Breves comentários acerca dos Acordos de Facilitação e Cooperação de Investimentos (ACFI): promovendo o investimento e desprotegendo o investidor?

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Breves comentários acerca dos Acordos de Facilitação e Cooperação de Investimentos (ACFI): promovendo o investimento e desprotegendo o investidor?

Amauri Sales de Melo Neto1

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​Introdução. 2. Contexto histórico e panorama atual dos

Tratados sobre Investimentos. 3. Os ACFI’s. 4. Consequências práticas à utilização deste modelo. 5. Conclusão.

INTRODUÇÃO Desde o fim de março de 2015, o Estado Brasileiro passou a adotar um novo modelo de tratado sobre investimentos internacionais denominado Acordo de Cooperação e Facilitação de Investimentos (ACFI). Até o momento, foram assinados seis Acordos com os seguintes países: Moçambique, Angola, México, Malaui, Colômbia e Chile. Apesar da nomenclatura original, veremos que se trata de uma repaginação daqueles tradicionalmente utilizados. As razões para a utilização deste novo instrumento foram expressadas pelo Governo Brasileiro, através da Carta de Apresentação de Modelo Brasileiro de Acordos de Investimento2. Da leitura deste documento, percebe-se com clareza a resistência do Governo brasileiro em se submeter aos usuais Acordos de Promoção e Proteção de Investimentos

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Advogado. Mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; ​http://www.mdic.gov.br/arquivos/Apresentacao-Geral-do-ACFI-PT.pdf​ acessado em 30/11/2016;

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​ (APPRI’s) - ou ​Bilateral Investment Treaties, em inglês -, por uma série de razões que, na nossa opinião, carecem de fundamentos. Em virtude da novidade (já não tão recente), surgiu o interesse em discorrer sobre este novo modelo de Acordo de Investimento, analisando seus principais aspectos. Para tanto, necessário se faz delimitar o tema, que, convém antecipar, será tratado superficialmente, para confirmar nossa afirmação. Outrossim, nossa análise visa tratar dos aspectos contratuais da relação que se forma. Dito isso, será oportuno traçar brevemente o contexto histórico em que surgiram tais acordos de investimento até que se alcançasse o estágio atual, para se analisar as circunstâncias que levaram o Estado Brasileiro a adotar este novo modelo ​(1)​. Adiante, discorreremos acerca deste novo modelo, comparando-o com aquele tradicionalmente adotado, evidenciando os principais aspectos, tanto positivos quanto negativos ​(2)​. Após a análise, faremos algumas considerações sobre o tema ​(3)​. 1 Contexto histórico e panorama atual dos Tratados sobre Investimentos. Os investimentos internacionais assumiram grande papel ao longo das últimas décadas, em especial após a Segunda Guerra Mundial, notadamente por promoverem a transferência de bens e capitais de países desenvolvidos para aqueles em desenvolvimento, devastados pela sequência de duas grandes guerras, contribuindo para a melhoria na qualidade de vida da sociedade, o desenvolvimento estrutural e econômico, a geração de empregos etc. Historicamente, tais investimentos eram formalizados por meio de contratos que, em regra, mostravam-se extremamente onerosos aos Estados, a exemplo das tradicionais concessões de direito de exploração com período de vigência demasiadamente longo e pela ausência de contraprestação dos investidores à melhoria dos Estados3. É válido ressaltar que este desequilíbrio decorria, por um lado, do poder de barganha das multinacionais, mas, também, das ​ excessivas garantias oferecidas pelo próprio Estado receptor (​host State) com vista a convencer os investidores a realizarem projetos em seus territórios. Ante as poucas obrigações suportadas pelos investidores, os Estados receptores passaram a promover medidas que afetavam o próprio investimento, gerando, a partir disso, BISHOP, ​ R. Doak; CRAWFORD, James; REISMAN, W. Michael. ​Foreign Investment Disputes, (2005: p.216); 3

