Breve introdução ao campo da Psicolinguística

June 28, 2017 | Autor: Laura Pissani | Categoria: Psycholinguistics, Experimental Psycholinguistics
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Breve introdução ao campo da Psicolinguística Laura Pissani1 PUC-Rio/CNPq Neste artigo, derivado do trabalho final para o curso de Introdução a Psicolinguística do PPG em Estudos da Linguagem, apresenta-se uma síntese dos principais temas abordados na Psicolinguística. Esta primeira parte contém informação com respeito ao campo da Psicolinguística: o objeto de estudo, os objetivos, a localização na classificação de David Marr, a sua relação com a teoria linguística, os principais dados históricos e a metodologia usada na pesquisa. Por fim, uma revisão de algumas questões abordadas dentro da Psicolinguística: O acesso lexical na compreensão, o acesso lexical na produção e o processamento sintático (ou estudos de parsing).

1. A Psicolinguística. A Psicolinguística é o estudo de representações e processos mentais que participam na produção e compreensão da linguagem oral e escrita; assim como os processos envolvidos na aquisição da linguagem, se insere no ramo das ciências cognitivas, conjunto de ciências que estudam como a informação é representada e processada na mente/cérebro. A Psicolinguística apresenta modelos de processamento da linguagem em relação à produção e compreensão de enunciados verbais na fala e na escrita. Paul Warren (2013) propõe uma serie de questões, ao respeito das representações, que orientam à Psicolinguística: 



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Como são salvadas as palavras no léxico mental, e.g. um dicionário na nossa cabeça? O léxico mental é como um dicionário, ou mais como um tesauro? Por exemplo, a palavra cat (gato) é listada perto de palavras fonologicamente similares como catch (capturar) ou listada perto de palavras semanticamente similares como dog (cachorro)? Ou nenhuma? Ou ambas? Temos chunks (unidade de processamento) do tamanho de um fonema na nossa cabeça? Isto é, como uma parte do reconhecimento da palavra cat, também reconhecemos os sons /k, /æ/ e /t? As pessoas cultas têm chunks do tamanho de uma letra para o processamento da escrita? Como é representado o significado de uma sentença na nossa memória? Government é uma palavra só ou govern + ment? A forma plural cats é representada no léxico ou só a forma singular cat? (Warren, 2013:4)

Estudante de mestrado na área de estudos da linguagem da PUC-Rio/CNPq (Rio de Janeiro, Brasil)

E outras questões sobre os processos que operariam sobre ditas representações:    

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Como reconhecemos palavras sem esforço? Analisamos os sinais do discurso fonema por fonema ou identificamos sílabas completas ou até unidades maiores? Reconhecemos government como uma forma completa ou precisamos construi-la como govern + ment? Se cats não esta representada no léxico, isso quer dizer que usamos uma regra para obter o plural a partir de cat, e como funciona para formas irregulares como children (crianças)? Quando falamos, como convertemos uma ideia em um enunciado verbal? Como ouvintes, como desenvolvemos nossa própria representação da(s) ideia(s) expressada(s) a partir de um enunciado verbal? Que estágios temos de passar durante a construção de enunciados verbais? Por exemplo, primeiro geramos uma estrutura sintática e só nesse momento colocamos as palavras de nosso léxico mental, ou primeiro escolhemos as palavras e depois construímos uma estrutura a partir dessas palavras? Os processos envolvidos na produção e compreensão da linguagem influenciam um ao outro, e se for assim, de que modo? (Warren, 2013:4)

2. O Objeto e os objetivos da Psicolinguística. A Psicolinguística tem como objeto o estudo das representações e processos mentais que fazem parte da produção e compreensão da linguagem com o objetivo de decifrar a configuração desses processos, prover modelos descritivos deles e detalhar os fatores que estão envolvidos nesse processo. Além do mais, a Psicolinguística pretende desvendar a natureza da mente humana através da linguagem; isto é, mostrar como o cérebro funciona, a partir de como processa a linguagem.

