Breves apontamentos sobre as sentenças inexistentes

July 22, 2017 | Autor: Rodrigo Becker | Categoria: Direito Processual Civil, Diritto Processuale Civile, Processo Civil
Share Embed


Descrição do Produto

Breves apontamentos sobre as sentenças inexistentes

Rodrigo Frantz Becker Advogado da União Advogado da União. Mestre em Direito pela UNB. Diretor-Geral da ESA/DF. Professor de Processo Civil. Co-autor do livro “Direito Processual Civil – Série Advocacia Pública”

Artigo publicado na Revista Dialética de Processual, nº 82.

RESUMO Trata-se de trabalho no âmbito do direito processual civil, cujo objeto diz respeito a uma espécie de sentença, em relação aos seus efeitos, notadamente as sentenças inexistentes. A idéia de desenvolver este trabalho surgiu de um caso real, ocorrido no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, em que um acórdão foi proferido sem que tivesse qualquer relação com o processo no qual foi juntado. A partir daí, surgiu-se a celeuma de definir de qual tipo de acórdão se tratava: nulo ou inexistente. Ante a dificuldade de se estabelecer esta definição, devidamente resolvida no caso concreto, haja vista a tênue linha que separa as duas espécies de sentença, propugnou-se realizar este trabalho, com o intuito de definir, desenvolver e demonstrar a existência das sentenças inexistentes, espécie de sentença em relação aos seus efeitos. Por meio da pesquisa dogmática e instrumental, e da técnica bibliográfica, investigou-se, a partir dos referenciais teóricos da escola paulista de direito processual, a possibilidade de se categorizar a sentença inexistente. A partir da apresentação do conceito de sentença inexistente e da discussão quanto à sua redefinição, a pretensão do presente trabalho foi a de trazer uma nova abordagem sobre esta espécie de decisão judicial, lançando debates e exemplos que demonstrem a existência desta espécie de sentença no ordenamento jurídico brasileiro. Este trabalho, não obstante contenha definições já existentes na doutrina, uniu-as de forma a ampliar e especificar a sentença inexistente, de maneira a possibilitar e a incentivar o debate acadêmico acerca da repercussão de uma possível nova análise deste tipo de sentença. Destarte, dividiu-se o trabalho em seis capítulos: enquadramento, definição, coisa julgada, meios de impugnação, espécies e sentença extra-petita. Cada um dos capítulos desenvolve o tema, com o objetivo de demonstrar seja pelos meios de impugnação, seja pelas exemplificações práticas e, sobretudo, pela sentença extra-petita, que a uma das classificações da sentença, quanto aos seus efeitos, indubitavelmente é a sentença inexistente. Palavras-chaves: Processo civil. Efeitos da sentença inexistente. Sentença inexistente: meios de impugnação e coisa julgada. Sentença extra-petita.

ABSTRACT It is working under the civil procedure law, whose object concerns a kind of decision in relation to its effects, especially the non-existent decisions. The idea of developing this work came from an actual case that occurred in the Superior Court where a ruling was delivered, though without any relation to the process in which it was gathered. From there, came to stir to define what kind of ruling it was: invalid or non-existent. Given the difficulty of establishing this definition adequately dealt with in this case, given the thin line that separates the two kinds of decision, has suggested to carry out this work in order to define, develop and demonstrate the existence of non-existent decisions, kind of decision in relation to its effects. Through research dogmatic and instrumental, and technical literature was investigated from the theoretical framework of São Paulo School of procedural law, the possibility of categorizing the nonexistent decision. The presentation of the concept of non-existent decision and discussion of its redefinition, the intention of this work was to bring a new approach to this sort of judicial decision, by opening and examples that demonstrate the existence of this kind of decision in order Brazilian law. This work, nevertheless contains definitions already in the doctrine, joined them in order to expand and specify the non-existent decision so as to enable and encourage the academic debate about the impact of a possible new analysis of this type of decision. Thus, work is divided into six chapters: framework, definition, res judicata, means of dispute, species and extra-petita decision. Each chapter develops the theme in order to demonstrate it by means of dispute is the exemplifications practices, and especially the extra-petita decision that one of the classifications of the award, in their effects, is undoubtedly the non-existente decision. Keywords: Civil proceedings. Effects of nonexistent decision. Non existent decision: means to challenge and res judicata. Extra-petita decision.

1. Considerações iniciais Quando se fala em direito processual civil, no seu amplo espectro de procedimentos e figuras, invariavelmente à cabeça vem a idéia de sentença. É ela o ponto final de um processo, ainda que se considere a possibilidade de recurso contra tal decisão. Ainda que não se queira, a sentença efetivamente termina um processo, com ou sem resolução de mérito, mas fato é que o termina. O recurso não é nada mais do que forma de combatê-la, mas pensemos num processo sem recurso: o que vale é a sentença. Em razão da sua majestade dentro do processo civil, a sentença, figura típica de direito processual, é objeto dos mais variados estudos, teses, decisões e análises por parte da doutrina e dos Tribunais. A idéia deste trabalho, sem incursionar pelos meandros da natureza da sentença e partindo da premissa do que ela seja, é desenvolver um estudo sobre a sentença inexistente. Debatida na doutrina, há quem não a reconheça, por entendê-la uma espécie de sentença nula, assim como há aqueles, a quem me associo, que vêem nela uma espécie de sentença, notadamente na classificação das sentenças quanto aos seus efeitos. É interessante notar que a denominação “sentença inexistente” pode ser uma contradição insanável, se analisada a partir da terminologia e após a leitura deste trabalho. Defender a existência de algo inexistente, do ponto de vista filosófico, pode ser uma ofensa ou um concentrado grau de raciocínio kantiano. Todavia, fato é que o objetivo deste trabalho é analisar a sentença inexistente, à parte o paradoxo citado, demonstrando que no ordenamento jurídico brasileiro tal tipo de sentença é mais comum do que se imagina no dia a dia da judicatura e que é possível combatê-la de formas até mais simplórias do que alguns defendem. Pretende-se, ainda, ao exemplificar as sentenças inexistentes, demonstrar que a sentença extra-petita é exemplo deste tipo de categoria. Ressalto apenas que não pretendo aqui criar uma tese diferenciada, tampouco inovar o estudo do direito processual contrariando posições dos mais renomados processualistas, mas tão somente defender algo que de uma forma ou outra já vem sendo defendida por alguns de nossos mais conceituados professores.