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um conflito com os investidores. É de se destacar que, em se tratando dos investimentos internacionais, a medida mais comum do Estado receptor sempre foi a realização de atos expropriatórios, num primeiro momento de forma direta e, após o desenvolvimento da relação, de maneira indireta4. Surgido o conflito, a solução utilizada era o recurso às Cortes domésticas ou à Proteção Diplomática. Em países latino-americanos, a obrigatoriedade de utilização das vias judiciais tinha fundamento na Doutrina Calvo5, já superada, mas ainda em vigor em certos Estados6. Ocorre que as vias judiciais do Estado Receptor eram consideradas inadequadas ou impróprias pelos investidores, notadamente em razão da crença de que os julgados ali proferidos pudessem ser influenciados por vícios de parcialidade da Justiça em prol do próprio governo. No mesmo sentido, o requerimento de Proteção Diplomática7 não implicava na aceitação indeclinável do Estado do investidor (​home State), podendo este, inclusive, recusar-se a representar o particular quando houvesse um interesse maior em manter a boa relação com o Estado infrator. Por esta razão, durante certo período, a ausência de um mecanismo eficiente de proteção tornou-se um óbice ao incremento dos investimentos transfronteiriços.

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“Qualquer ato ou omissão decorrente de ato legislativo ou administrativo atribuível ao Estado hospedeiro e que tem o efeito de privar o investidor da garantia de controle, ou do benefício material, de seu investimento, com exceção das medidas não-discriminatórias de aplicação geral, onde o governo normalmente realiza com o propósito de regular a atividade econômica de seu território”, Art. 11. a. ii, do​ Multilateral Investment Guarantee Agency; 5 Para o jurista argentino Carlos Calvo, a doutrina visava combater as práticas agressivas e injustas que os países desenvolvidos realizavam contra países pobres da América latina, na imposição de cumprimento de obrigações financeiras. GARCIA-MOURA, Manuel R. ​The Calvo clause in Latin American Constitutions and International law, In: ​Marquette law review, vol. 133, nº 34 (1950: p.205-206); 6 Por exemplo, o Art. 63 da Constituição Peruana de 1993: “​(...) En todo contrato del Estado y de las personas de derecho público con extranjeros domiciliados consta el sometimiento de éstos a las leyes y órganos jurisdiccionales de la República y sua renuncia a toda reclamación diplomática.”; 7 CRETELLA NETO, José. ​Contratos Internacionais - Cláusulas Típicas (2009: p.53); KLYKOVA, Kristina. ​Features of International Investment Arbitration, In: Direito Internacional dos Investimentos, (2014: p.211); COSTA, José A. Fontoura, ​Direito Internacional do Investimento Estrangeiro, Tese de Doutorado, USP (2008: p.177): ​Segundo a boa doutrina, a proteção diplomática seria a salvaguarda garantida internacionalmente ao particular, através de seu Estado de origem, contra as atuações arbitrárias e contrárias às normas de Direito Internacional (a exemplo de discriminação do investidor, expropriação sem compensação, denegação de justiça, etc.) realizada pelo Estado receptor de investimentos. Contudo, para que viesse a operar a proteção diplomática, era necessário que o particular fosse nacional do Estado demandante e que houvesse o esgotamento de todos os meios de resolução cabíveis dentro do sistema jurídico do Estado receptor.

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Ademais, ao tempo em que as expropriações se tornaram recorrentes, o princípio de soberania era visto como um conceito absoluto8 , gerando ainda mais desequilíbrio nas relações entre Estados e particulares estrangeiros, na medida em que adotava uma interpretação relativizadora do princípio do ​pacta sunt servanda9. Em busca de soluções que atenuassem o receio dos investidores em se submeter a estas relações, o Banco Mundial, em 1965, realizou a Convenção de Washington, que deu origem ao Centro Internacional para Resolução de Disputas sobre Investimentos (CIRDI)10 . Já no preâmbulo, pode-se extrair a finalidade principal deste Tratado, qual seja, a “cooperação internacional para o desenvolvimento econômico” através da ferramenta criada. Em síntese, a Convenção possibilitou ao investidor, através do Centro Internacional, demandar internacionalmente o Estado receptor dos seus investimentos, quando este viesse a inadimplir as obrigações assumidas em contrato ou criasse embargos à execução do mesmo, retirando a necessidade prévia de recorrer ao Poder Judiciário local ou ao instituto da proteção diplomática. Ocorre que, ao tempo, poucos países aderiram à Convenção, embora hoje a eficácia e importância de seu sistema seja reconhecida universalmente, contabilizando 161 Estados signatários11 . Dentre os Estados de maior expressão internacional, seja territorial, econômica ou política, o Brasil é o único que não compõe o time de signatários. Aliás, é de presumir que após a adoção deste novo formato de acordo, dificilmente irá aderir a esta ferramenta. À mesma época da Convenção, tornou-se comum a celebração de Acordos bilaterais de Investimento, geralmente entre Estados exportadores de capital e receptores de investimentos. O Acordo de Promoção e Proteção de Investimentos (APPRI), adaptado da expressão em inglês ​BIT, consiste no compromisso assumido com base na reciprocidade entre dois Estados, onde estes assumem obrigações recíprocas relativamente à promoção e proteção de investimentos dos investidores nacionais da outra parte dentro do seu território . 8

