Breve questionamento sobre a arte contemporanea

May 29, 2017 | Autor: R. Demercian/ Loly | Categoria: Art History, Contemporary History, Curadoria, Artes Visuais
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arte

O estado da Arte Contemporânea e seus

Rizomas

Trabalho de José Spaniol, na Pinacoteca de São Paulo

ual é o estado da arte contemporânea? Por certo esta é uma indagação que autorizaria a elaboração de um extenso trabalho acadêmico, que não é, evidentemente, o objetivo deste artigo. Portanto, partindo dos exemplos pontuais abaixo relatados, seria possível afirmar que o estado da arte na contemporaneidade apresenta pelo menos cinco pontos de convergência: história, política, cultura, aspectos socioeconômicos e tecnologia. Todas

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com narrativas próprias, como um espiral, formando um novo rizoma, um novo núcleo de acordo com seu tempo. Podemos exemplificar esse processo de volta, mas sem que, necessariamente, sejam utilizados os mesmos rizomas do passado. Foi o que se verificou, por exemplo, na arte entre guerras (primeira e segunda guerras mundiais), no movimento que se deliberou denominar “O retorno a ordem”, que recolocava em cena a importância do desenho, da composição e do estilo, significando o reingresso

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na arte de três princípios fundamentais: disciplina, ordem e hierarquia, isto é, o retorno a tradição. No Brasil esse fenômeno do retorno à ordem se verificou, por exemplo, nos anos 20/30, com o grupo Santa Helena; na França, anos 20, Picasso e Picabia usaram nas produções até as técnicas de pintura dos quatrocentos, como a guache, a tempera e afrescos, com o intuito de deixar os trabalhos mais naturais (naturalismo/ realismo). Mais recentemente, na França, no Grand Palais, em 2016, realizou-

Cabeça de mulher, Pablo Picasso - 1936

Rua de Santo Amaro de Alfredo Rizzotti – 1943

-se uma exposição do artista chinês Huang Yong Ping (O Estado de São Paulo, caderno 2, de 03 de maio de 2016), na qual se propôs uma reflexão crítica sobre os rumos da globalização. O trabalho compunha-se de um esqueleto metálico de uma serpente gigante (17,5 metros de altura) em 305 contêineres de metal empilhados; na ponta da serpente, uma bigorna em formato de um chapéu de Napoleão . Num primeiro momento poderíamos indagar: qual é o sentido desse trabalho. A resposta não é unívoca. Tratando-se de um artista dissidente do regime comunista chinês e radicado na França, seu trabalho aos olhos do expectador poderia parecer anacrônico; os contêineres lembrariam as relações internacionais (tão presentes na China contemporânea) ou, simplesmente, seus ancestrais culturais. Se ficássemos atentos aos detalhes, portanto, poderíamos ima-

ginar uma diversidade de situações e propósitos sobre o trabalho e, a partir daí, extrair a real intenção do artista. Já no o trabalho do artista José Spaniol, em maio de 2016, exposto na Pinacoteca de São Paulo, notam-se dois barcos de 430 quilos suspensos a uma altura aproximada 10 metros, apoiados por 80 varas bambu. Pois bem, se nos lembrarmos de recentes acontecimentos contemporâneos, os refugiados da diáspora da Síria, por exemplo, poderíamos dizer que os barcos sobre os bambus denotam a fragilidade com que os refugiados sírios atravessam o mar e rompem fronteiras, galgando uma melhor condição de vida e subsistência. Nessa exposição do José Spaniol há sons do mar em caixas acústicas e também em onomatopeias transmitidas pelas letras desenhadas no próprio chão da pinacoteca. Se olharmos atentamente podemos enxergar vários outras histórias e significações sobre o trabalho. Depen-

Craccae, Francis Picabia - 1928

de de quem olha e depende também de quem fez. No trabalho da artista e pesquisadora Giselle Beiguelman, apresentado na exposição “Memórias da Amnésia”, em maio de 2016, sobre os monumentos da cidade de São Paulo, há, como define a própria autora a “estética do esquecimento”. Giselle mapeou revista RMC/1o semestre 2016

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Cobra gigantesca Huang Yong Ping, no Grand Palais - França

monumentos, transferiu-os temporariamente para o museu Arquivo Histórico de São Paulo e, mais do que isso, colocou-os no site Google Maps (guia dos monumentos Nômades), com um inegável viés tecnológico.

Poderíamos citar vários outros artistas que estão atualmente fazendo seus trabalhos em instituições, galerias e museus de arte. Mas qual é o ponto comum dos três artistas acima citados? Todos eles partem do pressuposto

da experiência estética, não se preocupando com a teoria geral da crítica da arte e tão pouco aspectos filosóficos. Seu processo investigativo contemporâneo é o próprio objeto. Para melhor elucidar a ideia central

Giselle Beiguelman Memória da Amnésia reúne 16 fragmentos de monumentos que um dia ornaram o espaço

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conceitos surgem de acidentes” (in Revista Arte brasileira, n.31 p. 40). Tratou-se, portanto, de uma experiência vinda do acaso e não construída a partir de um objeto predeterminado. Em suma, a arte contemporânea, ao invés de trabalhar simplesmente com movimentos e datas, deve trabalhar com a experiência e desenvolver processos investigativos, criando uma nova idiossincrasia. A experiência, como se sabe, ocorre de forma contínua, pois interage com a diversidade de condições vividas em cada época, em cada período da humanidade, ou seja, o próprio processo de viver. n

Nino Cais (“Um Cais para Nino”)

que ora se pretende transmitir, parece oportuna a situação vivida por Nino Cais (“Um Cais para Nino”), em exposição realizada no Paço das Artes, em São Paulo em 2015. O artista colocou uma fita adesiva sobre uma foto e, em seguida, sem intenção, a puxou, rasgando a parte da

camada de tinta do papel fotográfico. O curador Tadeu Chiarelli escreveu sobre o trabalho um texto bem elaborado e poético, que, aparentemente, não foi muito bem recebido pelo artista, que redarguiu: “Não trabalho com discursos pré-concebidos...o material vai construindo o caminho, os

Roseli Demercian Graduação em Pedagogia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie . Graduação em Artes Visuais pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo , especialização no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo( MAC/USP) e mestrado em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie . Doutoranda em Comunicação e Semiótica pela Pontíficia Universidade Católica de São Paulo, é curadora do Centro Cultural CasaGaleria e Artes. Tem experiência na área de arte/educação, História da arte e curadoria, atuando principalmente nos seguintes temas: arte contemporânea, novas midias e filosofia contemporânea.

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