encontra um tríptico na Igreja de S. Francisco, datado do século XVI, em que surge no fundo uma castelo difuso, podendo denotar-se uma acentuado telhado piramidal na torre de menagem, muito mais acentuado do que Korrodi propunham em 1898.

5. VALORIZAÇÃO, RESTAURO, REABILITAÇÃO, RECONSTRUÇÃO E VANDALIZAÇÃO.

Miguel Tomé (2002) refere que o estado de arruinamento, especialmente o das antigas estruturas militares medievais, para além das influências do passar do tempo, ocorria pelo facto de serem alvos fáceis de demolições intencionais para aproveitamento de materiais ou para eliminar obstáculos à urbanização. Tal ocorreu também em Leiria, como se irá demonstrar através das várias fontes bibliográficas consultadas.

Foi durante o século XIX que se instituiu o hábito do passeio na área envolvente ao paço episcopal, colocando-se bancos de jardim sobre as muralhas da vila velha, a ocidente das Portas do Sol, onde foi edificada no último quartel do século XVIII a nova torre sineira. Em 1898 Ernesto Korrodi introduz em Portugal uma visão inovadora ao publicar os seus Estudos sobre a reconstrução do Castelo de Leiria (2009), pois, através deles, propõe o primeiro estudo de reconstrução integral, carregado de uma mensagem romântica e assumindo um traçado arquitectónico com clara prevalência de um estilo principal. Estes estudos fundamentaram-se nos dados que korrodi dispunha à data (Estrela, 2009), mas provinham muito também da sua inspiração e das nas premissas de Villet-de-duc, da colmatação do desconhecimento com o desenho coerente com uma unidade de estilo dominante definido para o monumento (Costa, 1997). De destacar nos estudos de Korrodi são os inúmeros pormenores que desenhou, valiosos para as intervenções futuras. Mas o projecto de Korrodi, não estava isento de polémica, por várias razões. Primeiro, pela abordagem metodológica, pois na época vigoravam já as novas tendência de restauro moderno, defendido por Camilo 8

Boito. Ramalho Ortigão seguia igualmente por essa via ao afirmar, na sua obra “Culto da Arte em Portugal” considera que “Toda a restauração é destruição” (Tomé, 2002). Assim a abordagem de reconstrução total de estilo unitário parecia anacrónica, no entanto, Korrodi, soube adaptar-se e adaptar o seu projecto. Por outro lado, igualmente polémica era a definição do estilo histórico arquitectónico adoptado. Korrodi defendia a tese de que os Paços do Castelo e Igreja da Pena, tal como chegaram ao seu tempo, resultavam das intervenções de D. João I, ao contrário do que era aceite comumente por Leiria. No Couseiro (s.n., 2011) atribuise essa autoria a D. Dinis. Apesar dos seus detractores, Korrodi parece ter tido a leitura mais correcta, pois existem hoje provas documentais que atestam a sua interpretação (Estrela, 2009; Gomes, 2004). Mas Korrodi não era imune às novas teorias de restauro da sua época, pois pareceu oscilar entre o restauro com base na prova factual colmatada pelo traço de estilo arquitectónico adaptado e a opção de não intervir por falta de vestígios que lhe servissem de fundamento. Caso disso foi a opção, na altura, por não reconstruir e acrescentar novas existências à fachada posterior dos Paços do Castelo. Em 1915 constitui-se a Liga dos Amigos do Castelo, encabeçada por Ernesto Korrodi e Afonso Zúquete. A liga inicia as obras de restauro, pagas por fundos próprios e apoio do Estado (Mendonça & Matias, 2010). Logo em 30 de Setembro desse ano, há registo de um pedido da Liga à Câmara de madeiras e telhas para cobrir, aproximadamente, 70 m2, portas, caixilhos e etc. Nesse ano era cedido à Liga de Amigos do Castelo de Leiria, pelo Ministério da Guerra, na condição de o preservarem, a concessão do Castelo (Costa, 1997) O Concelho da Arte Nacional delegou nos vogais Miguel Ventura Terra, Marques da Silva Columbano, José Pessanha e António Augusto Gonçalves a missão de irem a Leiria delinear com Korrodi o plano de Obras. Deslocaram-se a Leiria Marques da Silva e António Gonçalves. As suas propostas consistiam na consolidação da ruína revestindo interiormente as estruturas existentes com cimento armado (Costa, 1997), tendo tal proposta originado posteriormente discórdia entre os próprios vogais destacados. Uma vez que se arrastava a deliberação final do Concelho da Arte Nacional, as obras foram iniciadas pela Direcção de Obras Públicas e Minas, mediante autorização do Ministério do Fomento. Desta decisão resultou um conflito entre o director das obras públicas do distrito, Eng.º. José Charters de Azevedo, e Korrodi que pediria demissão de qualquer ligação ou relação técnica e administrativa das obras que se efectuavam (Costa, 1997). A partir desta altura Korrodi já não seguia pelo seu projecto de 1898, propondo novos materiais, incluindo