Especialmente após a Resolução nº 1.803 da Assembleia Geral da ONU, que considera ser permanente a soberania dos Estados no tocante aos recursos minerais; 9 MANIRUZZAMAN, A. F. M., ​State Contracts with Aliens: The question of Unilateral Changes by State in Contemporary International Law, In: ​Journal of International Arbitration, Vol. 9, nº 04, (1992: p. 147); Não há, todavia, uma interpretação absoluta do princípio do ​pacta sunt servanda nas arbitragens mistas. Em diversas decisões, o CIRDI demonstrou esse posicionamento; 10 ​https://icsid.worldbank.org/ICSID/StaticFiles/basicdoc/CRR_English-final.pdf​, acessado em 01/12/2016; 11 ​https://icsid.worldbank.org/apps/ICSIDWEB/about/Pages/Database-of-Member-States.aspx​, acessado em 05/15/2016;

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Além de estabelecerem regras materiais sobre diversas questões que não podem ser interpretadas à luz de normas internacionais, admitem a aplicação, em via de regra, dos princípios gerais do Direito Internacional e normas consuetudinárias, além de impor a submissão dos Estados à arbitragem mista ou de Investimentos12. Diferente de eventual inadimplemento em contrato com um particular, o Estado, como signatário de um Tratado Internacional, não pode deixar de observar os compromissos firmados com outro Estado, sob pena de praticar um ato ilícito internacional, com consequências bem mais severas, não podendo, inclusive, se resguardar no princípio da soberania relativamente às obrigações assumidas. Foi esta, portanto, a solução adotada para fomentar o crescimentos das relações transfronteiriças que promovem investimentos. A título de ilustração, até o fim de 2010, mais de 3.000 APPRI’s haviam sido firmados entre aproximadamente 177 Estados em todo o mundo13 . Vale dizer que o Governo Brasileiro chegou a assinar quatorze desses Tratados, embora não viesse a ratificar qualquer deles14, tornando-os sem efeito15 . Sendo assim, questionamos: ​Qual a razão para a resistência do Estado Brasileiro em não acompanhar a evolução do Direito Internacional dos Investimentos? Mais além, até que ponto o Estado Brasileiro está correto em assumir esta posição e quais são as consequências práticas para os investidores estrangeiros e nacionais? 2 Os Acordos para Cooperação e Facilitação de Investimentos (ACFI). Inicialmente, podemos aferir da terminologia adotada a primeira distinção entre os dois tipos de Tratados. Os APPRI’s, como o próprio nome já antecipa, tem por finalidade a promoção e proteção dos investimentos estrangeiros. Com finalidade mais limitada, os ACFI’s “buscam fomentar a cooperação institucional e a facilitação de fluxos mútuos de investimentos entre as partes”. Veremos que a omissão do termo “proteção” não é por acaso. Entretanto, antes de adentrar nesse mérito, necessário se faz analisar os principais argumentos apontados pelo Governo Brasileiro para adotar este novo modelo. 12

JACQUET e outros, (2010: p.573-574); ALVAREZ, José E. ​Tratados Bilaterais de Investimento: A BIT on custom, In: ​Direito Internacional dos Investimentos, (2014: p.45); MOURA VICENTE, (2014: p.698); 14 ​http://investmentpolicyhub.unctad.org/IIA/CountryBits/27​, acessado em 05/12/2016; 15 Igualmente, o Estado Brasileiro ainda não ratificou nenhum dos seis ACFI’s assinados desde março de 2015; 13

