BREVIÁRIOS MEDIEVAIS ANÁLISE DE TRÊS FRAGMENTOS DO ARQUIVO REAL DA NORUEGA

Share Embed


Descrição do Produto

Breviários Medievais
Análise de três Fragmentos do Arquivo Real da Noruega



Rodrigo Mourão Marttie




Introdução


Neste breve artigo, iremos tratar das características codicológicas e
decorativas de três breviários fragmentários guardados no Arquivo Real da
Noruega, sob a numeração: Oslo RA. Lat. Fragm. (36) 902 BR16; Oslo RA. Lat.
Fragm. (47) 1132 BR43; e Oslo RA. Lat. Fragm. (25) 565 BR40. Os manuscritos
estudados são parte de uma coleção de 55 fragmentos de breviários,
compostos em pergaminho, guardados no Arquivo Real da Noruega. As imagens
referentes aos manuscritos estão contidas em um arquivo à parte, denominado
"figuras", para facilitar a consulta das mesmas durante a leitura do texto.
Tais fragmentos sobreviveram somente em fragmentos, ora maiores, ora
menores, alguns deles praticamente irreconhecíveis ou de dificílima
identificação (FIGURA). A parte mais complexa na análise de um manuscrito
medieval, especialmente quando este é fragmentário, é saber sua origem e
data. Somente por meio de um estudo apurado de seus traços caligráficos e
do seu texto é que podemos apontar, com alguma esperança de precisão, na
direção correta quando se trata de produzir conhecimento histórico a partir
dessas fontes.
Em outros países da Europa, o estudo de fragmentos seria apenas um
subproduto de um estudo mais abrangente sobre manuscritos medievais, em sua
maioria encontrados em suas formas e tamanhos originais. Quando se trata da
Noruega, os fragmentos são uma das poucas evidências que nos restam da
cultura escrita latina e, portanto, parte fundamental para o estudo da
paleografia, da liturgia, da cultura material da região. Além disso, os
livros litúrgicos, importados ou produzidos localmente, são resultados
tangíveis e específicos dos impulsos e influências de diversos centros do
cristianismo europeu em diferentes momentos. Estes impulsos são detectáveis
quando se analisa a forma da liturgia, da caligrafia ou do próprio estilo
decorativo e falam muito claramente acerca do contexto sócio-cultural nos
quais estão inseridos.

Algumas considerações sobre a origem do Breviário

Etimologia: a palavra "breviário" tem origem latina, breviarium, que
significa um compêndio, um resumo. O nome foi dado ao livro que abriga os
textos para a Liturgia das Horas, ou o Ofício Divino, porque ele trás, de
forma sistematizada, os textos necessários para celebração desta prática
litúrgica. Orações, salmos, leituras das escrituras e dos pais da Igreja,
sermões, antífonas, etc. fazem parte do material que compõe este livro, que
se tornou o livro do Ofício Divino por excelência a partir do século XI em
toda cristandade latina. [1]
O Ofício Divino, largamente baseado na recitação dos salmos, leituras
e orações, era distribuído ao longo do dia em horários fixos, contados de
acordo com o modelo romano antigo da marcação de tempo e que se tornaram as
horas canônicas dos cristãos. Tanto no Oriente, como no Ocidente, desde os
tempos primaveris do cristianismo até mais ou menos o final do século XII,
as orações litúrgicas da Igreja, nomeadamente o Ofício Divino, eram sempre
celebradas de forma pública; não eram uma celebração sacramental, mas sim
orações e hinos em honra a Cristo, à Virgem Maria e aos santos do
calendário litúrgico. O Ofício Dino era dividido esquematicamente da
seguinte forma:

"Tabela 01 – As horas canônicas. "
"Nome "Hora "Horário para o início "
" " "da primavera "
"Matinas "Oitava hora da "02:00 "
" "noite " "
"Laudes "Amanhecer "Em torno das 05:00 "
"Primas "Primeira hora do "06:00 "
" "dia " "
"Terças "Terceira hora do "09:00 "
" "dia " "
"Sextas "Sexta hora do dia "12:00 (meio-dia) "
"Nonas "Nona hora do dia "15:00 "
"Vésperas"Antes do anoitecer"Em torno das 17:30 "
"Completa"Antes do " "
"s "recolhimento " "
" "noturno " "