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os reforços em betão armado que causaram o conflitos entre Marques da Silva e António Gonçalves. Depois de polémicas entre Ernesto Korrodi e os responsáveis das várias entidades nacionais, a apreciação do plano Korrodi leva o Eng.º Paulo de Barros a aprovar a utilização das técnicas de reconstrução mais modernas para a época (Gomes, 2004): “cinturões e gatos de cimento armado, em um sistema simultâneo de tirantes e fortes vergalhões, calafetagens por meio de argamassas hidráulicas dos vazios, que os séculos abriram, e que o desaparecimento dos vigamentos cavou, trabalhos ainda de cimentação da superfícies superiores de todas as paredes a consolidar, construção de um gigante, e finalmente os precisos trabalhos de alvenaria, aproveitando muito material por aquelas ruinas disperso, constituem um racional conjunto de trabalhos, que é de parecer me assegurar perfeita consolidação”. Nesta altura fica evidente que o grande projecto de reconstrução completa de Korrodi, segundo a sua leitura arquitectónica de estilo, apontando para o período Joanino (século XV), era oficialmente abandonado, mais que tudo pela pouca dotação financeira para os trabalhos, mas também porque já na época se considera que reconstruir o castelo na sua totalidade poderia ser uma “ofensa às tradições históricas da época” (Gomes, 2004). Devemos relembrar que na época os princípios de reconstrução estilística integral tão preponderantes nas práticas e ensinamentos de Villet-le-Duc vinham a ser considerados desadequados, sobrepondo-se a visão de Camilo Boito, que defendia muito mais o restauro e preservação das existências arruinadas. Durante essas primeiras intervenções, Korrodi entra em conflito com o Eng.º José Charters de Azevedo, responsável técnico pela intervenção. No entanto, apesar da descoordenação, as obras foram avançando, construindo-se a vivenda do guarda à entrada do castelo, cujo alpendre foi construído com as colunas geminadas do claustro do mosteiro dominicano de Sant’Ana, que por volta de 1915 se encontrava em vias de demolição (Gomes, 2004). As obras param logo em 1916, sendo retomadas apenas em 1921, pois uma derrocada apressou a necessidade de atuar na conservação e manutenção do Castelo, tendo na altura a Liga de Amigos do Castelo de Leiria solicitado de novo ao governo um subsídio urgente para a conservação do monumento. Assim, em 1921 foi nomeada uma comissão administrativa para as obras do castelo, subordinada à administração geral dos edifícios e monumentos nacionais, encarregada de orçamentar e dirigir as obras de reparação e consolidação. A comissão era constituída por Afonso Zúquete, Lúcio Joaquim Lobo e Ernesto Korrodi. Finalmente Korrodi fica directamente encarregue da direcção das obras no castelo, sessando 10