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Da Carta de Apresentação Geral, ilustram-se diversas críticas aos APPRI’s, a exemplo da limitações impostas no acordo, como a restrição à liberdade regulatória e a capacidade do Estado de adotar políticas públicas, além do tratamento mais favorável ao investidor estrangeiro se comparado com aquele oferecido ao nacional, elevado custo econômico e político de procedimentos arbitrais, falta de transparência de suas decisões ou imposição de onerosas indenizações. Ademais, inevitável deixar de mencionar também o receio do Estado brasileiro perante a arbitragem mista, justificada pela excessivo número de condenações a Estados receptores de investimentos, especialmente pela presença de Estados latino-americanos em ao menos um terço destes ​awards. Inicialmente, é salutar esclarecer que o conteúdo presente nesses acordos é definido exclusivamente pelas partes como corolário do princípio da autonomia da vontade, reconhecido como sendo de Direito Internacional Público. Se há um modelo demasiadamente utilizado, a exemplo daquele oferecido pela Multilateral Insurance Guarantee Agency (MIGA) ou pelos Estados Unidos16 , este nada mais é do que um parâmetro de base ao que venha a ser confeccionado pelos Estados contratantes. Sendo assim, as limitações impostas à liberdade de regular ou de adotar políticas públicas são determinadas pelos Estados, que podem abranger ou reduzir seu escopo. Basta, para tanto, definirem quais matérias podem ser submetidas a alterações17, mesmo que estas venham a afetar a vida do contrato com o investidor (sendo este o caso, caberá ao particular decidir se pretende suportar ou não o risco do contrato). É o que ocorre com o novo modelo de ​Bilateral Investment Treaty da Noruega18. Entre os artigos 24 e 28, ilustra-se uma série de exceções, relativas à saúde pública, segurança, cultura, valores morais e tributação, dentre outros, que não podem ser limitadas pelos termos do acordo, evitando seu questionamento por parte do investidor diante de uma arbitragem.

​http://www.state.gov/documents/organization/188371.pdf​, acessado em 12/12/2016; Com vista a evitar tais embargos por parte de um ou outro Estado, a Convenção CIRDI, em seu artigo 25 (4) admite que caberá ao Estado, no momento de sua ratificação, definir quais matérias podem ser abrangidas pelo termo “investimento”. Neste sentido, poderia o Estado, no uso de suas atribuições, delimitar as matérias que fossem submetidas à Arbitragem do Centro; 18 ​http://investmentpolicyhub.unctad.org/Download/TreatyFile/2873​, acessado em 02/03/2017; 16 17

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O que não pode ocorrer, e esse é o grande problema nos investimentos internacionais, é a imprevisibilidade legal na vigência do negócio jurídico, especialmente numa relação tão singular, complexa e de alto valor. Em se tratando de políticas públicas, oportuno se faz trazer à baila recente ​award 19

da Arbitragem CIRDI. No caso, os Reclamantes, empresas do setor de tabagismo, foram

gradativamente prejudicadas pelo ​Single Representation Act e o ​80/80 Regulation Act, de ordem do Ministério da Saúde Pública do Uruguai. A primeira medida obrigava os fabricantes a se limitar à venda de um único tipo de cigarro, ao passo que a segunda medida determinava que a propaganda dos malefícios do consumo do produto presentes na embalagem fossem ampliadas. A consequência destas medidas resultou na diminuição substancial do consumo de cigarro em todo o país, promovendo graves prejuízos em face dos investidores. Todavia, o tribunal arbitral entendeu ser legítima a medida Estatal, já que fundada no interesse público. Portanto, o argumento da limitação ao poder de regular do Estado levantado pelo Governo Brasileiro deve ser desconsiderado. Assim sendo, caberá às partes definir minuciosamente todos os termos empregados na redação do Acordo, pois, a longo prazo, evitará a discussão em sede arbitral de questões ambíguas. Evitando, por exemplo, discussão acerca da interpretação adotada entre o poder de regular do Estado e a expropriação considerada regulatória20. Em outra oportunidade 21, ao tratar deste debate doutrinário, passamos a acolher posição de García-Castrillón22, no sentido de aplicar a ​sole effect doctrine como forma de determinar se uma medida Estatal era regulatória ou expropriatória.