Anteriormente à criação do breviário, outros livros eram utilizados
separadamente na celebração das horas canônicas: saltérios, homiliários,
antifonários, hinários, colectários, martirológios etc. A reunião de todos
esses diferentes elementos referentes à celebração da liturgia das horas em
um único volume tem sua origem no início do século XI. De acordo com
Baudot[2] e Beauduin[3], duas autoridades no estudo do Breviário, este
livro litúrgico foi formado por uma série de influências diversas, tanto de
origem clerical, quanto secular. Essas diversas influências contribuíram
para a formação de um livro que, em geral, traz em suas páginas uma
abundância de textos litúrgicos pouco vistos nos outros livros próprios
para a liturgia.
A expansão do número de pequenas comunidades religiosas que precisavam
de um único livro, em vez de muitos, para a celebração do Ofício parece ter
contribuído bastante para a rápida difusão do breviário. Estas comunidades
não podiam arcar com o alto custo de confecção de todos os livros
necessários para o Ofício Divino, e, assim, no decorrer do século XI, o
breviário aparece, de tamanho moderado, contendo todo o material necessário
para a celebração num único e prático volume. Outra razão que aponta para o
aparecimento do breviário foi a prática crescente de recitação privada do
Ofícioa partir do século XI, que se tornou cada vez mais comum,
especialmente com um clero muito mais itinerante, geralmente ligado às
novas ordens de São Francisco e São Domingo. [4]
Quando uma única pessoa tinha que se encarregar das funções de
corista, leitor, solista, oficiante e assembléia, além da salmódia
responsorial, tornou-se sem sentido a utilização de vários livros. A
unificação de todos os textos no breviário acabou por se tornar padrão e,
uma vez que a fórmula fora descoberta, popularizou-se e passou a ser
utilizada tanto em comunidades capitulares de catedrais e basílicas, quanto
em comunidades monásticas também[5]. Desde o final do século XI, breviários
começaram a ser produzidos para a liturgia da capela papal, e, a partir
deste modelo de breviário, foi construído aquele que viria a ser adotado
pela ordem franciscana e, posteriormente, amplamente difundido pela Europa.

O breviário, em termos codicológicos, implicou uma mudança de forma e
utilização do espaço da folha de pergaminho que são visíveis nos fragmentos
a ser analisados neste artigo. A opção por uma caligrafia mais compacta,
fina, ao invés de um tipo de letra mais espaçoso, além de seguir a
tendência nas alterações da escrita carolíngia, indica também um melhor
aproveitamento da superfície destinada à escrita. Além disso, a supressão
da notação musical em muitas partes destinadas ao coro; indicações apenas
do incipit de salmos e hinos; e referências em vez de os textos completos
encurtando o espaço destinado ao uso das leituras indicam o máximo do
espaço disponível.