funções só em 1933. Consolidam-se trechos de muralha, torres, igreja gótica da Pena e outros obras consideradas indispensáveis. Korrodi apenas reconstruiu 3 dos 8 arcos alçado principal da Loggia (parte dos Paços do Castelo), bem como os vãos geminados das janelas, a colocação dos portais originais. Manteve-se uma fisionomia pitoresca de ruina, longe da sua visão do projecto de 1898. Na igreja da Pena desfizeram-se as cimalhas modernas que alteraram o tecto, desobstruindo-se também vãos ocultos por obras tardias, refizeram-se maninéis nas janelas e respectivos quadrifólios das bandeiras e protegeu-se o crescimento das heras nos seus muros. Na torre sineira, cujos merlões foram restaurados, estabeleceu-se um pavimento de empedrado irregular, pseudo medieval. A intervenção mais polémica foi a da Torre de Menagem, especialmente contestadas por Tito Larcher e José Saraiva. Ai, reconstruiu-se a cobertura de terraço da torre em betão armado, alteando a torre em cerca de 2,5 metros, tal como um alpendre sobre a porta de acesso à torre. Estava previsto a reconstruções de três pisos interiores igualmente em betão armado, mas que não avançou. Acrescentou-se ainda um alpendre coberto na porta de acesso à torre. Em 1928 iniciam-se as obras de consolidação de grandes extensões de muralha, das torres e da Igreja da Pena. Miguel Tomé relembra que apenas foi obrigatória a formação em arquitectura para os autores de projectos de restauro em 1927, sendo que só a partir de 1933 se inicia a contratação de técnicos externos ao Ministério das Obras Públicas. Mesmo depois desta obrigatoriedade, os arquitectos só muito raramente se envolviam totalmente nos projectos de restauro, fazendo apenas desenhos finais das intervenções. Nem sempre se efectuavam desenhos gerais dos restauros. As escavações e sondagens geralmente ocorriam já com os trabalhos em andamento, o que levava a constantes reformulações e paragens nos trabalhos (Tomé, 2002). Todos estes factores ocorreram em Leiria, sendo que depois do afastamento de Korrodi em 1933 perde-se a exceção de haver uma direcção de obra fundamentada num projecto geral, ainda que não sendo seguido à risca. Apesar de todas estas dificuldades, o atraso do sector da construção em Portugal na época e uma cultura de formação assente no trabalho prático de estaleiro, nas poucas empresas que faziam este tipo de trabalho, contribuiu para uniformização das intervenções e por se ter conseguiu reproduzir, mais fidedignamente, os métodos construtivos e materiais aplicados (Tomé, 2002). No entanto, não podemos olvidar o recurso ao cimento e betão armado em muitas intervenções, tal como de outros materiais anacrónicos.

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E 1936 repara-se a muralha a norte do Castelo e colocam-se novos merlões. As anteriores obras de Korrodi na Torre de Menagem foram demolidas por se considerar não serem reconstruções sérias pelas quais não se procuravam as “qualidades primogénitas” (Mendonça & Matias, 2010). Entre 1933 e 1937 restaura-se a Igreja de S. Pedro (Costa, 1997). Entre 1936 e 1940, já com Korrodi fora da direcção dos trabalhos, firmam-se novos contratos com empreiteiros para construção de muralhas, parapeitos, adarves e merlões segundo o estilo “oficial”, que não respeitava os merlões de formato poliginal ainda existentes nas muralhas da Vila Velha, provavelmente uma herança da construção muçulmanizante e meridional (Gomes, 2004). Fazendo as devidas alterações ao estilo “oficial”, fortemente carregado da ideologia do regime salazarista, a DGEMN limita-se a herdar os projetos korrodianos, sem mais inovações ou corrigindo-os sob o ponto de vista histórico e arqueológico. As correcções foram apenas limitadas às técnicas de engenharia civil. O próprio Ernesto Korrodi, afastado do projecto mas ainda vivo, refere, em 1942, uma visão diferente, muito mais fundamentada e apoiada no conhecimento arqueológico, do que tinha proposto nas intervenções de 1898 e 1922 (Gomes, 2004). Há que relembrar que Korrodi, nos seus primeiros estudos, não tinha conhecimento das gravuras de Alexandre-Jean Noel e de J. Albuquerque ou Mouzinho da Silveira (Estrela, 2009). Em 1939 iniciam-se as obras de reintegração dos Paços do Castelo. A propósito das comemorações da dupla fundação, de Leiria em 1935 e da nação em 1940, reforça-se a imagem nacionalista militar do monumento. Melhora-se deliberadamente a imagem do monumento, incluindo a iluminação nocturna, pensada para certos eventos ou quando a cidade era atravessada ou visitada por ilustres. Os acessos são igualmente objecto de melhoramentos. Em 1954 são reparadas infiltrações em duas salas laterais e na sala central dos Paços. Em 1956 fez-se a limpeza de ervas nas cantarias do Castelo e anexos, a cobertura dos varandins, revestimento de parte dos tectos do 3º piso e prolongamento da escada do 2º andar para o 3º piso, em betão armado. Revestiram-se também os pavimentos de tijoleira e outras reparações nas paredes. Pelos achados e por vestígios vários, José Custódio Vieira da Silva (1996) refere que os pavimentos deveriam ser revestidos de material polícromo, material que terá sido enviado para o Museu Nacional Machado de Castro aquando das reconstruções. O mesmo autor aponta para a grande probabilidade dos tectos e pavimentos da alcáçova serem construídos em madeira de lavor mudéjar. Sendo de facto anacrónica e ofensiva a 12

