Breves pensamentos sobre a percepção psico-social da cor - Texto de finalização da disciplina CAP0148 Fundamentos da Linguagem Visual I

October 5, 2017 | Autor: Jesiel Ternero | Categoria: Color Psychology and Use of Colour
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Texto de finalização da disciplina CAP0148 Fundamentos da Linguagem Visual I

Docente: Silvia Laurentiz Aluno: Jesiel Luis Ternero Universidade de São Paulo Segundo semestre de 2014

Nesse trabalho realizei um pequeno estudo sobre cores e percepção, tendo como escopo o estudo dos efeitos psicológicos das cores e tendo como ponto de partida o capítulo “Efeito sensível-moral da cor”, do livro Doutrina das Cores, de Goethe. Apesar de ser um livro já antigo, de 1810, Goethe impressiona por se contrapor aos estudos de Newton sobre as cores pondo sua atenção na recepção da cor pelo aparelho óptico e sua interpretação psicológica. Goethe, entretanto, acreditava que as cores não eram separáveis a partir de um feixe de luz branca e que existia luzes “puras” (azul e amarelo) e “luzes incolores”1. A esse respeito, Marco Gianotti escreve na introdução da edição brasileira de Doutrina das Cores de 2013. “[...] nesse aspecto, embora as críticas de Goethe se revelassem posteriormente inconsequentes, o principal mérito de sua análise é ter mostrado que a cor também existe como fenômeno que escapa à física. Assim, essas duas interpretações diversas do fenômeno cromático não devem ser pensadas como necessariamente incompatíveis, mas como pontos de vista que se baseiam em critérios, ou métodos de comparação, inteiramente distintos.”2 Durante a pesquisa também me deparei com as análises de efeitos psicológicos das cores feitas por Kandinsky em seu livro “Concerning the Spiritual in Art”, publicado em 1912 (mais de um século depois do livro de Goethe). Apesar dessa distância temporal, as análises dos efeitos psicológicos das cores feitas por Kandinsky se aproximam muito das de Goethe. Porém, Kandinsky faz relação entre cores, formas e até ângulos. Para ele, por exemplo, uma forma enfadonha como o círculo se ajusta bem a uma cor enfadonha como o azul;,o vermelho com uma forma intermediária o quadrado e o amarelo com uma forma energética como o triângulo. Kandinsky chega até a esquematizar ângulos com cores, sendo que ângulos mais agudos ele relacionava com o amarelo (mais energético) e o ângulo de 180° com o verde (mais neutro). “The mutual influence of form and colour now becomes clear. A yellow triangle, a blue circle, a green square, or a green triangle, a yellow circle, a blue square—all these are different and have different spiritual values.”3 O autor John Cage em “Colour and Meaning” traça origens das analises cromáticopsicológicas de Kandinsky com o movimento de literatura teosófica. Isso nos leva a pensar que sua análise das cores poderia pertencer a um sistema mais hermético, apesar das diversas correspondências com os trabalhos anteriores e com leituras modernas do assunto, sobretudo as do campo do design. “The values attributed to specifc colours are often very similar in the Theosophists and in Kandinsky – the spiritual blue and the earthly or intelectual

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GOETHE, Johann Wolfang von. Doutrina das Cores, Apresentação seleção e tradução de Marco Giannotti. 4ª ed. São Paulo, Editora Nova Alexandria, 2013. Pp. 43, 44. 2 GOETHE, Johann Wolfang von. Op. Cit. Pp. 44, 45. 3 KANDINSKY, Wassily. Tradução de Michael T. H. Sadler. Concerning the Spiritual in Art. Mineola, New York, USA: Dover Publications, 1977.

