BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE COLUSÃO TÁCITA E O NOVO E PRELIMINAR GUIA DE ANÁLISE DO CADE

June 6, 2017 | Autor: Rodrigo Cavalcanti | Categoria: Competition Law, Direito Concorrencial, Direito da Concorrência
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BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE COLUSÃO TÁCITA E O NOVO E PRELIMINAR GUIA DE ANÁLISE DO CADE

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade – lançou, no dia 16 deste mês, a versão preliminar do Guia de Análise de Ato de Concentração Horizontal. O documento está disponível para contribuição da sociedade de eventuais sugestões e, conforme salienta o órgão em seu site, "seu objetivo é dotar de maior transparência a análise feita pelo órgão; orientar o poder público a empregar as melhores práticas de concorrência sobre o assunto; e auxiliar os agentes de mercado a compreender as etapas, técnicas e critérios adotados pelo Cade em processos de análise de ACs horizontais".
Uma das mudanças que pretendemos salientar deste Guia em relação ao anterior de 2001 é que, no atual, o Cade cita explicitamente a possibilidade de colusão tácita, ou coordenação tácita, como de impacto negativo no bem-estar dos consumidores (parágrafos 127 e 165).
Expõe, também, como uma preocupação do Conselho a possibilidade das concorrentes, após determinada fusão horizontal, seguirem um determinado padrão de comportamento, então, na realidade, se "acomodando" ao novo equilíbrio de mercado podendo ter preços mais elevados e inclusive maior demanda. Assim, como diz o parágrafo 131, caso as requerentes queiram se utilizar do argumento de rivalidade de forma a corroborar sua tese pela aprovação do Ato de Concentração, terão que demonstrar que tal efeito de acomodação não se verificará no mercado, em termos de preços e de volume, pelos seus rivais. Assim, o argumento de rivalidade, caso seja utilizado, deve demonstrar que haverá, por parte das concorrentes, um reposicionamento de seus produtos, acarretando a manutenção do nível de oferta ou até aumento do nível de oferta, a preços pré-operação.
Entendemos esses como pontos preciosos do novo Guia preliminar já que, apesar da possibilidade de colusão tácita não estar muito presente ou, se presente, não ser muito relevante na imensa maioria dos casos julgados pelo Cade para a negação ou imposição de restrições de determinado ato de concentração, a consideração no Guia desta forma de atuação no mercado – colusão tácita –, muito relacionada com o oligopólio, já é um grande avanço para a política de defesa da concorrência brasileira.
Uma questão que merece consideração diz respeito ao subcapítulo 2.7., intitulado "Efeitos coordenados", no qual o Cade, para verificar-se a presença de características no mercado que favoreçam condições à coordenação, como consenso entre agentes, estabelece como medida o "cálculo do market share agregado das N maiores empresas do mercado ("Concentration Ratio N" ou CRn). Por exemplo, caso verificada que a concentração aumenta o índice CR4 (market share agregado das 4 maiores empresas do mercado), tornando-o igual ou superior ao patamar de 75%, deve-se aprofundar a análise sobre a possibilidade de a operação permitir ou não exercício abusivo de poder coordenado" (par. 169).
A nossa crítica caminha no sentido do Conselho ter estabelecido prelação ao índice CR4 ao invés do Herfindahl-Hirschman Index – HHI – no momento do cálculo das possibilidades de realização de efeitos coordenados entre os concorrentes.
Isso porque, vale salientar, o Cade optou por definir parâmetros diversos em momentos cuja proximidade de efeitos é evidente. Dizemos isso pois, ao mesmo tempo em que a probabilidade de existência futura de efeitos coordenados é analisada através do índice CR4, no momento de se definir sobre o grau de concentração dos mercados, ou seja, da existência de oligopólios, o Guia refere-se à utilização do HHI, estabelecendo, no parágrafo 90, da seguinte forma: (i) Mercados desconcentrados: com HHI abaixo de 1500 pontos; (ii) Mercados moderadamente concentrados: com HHI entre 1.500 e 2.500 pontos; (iii) Mercados altamente concentrados: com HHI acima de 2.500.
A utilização específica do CR4 para a análise da possibilidade de efeitos coordenados, portanto, para nós, evidencia uma incoerência em face do índice (HHI) de estabelecimento do oligopólio, principalmente por dois motivos.
Como motivo, nos apoiamos em Richard Posner no seguinte:
"Se cada uma das quatro maiores empresas tem 20% do mercado e uma margem de dez menores vendedores com 2% cada, o Herfindahl seria 1.640. Essa é uma melhor medição de concentração do que a relação de concentração de quatro empresas ou oito empresas, porque inclui informação sobre todas as empresas no mercado, não só as maiores, e isso é importante para avaliar a probabilidade de conluio de preços. O Herfindahl, assim, fornece peso (negativo) à existência da margem de pequenos vendedores, o que, conforme já sabemos, é condição de mercado hostil à colusão. Por exemplo: se, no exemplo anterior, em vez de uma margem de dez menores vendedores havia uma quinta empresa com 20%, o Herfindahl seria 2.000, indicando corretamente que esse mercado estava mais concentrado do que com uma margem de pequenos vendedores. Já o índice de concentração de quatro empresas dos dois mercados seria o mesmo (80%)". (tradução nossa; grifo nosso; POSNER, Richard A. Antitrust law. 2. ed. Chicago: The University of Chicago Press, 2001. E-Book)
Assim sendo, Posner informa com propriedade a vantagem comparativa de se utilizar o HHI em face do CR4, inclusive registrando que, para a análise de existência de colusão, premente é o uso do primeiro, já que a concentração de mercado – oligopólio, principalmente – é um dos maiores, se não o maior, motivo para a existência de atos colusivos. Portanto, a análise da concentração necessariamente teria que estar atrelada à análise da possibilidade de colusão, não se justificando o uso de índices diversos para condições tão estritamente relacionadas.
Dessa forma, além do HHI ser mais preciso na verificação da concentração de mercado, o próprio índice de concentração deve servir como aviso para uma maior atenção sobre o ato de concentração em questão a fim de se considerar provável a existência de atos colusivos, também tácitos. O CR4 continua, em minha opinião, conforme fundamentado por Posner, sem qualquer serventia à análise da colusão tácita ou da concentração de mercado.
A relação estrita entre colusão tácita e oligopólio já foi por mim trabalhada no livro "O Oligopólio no Estado Brasileiro de Intervenção Necessária". Nesta obra, urge salientar, indicamos a seguinte posição da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE):
"Colusão não envolve necessariamente um acordo explícito ou comunicação entre empresas. Em indústrias oligopolistas, empresas tendem a ser interdependentes em suas decisões de precificação e produção, de modo que as ações de cada uma impactam nas demais e resultam em uma resposta contrária por parte delas. Nessas circunstâncias, empresas oligopolistas podem levar as ações dos seus rivais em consideração e coordenar suas ações como se eles fossem um cartel sem um acordo explícito ou manifesto. Tal comportamento coordenado é frequentemente referido como colusão tácita ou paralelismo consciente". (grifo nosso; tradução nossa; OECD – ORGANISATION FOR ECONOMIC COOPERATION AND DEVELOPMENT. Glossary of industrial organization economics and competition law. Disponível em: . Acesso em: 10 ago. 2014, p. 21).
Ou, ainda, a posição de Bruno Drago:
Ao contrário do que se pode verificar em cartéis, donde se evidenciam acordos formais ou informais, o comportamento colusivo pressupõe, simplesmente, uma atitude econômico-racional de empresas em busca do objetivo maior inerente à moderna organização industrial capitalista: o lucro. [...] Dessa forma, em estruturas oligopolistas, empresas consideram as práticas empresariais de seus concorrentes, especialmente no que tange preço e produção, para fixação de sua própria política empresarial. Assim, empresas reconhecem, baseadas em estudos empíricos, sua estratégia dominante, ou em outras palavras, a melhor estratégia de preços ou produção em vista da estratégia de seus competidores. (grifo nosso; DRAGO, B. Proteção à concorrência: Cade deve ficar atento para o efeito dos oligopólios. Conjur. 21 out. 2012. Disponível em: . Acesso em: 5 nov. 2014)
E, também, a lição de Keith N. Hylton:
"Paralelismo consciente é um comportamento paralelo que aparece tipicamente em mercados com pequeno número de vendedores. Não é o resultado de um acordo explícito. Ocorre porque, num mercado com poucos vendedores, empresas levam em consideração a reação dos concorrentes quando decidem quanto produzir e qual preço definir. Embora seja difícil encontrar uma definição precisa, o termo paralelismo consciente se refere a uma forma de colusão tácita na qual cada empresa num oligopólio percebe que é do interesse de todo o grupo de empresas manter um preço alto ou evitar uma competição vigorosa de preços, e as firmas agem de acordo com essa realização." (tradução nossa; HYLTON, Keith N. Antitrust law: economic theory and common law evolution. New York: Cambridge University Press, 2003, p. 73)
Assim sendo, apesar de ser um avanço a referência à colusão tácita no Guia, ainda falta muito para se elevar o oligopólio e a colusão tácita ao real patamar da problemática que trazem à competitividade do mercado e ao bem-estar dos consumidores, e isso considerando que vivemos numa ordem econômica que constitucionalmente tem como finalidade garantir a existência digna a todos, em conformidade com os ditames da justiça social (art. 170, CF).

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