reconstrução destes em betão armado, mas há que ter consciência das directivas internacionais, pois vigorava ainda a influência de Carta de Atenas de 1931, que aprovava este tipo de intervenção mais pesada. Só depois, com as directivas da Carta de Veneza este tipo de soluções começam a ser mais comummente contestadas. Em 1958 iniciou-se o processo de demolição de edifícios construídos ao lado dos antigos Celeiros de Mitra. Em 1959 continuam as obras nos Paços, com beneficiação de instalações sanitárias, colocação de novas portas e pintura das existentes, limpeza de pavimentos e beneficiação de paramentos, incluindo o disfarce dos elementos em betão. Em 1963 continuam os arranjos nos merlões em toda a extensão das muralhas. São forrados dois tectos das salas da alcáçova para ocultar as vigas e lajes de betão armado. São também retirados os merlões colocados na cabeceira da Igreja da Pena por Korrodi e instalado nesse antigo templo o arco polilobado manuelino, proveniente da Ermida de Santo António do Carrascal, marcando o início do coro da capela (Estrela, 2009). É nesse ano que se registam as primeiras contestações à intervenção que tinha vindo a ser feita no castelo, referindo-se o perigo de que estava em risco a autenticidade histórica do monumento. Em 1965 modifica-se a inclinação do telhado da casa do guarda. Em 1966 restaura-se o tecto da casa do guarda, limpeza e caiação de paredes, arranjo da chaminé. Calcetamento da rampa de acesso ao Castelo, construção de muro do lado esquerdo da porta de entrada e sistema de escoamento de águas do pavimento da Igreja da Pena. Em 1968 são realizadas sondagens e consolidações do claustro da Igreja da Pena. São feitos mais restauros nos Paços com novos revestimentos a tijoleira do pavimento, colocação de cantarias nas soleiras das portas, degraus e rodapé da escada. Novos restauros de pavimentos em cantaria, limpeza de paramentos interiores de paredes, aplicação de nova alvenaria para regularizar paredes e tapar vãos. Limpeza e consolidação do fogão de sala, pintura dos tectos, revestimentos de tectos vigados com madeira de mutene, incluindo barrotes entre vigas, construção de portas e caixilhos para janelas e seus vitrais. Em 1969 consolida-se o claustro da Igreja da Pena, restauro dos Paços com reconstrução de merlões e enchimento das torres, incluindo consolidação dos cunhais e parapeitos com cintas de betão. Continua a reconstrução dos merlões nas muralhas, incluindo consolidação de parapeitos. Prosseguem os arranjos de acesso ao castelo, regularizando-se o piso da rampa de acesso e respectivo muro de suporte.