2. Enquadramento Muito tem sido debatido na doutrina acerca das sentenças inexistentes. Pontes de Miranda dava conta sobre a origem da categoria de sentença denominada inexistente. Afirmou o mestre que ela tem sua origem “depois que Bonifácio VIII, no ano 1298, proclamou que a sentença sem publicação (recitatio) nem merece o nome (nomen) de sentença”.1 Certo é que há doutrinadores que não aceitam tal tipo de categoria de sentença; outros, por seu turno, aceitam-na, mas dizem que ela se confunde com as sentenças nulas; de outro lado, há os que taxativamente admitem a existência desta categoria. Neste último grupo é que se assenta o presente trabalho e onde se pretende focar este estudo, atentando-se, sobretudo para os exemplos de sentença inexistente, sem deixar de citar, por certo, que também há grande divergência na doutrina sobre os exemplos configuradores deste tipo de sentença. Sobre tal distinção, mister referir a lição de Eduardo Talamini, ao discorrer sobre as sentenças inexistentes: “Ainda que a doutrina processual majoritariamente aceite a categoria da inexistência jurídica, as discussões multiplicam-se quando se trata de identificar as hipóteses nela enquadráveis”.2 Com relação à existência de uma categoria de sentença qualificada como inexistente, certa parcela da doutrina ainda insiste em não aceitar tal tipo de sentença, afirmando sequer existir a categoria dos atos inexistentes. Contudo, ainda que se argumente neste sentido, difícil é deixar de atentar-se para o art. 37, parágrafo único, do Código de Processo Civil, que taxativamente admite a categoria de atos inexistentes 3. Desse modo, se o próprio Diploma Processual refere-se a atos inexistentes, razões

1

2

3

MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. VI. São Paulo: Revista Forense, 1949, p. 416. TALAMINI, Eduardo. Notas sobre a Teoria das Nulidades no Processo Civil in Revista Dialética de Direito Processual Civil n° 29, p. 38 Art. 37. Sem instrumento de mandato, o advogado não será admitido a procurar em juízo. Poderá, todavia, em nome da parte, intentar ação, a fim de evitar decadência ou prescrição, bem como intervir, no processo, para praticar atos reputados urgentes. Nestes casos, o advogado se obrigará, independentemente de caução, a exibir o instrumento de mandato no prazo de 15 (quinze) dias, prorrogável até outros 15 (quinze), por despacho do juiz. Parágrafo único. Os atos, não ratificados no prazo, serão havidos por inexistentes, respondendo o advogado por despesas e perdas e danos.

inexistem para que se desqualifique a existência desta categoria de atos e, conseqüentemente, de sentenças, porquanto estas são espécies de atos processuais4.

3. Definição Quanto à definição de sentença inexistente, parece não pairarem dúvidas no extenso céu de doutrina processual. Teresa Wambier as define as sentenças inexistentes como aquelas que serão inexistentes “em virtude de terem sido proferidas em processo juridicamente inexistente ou em virtude de padecerem vícios intrínsecos”5. Cândido Dinamarco, por seu turno, analisando os atos inexistentes, assim os define, em lição que pode ser aplicada, tout court, às sentenças inexistentes:

[...] a existência de um ato jurídico depende invariavelmente da presença de seus elementos essenciais (os essentiala negotii, do direito privado), sem os quais ele não é o que talvez aparente ser. Como todo ato jurídico, o processual só existirá juridicamente quando espelhar em concreto a situação típica resultante da aplicação das normas relativas a ele. 6

Interessante notar que Humberto Theodoro Júnior, como dantes apontado, admite a categoria das sentenças inexistentes, mas afirma que ela se aproxima daquela própria às sentenças nulas, porquanto “do ponto de vista prático os vícios se equivalem em consequências objetivas” 7. No mesmo passo anda Eduardo Talamini.8 De se ver, portanto, que a definição de sentença inexistente passa obrigatoriamente pela ausência de seus elementos fundamentais ou pela presença de vícios na sua formação que, tanto num caso como no outro, a impedem de se constituir como sentença propriamente dita e, por conseqüência, de produzir seus efeitos.

4. Coisa julgada Parâmetro muito utilizado pela doutrina quando tende a definir a sentença inexistente é a sua impossibilidade de fazer coisa julgada. Contrariamente às sentenças 4

MARQUES, José Frederico, Instituições de Direito Processual Civil, volume III, São Paulo: Millenium, p. 475 5 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do Processo e da Sentença. São Paulo: Revista dos Tribunais, 6ª edição p. 463. 6 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, volume II, São Paulo: Malheiros, 2001, p. 582. 7 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Sentença – Direito Processual ao Vivo, volume I. São Paulo: Aide p. 43. 8 TALAMINI, Eduardo. Op. cit. p. 53.

