Breves considerações sobre a intervenção anômala da União

July 22, 2017 | Autor: Rodrigo Becker | Categoria: Civil Procedure, Direito Processual Civil, Diritto Processuale Civile, Processo Civil
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BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DO INSTITUTO DA INTERVENÇÃO ANÔMALA DA UNIÃO, PREVISTO NO ARTIGO 5º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N. 9.469/97

Rodrigo Frantz Becker Mestrando em Direito Público pela UNB. Professor de Processo Civil. Conselheiro da OAB-DF. Co-autor do livro “Direito Processual Civil – Série Advocacia Pública”

1. Generalidades A Lei n. 9.469/1997 trouxe uma forma de intervenção diversa de qualquer outra regulamentada na legislação brasileira. Trata-se da intervenção anômala da União, que confere a possibilidade de ingresso em qualquer processo, desde que haja interesse econômico. Eis o teor do parágrafo único do artigo 5º do referida diploma: “Art. 5º A União poderá intervir nas causas em que figurarem, como autoras ou rés, autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas federais. Parágrafo único. As pessoas jurídicas de direito público poderão, nas causas cuja decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica, intervir, independentemente da demonstração de interesse jurídico, para esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados úteis ao exame da matéria e, se for o caso, recorrer, hipótese em que, para fins de deslocamento de competência, serão consideradas partes.”

É possível constatar que o mote que orienta esta prerrogativa é a ausência de interesse jurídico e a existência de interesse meramente econômico da interveniente. Trata-se de circunstância que deve ser obrigatoriamente constatada pelo juiz, sob pena do ingresso se transformar em legítima assistência. Detentor de uma visão crítica do instituto, Fredie Didier (2010, p. 398), de saída, defende a inconstitucionalidade do dispositivo legal, na medida em que apenas se admite a intervenção dos entes públicos. Dessa forma, há um tratamento desigual dos particulares, já que estes apenas estão autorizados a intervir num processo se tiverem interesse jurídico na demanda1. Entretanto, é de se destacar que o Supremo Tribunal Federal tem acórdão em que admitiu o ingresso da União como interveniente anômala, porquanto provado o interesse econômico na causa (RE 415454/SC, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 25/10/2007). Assim, num primeiro momento, a Corte não pareceu corroborar a opinião de Didier. 1

No mesmo sentido, Luiz Paulo da Silva Araújo Filho (2006, p. 189/190).

De acordo com o texto legal, o interveniente recebe o processo no estado em que se encontra e seus poderes se limitam a esclarecer questões de fato e de direito, sendo possível a juntada de documentos e a apresentação de memoriais. Nesse ponto, Leonardo José Carneiro da Cunha (2007, p. 151/152) procede a uma interpretação literal do dispositivo e afirma que não tem o interveniente, por exemplo, “poderes para, por exemplo, formular perguntas a qualquer das partes em seu depoimento pessoal, reinquirir testemunhas em audiência ou praticar quaisquer outros atos que não consistam no esclarecimento de questões de fato e de direito”. Outro ponto relevante é que não se trata de instituto de uso exclusivo da União. O Superior Tribunal de Justiça, em julgado que examinou a exposição de motivos da medida provisória que deu origem à Lei n. 9.469/1997, assentou que esta modalidade de intervenção não é exclusiva da União, podendo ser utilizada também pelos Estados, Distrito Federal, Municípios e até mesmo por autarquias (AgRg na Pet 4.861/AL, Rel. p/ Acórdão Min. Luiz Fux, DJ 22/03/2007). A referida Corte Superior, abordando os poderes conferidos pelo instituto, também pacificou o entendimento de que o ente interveniente tem legitimidade, ainda, para ajuizar suspensão de segurança (AgRg na Pet 1621/PE, Rel. Min. Nilson Naves, DJ 14/04/2003). Todavia, algumas celeumas são encontradas acercas da intervenção anômala da União, notadamente quanto a sua diferenciação para a assistência, e quanto à competência para o seu julgamento. 2. Diferença entre a Assistência, o Amicus Curiae e a Intervenção Anômala A confusão se instala na doutrina e, principalmente, na prática forense, quando se trata de delimitar a qualidade na qual a União intervém no processo, nos termos da Lei n. 9.469/1997. Em interessante julgado, o Superior Tribunal de Justiça afirmou ser tal intervenção verdadeira hipótese de assistência (AgRg no REsp 1137243/SC, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 08/04/2010). No Supremo Tribunal Federal também há julgado que assevera tratar-se de assistência simples (CR 9790/EU, AgR-ED, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 02/08/2002). Todavia, entende-se ser difícil comungar deste entendimento, haja vista a ausência do principal elemento configurador que autoriza a admissão de um assistente em uma demanda, qual seja, o interesse jurídico2. A intervenção anômala, como salientado, por outro lado, pressupõe o mero interesse econômico. Nesse sentido, a lição de Athos Gusmão Carneiro (2003): “Como se verifica, de conformidade com o caput, resultou mantida a possibilidade (não a obrigatoriedade) de a União intervir nas causas em que seja parte entidade da Administração indireta, sem necessidade de demonstrar interesse estritamente jurídico em que a sentença venha a ser favorável à entidade assistida. Com efeito, se existente o interesse jurídico, o caso estaria já subsumido nas previsões do Código Processual Civil.” 2

