BREVES DIÁLOGOS ENTRE A BÍBLIA E O NOVO CPC

June 1, 2017 | Autor: Marcelo Mazzola | Categoria: Biblia, Princípios Jurídicos, Novo Código De Processo Civil Brasileiro
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BREVES DIÁLOGOS ENTRE A BÍBLIA E O NOVO CPC

José Roberto Sotero de Mello Porto e Marcelo Mazzola

Muitas passagens bíblicas permitem um paralelo com os mais variados campos do Direito. Há quem afirme, assim, que as normas de nosso ordenamento jurídico apresentam reflexos nos escritos sagrados.
Na seara criminal, por exemplo, estão estampadas no livro do Êxodo as leis concebidas por Deus ao povo hebreu (os notórios 10 mandamentos), muitas delas tipificando condutas previstas em nosso Código Penal ("Não cometerás homicídio"; "Não prestarás testemunho mentiroso contra teu próximo").
Em outro livro do Pentateuco, é destacada a necessidade de tratamento igualitário aos estrangeiros ("Amem os estrangeiros, pois vocês mesmos foram estrangeiros no Egito"), o que nos remete ao consagrado princípio da isonomia (art. 5º, caput, da CF). Além disso, é contada a história de um homem que, depois de coabitar com a mulher, passou a desprezá-la e difamá-la, sendo condenado ao pagamento de "cem siclos de prata", o que hoje caracterizaria uma indenização por danos morais.

Já no livro do Levítico, capítulo 18, é possível correlacionar os versículos 6 a 18 ("Nenhum homem se chegará a qualquer parenta da sua carne, para descobrir a sua nudez." (…) "Não descobrirás a nudez de teu pai e de tua mãe"; (…) "A nudez da tua irmã, filha de teu pai, ou filha de tua mãe, nascida em casa, ou fora de casa, a sua nudez não descobrirás") aos impedimentos de casamento, à luz do artigo 1521 do Código Civil. Vale apenas registrar que a expressão "descobrir a nudez" naquela época seria equivalente à disposição do casamento ilícito nos dias de hoje.
Especificamente no campo processual, objeto deste artigo, também é possível fazer paralelos entre narrativas bíblicas e princípios do Novo Código (NCPC). Em razão das dimensões reduzidas deste ensaio, citaremos apenas alguns exemplos, revelando que um trabalho de maior profundidade já está em andamento.
Sobre a prestação jurisdicional, o livro sagrado estabelece que os juízes não devem julgar com parcialidade, mas sim com justiça, devendo os veredictos serem essencialmente justos , o que está em perfeita sintonia com a preocupação do NCPC de que se tenha uma decisão de mérito justa e efetiva (art. 6º, in fine).
Além disso, o Novo Testamento, por meio da lição que São Paulo dá aos Coríntios (1 Cor 6: 1-5), instiga a procura por uma Justiça mais próxima da peculiaridade de um grupo social – o que, modernamente, já se concebe (Calamandrei apelidou tal noção de "jurisdições de equidade). É a importância de se aplicar o ordenamento jurídico observando os fins sociais (art. 8º), sem ignorar, porém, que o juiz só pode decidir por equidade nos casos previstos em lei (art. 140, parágrafo único).
Interessantes são as referências ao princípio do contraditório (arts. 7º, 9 e 10). No livro do Gênesis (3:9), por exemplo, antes de julgar Adão pelo fato de ter comido o fruto proibido oferecido por Eva, Deus indagou "Onde estás?" para, então, depois de sua explicação, mandar-lhe embora do Jardim do Édem. O mesmo proceder foi adotado por Deus ao ouvir Caim, antes de condená-lo pelo fratricídio mais famoso de todos os tempos.
No último Evangelho, Nicodemos diz aos fariseus: "Porventura condena a nossa lei um homem sem primeiro o ouvir e ter conhecimento do que faz?" (João 7:51), situação que também revela a importância do contraditório-influência. A propósito, o livro dos Provérbios (18:13) ensina que responder antes de ouvir é estultícia e vergonha.
No que tange aos métodos alternativos de solução de conflitos, especialmente a mediação e a conciliação, tão exaltados pelo NCPC (art. 3º,§ 2º e § 3º), emblemática é a passagem contida em Mateus 5, versículo 25, estimulando a reconciliação com o adversário antes que se chegue ao tribunal. O trecho é especialmente claro: "Concilia-te depressa com o teu adversário, enquanto estás no caminho com ele, para que não aconteça que o adversário te entregue ao juiz, e o juiz te entregue ao oficial, e te encerrem na prisão".
Por outro lado, quanto à obrigação de se agir com boa-fé (art. 5º), também se extrai do Evangelho de Mateus (Mt 5:37) o dever de lealdade e honestidade ("Seja o seu 'sim', 'sim', e o seu 'não', 'não'"), cuja inobservância, aliás, justifica a condenação do sujeito às penas de litigância de má-fé (art. 80, II).
Em suma, a riqueza dos textos bíblicos nos fornece evidências concretas de que muitos dos princípios processuais caminham juntos, e desde sempre, com a história da civilização, revelando que também o processo ostenta valores oriundos do Direito Natural. O NCPC, ao resgatá-los e positivá-los, busca dar concretude ao sonho de uma justiça verdadeiramente justa e fraterna.