nulas, em que muita celeuma existe sobre tal impossibilidade, no tocante às sentenças inexistentes a voz é uníssona no sentido de que esta categoria de sentença não é apta a produzir coisa julgada material. Ismail Roberto Poloni é um dos defensores da dicotomia existente entre as sentenças nulas e as inexistentes no que se refere à possibilidade das primeiras constituírem a coisa julgada. 9 Por outro lado, Humberto Theodoro Júnior, citando Pontes de Miranda, é taxativo ao afirmar que “tanto as sentenças inexistentes como as nulas ipso jure não têm aptidão para gerar a res iudicata”.10 Teresa Wambier percorre o mesmo caminho ao analisar as sentenças inexistentes: “Sobre sentenças inexistentes não pesa autoridade de coisa julgada”. Já o mestre Cândido Dinamarco pacifica a questão, com a maestria que lhe é peculiar: As sentenças inexistentes, qualquer que seja a causa dessa imperfeição, não são suscetíveis de ficar imunizadas pela coisa julgada material, porque esta incide sobre os efeitos da sentença de mérito e elas não produzem qualquer efeito que se projete sobre a vida das pessoas.11

Por tudo o quanto exposto, conclui-se com facilidade que uma das conseqüências da prolação12 de uma sentença inexistente é efetivamente a falta de aptidão desta para produzir efeitos. E a razão é simples: como se defender a produção de efeitos de algo que sequer foi produzido corretamente ou que apresenta falhas capazes de retirar a sua caracterização como sentença? Claro está que a sentença inexistente, certas vezes, pode até existir fisicamente, pois contém a denominação “sentença”, foi geralmente produzida por um juiz investido devidamente na magistratura e, provavelmente, até mesmo findou por ser publicada. Não se desconhece que esta “sentença” fisicamente existe, mas se ela contém um vício intrínseco (julgamento extra petita) ou falta algum de seus elementos essenciais (assinatura do juiz), que a torna incapaz de produzir efeitos, juridicamente ela

9

POLONI, Ismair Roberto. Técnica Estrutural da Sentença Cível. São Paulo: Forense, 2ª edição, 2003. p. 9. O autor entende que as sentenças nulas, em alguns casos, serão aptas a produzir a coisa julgada. 10 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op. cit. p. 43. 11 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, volume II, São Paulo: Malheiros, 4ª edição, p. 588. 12 Mais correto talvez fosse utilizar a palavra “produção”, pois se a sentença inexistente sequer existe juridicamente, nem mesmo chega a ser prolatada.

é um nada, é uma figura estranha ao mundo jurídico que, por tais razões, é tida como uma sentença inexistente.

5. Meios de impugnação Estabelecidas as conseqüências da prolação de uma sentença inexistente, cabe aqui analisar os meios de impugnação possíveis contra este tipo de sentença. Num primeiro momento, de inopino, poder-se-ia dizer que a sentença inexistente, por sequer produzir efeitos, não poderia, assim, nem ser impugnada. Os mais arautos, num raciocínio lógico, porém inconsistente, diriam: se a sentença inexistente é um nada jurídico, e não produz efeitos, como se impugnar algo que juridicamente não existe? A pergunta é capciosa, mas a resposta é simples, qual seja, a de que a sentença inexistente fisicamente existe e, até que outra seja produzida, é a sentença que foi prolatada no processo. Desse modo, ainda que ela não produza efeitos, está ela tomando o lugar da sentença que deveria ter sido regularmente prolatada. Portanto, impugnar tal tipo de sentença tem como objetivo primordial fazer com que uma sentença completa, válida e eficaz substitua aquela inexistente, completando, desse modo, a prestação jurisdicional. Assim é que, imperiosa a impugnação de uma sentença inexistente, deve-se estabelecer quais os meios possíveis de impugnar esta sentença, dentro do espectro de possibilidades conferidas pelo ordenamento jurídico brasileiro. De início deve-se atentar para o fato de que a sentença inexistente, por não transitar em julgado, em razão de sua inaptidão para fazer coisa julgada, não pode ser combatida pela via da ação rescisória. É que o defeito da sentença é de tal ordem que sequer se pode admitir que a ação rescisória, meio de impugnação próprio contra sentenças eficazes em que houve julgamento de mérito, possa ser utilizada. Nesse sentido é a posição majoritária da doutrina, capitaneada pelos escólios de Teresa Wambier13 e Humberto Theodoro Júnior. Deste último cabe transcrever elucidativa passagem: O que não existe não pode ser rescindido, e sendo assim não se há de falar em ação rescisória sobre sentença inexistente, tal como a que é prolatada por quem não é juiz ou a

13

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Op. cit., p. 463

que é proferida sem o pressuposto do processo judicial, ou ainda a que nunca foi publicada oficialmente.14

Destarte, penso que a questão, do ponto de vista formal, é perfeita: não há como se pretender rescindir algo que não existe e que não produziu efeitos, sobretudo porque a via da ação rescisória tem requisitos e limites próprios. Todavia, chama a atenção outro aspecto da questão: seria o caso de não se conhecer de ação rescisória ajuizada contra uma sentença viciada, tida por inexistente? Para responder a esta pergunta, mister se faz prosseguir no exame dos meios de impugnação da sentença inexistente para, ao final, concluir o exame da questão. Prosseguindo, Teresa Wambier entende que a sentença inexistente não pode ser rescindida, pois só se pode rescindir o que existe. Nesse caso, completa a autora, a sentença inexistente pode “ser eliminada do universo fático-jurídico até por ação declaratória”15. Ismail Roberto Poloni, aludindo aos trabalhos da citada professora, caminha no mesmo sentido 16. Entende, ainda, Teresa Wambier, citando Luiz Rodriguez, que tal espécie de ação não possui limite temporal, podendo ser ajuizada a qualquer tempo. No mesmo sentido, Pontes de Miranda ao afirmar que “a actio nullitatis (...) podia e pode ser proposta após os cinco anos do prazo prescricional das ações rescisórias e até mesmo depois dos trinta da actio iudicati, porque são ações perpétuas as que nascem contra a nulidade de pleno direito”.17 Contudo, vale notar que a autora utiliza-se do termo “pode” para se referir à possibilidade da sentença inexistente ser atacada por ação declaratória. Tal fato se deve à conclusão que chega a autora, em outro trabalho realizado, de que a sentença inexistente sequer necessitaria de uma ação para ser impugnada, bastando que a insurgência se faça por meio idôneo. São magistrais as palavras da professora, em conjunto com José Miguel Garcia Medina: “[...] a declaração de inexistência da