3. A localização da Psicolinguística na classificação de David Marr. David Marr (1982) apresentou a chamada hipótese dos três níveis, a qual permite fazer diferentes tipos de análise a fenômenos de processamento de informação nas ciências cognitivas. O primeiro nível apresentado foi o nível computacional, que é o mais abstrato, nele se faz uma análise do fenômeno descrevendo o que ele faz é porque o faz. No caso do estudo da linguagem, neste nível se faz uma descrição das regras do sistema e uma explicação de porque as regras funcionam desse modo. O segundo nível é o representacional-algorítmico, neste nível se estuda o processo envolvido na realização das regras, como elas são processadas em tempo real e quais são os passos para essa transformação ser realizada, portanto este nível mostra o algoritmo para o funcionamento das regras.

O terceiro nível é o implementacional, nele se estuda a realização física do algoritmo feita pelo cérebro humano ou feita por um processador artificial (computador). Cada um dos níveis contribui com um tipo de informação específica e, de algum modo, os três níveis estão ligados, porém existem alguns fenômenos que só podem ser explicados com sucesso em um ou dois níveis. No caso da linguística, ao respeito do processamento da linguagem, existem algoritmos ou regras a nível computacional que não são as mesmas quando são processadas (produzidas/ compreendidas) em tempo real (no nível algorítmico). Essa hipótese tem sido fundamental no campo das ciências cognitivas porque demonstra a possibilidade de analisar o funcionamento do processador de informação, seja o cérebro ou o computador, através de dados indiretos obtidos mediante diferentes tipos de experimentos ao nível algorítmico sem necessidade de ter acesso direito a imagens cerebrais.

4. A Teoria Linguística e a Psicolinguística. A Teoria Linguística tem como objetivo descrever o sistema e definir as operações que estão envolvidas no processo de geração de sentenças, explicitar o algoritmo para a geração dessas sentenças e caracterizar o léxico. No entanto, a Psicolinguística tem como objeto de estudo as representações e processos mentais envolvidos na produção e na compreensão de enunciados linguísticos. A meta da Psicolinguística é caracterizar o modo como as sentenças são produzidas e interpretadas pelo processador e prover modelos funcionais explicitando as unidades e processos que intervêm na produção e compreensão desses enunciados linguísticos para mostrar como esses processos ocorrem em tempo real e assim desvendar o funcionamento da mente humana. Portanto, ambas, a Teoria Linguística e a Psicolinguística caracterizam operações para a geração de sentenças, porém em diferentes níveis, a Teoria Linguística no nível computacional é a Psicolinguística no nível algorítmico-representacional. Assim, a questão seria em que medida essas operações de geração de enunciados linguísticos e léxico descritos pela Teoria Linguística poderiam ser incorporados aos algoritmos de produção e compreensão de enunciados linguísticos caraterizados pela Psicolinguística.

5. História da Psicolinguística. Questionamentos que envolviam linguagem e cérebro já se veiam, embora não sistematizados, no velho Egypto e seus incipientes estudos sobre o cérebro e; posteriormente, na antiga Grécia com os filósofos e pensadores, especialmente Platão que escreveu acerca da linguagem.

