BREVES NOTAS SOBRE EFEITOS PATRIMONIAIS DO CASAMENTO, PACTO ANTENUPCIAL E REGIME DOTAL

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BREVES NOTAS SOBRE EFEITOS PATRIMONIAIS DO CASAMENTO, PACTO ANTENUPCIAL E REGIME DOTAL Raul Cézar de Albuquerque1

Não é segredo que o casamento é um negócio jurídico revestido de muitas peculiaridades. Sua história, sua estrutura e sua importância fazem do matrimônio um instituto civil repleto de especificidades. Há quem diga, inclusive, ser “a mais importante e poderosa de todas as instituições do direito privado”, como escreveu a professora MARIA HELENA DINIZ.2 A doutrina convencionou dividir os efeitos decorrentes do casamento em (i) pessoais (extrapatrimoniais ou, ainda, existenciais) e (ii) patrimoniais.3 Como os epítetos já prenunciam, os primeiros são aqueles que fazem surgir direitos e deveres de índole pessoal entre os cônjuges e entre o casal e a prole; já os segundos são os que erigem um plexo de relações econômicas entre os cônjuges. O grande estandarte dos efeitos patrimoniais do casamento é o regime matrimonial de bens. Na aplaudida definição de ORLANDO GOMES, “regime matrimonial é o conjunto de regras aplicáveis à sociedade conjugal considerada sob o aspecto dos seus interesses patrimoniais. Em síntese, o estatuto patrimonial dos cônjuges.”4 PONTES DE MIRANDA, abrindo seu estudo sobre o tema, assenta que a própria leitura da expressão “regime matrimonial de bens” já entrega, em certo sentido, a definição do instituto: é um regime – no sentido de ser um conjunto de regras a erigir um sistema de destinação e efeitos – matrimonial – porquanto tem por mote e termo inicial o perfazimento do casamento – de bens – vez que recai sobre certo patrimônio.5 Pacto antenupcial, por seu turno, é um negócio jurídico formal e solene firmado entre os noivos antes da convolação das núpcias no qual estes assentam disposições sobre regime legal que há de vigorar sobre os bens presentes e vindouros dos nubentes. É um instituto que achou graça aos olhos do direito lusitano, apreço que desaguou no direito brasileiro, de modo que permanece em nosso direito civil até o presente momento. Embora seja de índole meramente patrimonial e em muito se assemelhe aos negócios pactuados sob a égide do direito obrigacional, segundo PONTES, por ser contrato acessório ao de casamento (que vem a ser sua condição eficacial), verte-se num negócio jurídico de direito de família.6 1

Acadêmico de Direito pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Autor da coluna “A razão singular do segredo” no periódico eletrônico Obvious Magazine. Foi Pesquisador Universitário bolsista pelo Programa Jovens Talentos para a Ciência (2013/2014). Correio eletrônico: [email protected] 2 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Vol. 5. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 51. 3 Há quem entenda haver também efeitos sociais do casamento (como Maria Helena Diniz e Caio Mário da Silva Pereira) e, por certo, estes existem, mas não são do nosso interesse no presente escrito, tendo em vista sua singela objetividade e tímida extensão. 4 GOMES, Orlando. Direito de família. Atual. por Humberto Theodoro Jr. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 173. 5 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Tomo VIII. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1956, pp. 207-209. 6 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Op. cit. pp. 226-230.

Antes de adentrar ao tema do regime dotal, não é despiciendo fazer uma anotação breve sobre uma diferença catedral que há entre os efeitos jurídicos do matrimônio. Enquanto os efeitos pessoais são regulados exclusivamente por lei, refletindo o marcante interesse público existente sobre eles; os efeitos patrimoniais são geridos com base no autorregramento da vontade, princípio-mor das relações contratuais.7 Resultado dessa diferença é que os deveres conjugais recíprocos não são passíveis de modulação ou mitigação por ocasião de pacto firmado entre os nubentes, mas o regime de bens pode ser livremente gerido por estes no pacto antenupcial, desde que não afronte texto expresso de lei ou os bons costumes. O regime dotal é aquele no qual uma certa porção patrimonial, ofertada pela esposa, pelos pais desta ou por terceiro(s) e constituída para a mantença familiar, queda sob um estatuto jurídico particular marcado pela incomunicabilidade e pela fixação de hipóteses de restituição do dote ao dotador.8 Por óbvio, a existência do dote pactuado expressamente em pacto antenupcial não exclui que os nubentes escolham outro regime para os demais bens do casal; como já supramencionado, a regra é o autorregramento da vontade. Em apertada síntese, o dote era uma universalidade de direito gravada por cláusula de incomunicabilidade que ficava sob gerência e usufruto da chefia da sociedade conjugal até que esta viesse a termo, quando o dote ou valor equivalente deveria voltar ao patrimônio do dotador. O instituto deita raízes no direito romano. Como anota JUAN IGLESIAS, o dote começou como uma obrigação moral, uma questão de honra para as famílias romanas; os pais faziam questão de contribuírem para a mantença da família que havia de ser formada pela sua filha. Com o tempo – e percepção da importância do instituto –, o dote tornou obrigação jurídica.9 O regime dotal havia como figura típica no Código Civil de 1916, na Parte Especial, Livro I, Título III, Capítulo V. Escrevendo sobre o instituto, Beviláqua assenta que “o fim do dote é, precisamente, auxiliar o marido a suportar os ônus do matrimônio” e que seriam necessárias “para haver regime dotal: a descrição dos bens; sua estimação; e a declaração expressa de que ficam sujeitos a esse regime.”10 No Código de 2002, o regime dotal desaparece enquanto figura típica, mas, no pacto antenupcial, os nubentes podem recriar – por assim dizer – o instituto regrando uma porção patrimonial com regras símiles ou idênticas às do dote, sendo isto reflexo da liberdade contratual dos nubentes.11

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PONTES DE MIRANDA. Op. cit. pp. 105-115; PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Vol. V. Atual. por Tânia da Silva Pereira. Rio de Janeiro: Forense, 2015, pp. 187-194. 8 PONTES DE MIRANDA. Op. cit. p. 356. 9 IGLESIAS, Juan. Direito romano. Atual. por Juan Iglesias Redondo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, pp. 699-707. 10 BEVILÁQUA, Clóvis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil commentado. Edição histórica. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1975, pp. 680-681. (citação com atualização ortográfica) 11 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit. pp. 242-246.

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