14

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op. cit. p. 38. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Op. cit., p. 463 16 POLONI, Ismair Roberto. Op. cit., p. 9. 17 MIRANDA, Op. cit., p. 413. Vale ressaltar que o autor alude ao prazo de cinco anos da ação rescisória, porquanto este era o prazo na vigência do Código de Processo Civil anterior. 15

sentença não precisa necessariamente ocorrer, por meio de uma ação, como, de ordinário, acontece com as lides que são objeto das ações declaratórias”.18 Prosseguem os autores, citando Pontes de Miranda, e concluindo que a sentença inexistente pode ser combatida com a propositura de uma nova demanda (pois aquela em que foi proferida a sentença não produziu coisa julgada), em embargos à execução ou simplesmente por meio de alegação incidental no curso do processo. No mesmo passo anda Rogério Lauria Tucci, para quem o saneamento do vício da sentença inexistente pode se dar até mesmo pelo próprio prolator da sentença, o qual pode simplesmente proferir novo julgado corrigindo o equívoco anteriormente produzido. São estas as palavras do professor:

Há, até, quem, como José Frederico Marques (Manual de direito processual civil, cit., 1975, v. 3, p. 32, nº 530), tenha a sentença a que falte a parte dispositiva como inexistente: "A parte dispositiva, por outro lado, é tão essencial à sentença que, à sua falta, inexistente ela o será. Mesmo que da fundamentação possa concluir-se de que forma seria a decisão, impossível existir sentença sem que o juiz declare, explicitamente, qual o seu julgamento sobre a lide". Também nessas hipóteses, há lugar, entretanto, como anteriormente visto, para a sanação da nulidade da sentença definitiva, que se perfaz, por igual, com o proferimento de outro ato decisório final. 19

O caminho trilhado pelos nobres processualistas é perfeito. De fato, a sentença inexistente, por ser um nada jurídico, inapta a produzir qualquer tipo de efeito, existe apenas fisicamente, daí porque a correção do vício existente pode se dar por qualquer meio de impugnação possível. De se ver que a sugestão lançada por Pontes de Miranda, relativa à impugnação por mero incidente processual, traduz célere e efetivo modo de correção da sentença inexistente. Tal fato se dá sobretudo em razão da necessidade de se retirar do mundo jurídico algo ineficaz que (perdoem a simplicidade das palavras) apenas ocupa espaço dentro de um processo. Não seria de modo algum efetivo impor à parte recorrer, ou ainda impugnar por meio de ação própria uma sentença que não produz efeitos para nenhuma das partes. Se esta sentença é imprópria, incorreta, imperfeita, ineficaz, prejuízo nenhuma haverá a

18

19

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim e MEDINA, José Miguel Garcia. Relativização da Coisa Julgada in Estudos de Direito Processual Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 549. TUCCI, Rogério Lauria. Temas e Problemas de Direito Processual, São Paulo: Saraiva, p. 160.

qualquer das partes da ação, caso a correção do vício se dê por mera petição incidental no bojo do processo. Tome-se o exemplo de uma sentença proferida sem dispositivo. Qual o efeito que ela produz? Por certo nenhum, pois sequer se terá noção do que será executado. Seria, então, eficaz que se impusesse à parte recorrer por meio próprio desta sentença? Volvendo aos princípios do direito processual, a resposta só pode ser uma: não. A celeridade e a efetividade do processo ficariam sobremodo comprometidas, mormente porque se tomaria um longo tempo para impugnar algo que não prejudica nem beneficia nenhuma das partes. Desse modo, a simples impugnação, de forma incidente no processo, corrigiria tal equívoco, para ambas as partes, tornando efetiva a prestação jurisdicional. Contudo, na linha de Rogério Lauria Tucci, é de se notar que nem mesmo a impugnação incidental pode ser a forma mais célere de se corrigir o vício da sentença inexistente. Vejam o exemplo de uma sentença proferida e não assinada e nesses termos juntada aos autos. Tomando o juiz conta do erro, deve ele aguardar que a parte se manifeste para sanar o equívoco e assinar a sentença? Por certo que não, pois, nesse caso, de ofício a correção do vício será a forma mais eficaz e célere de se efetivar a prestação jurisdicional. Cândido Rangel Dinamarco com percuciência analisa hipótese idêntica:

As que não contenham assinatura, ou proferidas por não juiz, ou que nada concluam, situam-se ainda aquém e sequer produzem o efeito processual típico das sentenças, que é a extinção do processo (art. 162, § 1º): a todo tempo, dando-se conta da omissão, cumpre ao juiz sanar o defeito, produzindo outra sentença ou complementando aquela, conforme o caso.20

Vale, nesse passo, transcrever excelente julgado do Superior Tribunal de Justiça, proferido pela Ministra Maria Thereza de Assis Moura, em que houve a correção de acórdão tido por inexistente, anulando-se a assentada anterior e proferindo novo julgamento. Estes os termos:

1. (...) 2. Sentença inexistente é aquela que existe apenas fisicamente, mas não existe do ponto de vista jurídico, pois não está apta a produzir nenhum tipo de efeito.

20

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, volume II. São Paulo: Malheiros, 4ª edição, 4ª edição, p. 588.