No mesmo sentido do nosso pensamento, Leonardo José Carneiro da Cunha (2007, p. 153).

A conclusão parece apropriada. Se fosse o caso de assistência, não seria necessária a previsão do instituto da intervenção anômala para a admissão da União. Bastaria ao ente público requerer o ingresso no processo com fundamento nos arts. 50 a 55 do Código de Processo Civil, na qualidade de assistente. No ponto, convém ter presente o brocardo de que “não se presumem, na lei, palavras inúteis”, sobre o qual assim pontifica o mestre da hermenêutica jurídica Carlos Maximiliano (2006, p. 204): “‘Não se presumem, na lei, palavras inúteis.’ Literalmente: ‘Devem-se compreender as palavras como tendo alguma eficácia.’ As expressões do Direito interpretam-se de modo que não resultem frases sem significação real, vocábulos supérfluos, ociosos, inúteis. Pode uma palavra ter mais de um sentido e ser apurado o adaptável à espécie, por meio do exame do contexto ou por outro processo; porém a verdade é que sempre se deve atribuir a cada uma a sua razão de ser, o seu papel, o seu significado, a sua contribuição para precisar o alcance da regra positiva. Este conceito tanto se aplica ao Direito escrito, como aos atos jurídicos em geral, sobretudo aos contratos, que são leis entre as partes. Dá-se valor a todos os vocábulos e, principalmente, a todas as frases, para achar o verdadeiro sentido de um texto; porque este deve ser entendido de modo que tenham efeito todas as suas provisões, nenhuma parte resulte inoperativa ou supérflua, nula ou sem significação alguma.”

Assim, como foi editado o art. 5º, parágrafo único, da Lei n. 9.469/1997, deve-se ter presente que não se tratou de uma medida inútil e desnecessária, mas, pelo contrário, se procurou preencher uma determinada lacuna existente no direito processual, sobretudo para que os entes públicos tenham à mão uma medida capaz de impedir, já no processo originário, que um prejuízo financeiro a eles seja constituído. Afora esse aspecto, para ser configurada uma intervenção de terceiro como assistência, a regra jurídica constante do CPC é clara: é imperiosa a existência de interesse jurídico, ainda que indireto. A intervenção anômala, como dito, pressupõe o mero interesse econômico. Mais uma consideração se faz necessária. Como visto, ao ingressar numa demanda em razão de um interesse econômico, os poderes detidos pela União não se assemelham ao de uma parte processual. Assim, não pode o ente público ser considerado um assistente litisconsorcial, que, pelos termos do Art. 54. Considera-se litisconsorte da parte principal o assistente, toda vez que a sentença houver de influir na relação jurídica entre ele e o adversário do assistido. Nelson Nery Júnior e Rosa Nery (2004, p. 487) afirmam que a assistência litisconsorcial assemelha-se a uma "espécie de litisconsórcio facultativo ulterior, ou seja, o assistente litisconsorcial é todo aquele que, desde o início do processo, poderia ter sido litisconsorte facultativo-unitário da parte assistida". Cumpre indagar, ainda, se poderia a União ser considerada um assistente simples? A reposta também é negativa, na medida em que lhe falta (i) o interesse jurídico indireto