No século XIX, podem se apreciar os primeiros estudos sistematizados que relacionavam a linguagem e o cérebro. Os principais estudiosos naquele século e cujos nomes são muito importantes na atualidade são Gall e seu trabalho em frenologia (estudo do caráter de uma pessoa baseado na forma do seu crânio); Boulliard, que reuniu evidência clinica para provar o postulado de Gall; Aubertin, que seguiu a mesma linha; Broca que fez estudos sobre a perda da linguagem; Wernicke e seus estudos sobre déficits na compreensão da linguagem e Linchtheim, que continuou com esses estudos. No final do século XIX, começou um grande interesse pelo estudo da psicologia da linguagem; assim, Wilhem Wundt publica seu famoso livro Die Sprache no ano 1900, nele expressa a importância dos estados mentais em relação à linguagem; porém, no início do século XX surge J. B. Watson e o seu behaviorismo, que postula que a psicologia deve estudar só o que é observável: o comportamento; e foi seguido por J.R. Kantor e W. James. No início do século XX, surgiram os neogramáticos, que estavam interessados nas variações linguísticas e estudavam diferentes línguas sincronicamente; porém, no mesmo século, Ferdinand de Saussure traz o conceito de ‘estrutura’ nos estudos da linguagem e introduz a noção da relação entre elementos da língua. No ano 1930, aparece Leonard Bloomfield e a publicação do seu livro Language que propõe o estudo taxonômico da linguagem e o estudo da unidade mínima: o fonema; assim, ele alinhou o estudo da linguagem a o behaviorismo, o qual terminou em 1957 com a publicação do livro de Skinner Verbal Behavior, onde aplicou os princípios do estudo do comportamento à aprendizagem de línguas, o qual no teve muito sucesso. Em 1959, Noam Chomsky publica uma revisão do livro de Skinner onde argumenta que não existem estímulos que possam explicar a produtividade e sistematicidade da linguagem. Assim, Chomsky traz de volta a relação entre linguagem e mente e introduz o conceito de representações mentais à teoria da linguagem. No ano 1957, Chomsky publica seu livro Syntactic Structures, que foram inicialmente as anotações dos cursos que ele ensinava no MIT, no qual explica como as regras gramaticais abstratas podem gerar diferentes tipos de estruturas sintáticas. Assim, com as noções que Chomsky trouxe de competência e desempenho, assim como o estudo da mente humana, surge uma aproximação dos interesses dos psicólogos cognitivos que começam a se preocupar com questões relacionadas à memória de trabalho, memória de curto prazo e introduzem o conceito de processamento de informação, com os interesses dos linguistas em favor de uma teoria linguística com orientação cognitiva ou início da teoria gerativa, e em 1962 o Journal of Verbal Learning and Verbal Behavior se dedica exclusivamente aos estudos da psicologia da linguagem.

6. Os fundamentos metodológicos usados na pesquisa. Para cumprir com o objetivo de descrever e analisar de que modo os seres humanos adquirem, produzem e compreendem a linguagem, a Psicolinguística usa a metodologia experimental. A metodologia experimental tem como objetivo observar se um dado fator pode afetar um dado comportamento e testar hipóteses sobre o comportamento desse(s) fator(es). Nos experimentos, são considerados dos tipos de variáveis: dependentes e independentes. A variável dependente é a que se mede e sempre está restringida a um valor numérico; enquanto que, as variáveis independentes são aquelas que o experimentador pode manipular para descobrir se têm alguma influência no fenômeno investigado. As variáveis independentes podem ser cruzadas formando as condições experimentais. A metodologia experimental utiliza medidas de tipo on-line e off-line. As medidas online são feitas durante o momento do processamento da linguagem, quando o sujeito está processando o enunciado e ainda não chegou à interpretação, os mais conhecidos são o rastreamento ocular e a leitura monitorada; enquanto que, as medidas off-line são feitas depois de que o sujeito já fez a interpretação do enunciado, e se mede a resposta dele; o procedimento mais comum é o questionário. Logo, se realiza um teste para rejeitar a hipótese nula, que é aquela que diz que os fatores externos ou fatores aleatórios podem afetar os resultados da pesquisa; por exemplo, a falta de conhecimento, distrações ou outras interferências. Em toda pesquisa de tipo experimental, é fundamental rejeitar a hipótese nula através de um teste estatístico para comprovar a regularidade dos resultados e afirmar que os fatores aleatórios não influenciaram neles. Os testes estatísticos são definidos no design experimental.

7. O acesso lexical na produção da linguagem. A produção da linguagem é um processo complexo que inicia na conceptualização da mensagem e passa por vários estágios até a articulação, em uma conversação fluida podemos produzir entre 2 e 3 palavras por segundo e erramos 1 ou 2 vezes a cada mil palavras (Levelt, 1999:1), esses lapsos de fala produzidos e os resultados de experimentos são analisados para descrever e construir modelos psicolinguísticos sobre as representações mentais e os processos cognitivos envolvidos na produção da linguagem. Para caracterizar o acesso lexical na produção da linguagem, Levelt, Roelofs e Meyer (1999) propõem uma teoria. Nela se concebe o processo de produção da linguagem oral como um processo em estágios. Desde a preparação conceptual, seleção lexical, codificação