3. A sentença juridicamente inexistente não é apta à formação da coisa julgada e, portanto, não fica acobertada por tal autoridade. 4. Desse modo não sendo acobertada pela coisa julgada e tampouco produzindo qualquer efeito, não pode ser considerado aquele acórdão, razão pela qual outro deve ser proferido, anulando-se aquela assentada e concluindo-se a prestação jurisdicional lançada a esta Corte, através do recurso especial interposto.21

Portanto, o meio mais célere e eficaz de se corrigir uma sentença inexistente é, sem dúvida, a mera impugnação incidental nos próprios autos, sem se distanciar de que, em certos casos, até mesmo de ofício o juiz deve sanar o equívoco, tudo em vista de uma melhor e mais rápida prestação jurisdicional. Volvendo algumas linhas, restou uma pergunta em aberto: seria o caso de não se conhecer de ação rescisória ajuizada contra uma sentença viciada, tida por inexistente? A meu sentir, a resposta é negativa. Claro que, tecnicamente, não é o caso de ajuizar a ação rescisória, por tudo o quanto foi dito anteriormente, especialmente porque a rescisória objetiva rescindir algo juridicamente existente. Todavia, nesse caso, tenho que vale a máxima “quem pode o mais, pode o menos”. Dessa forma, se a parte pode por mera impugnação incidental afastar o vício que torna a sentença inexistente, nenhum óbice prático haveria para que a ação rescisória fosse julgada procedente. Veja-se que não se está defendendo algo paradoxal, no sentido de que a sentença inexistente não gera efeitos, mas pode ser impugnada pela via apropriada para sentenças eficazes. Não é isso. O que se defende é que a celeridade seja, antes de tudo, o princípio norteador de toda a questão. Teresa Wambier enfrenta a questão, afirmando que tecnicamente não é correto o uso da rescisória para impugnar sentença inexistente, mas é despiciendo utilizar-se de um rigorismo para defender que a ação rescisória não poderia ser conhecida, porquanto apenas ação declaratória de inexistência seria o meio adequado de se combater a sentença inexistente. Sustenta, ainda, a autora, na linha do aqui esposado, que a ação rescisória pode ser intentada, pois “se se quiser aproveitar o processo, pode-se lançar mão da teoria da aparência: a sentença aparentava, em primeiro lugar, ser uma sentença e, em segundo, aparentava também ter transitado em julgado”, razão pela qual o recebimento

21

REsp 156483/AL, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, DJ 12.02.2007.

da ação rescisória é medida que faz valer o princípio do aproveitamento dos atos processuais.22 De se ver que a citada autora emprega o termo “teoria da aparência” para se referir ao que aqui se denomina de sentença fisicamente existente. Destarte, recebendo o Tribunal uma ação rescisória contra uma sentença inexistente não seria razoável nem efetivo que a Corte simplesmente afirmasse ser impossível conhecer da ação. Se o próprio juiz, de ofício, em alguns casos, é capaz de corrigir o equívoco, mais legítima é a correção por meio de desembargadores com conhecimento e competência amplos para tanto. Vale, ainda, ressaltar que o conhecimento e o julgamento da ação rescisória em nada prejudicariam eventual nova rescisória proposta contra a ulterior sentença proferida (ou contra a sentença corrigida, no caso de falta de assinatura), pois nesse caso estaria se insurgindo contra o mérito da ação. Assim é que, ciente de posições contrárias, não há prejuízo algum (há apenas para aqueles que defendem um processo civil alienadamente técnico, em lugar de um processo célere e eficaz) para que uma ação rescisória seja conhecida contra uma sentença inexistente.

6. Espécies de sentença inexistente Resta, ainda, analisar quais são os exemplos de sentença que podem ser caracterizados como sentença inexistente. A sentença não assinada pelo juiz é caso típico de sentença inexistente. Este exemplo não gera qualquer tipo de celeuma doutrinária, porquanto os processualistas são unânimes em afirmar que a sentença proferida mas que deixou de ser assinada pelo juiz é inexistente. Argumentam nesse sentido que os atos jurisdicionais despacho, decisão interlocutória e sentença, a teor do art. 162 do Código de Processo Civil, devem ser praticados por um juiz, investido de jurisdição23. Assim, prolatada sentença sem que esteja assinada, esta não pode ser tida como uma sentença do ponto de vista jurídico, razão pela qual é caracterizada como inexistente. 22 23

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Op. cit., p. 494. Exceção feita aos atos que o Código de Processo Civil, taxativamente admite que sejam praticadas por outra pessoa, como é o caso do seu art. 162, § 4º.

José Frederico Marques, já em 1959, afirmava que “(...) sentença não assinada é decisão inexistente”.24 Alexandre Freitas Câmara hoje permanece com a mesma posição do mestre paulista, asseverando que se considera, “também, inexistente a sentença não assinada pelo juiz que a prolatou”.25 E informa, ainda, o professor carioca, que Liebman trilha o mesmo caminho. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais assim entendeu, na esteira de outros tantos julgados dos Tribunais pátrios: “A sentença lançada sem assinatura do seu prolator é ato jurídico inexistente, porquanto não se sabe nem mesmo se foi o próprio magistrado quem a proferiu, não podendo ser nem mesmo convalidada.” 26 27 Outro exemplo clássico na doutrina refere-se à sentença proferida por quem não é juiz. Nesse caso, a premissa é a mesma utilizada no exemplo anterior, qual seja, a de que a sentença somente pode ser prolatada por aquela pessoa investida de jurisdição. Nesse sentido é a anteriormente citada lição de Eduardo Talamini: “Também são juridicamente inexistentes as sentenças e outras decisões emitidas por quem não está investido de jurisdição.” Conclui o autor, apontando exemplo ocorrido em caso concreto: “Há na jurisprudência relato de caso em que sentença foi proferida por pessoa que se havia aposentado do cargo de juiz alguns dias antes (Revista dos Tribunais 478/125). Portanto, não era mais juiz – e o ato que praticou constituía mero simulacro de uma sentença.” 28

No mesmo sentido, entendendo como inexistente a sentença proferida por quem não é juiz, os multicitados Humberto Theodoro Júnior29 e Cândido Rangel Dinamarco30. Pontes de Miranda também assim se manifestou ao afirmar que eram