típico desta forma de assistência; e (ii) a possibilidade de se utilizar das mesmas medidas do assistente adesivo3. O Supremo Tribunal Federal, em outro julgado, parece ter acolhido a posição que defendemos de que a intervenção anômala não se confunde com a assistência. Confirase o seguinte trecho de acórdão da Corte: “Ainda que o acolhimento do pleito do autor, ora recorrido, possa repercutir, em tese, jurídica ou economicamente, na relação mantida entre a concessionária e a Anatel - contrato de concessão, a exigir eventual ajuste nas bases da própria concessão, é certo que esta repercussão não decorre diretamente do resultado individual da presente lide e que o consumidor não mantém relação jurídica com a Anatel. Também não é da natureza da relação de consumo a participação direta de um ente fiscalizatório e normatizador. A situação trazida poderá, isto sim, configurar hipótese de assistência simples ou de intervenção anômala (art. 5.º, parágrafo único, da Lei 9.469/1997). Em qualquer dos casos, pela própria natureza dos institutos, a intervenção é espontânea.” (RE 571.572/BA, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 13.02.2009)

Ressalte-se que o interesse jurídico é essencial para o ingresso de terceiro na qualidade de assistente. Nesse sentido, entendeu o STJ, que o interesse meramente econômico não configura hipótese de cabimento da assistência (AgRg na RCDESP no REsp 735.314/RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 02/03/2010) Portanto, no momento em que a lei autoriza o ingresso da União, em causas nas quais detém mero interesse econômico, esta intervenção não pode ser entendida como assistência, seja simples ou litisconsorcial, mas como verdadeira forma autônoma de intervenção. Vale ressaltar a posição de Athos Gusmão Carneiro (2003), para quem o ingresso da União alicerçado no art. 5º, parágrafo único, da Lei n. 9.469/1997, configura espécie de amicus curiae: “Vê-se, assim, que a atípica “intervenção de terceiro”, prevista no art. 5.º, par. ún., da Lei 9.469/97, apresenta-se em verdade como uma peculiar modalidade de ingresso do amicus curiae na relação processual, ao qual é facultado, por mero interesse mediato e de natureza econômica, apresentar alegações em favor do “assistido” autarquias, fundações públicas, empresas públicas federais, sociedades de economia mista federais -, e juntar documentos e memoriais. Cremos, no entanto, que o exercício da faculdade, pelo amicus curiae de recorrer de decisão desfavorável, não implicará a assunção (a seu nuto!) da posição de “parte” e o “deslocamento de competência” para a Justiça Federal, ante a enumeração taxativa, não ampliável, constante do art. 109, I, da CF/1988.”

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O assistente simples pode utilizar todas as medidas de uma parte, desde que não sejam colidentes com os interesses do assistido.