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Em 1970 impermeabilizam-se os terraços sobre os Paços e constroem-se os muretes em alvenaria para remate dos mesmos, limpam-se e refecham-se juntas. Cintagem da torre anexa aos Paços e reparação de alvenaria de pedra, substituição de alvenaria de tijolo à vista por alvenaria de pedra e limpeza de ervas. Em 1972 realiza-se o projecto de acesso de viaturas ao castelo, com corte do cunhal da torre que ladeia a porta de acesso, para alargamento da estrada, tendo este sido inviabilizado pela Junta de Educação Nacional. Em 1973 constroem-se novas instalações sanitárias com demolição prévias das existentes por se considerarem mal situadas. Ligação interna entre o 2º e o 3º piso, com demolição prévia de escada em betão existente. Em 1974 reconstrói-se a torre sineira. Em 1975 realiza-se a instalação eléctrica no interior dos Paços. Nesse ano a DGEMN considerava concluídas as obras de restauro, escrevendo à Secretaria de Estado dos Investimentos Públicos e à Câmara Municipal a propor a cessão do monumento ao município. Assim, em 1976, Camilo Korrodi, filho de Ernesto Korrodi, lavra escritura, em nome da Liga dos Amigos do Castelo de Leiria, cedendo o castelo à autarquia. A partir desta altura, tendo mudado o regime político, já em democracia, generaliza-se a consciencialização da opinião pública para os problemas da conservação do património, sendo recorrentes os debates, discussões e tomadas de posição sobre a política seguida no restauro do castelo e sobre o que fazer com o monumento. Estas polémicas reforçam-se especialmente entre 1981 e 1984 (Gomes, 2004). Mas as obras não param no monumento. Em 1976 forram-se em madeira os tectos de betão e reparam-se portas. Substituem-se as cantarias em vãos danificados, executam-se os acabamentos de escadas recentemente executadas e vedam-se janelas e frestas. Nesse mesmo ano os Celeiros de Mitra foram utilizados para abrigar refugiados das ex-colónias (Matias, 2005). Em 1977 reconstroem-se troços de muralha a norte da Torre de Menagem, reparam-se infiltrações em telhados, terraços e paredes várias. Em 1978 reconstrói-se o telhado e as instalações sanitárias da casa do guarda. Em 1979 construiu-se a placa da casa do guarda. Em 1985 restauraram-se os Paços com escoramento de dois arcos, um na Loggia outro no piso superior do corpo lateral esquerdo, com mais obras de impermeabilização, regularização e revestimento dos terraços, vedação a vidro dos vãos no 2º piso, elevação do nível do pavimento junto à entrada para assentamento de guardavento. 14

Em 1987 foi assinado um protocolo entre a Câmara Municipal de Leiria, o Instituto Português do Património Cultural e o Estado-Maior do Exercito para a ação de salvaguarda e manutenção do monumento. Em 1990 recuperou-se a parte da muralha que ruiu devido à construção de aterro para assentar campo de jogos no interior da cerca velha. Esse campo foi deslocado para cota igual à do restante adarve que circunda a muralha. Reconstrução do muro em betão ciclópico, com face externa em alvenaria de pedra. Em 1994 mais uma reconstrução de muralhas (Mendonça & Matias, 2010). Em 1995, por ocasião das comemorações dos 450 anos da elevação de Leiria a diocese fizeram-se obras de restauro na parte ocidental da igreja da Pena, bem como no arco manuelino ali colocado, introduzindo-se tubagens desumidificadoras no interior dos muros e aduelas do arco. Recuperou-se também a igreja românica de S. Pedro, substituindo-se vidraças e vitrais, o adro e expôs-se uma nova cópia da imagem de S. Pedro (Gomes, 2004). É dessa data a publicação da primeira edição do mais importante estudo sobre a história do castelo, intitulado “Introdução à história do Castelo de Leiria”, da autoria de Saul António Gomes. Essa obra terá tido grande importância para as acções posteriores a realizar no castelo, suscitando outros cuidados, especialmente nos trabalhos seguintes na Torre de Menagem (Estrela, 2009). Em 1998 realizou-se um projecto de intervenção na Torre de Menagem da autoridade dos arquitectos Luís Miguel Correia e Augusto da Costa de modo a reabilitar as estruturas degradadas e conceder à torre um uso expositivo interior. Criou-se uma nova estrutura independente interna em estrutura de aço e madeira, com vários pisos de modo a poder ser utilizada com vários pisos amplos para exposições (Almeida, 2012; Nabais et al., 2001). Entre 2000 e 2001 realizaram-se as primeiras sondagens arqueológicas dentro e próximo das muralhas românicas, tendo sido encontrados achados que comprovam ocupação humana mais antiga do que se supunha através das fontes documentais. A Torre de Menagem começou a funcionar como espaço musealizado. Entre 2004 e 2009 efetuaram-se mais estudos arqueológicos, especialmente associados à construção do Museu da Imagem em Movimento (mimo) nos antigos Celeiros de Mitra, dentro da cerca antiga da vila velha. Estes Celeiros, depois de passarem por vários usos e associados a vários organismos estatais, são adaptados entre 2004 e 2005 ao já referido projecto museológico, com projecto do arquitecto Charters Monteiro (Matias, 2005).