24

MARQUES, José Frederico. Instituições de Direito Processual Civil, 1ª edição, 1959, p. 520, nº 846. 25 CÂMARA, Alexandre Freitas, CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, volume I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 14ª edição, p. 438 26 Processo n° 1.0145.05.248425-3/002(1), Relator Desembargador Wagner Wilson, DJ 17/04/2007. 27 Ressalto que a idéia que se pretende lançar nesse trabalho é que tal vício poderia sim ser convalidado, mas até que tal convalidação fosse efetivada a sentença não teria capacidade de ser válida e tampouco de produzir efeitos. 28 TALAMINI, Eduardo. Op. cit. p. 54. 29 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op. cit. p. 38. 30 DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit. 4ª edição, p. 588.

casos de sentença inexistente aquelas que não foram publicadas ou que não foram proferidas por juiz.31 Interessante acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, muito embora proferido em matéria penal, analisou caso em que a sentença havia sido proferida por juiz em férias. Entendeu o aresto que nesse caso o juiz não estaria investido na jurisdição, daí porque era inexistente a sentença. Confira-se o julgado:

HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. REQUISITOS. A sentença penal deve conter os requisitos do art. 381 do CPP, e sendo condenatória também aqueles relacionados no art. 387 CPP. Mas tanto não é suficiente para que seja válida e tenha eficácia. Adquire esta qualidade quando publicada, em mãos do Escrivão (art. 389, CPP). Requisito intrínseco, substantivo, é que tenha sido proferida por Juiz investido da jurisdição. Estando o Juiz em férias, não está no exercício da jurisdição. Sentença inexistente. Ordem concedida. Unânime. 32

Também se considera inexistente a sentença que não fui publicada. Muito embora tal classificação não seja unanimemente difundida, sua menção foi feita pelo mestre alagoano Pontes de Miranda, razão pela qual a imponência e o crédito de suas lições não podem ser desconsiderados. Vale mencionar que o ilustre processualista cita, ainda, diversos exemplos de sentenças que podem ser tidas como inexistentes, verbis:

Restam as inexistentes, que são a) a sentença proveniente de autoridade pública não judiciária civil; b) a sentença que não foi publicada, nem consta do jornal em que se costuma publicar o expediente do foro, ter sido publicada, nem foi proferida em audiência; c) a sentença publicada sem ser proferida em demanda civil a cuja instrução e debate imediatamente se ligue (e.g. proferida ao mesmo tempo que pronúncia penal, ou a que se ditou em processo diferente daquele a que se destinava as notas; é ineficaz no caso de impossibilidade física, lógica, jurídica e moral, no conteúdo da sentença, como a que manda cortar a terra pelo meio, ou atribuir o domínio a um cavalo, ou decreta a escravidão, ou permite o incesto ou o castigo de fogo, ou a venda de documentos secretos do Estado a país estrangeiro; d) a sentença contra pessoa que goze de exterritorialidade etc. [...] As espécies a), b), c) e d) são de sentenças inexistentes. No caso só de ineficácia, a sentença existe, mas é inexecutável, ou não tem eficácia constitutiva ou declaratória, bastando porém, que haja qualquer parte válida para que somente possa ser atingida pela ação rescisória. Na espécie d) dá-se a falta completa de jurisdição e a sentença cai no vácuo, não existe.33

31

MIRANDA, Pontes de. Op. Cit. p. 412. Habeas Corpus Nº 70007993892, Câmara Especial Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ivan Leomar Bruxel, Julgado em 17/02/2004 33 MIRANDA, Pontes de. Tratado das Ações, Tomo 1, editora Bookseller, 1998, p. 170. Grifo do autor. 32

Cabe ressaltar que inúmeros são os casos isolados de entendimento acerca de sentenças que podem ser caracterizadas como inexistentes. Na doutrina e na jurisprudência corriqueiramente são encontrados casos que são tipificados como de sentença inexistente. Nestes, muitas vezes, não se poderia falar exatamente em inexistência, porquanto o vício não é de tal ordem a tipificar a sentença como juridicamente impossível, ou ainda, como um nada jurídico. São casos que poderiam ser claramente caracterizados como sentença nula, ou até anulável, pois esta é perfeitamente passível de produzir efeitos. Vale citar, a título de ilustração, trecho de texto onde é defendido que o “mesmo vício constitucional que se apresenta numa decisão proferida por quem não é juiz, entendemos existir no caso de juiz subornado, pois, apesar de estar devidamente investido, lhe falta uma condição subjetiva essencial, a imparcialidade”.34 Com a devida vênia do entendimento do autor, não há como se entender que tal sentença seja inexistente, pelo simples fato de ela não conter nenhum vício que impeça sua validade como sentença. Nesse caso, será perfeitamente possível a execução deste tipo sentença, até mesmo porque ela formalmente preenche todos os requisitos legais para a sua configuração. Não há como querer equiparar o vício de uma sentença proferida por um juiz subornado a uma sentença proferida por quem não é juiz. O Juiz subornado, muito embora tenha agido em contrariedade às normas penais e à probidade e à lealdade administrativas, estava investido de jurisdição e prolatou sentença formalmente correta. Esta sentença, ainda que materialmente viciada, é uma sentença tecnicamente correta passível de ser executada. O erro cometido pelo juiz ao prolatar esta sentença deve ser corrigido nas vias adequadas (processual, penal e administrativa), mas não pode por tal erro ser caracterizada como inexistente, sob pena de se retirar toda a carga de aceitabilidade dos atos processuais regularmente praticados.

7. Sentença extra petita

34

JACOB, Rodrigo de Moura. Ato Inexistente. Sentença de Juiz Subornado deve ser desconsiderada. Disponível em: . Acesso em: 02/05/2007.