Mestrando em Direito Processual pela UERJ. Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro.
Mestrando em Direito Processual pela UERJ. Advogado.
ROGER, Franklyn. A Defensoria pode atuar nos órgãos eclesiásticos da Igreja Católica. Disponível em http://www.conjur.com.br/2016-jul-05/tribuna-defensoria-defensoria-atuar-orgaos-eclesiasticos-igreja-catolica. Acesso em 15/07/2016.
Êxodo 20:13 ("Não cometerás homicídio"); 20:16 ("Não prestarás testemunho mentiroso contra teu próximo"), previsões correspondentes aos arts.121, caput, e 342 do CP, respectivamente.

Deuteronômio 10:19.
Deuteronômio 22, versículos 13 a 19: "13 Quando um homem tomar mulher e, depois de coabitar com ela, a desprezar,14 E lhe imputar coisas escandalosas, e contra ela divulgar má fama, dizendo: Tomei esta mulher, e me cheguei a ela, porém não a achei virgem;15 Então o pai da moça e sua mãe tomarão os sinais da virgindade da moça, e levá-los-ão aos anciãos da cidade, à porta;16 E o pai da moça dirá aos anciãos: Eu dei minha filha por mulher a este homem, porém ele a despreza;17 E eis que lhe imputou coisas escandalosas, dizendo: Não achei virgem a tua filha; porém eis aqui os sinais da virgindade de minha filha. E estenderão a roupa diante dos anciãos da cidade.18 Então os anciãos da mesma cidade tomarão aquele homem, e o castigarão.19 E o multarão em cem siclos de prata, e os darão ao pai da moça; porquanto divulgou má fama sobre uma virgem de Israel. E lhe será por mulher, em todos os seus dias não a poderá despedir".
Levítico 18: 6-18: "6 Nenhum homem se chegará a qualquer parenta da sua carne, para descobrir a sua nudez. Eu sou o Senhor7. Não descobrirás a nudez de teu pai e de tua mãe: ela é tua mãe; não descobrirás a sua nudez. 8 Não descobrirás a nudez da mulher de teu pai; é nudez de teu pai. 9 A nudez da tua irmã, filha de teu pai, ou filha de tua mãe, nascida em casa, ou fora de casa, a sua nudez não descobrirás. 10 A nudez da filha do teu filho, ou da filha de tua filha, a sua nudez não descobrirás; porque é tua nudez." (…). Disponível em https://www.bibliaonline.com.br/acf/lv/18. Acesso em 15/07/2016.
Art. 1.521 do CC. Não podem casar: I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; II - os afins em linha reta; III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; V - o adotado com o filho do adotante; VI - as pessoas casadas; VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.
BRITO, Edson de. A Bíblia Como Fonte Histórica Do Direito. Disponível em http://www.webartigos.com/artigos/a-biblia-como-fonte-historica-do-direito/8962/. Acesso em 15/07/2016.

Levítico 19:15: "Não farás injustiça no juízo; não respeitarás o pobre, nem honrarás o poderoso; com justiça julgarás o teu próximo".
Deuteronômio 16: 18-20 - "18 Juízes e oficiais porás em todas as tuas cidades que o Senhor teu Deus te der entre as tuas tribos, para que julguem o povo com juízo de justiça.19 Não torcerás o juízo, não farás acepção de pessoas, nem receberás peitas; porquanto a peita cega os olhos dos sábios, e perverte as palavras dos justos. 20 A justiça, somente a justiça seguirás; para que vivas, e possuas em herança a terra que te dará o Senhor teu Deus."
Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios 6:1-5: "Quando alguém de vós tem uma questão com outro, como ousais levar o caso para ser julgado pelos pagãos e não pelos membros da comunidade? Então vós não sabeis que os cristãos é que vão julgar o mundo? E se é por vós que o mundo vai ser julgado, sereis vós indignos de julgar coisas menos importantes? Não sabeis que nós haveremos de julgar os anjos? Quanto mais as coisas da vida quotidiana! No entanto, quando tendes processos desta vida para serem julgados, tomais como juízes pessoas que não têm autoridade na Igreja. Digo isto para que vos envergonheis. Será que entre vós não existe ninguém suficientemente sábio para servir de juiz entre os irmãos?".

"Assim se explica a crescente importância daquelas a que, já em 1921, Piero Calamandrei chamou as 'jurisdições de eqüidade', caracterizadas justamente seja pela discricionariedade do juízo, seja pela ductilidade do procedimento, seja enfim pelo fato de que elas são confiadas com freqüência a órgãos judicantes leigos, e não raro a pessoas que têm, exatamente, uma experiência direta em determinados setores da vida social (por exemplo, comerciantes nos tribunais mercantis)". CAPPELLETTI, Mauro. Problemas de reforma do processo civil nas sociedades contemporâneas. Revista Forense, Rio de Janeiro, n. 318. p. 125.

Gêneses 4: 8-9 – "Disse, porém, Caim a seu irmão Abel: "Vamos para o campo". Quando estavam lá, Caim atacou seu irmão Abel e o matou. Então o Senhor perguntou a Caim: "Onde está seu irmão Abel? " Respondeu ele: "Não sei; sou eu o responsável por meu irmão?". A atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, d do CP), contudo, seguramente não se aplicaria ao caso...

Provérbios 18:13 -" 13 O que responde antes de ouvir comete estultícia que é para vergonha sua."

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