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Desde 2009 a 2011 o Município de Leiria iniciou um novo projecto de investigação no Castelo de Leiria, no quadro do Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos e incluído no Programa de Acção Local para a Regeneração Urbana do Centro Histórico de Leiria (Carvalho & Inácio, 2013).

6. PROPOSTAS DE USOS ALTERNATIVOS PARA O CASTELO

Em 1921 regista-se a proposta do Vereador Fragoso, movido por uma necessidade utilitarista, do aproveitamento das antigas cisternas do castelo para uso como reservatório de água, de modo a resolver o problema de abastecimento de água à cidade. Propunha que se utilizasse uma bomba eléctrica para elevar água até ao castelo, sendo depois filtrada, armazenada, canalizada e distribuída graviticamente até à baixa, prevendo-se instalação de contadores domiciliários de água (Gomes, 2004). Em 1922 o próprio Korrodi projecta e propõe, em 1922, um anfiteatro ao ar livre com bancadas de cimento para o castelo (Costa, 1997). De notar quem em 1966 a Comissão Regional de Turismo solicitou à Câmara Municipal, para secundar o pedido que havia feito à Comissão de Pousadas e ao Diretor dos Monumentos Nacionais a autorização para ser instalada uma pousada no Castelo (Cabral, 1993). O assunto levantou polémica, pelo que não há mais registos camarários do mesmo, sendo instalada uma pousada no Castelo Óbidos mais tarde. Em 2000 chegou a estar projectada uma intervenção profundamente descaracterizadora do legado arqueológico e monumental, que foi abandonada depois de contestação cientificamente fundamentada, especialmente por Saul António Gomes (2004). Atualmente, partindo dos mais recentes estudos arqueológicos (Carvalho & Inácio, 2013), estão a ser delineadas novas intervenções sobre o castelo, sendo pública a intenção política de melhorar as acessibilidades ao castelo como no seu próprio interior muralhado.

7. A PRESPETIVA ARQUEOLÓGICA

As sondagens arqueológicas realizadas até hoje não permitiram definir qual o tipo de fortificação existente na época de D. Afonso Henriques. Comprovaram porém que a ocupação do morro do castelo remonta a tempos anteriores à época medieval e que durante a vida útil do Castelo terão o corrido constantes reformulações do espaço do castelo. Já no período 16

moderno interveio-se nos acessos, regularizando os pavimentos e solos (Carvalho & Inácio, 2011). Todas estas alterações, tal como as reconstruções do século XX, ocorreram sem o devido acompanhamento arqueológico. Dificultaram-se assim os estudos arqueológicos recentes, tal como os futuros que será necessário efectuar para melhor compreender o monumento. Do ponto de vista arqueológico muito há por fazer e muito deveria ter sido feito. De notar que os primeiros estudos sérios nesta matérias foram realizados apenas em 2000, havendo antes disso, quase um século de intervenções, algumas bastante pesadas, sem se ter tido em conta qualquer fundamento arqueológico, tendo se perdimento um rol imenso de potencial informação.