Por derradeiro, cabe analisar um exemplo de sentença, cuja caracterização está longe de ser uma unanimidade na doutrina. Trata-se da sentença que julga extrapetita. Será extra-petita a sentença que julga coisa diversa daquela pretendida nos autos. Na doutrina, outros exemplos de sentença extra-petita são encontrados como a sentença que toma por base fatos não alegados pelas partes ou aquela que é proferida contra pessoa que não participou da relação processual.35 Contudo, o presente trabalho limitar-se-á a analisar o primeiro exemplo citado, qual seja, aquele em que a sentença julga coisa diversa da debatida no processo. Ou como prefere Fredie Didier: a sentença em que o juiz inventa um pedido.36 Dessa forma, havendo uma lide em que o objeto do processo é dar um armário e o juiz, julgando procedente o pedido, determina que a parte dê um barco, estar-se-á diante de uma sentença extra-petita, porquanto o juiz concedeu ao autor coisa diversa daquela pretendida nos autos. Desse modo, cabe analisar: tal sentença é nula ou inexistente? Para a maioria dos doutrinadores pátrios a sentença extra-petita é nula. Nesse passo andam Humberto Theodoro Júnior37, Moacyr Amaral Santos38, dentre outros. Vale, por todos, citar a lição de Marcelo Cinelli de Paula Freitas que, aludindo a Humberto Theodoro Júnior e Cândido Dinamarco, assim ensina:

Nesse diapasão, Humberto Theodoro Júnior e Cândido Dinamarco. Este último, mais detidamente, reconhece que o vício extra-petita traz em si os males da ausência do contraditório e da ampla defesa, pelo que, quando o vício consistir na concessão de um provimento ou de um objeto não pedido, em vez do provimento ou do objeto indicados na inicial, a sentença será inteiramente nula, não havendo partes hígidas a preservar. 39

Arruda Alvim, muito embora não o diga expressamente, também entende ser nula a sentença extra-petita, reconhecendo, todavia, o acerto de posições que a definem como inexistente.40

35

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, volume 2. Salvador: Jus Podium, p. 251. 36 DIDIER JR., Fredie. Op. cit., volume 2, p. 251. 37 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op. cit. p. 46. 38 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, 3º volume. São Paulo: Saraiva,, p. 23 39 FREITAS, Marcello Cinelli de Paula. Nulidades da Sentença Cível. Rio de Janeiro: Lumen Juris, p. 80. 40 ALVIM, Arruda. Direito Processual Civil, V. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 40.

Já Fredie Didier Jr. não define este tipo de sentença, mas alude que ela pode ser combatida por meio da ação rescisória, daí porque se pode aferir que o ilustre processualista baiano entende ser a sentença nula.41 42 Contudo, não entendo da forma dos nobres doutrinadores. A meu sentir a sentença extra-petita é, sem dúvida, uma sentença inexistente. Com efeito, uma sentença que julga coisa diversa daquela requerida nos autos não pode ser tida como simplesmente nula, por alguns motivos: a) não há como transitar em julgado uma sentença que julga algo do qual a parte não se defendeu, porquanto a ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa é de tal ordem que, a valer esta sentença, ter-se-ia certamente uma grande insegurança jurídica por partes dos jurisdicionados, os quais poderiam ser surpreendidos com decisões esdrúxulas, das quais não se defenderam, mas que deveriam cumprir; b) inviável se executar (ou, na moderna terminologia, cumprir) uma determinação impossível de ser cumprida43. A valer o entendimento de que a sentença extra-petita é nula e não inexistente, no caso acima, teríamos a seguinte situação: a sentença que determinou a entrega de um barco seria, no mínimo, válida até que fosse desconstituída. E, sendo válida, admitiria execução (ou cumprimento) provisória. Repete-se: a situação seria tão esdrúxula que a parte teria que se defender em fase executiva contra algo que não possui nenhuma relação lógico-jurídica com o processo do qual foi parte. Com a devida vênia dos renomados autores, não há como se aceitar ser simplesmente nula uma sentença extra-petita. Tal sentença é, sem dúvida, inexistente, porquanto julgou algo estranho aos autos que, assim, não faz coisa julgada, não podendo sequer ser reconhecida como juridicamente válida, senão como mero simulacro de sentença (ou sentença fisicamente existente).

41

DIDIER JR., Fredie. Op. cit., volume 2, p. 251 Vale aqui relembrar o quanto dito anteriormente: penso que até mesmo as sentenças inexistentes podem ser rescindidas. 43 Veja o caso citado acima. O objeto do processo era dar um armário e o juiz, na sentença, determinou que a parte desse um barco. A aberração da sentença é tamanha que, caso a parte nem barco possuísse, teria que cumprir algo materialmente impossível para ela. 42

Teresa Wambier, com maestria, defende posição semelhante:

É que, rigorosamente, a sentença puramente extra-petita comporta, sob certo aspecto, a qualificação de sentença inexistente, uma vez que não corresponde a pedido algum. Falta, portanto, pressuposto processual de existência para que aquela sentença seja considerada juridicamente existente.44

Assim é que a sentença extra-petita, por julgar algo inexistente do ponto de vista jurídico dentro do processo, deve ser considerada como, por óbvio, inexistente. Esta sentença não será passível de ser cumprida, devendo o juiz, ao receber a petição para cumprimento da sentença desde já declarar a inexistência, ou, como já visto acima, corrigir o equívoco ocorrido. Ademais, não se pode aceitar que o erro seja corrigido apenas se a parte se insurgir contra tal erro, pois a sentença inexistente, por ser um nada jurídico, pode ser desconstituída até mesmo de ofício. Interessante verificar que o Superior Tribunal de Justiça, em caso peculiar, entendeu ser inexistente acórdão que julgou matéria totalmente distinta daquela na qual se fundava o recurso especial interposto perante aquela Corte: “(...) O acórdão que julga recurso especial, contendo matéria absolutamente distinta daquela constante do recurso, deve ser considerado inexistente (...)”45 O caso tratava de recurso especial em que a parte se insurgia contra índices de reajuste do Plano Verão e o acórdão anterior havia determinando o reajuste pelo Plano Collor. Entendeu, assim, a relatora, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, acompanhada pelos demais Ministros da Sexta Turma, que aquele acórdão era extrapetita, pois julgou algo distinto do que se pretendia nos autos, e devia, portanto, ser corrigido com a mera prolação de um novo acórdão nos limites do pedido. Cabe, ainda, ressaltar que a sentença extra-petita pode ser de duas ordens: a) integralmente extra-petita; b) parcialmente extra-petita. No caso da primeira, já se discorreu neste trabalho. No tocante à segunda hipótese, esta se configura quando uma sentença julgar parte do que foi pedido nos autos e a outra parte de forma estranha ao que contém o processo. 44 45