morfofonológica, codificação fonética até o início da articulação. Cada um dos estágios apresenta suas próprias unidades de representação, iniciando nos itens lexicais, lemas, morfemas, fonemas e gestos articulatórios. Uma das questões principais da teoria é se os estágios se superpõem em algum momento ou se o procedimento é completamente sequencial. A preparação conceptual é a etapa onde o sujeito ativa o conceito lexical, nessa etapa os autores introduzem o termo Spreading activation, que é a ativação de outros conceitos semanticamente relacionados, esse processo ocorre quando o sujeito processa um conceito e automaticamente aparecem outros conceitos relacionados a ele. Por exemplo, o verbo ESCOLTAR ativaria os verbos ACOMPANHAR é SALVAGUARDAR ao mesmo tempo, esses outros conceitos incluem a informação de como estão relacionados com o item ativador; por exemplo, ESCOLTAR está relacionado a ACOMPANHAR e SALVAGURDAR com a etiqueta ‘é’ (verbos ‘ser’). Então a ativação de um nó ativa outros nós a ele vinculados construindo uma rede semântica. O segundo estágio é a seleção lexical, onde o sujeito associa o lema ao conceito lexical. O lema é o pacote de informação sintática que está associado a cada unidade lexical. Por exemplo, o item lexical ‘escoltar’ inclui a informação de verbo transitivo e seus argumentos (agente, paciente) para ser organizado corretamente dentro da sentença. A informação que carrega o lema é fundamental no acesso lexical, ele inclui informação sintática própria de cada língua que permite a codificação gramatical é a posição certa dentro da sentença. O terceiro estágio é a codificação morfofonológica, ela situa-se entre o nível abstratosemântico e o nível fonológico, ela é a preparação de gestos articulatórios da palavra selecionada na fase conceitual/sintática; é dizer, acrescenta a informação morfológica, métrica e silábica no lema antes selecionado. O quarto estágio é a codificação fonética é a representação da informação, ainda abstrata, dos gestos articulatórios; nessa fase o sujeito recupera as instruções para realizar a articulação, que é o seguinte passo; por exemplo, para uma palavra que inicia em consonante oclusiva, a codificação fonética seria a inclusão da informação do tipo ‘fechar os lábios’. O quinto estágio é a articulação que é a realização física dos sons, esta etapa não está explicitada pela teoria. Finalmente, está o processo de automonitoramento, que se situa durante o processo de produção, desde a codificação da mensagem interna; especificamente a partir da codificação morfofonológica, o sujeito pode se correger antes ainda de produzir a mensagem; isto se evidencia com experimentos nos que o sujeito demora mais em codificar

algumas palavras; porque o automonitoramento e posterior correção faz com que o sujeito leve mais tempo para produzir algumas palavras do que outras. A metodologia da teoria é baseada na medição do tempo de reação (RT) em experimentos que envolvem tarefas de nomeação de imagens e outros dentro do paradigma de produção de palavras; tal metodologia tem como objetivo analisar como o sujeito lida com o processo normal de produção de palavras em exercícios que refletem as atividades diárias. Contudo, o modelo apresenta dois pontos que poderiam ser considerados mais obscuros ou simplesmente menos trabalhados pela teoria. Um deles seria a falta de informação sobre o funcionamento das classes fechadas no acesso lexical para a produção oral, o modelo está mais focado no funcionamento das classes abertas. Outra fraqueza que apresenta o modelo é que não trabalha com a última etapa do processo de produção da linguagem, a articulação, o qual e explicitamente mencionado no artigo.