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Philip Morris Brands Sàrl, Philip Morris Products S.A. and Abal Hermanos S.A. v. Oriental Republic of Uruguay, ICSID Case No. ARB/10/7 - http://www.italaw.com/cases/460#sthash.8PfGjQ6Z.dpuf 20 Segundo a boa doutrina, para verificar se a medida é regulatória ou consiste num ato expropriatório, deve-se interpretar o caso concreto e as consequências do ato Estatal sobre o investimento (​sole effect doctrine). MELENDEZ, Raffo Velásquez. ​Expropriación Indirecta, (2013: p.241); 21 MELO, Amauri Sales de. ​Os contratos internacionais do petróleo firmados com Entes públicos numa perspectiva luso-brasileira, (Dissertação de Mestrado, p. 55); 22 GARCIA-MORA, Manuel R. The Calvo Clause in Latin America Constitutions and International Law. In: Marquette Law Review, vol. 33, nº4. 1650;

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Por isso destacamos que caberá aos Estados, exclusivamente, determinar quais temas são passíveis de alteração e que podem afetar a vida do contrato com o investidor23. Após, é imperioso que se faça valer o ​pacta sunt servanda e nada mais do que isso. A bem da verdade, atuando contrariamente ao compromisso firmado livremente, o Estado assentará no ​venire contra factum proprium, a mais popular faceta do instituto do abuso do direito. Tal comportamento deve ser reprimido. No que se refere ao tratamento supostamente mais favorável ao investidor, tal argumento é comumente levantado por Ordenamentos jurídicos centralizadores, a exemplo dos Estados socialistas do nosso continente, que impõem a utilização das vias judiciais. Na prática, o que se busca nos APPRI’s é justamente o oposto a crítica levantada pelo Governo Brasileiro. A imposição de elementos e padrões mínimos de comportamento, dentre os quais o de tratamento nacional ao investidor estrangeiro, se tornou tão necessária, com vista a impedir o comportamento arbitrário e discriminatório do Estado receptor, que há quem defenda ser tratar de uma espécie de ​lex specialis destes instrumentos24. Neste sentido, se houver uma previsão no Acordo admitindo o recurso à arbitragem, então o investidor realmente terá uma vantagem em face do nacional. Todavia, nada obsta que os nacionais passem a recorrer da Arbitragem como meio primário de resolução, basta que os contratos sejam negociados neste sentido25. Ademais, utilizar da via judicial não favorece qualquer das partes. Basta analisar as consequências que a morosidade processual inerente ao Poder Judiciário irá causar. De um lado, o investidor sofrerá grande prejuízo financeiro com a paralisação de sua operação. Do outro, o Estado suportará o aumento nos índices de desemprego e a queda do recolhimento de impostos, sem mencionar o desenvolvimento estrutural. No tocante ao elevado custo das arbitragens mistas, concordamos que os valores alcançados podem ser estratosféricos. Conforme levantamento feito, o valor de uma 23

No mesmo sentido é a Convenção CIRDI. Segundo o art. 25, (4), no ato de ratificação da Convenção pelo Estado signatário, o mesmo notificará o Centro sobre que classe de matérias não estarão sujeitas à sua competência, ainda que consistam em investimentos estrangeiros; 24 SORNAJARAH, (2007: p.215); ALVAREZ, (2015: p.51); 25 Com a entrada em vigor da Lei 13.129/15, o Ordenamento passou a admitir expressamente a participação da Administração Pública Direta e Indireta em arbitragens que envolvam direitos patrimoniais disponíveis (art. 1º, §1). Além disso, oportuno citar o Enunciado nº 40 da Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de litígios da CJF: “Podem ser objeto de arbitragem relacionada à Administração Pública, dentre outros, litígios relativos: I - a inadimplemento de obrigações contratuais por qualquer das partes; II - a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, cláusulas financeiras e econômicas.”;