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Op. cit., p. 302. REsp 156483/AL, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, DJ 12.02.2007.

Nesse caso, ter-se-á uma sentença parcialmente inexistente, haja vista que somente a parte estranha ao pedido será extra-petita, permanecendo válida e eficaz a parte correta. Claro está que aqui não se poderá desconstituir a sentença como um todo, pois a parte obteve parcialmente a resposta jurisdicional correta. Desse modo, não se mostra razoável, quiçá até violador da segurança jurídica, declarar inexistente toda a sentença e proferir outra, ainda mais se a nova sentença, na parte correta, for proferida de forma diversa da anterior. Em casos como o tal, duas soluções são encontradas: a) deve-se proceder à correção da sentença (no caso, por exemplo, da sentença nãoassinada); b) deve-se prolatar uma nova sentença, limitando-se ou a proferi-la nos limites do que foi pedido sem alterar a parte correta anteriormente decidida, ou declarar a inexistência da parte estranha, mantendo integral a outra parte condizente com o pedido.

8. Conclusão

De tudo o quanto foi exposto, pode-se extrair que, de fato a categoria das sentenças inexistentes é perfeitamente identificável dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Os variados exemplos citados, desde a sentença sem assinatura, até a sentença extra-petita, esta talvez o mais controvertido exemplo, demonstram que a idéia de sentença inexistente parte da impossibilidade de se dar qualquer tipo de cumprimento ao provimento jurisdicional que, à primeira vista, poderia ser uma sentença. Tal sentença, como visto, em verdade, tecnicamente uma sentença não é, exatamente pela impossibilidade de se extrair dela qualquer efeito. Nesse passo, a categoria das sentenças inexistentes integra uma classificação que parte da premissa das sentenças quanto aos seus efeitos. A forma de combater a sentença inexistente, com a simples correção do erro, quando possível, no lugar de uma ação rescisória ou até de uma ação anulatória, traz a idéia que deve ornamentar todo o processo civil moderno de celeridade e efetividade na prestação jurisdicional.

Dessa forma, a pretensão deste trabalho foi demonstrar a existência da categoria das sentenças inexistentes e, ainda, dentro dos princípios modernos que norteiam o processo civil, dar efetividade e celeridade na correção de erros, que impossibilitam a produção dos efeitos de uma sentença, mas que, em certos casos, podem ser facilmente corrigidos, transformando aquela outrora inexistente, numa sentença perfeitamente eficaz e válida.

REFERÊNCIAS ALVIM, Arruda. Direito Processual Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, volume I, p. 403. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, volume I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 14ª edição, p. 433. DELGADO, José Augusto. Coisa Julgada Inconstitucional, Rio de Janeiro: América Jurídica, 2004. DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, volume 1. Salvador: Jus Podium, 7ª edição. DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, volume 2. Salvador: Jus Podium. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, volume II. São Paulo: Malheiros, 4ª edição, p. 589. FREITAS, Marcelo Cinelli de Paula. Nulidades da Sentença Cível. Rio de Janeiro: Lumen Juris, p. 76. GOMES, Fábio. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, volume 3, p. 35. LACERDA, Maria Francisca dos Santos e DIAS, Ricardo Gueiros Bernardes. Nulidade Processual in Decisório Trabalhista – Revista de Doutrina e Jurisprudência dos Tribunais Regionais do Trabalho, TST, STJ e STF, ano XII/01, n° 89, p. 9. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3ª edição. MARQUES, José Frederico. Instituições de Direito Processual Civil, volume III. São Paulo: Millenium, p. 458.

MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. VI. São Paulo: Revista Forense, 1949. MIRANDA, Pontes de. Tratado das Ações, Tomo 1. Campinas: Bookseller, 1998. NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 8ª edição, p. 856. PACAGNAN, Rosaldo Elias. Breves Reflexões sobre as Condições da Ação in Revista Jurídica, ano 53, n° 331, p. 65. POLONI, Ismair Roberto. Técnica Estrutural da Sentença Cível. São Paulo: Forense, 2ª edição, p. 55. SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, 3º volume. São Paulo: Saraiva, p. 3. SLAIBI FILHO, Nagib. Sentença Cível – Fundamentos e Técnicas, São Paulo: Forense, 6ª edição, p. 293. TALAMINI, Eduardo. Notas sobre a Teoria das Nulidades no Processo Civil in Revista Dialética de Direito Processual Civil n° 29, p. 38. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Sentença – Direito Processual ao Vivo, volume I. São Paulo: Aide, p. 37. TUCCI, Rogério Lauria. Temas e Problemas de Direito Processual. São Paulo: Saraiva, p. 159. WAMBIER, Luiz Rodrigues, ALMEIDA, Flávio Renato Correia de, TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2ª edição, p. 602. WAMBIER, Luiz Rodrigues, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, MEDINA, José Miguel Garcia. Breves Comentários à Nova Sistemática Processual Civil, volume 2, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 30 e 34. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do Processo e da Sentença. São Paulo: Revista dos Tribunais, 6ª edição.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.