8. O acesso lexical na compreensão da linguagem. A compreensão da linguagem estuda os processos mediante os quais interpretamos um enunciado linguístico. Para a caraterização deste processo têm sido propostos vários modelos. Os modelos básicos da compreensão da linguagem são o modelo Cohort e o modelo TRACE. O modelo Cohort foi proposto por Marslen-Wilson e Welsh (1978) e Marslen-Wilson (1984). A ideia principal do modelo é a ativação de representações correspondentes a palavras a partir dos primeiros segmentos que são percebidos; todas as palavras compatíveis com aquele início formariam um cohort, cujos elementos serão progressivamente eliminados até chegar a um único elemento que seria a palavra reconhecida. O modelo é de natureza interativa e propõe processamento paralelo e acesso direto. O modelo apresenta três estágios. Os dois primeiros são pré-lexicais e; o terceiro, pós-lexical. O primeiro estágio é o acesso, nesse estagio a informação perceptual ativa itens lexicais; por exemplo, a percepção do som /c/ ativaria itens lexicais como casa, coisa, cinema, computação, etc.; logo ao ouvir /co/ o grupo se reduziria a elementos do tipo coisa, coco, coleta, computação; logo ao ouvir /com/ se reduziria a comprar, computar, computação, e assim por diante. O conjunto de candidatos é chamado de cohort. O segundo estágio é a seleção, no qual o grupo é reduzido a um único elemento compatível; por exemplo, computação. Finalmente, o terceiro estágio é a integração, onde as propriedades sintáticas e semânticas são integradas e a palavra alvo é colocada dentro de uma sentença. O modelo Cohort tem sofrido variações ao longo dos anos, uma versão revisada foi posteriormente apresentada por Marslen-Wilson (1987). Uma das dificuldades que permanece

no modelo é que a percepção auditiva das palavras não é feita segmento por segmento; além do mais, é difícil identificar o início e das palavras para a geração dos candidatos. Por outro lado, existe o modelo TRACE proposto por McClelland e Elman (1986). O modelo TRACE é um modelo interativo de reconhecimento de palavras. A caraterística mais importante do modelo é a influência do contexto na análise. O TRACE é um modelo conexionista, ele consiste em pequenas unidades de processamento que estão conectadas y organizadas em três níveis. O primeiro nível é o das unidades do input, que apresenta as caraterísticas fonológicas; ditas unidades estão conectadas às unidades fonéticas, que ao mesmo tempo estão conectadas às unidades do output que representam as palavras. As conexões dentro de um nível são inibitórias, enquanto que as conexões entre níveis são facilitadoras; e, desse modo, existe uma competição entre as unidades no léxico. Então, a ativação de certas caraterísticas fonológicas ativa unidades fonéticas que, ao mesmo tempo, ativam possíveis palavras. Quanto mais ativada está uma possível palavra, mais inibidas estão outras possíveis palavras. Além do mais, o contexto participaria na ativação de uma palavra. Embora este modelo resolva algumas questões não explicadas por modelos anteriores e inclua o contexto, alguns pontos têm sido assinalados; como o excesso de interatividade entre níveis e interferência de uma possível pronuncia incorreta.

9. O estudo do processamento sintático. O processamento sintático na compreensão, chamado também de estudo de parsing, permite entender como interpretamos e chegamos ao significado de um enunciado linguístico a partir de uma sequência de itens lexicais. A primeira grande teoria em Psicolinguística foi a Teoria da Complexidade Derivacional (DTC). A DTC propõe que a complexidade de uma sentença seja avaliada pelo número de regras transformacionais utilizadas para sua derivação. Assim, maior número de operações implicaria maior custo de processamento pelo falante-ouvinte. Por exemplo, segundo a DTC, uma sentença ativa do tipo ‘Maria lê o livro’ seria processada mais rapidamente do que seu correspondente passivo (P) ‘O livro foi lido por Maria’ e, ao mesmo tempo, esta ultima sentença seria processada ainda mais rápido do que seu correspondente passivo negativo (PN) ‘O livro não foi lido por Maria’, pelo fato de uma sentença do tipo PN precisar de mais transformações. Muitos experimentos que sustentam a DTC foram realizados: McMahon (1963), Gough (1965, 1966), Savin e Perchonock (1965) e Compton (1967). Todos eles mostram