yellow, for example – but only Kandinsky is prepared to argue for them according to a publicly recognizable set of principles.”4 Durante a pesquisa se fez necessário entender as relações intercromáticas e o peso dessas relações na percepção das cores em um aspecto mais geral. O livro “A interação da cor”, de Josef Albers, traz essas questões estruturadas em diversos testes e exemplos realizados com seus alunos durante os anos, nas instituições em que lecionou. Dentre os diversos efeitos e alterações cromáticas exemplificadas no livro, a que ele chamou de Efeito Bezold5 é uma das que mais notei durante a realização do trabalho final. Uma cor pode ter ser valor de brilho alterado dependendo da cor que a circunda. Isso, por exemplo, alteraria todo o conceito analítico de Goethe; um amarelo em um fundo branco teria um valor perceptivo diferente do mesmo amarelo em fundo preto. O valor da cor está diretamente ligado com o contexto em que ela aparece, isso torna mais complexo fazer uma relação de cores e efeitos psicológicos. Ainda somo a isso os comentários de Israel Pedrosa em “O universo da cor”: “Por ser a cor uma sensação, em princípio, toda cor é fisiológica e subjetiva. [...] Como a percepção visual não é instantânea, necessitando de certo tempo de latência para sua captação, também seu desaparecimento da retina não é imediato. fazendo com que no ato visual haja sempre uma superposição de imagens. A da que começa a ser percebida sobre a que ainda não desapareceu completamente.”6 Ou seja, se adicionarmos à analise psicológica da cor a questão da saturação da retina temos que considerar ainda o peso das relações temporais na análise. Uma mesma cor pode ter sua percepção afetada pelo estimulo anterior de cores na retina. Luciano Guimarães em “A cor como informação” complementa: “É interessante apontar que um amplo estudo sobre a influência da cultura na percepção visual – e que se tornou uma importante referência nos estudos da cor –, desenvolvido por antropólogos e psicólogos da North-Western University, Columbia University e State University of Iowa, de 1956 a 1966, partia de uma questão inversa da que propomos para a parte final deste trabalho. Enquanto questionamos se os dados biológicos, químicos e físicos podem influenciar a percepção cultural da cor, na chamada segunda realidade – realidade da cultura –, a pesquisa desse grupo [...] questionava se a percepção humana é culturalmente influenciada: “Pode um mesmo estímulo parecer diferente para diferentes povos e diferentes culturas?” [...] o espaço tempo pode determinar uma variabilidade na percepção das cores, entendendo a cultura como um sistema de ideias socialmente compartilhadas. Nossos exemplos tangenciam 4

CAGE, John. Colour and Meaning - Art, Science and Symbolism. London: Thames & Hudson, 2000. P. 242. 5 ALBERS, Josef. A interação da Cor. São Paulo: Martins Fontes, 2009. P. 132. 6 PEDROSA, Israel. O universo da cor. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2006. P. 107.

perigosamente, no entanto, as posturas absolutistas (biológica e geográfica) e o relativismo cultural. Estamos no mesmo dilema de Clifford Greertz: situar-se entre a conciliação da unidade biológica e a grande diversidade cultural da espécie humana.”7 Com esse último comentário compreende-se o quão complexo seria afirmar assertivamente qualquer coisa referente à percepção sócio-psicológica e simbólica das cores. Não se pode retirar o mérito de Goethe, Kandinsky e qualquer outro que tente estabelecer assertivamente uma relação direta entre cor e interpretação humana. Entretanto, lidar com o assunto de forma científica seria algo bem complexo visto que trespassaria diversas áreas do conhecimento, tais como a Biologia, Psicologia, Sociologia, Neurologia, etc. Além disso, ainda me restam dúvidas como “será que os outros canais sensitivos interferem também na interpretação psicológica das cores?”. Sendo as cores interpretadas pelo cérebro, não é difícil imaginar que a própria química cerebral pode influenciar nessas interpretações. Um amarelo simples ao ser observado em um ambiente silencioso e em um ambiente com uma fonte sonora intensa terá a mesma interpretação? Uma pessoa que concordou com a definição do amarelo e seu valor em Goethe enquanto estava em uma cadeira confortável ainda concordará se observar o mesmo amarelo deitada em uma cama de pregos? Ou seja, como se dá as interações de todos os canais sensitivos no cérebro? Como elas interagem, se modificam e se estabilizam quando estimuladas ao mesmo tempo? Há ainda muitas questões a serem estudadas pelos ramos científicos que se interessam pela percepção das cores.

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GUIMARÃES, Luciano. A cor como informação – a construção biofísica, linguística e cultural da simbologia das cores. São Paulo: Annablume, 2000. P. 98.

Bibliografia ALBERS, Josef. A interação da Cor. São Paulo: Martins Fontes, 2009. P. 132. CAGE, John. Colour and Meaning - Art, Science and Symbolism. London: Thames & Hudson, 2000. P. 242. GUIMARÃES, Luciano. A cor como informação – a construção biofísica, linguística e cultural da simbologia das cores. São Paulo: Annablume, 2000. P. 98. GOETHE, Johann Wolfang von. Doutrina das Cores, Apresentação seleção e tradução de Marco Giannotti. 4ª ed. São Paulo, Editora Nova Alexandria, 2013.

KANDINSKY, Wassily. Tradução de Michael T. H. Sadler. Concerning the Spiritual in Art. Mineola, New York, USA: Dover Publications, 1977. PEDROSA, Israel. O universo da cor. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2006. P. 107.

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