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Arbitragem sobre Investimentos pode alcançar a cifra de U$ 600.000.000,00. Deste montante, a média de honorários equivale a U$ 10.000.000,00 e as custas arbitrais podem chegar a U$ 800.000,0026. Todavia, não se deve supor que a via judicial será menos custosa, ao menos para o particular que deverá antecipar custas e suportar os encargos da morosa justiça brasileira. Por outro lado, também poderá o investidor brasileiro suportar custas elevadas por uma contraprestação judicial defeituosa e lenta. E aqui não nos referimos apenas aos países subdesenvolvidos. Portugal, à semelhança do Estado brasileiro, também sofre com a morosidade judicial. De igual modo, não há que se falar em falta de transparência da via arbitral. Ao contrário, as arbitragens de Investimento têm sido amplamente divulgadas, bastando uma rápida pesquisa em sítios de busca na internet para se encontrar vasto acervo jurisprudencial27 . Outrossim, a Lei de Arbitragem (Lei 13.129/15) determina em seu art. 2º, §3º que as controvérsias envolvendo a Administração Pública, seja ela direta ou indireta, observarão o princípio da publicidade. Por último, no tocante ao receio alimentado pelo Estado brasileiro em razão das condenações a países americanos, necessário levantar alguns pontos que demonstram ser equivocado tal presunção. Conforme apontam certos juristas28 , a qualidade técnica das decisões arbitrais que condenaram tais Estados resulta da observância, com extremo vigor, das disposições materiais presentes nos Tratados de Investimento, razão pela qual não se pode culpar a arbitragem, já que geralmente refletem os termos do acordo firmado entre Estados. Neste sentido, a arbitragem não limita a soberania Estatal. O melhor exemplo a ser citado é o da República Argentina. Em decorrência da crise que afetou o país no início do século, mais de 43 arbitragens foram registradas no Centro29, com várias condenações já impostas. Não obstante, continua sendo signatária da Convenção CIRDI e assinando Tratados Bilaterais em que há previsão ao recurso da Cf. FRANCK, Susan e WYLIE, Lindsey. ​Predicting Outcomes in Investment Treaty Arbitration (2015; p.467 e ss). In: ​Duke Law Journal, Vol. 65, p.459; 27 VICENTE, Dario Moura. ​Os mecanismos de Resolução de Litígios entre Estados e investidores na perspetiva europeia: Desenvolvimentos recentes, In: ​Revista da Ordem dos Advogados, ano 74, Vol. III/IV, 2014; O sítio ​www.italaw.com​ , por exemplo, dedica espaço a este tipo de arbitragem; 28 COSTA; LUÍZ. ​Republicas Bolivarianas e o ICSID: Será que o inimigo não é outro?. In: ​Anuario Mexicano de Derecho Internacional, Vol. XVI, p. 5; 29 LOPEZ, ​Smart Move: Argentina to Leave the ICSID, 1 Cornell Int’l L.J., Online 121, (2013); 26

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Arbitragem30. Por esta razão, tal receio por parte do Governo Brasileiro não pode ser admitido como um obstáculo à utilização da arbitragem. Partindo para a análise dos ACFI’s, verifica-se que o Estado Brasileiro fundamenta sua priorização face aos APPRI’s em razão de três pilares fundamentais, quais sejam: a) mitigação de riscos; b) governança institucional; e c) agendas temáticas para cooperação e facilitação de investimentos. Quanto ao primeiro pilar, se comparado com os tradicionais ​BIT’s, não há qualquer inovação. A mitigação de riscos deriva das garantias assumidas pelos Estados em promover tratamento igualitário entre o investidor estrangeiro e o nacional, ou em relação a estrangeiro de Estado terceiro, bem como a não discriminação. Igualmente, impõe critérios para que a expropriação seja considerada legítima (fundada em interesse público, mediante compensação, de maneira não discriminatória e somente após o devido processo legal)31 . Relativamente à governança institucional, prevê o ACFI a criação de pontos focais (​onbudsmen32 , na origem da palavra) em cada Estado parte e um comitê conjunto (formado por representantes de cada Estado contratante), sendo estes órgãos considerados o núcleo institucional do Acordo. Em síntese, os primeiros funcionam como conciliadores e intermediadores no surgimento de impasses entre Estado receptor e investidores. Já o Comitê Conjunto funciona como supervisor e fomentador de investimentos no território da outra parte. Apesar de ser um sistema que traz benefícios ao relacionamento entre particulares e Estado receptor, tanto o ponto focal, quanto o Comitê conjunto, não tem o condão de resolver as controvérsias que possam surgir na relação, mas apenas estimular o diálogo entre as partes para evitar um oneroso litígio. E não sendo este o caso, restam duas opções: recorrer ao Judiciário do Estado receptor ou à proteção diplomática. O ACFI Brasil - Moçambique, por exemplo, impõe o diálogo e, caso não seja solucionável, apenas admite a arbitragem entre os Estados33. Desta