Não obstante a envergadura da tese demonstrada, não há como caracterizar a intervenção anômala da União como hipótese de amicus curiae, pelo simples fato de a lei ter outorgado à União a possibilidade de, caso interponha recurso, se tornar parte no processo. O amicus curiae jamais será parte e não pode recorrer, salvo da decisão que indefere a sua admissão no feito4. No mesmo sentido aqui defendido, Araújo Filho (2006, p. 174) afirma que não se pode confundir as figuras, pois “a intervenção não se faz para auxiliar a Corte em matéria de relevante interesse público; esse conceito transborda o fim do dispositivo, que se limita à defesa de interesses pecuniários das pessoas jurídicas de direito público, nas causas cujas decisões possam trazer-lhes reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica”. Ademais, a intervenção anômala não depende de autorização do magistrado para ocorrer, enquanto o ingresso do amicus curiae depende obrigatoriamente de expresso deferimento do juiz da causa. Interessante são as ponderações de Regina Helena Costa (apud ARAÚJO FILHO, 2006, p. 172), ao asseverar que a previsão do art. 5º, parágrafo único, da Lei 9.469/97 não tem sentido, porquanto “se não há interesse jurídico não há é possível a intervenção de quem quer que seja. Mas, mesmo assim a lei criou essa figura”. Também críticos são Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2004, p. 226), afirmando tratar-se de uma assistência anômala, verdadeiramente teratológica, sendo de difícil sistematização no ordenamento jurídico processual. Bem ou mal, certo ou errado, a lei permanece íntegra e válida, tendo sido inclusive mencionada em precedentes da Suprema Corte, razão pela qual não cabe modificar aquilo que pretendeu o Poder Legislativo, simplesmente, por se divergir do significado de seus termos. Conforme as palavras do Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, “sendo o direito uma verdadeira ciência, impossível é confundir institutos, expressões e vocábulos, sob pena de prevalecer a babel.”5 Logo, descabe transmudar a figura de interveniente anômala da União para uma assistência, seja na modalidade simples ou litisconsorcial, ou para um amicus curiae, quando, em verdade, o legislador lhe conferiu contornos próprios que a diferem dos demais institutos jurídicos6. Nesse sentido, afigura-se pertinente concluir que a intervenção anômala da União, regulada pelo art. 5º, parágrafo único, da Lei n. 9.469/1997, configura verdadeira modalidade de intervenção diferenciada, que não se assemelha a nenhuma outra intervenção existente no ordenamento jurídico e, por tal razão, assim deve ser tratada. 3. Competência É certo que, em regra, quando a União ingressa em uma determinada lide como terceiro interveniente, a competência para apreciação do feito automaticamente se desloca da Justiça Estadual para a Justiça Federal. Isso se deve à regra prevista no artigo

STF – Plenário – ADI n. 2.359 ED-AgR/ES – Rel. Min. Eros Grau – DJU 27.8.2009. STF - Primeira Turma - RE n. 590.779/ES - Rel. Min. Marco Aurélio - DJU 26.3.2009. 6 Com o mesmo pensamento, muito embora criticando o dispositivo, Araújo Filho (2006, p. 195). 4 5

109 da Carta Magna, que prevê competir ao Poder Judiciário Federal apreciar as causas nas quais a União figure como parte. Contudo, com a edição da Lei n. 9.469/1997, emerge uma questão intrigante: a quem compete processar e julgar um processo que tramita perante a Justiça Estadual, caso a União, nos fundamento na referida lei, intervenha na causa? De início, consoante a Súmula 150/STJ, caberia à Justiça Federal analisar o processo a partir do ingresso da União no processo, tendo em vista, sobretudo, a literalidade do texto constitucional. Todavia, tal enunciado foi editado anteriormente à promulgação da Lei n. 9.469/1997 e não trata da intervenção anômala. O Supremo Tribunal Federal, nos idos dos anos 70, julgando causa em que a União requereu seu ingresso em um processo, entendeu que a competência para julgar tal processo não era da Justiça Federal, na medida em que o referido ingresso não tinha interesse jurídico. Destarte, entendeu a Corte que, na ausência de interesse jurídico, a competência não seria deslocada (RE 75352/SP, Rel. Min. Xavier De Albuquerque, DJ 29/06/1973). Resumindo o entendimento do Excelso Pretório, Luiz Paulo da Silva Araújo Filho (2006, p. 159), em excelente trabalho sobre o tema, afirma que “na jurisprudência do Excelso Supremo Tribunal Federal “assistência ad adjuvandum” passou a significar, a rigor, e acima dos termos confusamente empregados, assistência que não provoca o deslocamento da competência para a Justiça Federal, por inexistir interesse jurídico da União”. Atualmente, a parte final do parágrafo único do art. 5º do referido diploma, a qual confere poder recursal à União quando intervém de forma anômala, leva a crer que apenas após a interposição do recurso é que ocorrerá o deslocamento da competência da Justiça Estadual para a Federal. Isso porque, notadamente, é a partir desse momento que se considera a União7 parte do processo. Vale novamente conferir o texto do dispositivo legal: “Art. 5º. [...] Parágrafo único. As pessoas jurídicas de direito público poderão, nas causas cuja decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica, intervir, independentemente da demonstração de interesse jurídico, para esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados úteis ao exame da matéria e, se for o caso, recorrer, hipótese em que, para fins de deslocamento de competência, serão consideradas partes.”