evidências da relação entre as transformações derivacionais de uma sentença e a sua complexidade como formulada pela DTC. Porém, existem muitos fatores que a DTC não considera e, portanto, impedem que ela seja completamente aceita; além do mais, existe nova informação teórica e evidências de que para entender o processamento de reconhecimento de sentenças teria que se considerar uma relação mais abstrata entre a complexidade da sentença e as operações derivacionais nela, fatores que não estão implicados na DTC. Posteriores experimentos publicados por Bever, Fodor, Garret e Mehler (1967) acharam uma grande quantidade de casos nos quais maior complexidade no processamento de uma sentença não estava relacionada a um maior número de operações derivacionais. A diferença desses últimos experimentos é que fatores como extensão/peso e significados foram controlados, o que não ocorre na DTC. Desse modo, eles mostraram que sentenças do tipo ‘The first shot the tired soldier the mosquito bit fired missed.’ foram mais difíceis de entender que ‘The first shot fired by the tired soldier bitten by the mosquito missed.’ embora a segunda tenha mais operações derivacionais. Assim, os últimos experimentos provam que a complexidade de uma sentença não está em relação simétrica com o número de transformações e, incluso poderia ser o oposto, portanto a DTC não foi sustentada. Após a DTC, surgiram dois modelos de processamento de estruturas sintáticas; o modelo de estratégias de Bever (1970) e os sete princípios de Kimball (1973); logo, Frazier e Fodor (1978) e Frazier (1979) propuseram a conhecida Teoria do Garden-Path. O modelo de estratégias cognitivas de processamento sintático, proposto por Bever em The Cognitive Basis for Linguistics Estructure (1970), é interativo; quer dizer que o parser (mecanismo de processamento de frases na linguagem humana) faz uso não só de mecanismos sintáticos, mas também de outros mecanismos (e.g. semânticos, conhecimento do mundo) com o objetivo de chegar rápido à interpretação do enunciado linguístico. O modelo propõe uma série de estratégias que procuram demonstrar por que o sujeito demora mais em interpretar algumas frases do que outras; bem como explicar os erros que cometem os sujeitos na interpretação das frases. As estratégias propostas seriam instanciações aplicadas de princípios perceptuais gerais que podem se aplicar a diferentes domínios; linguísticos e não linguísticos. Porém, ditas estratégias foram alvo de muitas criticas por serem somente descritivas, estarem incompletas e até erradas.

O modelo de princípios universais, proposto por Kimball em Seven Principles of Surface Structure Parsing in Natural Language (1973), é modular; quer dizer que o parser só faz uso de informação de natureza sintática para chegar à interpretação do enunciado verbal. O modelo é determinista, propõe uma análise serial; isto é, em etapas sucessivas. Os princípios propostos estariam modelados por técnicas desenvolvidas por cientistas computacionais para o processamento feito por computadores; porém, levando em conta as limitações do aparato cognitivo humano: a capacidade limitada da memória e a possibilidade de ambiguidade estrutural. Posteriormente, da unificação de ambos os modelos, surge a Teoria do Garden-Path (TGP) proposta por Frazier e Fodor (1978) e Frazier (1979). Eles criam um modelo híbrido, conhecido na literatura como The Saussage Machine, que apresenta um sistema mais económico e sofisticado. A TGP trabalha com alguns pressupostos como a modularidade da mente, que é o uso de informação exclusivamente de natureza gramatical no processamento de estruturas sintáticas e o processamento serial, que é o processamento em sequências sucessivas. Além do mais, são propostas inicialmente duas estratégias no processamento de enunciados linguísticos: Late Closure e Minimal Attachment. Late Closure ou Aposição Local é a estratégia que diz que, quando possível, os itens lexicais devem ser associados ao sintagma que está sendo processado no momento antes de fechá-lo; e Minimal attachment ou Aposição Mínima propõe a associação do material novo ao sintagma em construção criando a menor quantidade de nós possíveis, seguindo as regras de boa formação da língua. As estratégias descritas guiariam a interpretação de sentenças com ambiguidade estrutural; por exemplo, sentenças como Maria viu o turista com os binóculos; seguindo os princípios da TGP, a criação do menor número de nós possíveis (Minimal Attachment); o parser associaria o SP a SV; então, com os binóculos seria interpretado como instrumento do verbo ver. Só posteriormente será possível observar se a interpretação feita foi adequada. Por outro lado, em sentenças do tipo Enquanto costurava as meias caíram no chão, o parser segue o princípio de associação de elementos ao sintagma que ainda está sendo processado (Late Closure). Desse modo, o sintagma as meias seria associado ao verbo costurar como seu objeto direto; ocasionando o efeito do Garden-Path e obrigando ao processador a voltar e fazer a análise novamente. Ao longo dos anos vão se incorporando novas estratégias à TGP; entre elas, Active Filler, Most Recent Filler Strategy e Minimal Chain Principle.

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