8. CONCLUSÃO

O processo de restauro, reabilitação e reconstrução do Castelo de Leiria e suas dependências medievais é um processo complexo, misturando-se a vertente de salvaguarda de conservação com um vandalismo não intencional igualmente destrutivo. Tal como muitos outros monumentos medievais, especialmente gravoso para as estruturas com fins militares, o Castelo de Leiria foi sendo abandono à medida que ia perdendo os seus usos e razão funcional de ser. Com a cidade a crescer cada vez mais afastada do Castelo, a antiga fortificação foi entrando em ruina, acelerando os efeitos nefastos do tempo a sua utilização como fonte de matérias-primas para os novos edifícios da cidade em expansão. Nada disso é original, tendo acontecido tal destino a muitas das antigas estruturas medievais nacionais. O nascimento do Bispado de Leiria parece acelerar ainda mais a ruina do castelo. Quando as Igrejas da Pena e S. Pedro perdem protagonismo para os novos templo, onde se inclui a Sé Catedral, o castelo entra irremediavelmente em abandono total. Quem sabe se as suas pedras originais não repousam na nova Sé ou nos Paços Episcopais que nasceram sobre as ruinas dos antigos Paços de São Simão? É provável, tal como estarem pedras um pouco por todo o edificado da Leiria da Época Moderna. Passaram por Leiria exércitos durantes os vários tumultos que afectaram Portugal durante o Século XIX. Leiria entrou nesse mesmo século em ruinas, depois dos grandes impactos, destruições, pilhagens e incêndios resultantes das invasões francesas, tendo sido os Paços Episcopais a principal vítima. 17

O castelo, ao longo do seu natural processo de arruinamento entre o século XVIII e XIX, tornou-se um local de interesse cultural como ruina pitoresca, registando-se visitas de vários estrangeiros e portugueses que elaboraram gravuras e registos vários, importantíssimos para os estudos posteriores de análise, restauro e reconstrução do Castelo. Em finais de século XIX surgem registos efectivos de uma opinião pública leiriense preocupada com o estado do seu mais importante monumento, apesar de alguns registos de vandalismo intencional. É nesse contexto que surgem os Estudos de Reconstrução do Castelo de Leiria de Ernesto Korrodi, aplicando alguns dos princípios que celebrizaram Villet-le-duc, mas que não estavam isentos de polémica. Korrodi predispunha-se a um projeto unitário de recriação de um momento arquitectónico histórico. Baseou a sua tese na importância do período joanino, em detrimento da época dionisiana, comumente aceite na cidade. Com isso começam as controvérsias de análise históricas. Depois de incertezas, indefinições e atrapalhações avançam as obras de reconstrução. Inicialmente avançam com intuitos de estabilização. Depois de polémicas com responsáveis de várias entidades públicas, Korrodi, suportado pelos seus estudos e pela Liga de Amigos do Castelo de Leiria, consegue definitivamente assumir a direcção do restauro. O castelo mantém muito do seu aspecto de ruina até Korrodi ser afastado em 1933. É no período pós korrodi que a DGEMN avança com obras pesadas de restauro, seguindo de perto os antigos projetos de Korrodi, mas adaptando-os ao estilo “oficial” de adaptação dos monumentos à visão nacionalista militar do Estado Novo. O castelo vai sendo reconstruido sequencialmente, mas sem plano efeitivo de conjunto, para além das antigas delineações de Korrodi. Em 1975, quando se dão por concretizadas as principais obras, o castelo estava praticamente reconstruido na totalidade, sem as devidas preocupações históricas, arqueológicas e para com as directivas internacionais de defesa do património que já há muito desaconselhavam a reconstrução integral. Aplicaram-se novos materiais, incluindo muito betão armado. Não se respeitaram as traças e evidências dos vestígios arqueológicos, até porque a arqueologia teve nessa altura uma presença incipiente. Construiu-se e demoliu-se o que se havia construído para depois voltar a construir. Remexeram-se e revolveram-se os solos sem preocupação de maior. Só a partir do início do século XX a arqueologia foi devidamente integrada nos projectos de preservação e salvaguarda do castelo. Não se sabe ainda até que ponto e quais os impactos reais desta ausência. É por tudo isto que ficará sempre a dúvida até que ponto o vandalismo registado a partir dos séculos XVI continuou a existir na forma de reconstrução desinformada. 18

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