De antemão, soa juridicamente estranho ter a lei apenas considerado a União parte da relação processual após a interposição de recurso. Leonardo Carneiro da Cunha (2007, p. 154) critica a atipicidade da previsão legal. Segundo o autor, a legitimidade recursal estatuída é insólita e acaba por ampliar o rol dos legitimados a recorrer,

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Fala-se da União, mas poderia ser ainda qualquer de suas autarquias. Não há esta discussão se o interveniente for Estado ou Município, porque aí não há deslocamento de competência, porquanto o processo, em regra, já corre na Justiça Estadual.

regulado pelo art. 499 do CPC, na medida em que o dispositivo confere o direito de recurso a quem não é parte, terceiro interessado ou, muito menos, Ministério Público. Fredie Didier (2010, p. 399), por sua vez, defende ser inconstitucional o deslocamento da competência do processo, após a interposição do recurso pela União, quando esteja a ação tramitando na Justiça Estadual8. Assim o faz, assentando que a Constituição Federal, no art. 108, inciso II, ao dispor expressamente sobre a competência dos Tribunais Regionais Federais para julgar causas oriundas da Justiça Estadual, não trouxe esta previsão. Por tal razão, conclui Didier que o recurso deveria ser julgado pelo Tribunal de Justiça Estadual9. No mesmo sentido, também é a lição de Athos Gusmão Carneiro: “Constata-se, d.v., uma profunda incongruência no dispositivo do parágrafo único. Não se concebe, em raciocínio lógico, como o simples exercício da faculdade de recorrer venha a mudar a “natureza processual” da intervenção da pessoa jurídica de direito público: tal pessoa não figurava como “assistente”, tanto assim que a causa corria na Justiça estadual; mas subitamente, pelo simples exercício da faculdade de recorrer, vem a tornar-se assistente (o interesse “de fato” transmuta-se em “interesse jurídico”?), dando então motivo ao deslocamento de competência. A deferir tais efeitos processuais à intervenção do atípico “assistente”, estar-se-ia criando a situação aberrante de permitir à pessoa jurídica de direito público, que sequer teria interesse jurídico para intervir como assistente, fixar a competência para a causa pelo mero exercício da faculdade de recorrer, com ofensa à regra basilar do respeito ao “juiz natural”.”

O Superior Tribunal de Justiça, inicialmente, entendeu que a interposição de recurso por autarquia federal contra sentença proferida por Juiz Estadual implicaria o deslocamento de competência, devendo tal inconformismo ser julgado pelo TRF (CC 38790/RS, Rel. p/ Acórdão Min. Teori Albino Zavascki, DJ 10/11/2003). Na mesma linha, o egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região, afirmou que “formulado o pedido de assistência simples por parte da União, nos termos do art. 5º da Lei 9.469/67, resta configurada a intervenção anômala da União, estando absolutamente incompetente a Justiça Estadual para julgamento da presente lide. E, por força da Súmula 150 do Superior Tribunal de Justiça, cabe unicamente à Justiça Federal avaliar tal interesse, decisão esta que, se indeferida a intervenção da União pelo Juízo Federal, não poderá ser reexaminada pelo Juízo Estadual, nos moldes da Súmula 224 do STJ” (AC 2005.51.01.025422-1, Rel. Desembargador Federal Guilherme Calmon Nogueira da Gama, DJU - Data::15/09/2009). Entretanto, recentemente, o STJ exarou entendimento em sentido diverso, afirmando que “conquanto seja tolerável a intervenção anódina da União plasmada no art. 5º da Lei nº 9.469/97, tal circunstância não tem o condão de deslocar a competência para a Justiça Federal, o que só ocorre no caso de demonstração de legítimo interesse