Breviário 16:
Oslo RA. Lat. Fragm. (36) 902 BR16

Os remanescentes deste breviário totalizam 16 fragmentos de página.
Apenas 7 encontram-se na sua totalidade (ff. 03, 08, 09, 10, 13, 15, 16),
medindo ca. 310mm x 200mm. Espaço escrito ca. 240mm x 120/130mm, com 30-33
linhas por página de coluna única. Dadas as características da escrita, da
organização da página e das indicações textuais, BR16 foi datado pela
especialista Lilli Gjerlow como tendo sido composto ca. 1120-1150, de
procedência anglo-normanda, com quem nós concordamos.[6]
O texto é escrito em tinta negra, com as rubricas para a liturgia em
vermelho. As iniciais alternam-se entre as cores vermelha, verde e azul e
são decoradas de forma simples com pequenos pontos. Em algumas iniciais,
aparecem pequenas figuras com olhos, nariz e boca, além de uma ave perdida
(figuras de 01 a 08). Os breviários guardados no Arquivo Real da Noruega
não apresentam muitas decorações de forma geral, e BR16 não faz exceção à
regra. O fragmento não apresenta nenhuma imagem ou miniatura, mas traz, em
suas iniciais, algumas divertidas "personagens", que formam uma pequena
galeria de formas unicamente nele encontradas, pois nenhum outro dos 55
fragmentos de breviário apresenta indícios de decoração semelhante a este –
daí nossa escolha por esse manuscrito especificamente. Estas iniciais
decoradas não se encontram no corpo do texto, mas fora do espaço reservado
à escrita; não existe uma regularidade no seu tamanho ou extensão. Algumas
vezes, estendem-se por apenas duas linhas, noutras vezes, por até 5 linhas,
no caso de um "I" mais elaborado (figura). A propósito desses "I"
maiúsculos mais elaborados, podemos destacar que eles são as iniciais mais
decoradas, pois representam a primeira letra da perícope do Evangelho, "In
illo tempore..." e, portanto, parte do texto mais sagrado do breviário como
um todo, daí sua decoração particularmente mais elaborada em motivos
florais (figuras 05 e 07). As demais iniciais alternam em tamanho conforme
o texto que iniciam, variando sempre entre vermelho e azul (figura 17).
O manuscrito apresenta pauta para notação musical em quatro linhas,
de cor negra; todavia, as notas não foram inseridas, deixando os campos em
aberto; exceção, contudo, é f. 16r. Neste fragmento, as notas estão
inseridas em pauta musical da cor vermelha, o que talvez indique uma
inserção posterior, dada a irregularidade do traço das mesmas quando
comparadas com as demais de cor negra (figura 10). A pauta e a notação
musical são referentes ao verso: Vigilate ergo quia nescitis qua hora
dominus vester venturus sit, que, de acordo com CAO 4, 7675, está
relacionado ao Ofício Comum das Santas Virgens. Abaixo, segue uma tabela
descritiva de cada fólio e seu conteúdo.
"Tabela 02 – Breviário 16 "
"Fólio "Número dos fólios "Conteúdo "
" "fragmentados " "
"f.1a "1024,1 1024,2 "Comum das virgens "
"f. 1b "1035, 1-2 "Comum das virgens "
"f. 2 "904, 1 "São Sebastião "
"f. 3 "904, 2-3 "Purificação BMV "
"f. 4 "902, 1-3 "São Matias "
"f. 5 "902, 3-4 "São Matias, São Gregório, São "
" " "Benedito "
"f. 6 "1024, 2 "Cadeias de São Pedro "
"f. 7 "904,4 "Assunção BMV "
" "906, 1 "Assunção BMV "
" "1022, 1-2 "Assunção BMV "
"f. 8 "1064, 1 "Assunção BMV "
" " "Oitava São Lourenço "
" " "Oitava São Lourenço "
"f. 9 "1064, 2 "Oitava da Assunção BMV "
"f. 10 "1064, 3 "Degolação de São João Baptista "
"f.11 "1022, 3-4 "Degolação de São João Baptista "
"f. 12 "1022, 5 "Exaltação da Santa Cruz "
"f. 13 "1017 "Exaltação da Santa Cruz, São "
" " "Nicomede, Santa Eufêmia "
"f. 14 "1025 "São Lucas, São Simão e São Judas,"
" " "São Condedus "
"f. 15 "1021, 1 "São Martinho "
"f. 16 "1021, 2 "Santa Cecília "

Algumas adições ao texto (figura 09) mostram que este breviário
pertencia, provavelmente, a uma comunidade monástica beneditina e ainda
estava em uso quando da composição e propagação do Ordinário de Nidaros[7]
(ca. 1220), pois a adição de dois incipt para a festa de São Bento coincide
com os mesmos textos utilizados no Ordinário da Catedral de Nidaros, que,
desde a sua composição, tornou-se uma espécie de liturgia normativa para as
demais igrejas capitulares e monastérios da Noruega.[8]
Outro motivo que nos faz crer em seu uso e origem monástica são as
anotações acrescentadas posteriormente em cursiva[9], parcialmente
legíveis, cujo conteúdo provável é um penitenciário, hoje perdido.[10] Além
disso, existe indicado, num dos fólios, a celebração de S. Condedus ( 680)
(figura 11), no dia 21 de outubro, que não se encontra em lugar algum fora
do mosteiro beneditino de S. Wandrille, na diocese de Rouen, na França, o
que demonstra uma filiação monástica clara do nosso fragmento. Contudo,
ainda não é admissível cogitar, dado o andamento da pesquisa no presente
momento, sobre uma possível conexão com tal comunidade francesa. [11]
Os fragmentos do breviário BR16 podem ser vistos como evidências
físicas das múltiplas influências na formação da liturgia local. Podemos
perceber na escrita influência de origem continental carolíngia, mas não
podemos dizer que se trata de uma Minúscula Carolíngia "pura", devido aos
formatos pontiagudos das letras, em especial o r, o b bifurcado (figura
12), ou o f, que se mostra ascendente. Podemos observar, ainda, os
finíssimos traços que muitas vezes conectam uma letra a outra ou lhes fazem
ascendentes (traços capilares), que irão se tornar comuns no
desenvolvimento do gótico posterior.