Conforme Art. 14(2) do ​BIT Argentina Quatar. http://investmentpolicyhub.unctad.org/Download/TreatyFile/5383​, acessado em 06/03/2017; 31 A exemplo do art. 7º do Acordo de Cooperação e Facilitação de Investimentos entre Brasil e Chile http://investmentpolicyhub.unctad.org/Download/TreatyFile/4713​, acessado em 09/02/2017; 32 Sistema criado pela Agência Coreana de Promoção de Investimentos, em 1999. http://ombudsman.kotra.or.kr/eng/au/poelb.do​, acessado em 21/01/2017; 33 No ACFI Brasil - Moçambique, Art. 15(6): “Caso não seja possível solucionar a disputa, as Partes poderão recorrer a mecanismos de arbitragem entre Estados a serem desenvolvidos pelo Comitê Conjunto, quando julgado conveniente entre as Partes.”; 30

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feita, retira do investidor a autonomia de demandar em via arbitral. Há, também, os Acordos que impõem o exaurimento da via administrativa, criando obstáculos inacabáveis ao particular. Por último, menciona-se a respeito das agendas temáticas para cooperação e facilitação dos investimentos. A nosso ver, o crescimento de investimentos estrangeiros num Estado decorre naturalmente do fornecimento de um ambiente jurídico e politicamente estável. Somam-se a estes fatores as garantias que possam ser oferecidas pelo Estado receptor como forma de atrativo, dentre as quais destacamos a submissão do Estado à arbitragem mista. Não vislumbramos, portanto, justificativas plausíveis que possam dar sustento a opção do Estado brasileiro em rejeitar a utilização da arbitragem como forma de proteção para o investidor brasileiro. 3 Consequências práticas à utilização deste modelo. Inicialmente, cabe destacar que as consequências à adoção dos ACFI’s pelo Estado brasileiro promoverão reflexos em investimentos internos (por parte de empresas estrangeiras) e externos (empresas nacionais). De início, verificar-se-á perante o investidor brasileiro a inobservância do padrão internacionalmente reconhecido de tratamento da nação mais favorecida (​most favoured nation), cuja finalidade é assegurar que o investidor do Estado contratante não receberá tratamento menos favorável que aquele conferido ao investidor de Estado terceiro, notadamente em atos expropriatórios que possam atingir um setor com diversos investimentos34. Em razão da impossibilidade de recorrer à arbitragem, restará ao investidor brasileiro que atue em Moçambique, por exemplo, utilizar das Cortes Judiciais. Ademais, o fato de excluírem a utilização de arbitragens mistas poderá ocasionar o aumento da prática deste atos, já que sua confrontação por parte do investidor implicará na submissão da questão ao Judiciário local ou à Proteção Diplomática, meios que demandam tempo e são incertos juridicamente falando. Por outro lado, a imposição da via judicial pelo Estado Brasileiro poderá resultar na diminuição de investimentos, seja pelo consentimento universal de que a arbitragem é o meio primário de resolução nas relações transfronteiriças deste tipo, seja pelo aumento do 34

DOLZER; SCHREUER, (2008: p.186);