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Também Cássio Scarpinella Bueno comunga desse entendimento (2003, p. 173) No mesmo sentido, Leonardo Carneiro da Cunha (2007, p.156/157).

jurídico na causa, nos termos dos arts. 50 e 54 do CPC/73” (REsp 1.097.759/BA, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 01/06/2009). Nesse sentido, o STJ afastou a incidência da parte final do parágrafo único do artigo 5º da Lei n. 9.469/1997. Todavia, o fez sem proclamar a inconstitucionalidade do trecho do dispositivo10. Por derradeiro, vale ressaltar a solução de Araújo Filho (2006, p. 203), para quem a competência somente seria deslocada para a Justiça Federal, caso a União demonstrasse interesse jurídico, configurando efetivo caso de recurso de terceiro prejudicado. 4. Considerações finais Tanto a natureza como a própria constitucionalidade do instituto da intervenção anômala da Fazenda Pública, estabelecida pelo artigo 5º, parágrafo único, da Lei n. 9.469/1997, estão longe de ser uma unanimidade, seja na doutrina, seja nos Tribunais. Todavia, não se pode deixar de observar a importância da inovação legislativa. Conferiu-se à União e aos demais entes federados uma medida capaz de impedir prejuízos aos entes públicos. É que, ao viabilizar o ingresso de tais entes numa determinada demanda, mesmo sem interesse jurídico, a lei evitou a necessidade de se aguardar o trânsito em julgado de uma causa para que, verificado o prejuízo, fosse ajuizada ação contra os responsáveis. Com a intervenção anômala, os entes públicos têm à mão uma medida capaz de impedir, já no processo originário, que o prejuízo financeiro seja constituído. É certo que se conferiu uma prerrogativa exclusiva às Fazendas Públicas, já que a intervenção anômala não foi estendida aos particulares. Contudo, a medida se justifica em razão da prevalência do interesse público sobre o interesse particular. Isso já ocorrera, por exemplo, no instituto da Suspensão de Segurança, jamais tendo sido proclamado inconstitucional. Por outro lado, esta modalidade de intervenção anômala difere-se de qualquer instituto jurídico que regule o ingresso de terceiros no processo. Trata-se, assim de figura singular, que possui características e regramentos próprios e que deve assim ser compreendido.

ARAÚJO FILHO, Luiz Paulo da Silva. Assistência e Intervenção da União, Rio de Janeiro: Forense, 2006. BUENO, Cássio Scarpinella. Partes e Terceiros no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003. CARNEIRO, Athos Gusmão. Da intervenção da UNIÃO FEDERAL, como amicus curiae. Ilegitimidade para, nesta qualidade, requerer a suspensão dos efeitos de 10

Tal conduta pode, inclusive, ser considerada contrária ao que enunciado na Súmula Vinculante n. 10 do Supremo Tribunal Federal, que possui o seguinte teor: “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.”

decisão jurisdicional. Leis 8.437/92, art. 4.º, e 9.469/97, art. 5.º in REPRO 111/243, Jul-Set/2003. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo, 5ª edição. São Paulo: Dialética, 2007. DIDIER JR., Fredie Didier. Curso de Direito Processual Civil, volume 1, 12ª edição, Salvador: Jus Pudium, 2010. MARINONI , Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, 19ª edição, São Paulo: Forense, 2006, p. 204. NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil e Legislação Extravagante, 8ª edição. São Pulo: Revista dos Tribunais, 2004.

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