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risco de insucesso da operação diante de uma recessão econômica tão intensa como a atualmente vivida pelo Estado. Ademais, ainda que se adote uma nova abordagem sobre tais relações com a utilização de meios comunicativos, a exemplo dos pontos focais, é necessária a previsão de um meio de solução de controvérsias eficaz. A É tanto que a Coreia do Sul, primeiro país a implantar o sistema do ​onbudsmen, permanece sendo signatária da Convenção CIRDI, sem prejuízo de outras Câmaras arbitrais. CONCLUSÃO Embora a arbitragem seja reconhecidamente o meio primário de resolução de controvérsias nas relações transfronteiriças, sejam elas entre particulares ou entre particulares e Estados e/ou Empresas Estatais, tal instituto tem sido tratado com certa desconfiança pelo Governo Brasileiro há décadas. Na contramão da evolução que se verifica mundo a fora, o Estado permanece relutante em aderir a Convenção de Washington ou até mesmo ratificar os Tratados já firmados com outros Estados. Estranhamente, a aplicação deste novo modelo se deu poucos meses antes da entrada em vigor da nova Lei de Arbitragem (Lei 13.129/15), que veio a sedimentar a possibilidade de utilização do instituto pela Administração Pública. Acreditamos que, com o tempo, o ACFI se mostrará sem resultados, já que não traz nenhum benefício realmente inovador se comparado com os Tratados já amplamente utilizados. Ademais, pelo histórico brasileiro no tocante aos Acordos bilaterais, é capaz de sequer serem ratificados. Por fim, conforme restou demonstrado, a omissão do termo “proteção” se justifica, na medida que supre do particular a mais eficiente forma de resguardar seus direitos.

BIBLIOGRAFIA ALVAREZ​, José E. ​Tratados Bilaterais de Investimento: A BIT on custom, In: ​Direito Internacional dos Investimentos, Editora Renovar, 2014; BISHOP​, R. Doak; ​CRAWFORD​, James; ​REISMAN​, W. Michael. ​Foreign Investment Disputes, Kluwer International Law, 2005; COSTA​, José A. Fontoura, ​Direito Internacional do Investimento Estrangeiro, Tese de Doutorado, USP 2008; COSTA​; José Augusto Fontoura; ​LUÍS, Daniel Tavela. ​Republicas Bolivarianas e o ICSID: Será que o inimigo não é outro?. In: ​Anuario Mexicano de Derecho Internacional, Vol. XVI, 2016;

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CRETELLA NETO​, José. ​Contratos Internacionais – Cláusulas Típicas, Editora Millennium, 1º Ed., 2011; DOLZER, Rudolf; ​SCHREUER​, Christoph. ​Principles of International Investment Law, Oxford University Press, 2008 GARCIA-MOURA​, Manuel R. ​The Calvo clause in Latin American Constitutions and International law, In: Marquette law review, vol. 133, nº 34, 1950; FRANCK​, Susan e WYLIE, Lindsey. ​Predicting Outcomes in Investment Treaty Arbitration. In: ​Duke Law Journal, Vol. 65, 2015; JACQUET​, Jean-Michel; DELEBECQUE, Phillipe; e CORNELOUP, Sabine. ​Droit du Commerce International, Editora Dalloz, 2ª Ed., 2010; KLYKOVA​, Kristina. ​Features of International Investment Arbitration, In: ​Direito Internacional dos Investimentos, Editora Renovar, 2014; LOPEZ​, Oscar. ​Smart Move: Argentina to Leave the ICSID, 1 Cornell Int’l L.J., Online 121, 2013; MANIRUZZAMAN​, A. F. M., ​State Contracts with Aliens: The question of Unilateral Changes by State in Contemporary International Law, In: J​ ournal of International Arbitration, Vol. 9, nº 04, 1992; MELENDEZ​, Raffo Velásquez. ​Expropriación Indirecta, In: ​Revista IUS ET VERITAS, n° 46, Julio 2013; MELO​, Amauri Sales de. Os contratos internacionais do petróleo firmados com Entes públicos numa perspectiva luso-brasileira, Dissertação de Mestrado, FDUL, 2016; SORNAJARAH,​ M. ​The International Law on Foreign Investment, Cambridge University Press, Second Editon, 2007; VICENTE​, Dario Moura. ​Os Mecanismos de Resolução de Litígios entre Estados e investidores na perspetiva europeia: Desenvolvimentos Recentes, In: ​Revista da Ordem dos Advogados, ano 74, Vol. III/IV, 2014;

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