Breviário 43:
Oslo RA. Lat. Fragm. (47) 1132 BR43

Os remanescentes deste breviário totalizam 3 fragmentos de página; um
dos fólios encontra-se em sua totalidade (frag. 1876). As medidas são as
seguintes: Fragmento 1874, 380mm x 122mm; Fragmento 1876, 458mm x 323mm;
Fragmento 1873 98mm x 140mm. Espaço escrito ca. 280mm x 200mm, com 33
linhas por página em coluna dupla, de escritura gótica. O manuscrito contém
pauta de 4 linhas e notação musical completas, em formas de neumas, no
estilo gótico, apresentando ligaduras entre breves e longas (figura 13).
Dadas as características da escrita, da organização da página e das
indicações textuais, BR43 foi datado pela especialista Lilli Gjerlow como
tendo sido composto no século XIV, de procedência anglo-normanda, com o que
nós concordamos. Abaixo, segue uma tabela descritiva de cada fólio e seu
conteúdo.

"Tabela 03 – Breviário 43 "
"Fólios "Contéudos "
"Frag. 1873r "Domingo IV advento, prima e "
" "terça. "
"Frag. 1873v "Domingo IV advento, matina. "
"Frag. 1874r / 1875r "Vigília da Natividade do Senhor. "
"Frag. 1874v / 1875v "Vigília da Natividade do Senhor. "
"Frag. 1876 r "Sábado após o Domingo I advento, "
" "vésperas. "
" "Domingo II advento, matina. "
"Frag. 1876v "Domingo III advento, prima. "

O fragmento não apresenta nenhuma imagem, mas traz, em suas iniciais,
algumas decorações florais (littera florissa) mais elaboradas do que seus
contemporâneos preservados no Arquivo. Infelizmente, apenas duas destas
iniciais restaram no manuscrito, um "S" e um "I" (figuras 14 e 15): o "S"
marca Sobrie et juste et pie vivamus in hoc saeculo exspectantes beatam
spem et adventum gloriae magni dei, verso das matinas do primeiro domingo
de Advento; o "I" marca o início de Iudaea et Jerusalem nolite timere cras
egrediemini..., antífona da vigília da Natividade do Senhor. Ambas as
iniciais parecem não terem sido concluídas de forma apropriada, dando a
impressão de que lhes faltam cor e acabamento dos traços. As iniciais são
decoradas com finos traços rendilhados e floridos em tinta azul e vermelha,
no típico esquema de cores do período romanesco e gótico. A inicial "S"
ocupa o espaço de 7 linhas, estendendo sua decoração lateral à esquerda da
coluna por mais 2 linhas abaixo e 1 acima. A inicial "I" ocupa o espaço de
7 linhas, e sua decoração descende até abaixo da última linha da pauta
musical.
Além disso, as iniciais para dividir os versos e antífonas na notação
musical trazem pequenos e bizarros rostos, que eu gosto de chamar de
"coristas". As iniciais com os coristas ocupam todas as linhas da pauta
musical, além da linha do texto, algumas vezes tocando o texto da pauta
superior e inferior (figura 13). O texto é escrito em tinta negra, com as
rubricas para a liturgia em vermelho. As demais iniciais, não decoradas,
apresentam-se em formas maiúsculas e se alteram em vermelho e azul, sem
decorações especiais, ocupando, em geral, o espaço de 2 linhas (figura 16).
Todas as iniciais, tanto as literae florissae, quanto as da notação musical
e as não decoradas estão inseridas no corpo do texto, dentro do espaço
reservado às colunas.
BR43 representa a influência centro-européia na formação litúrgica da
Noruega. Apesar de a notação musical seguir o estilo muito usado em regiões
germânicas, seu texto não é inteiramente alemão. De facto, é muito mais uma
mistura de textos litúrgicos de origem insular em interpolação com aqueles
oriundos da catedral de Nidaros.
Neste fragmento, há uma peça de liturgia excepcionalmente intrigante,
que pode até mesmo representar um elo perdido com os manuscritos litúrgicos
mais antigos da Europa: a oração colecta do ofício da hora nona, no dia da
Natividade do Senhor, Respice nos, [omnipotens] et misericors deus, et
mentibus clementer humanis nascente Christo summae ueritatis lumen infunde,
é a mesma que aparece no Liber Sacramentorum Romanae Ecclesiae[12], o
chamado Velho Sacramentário Gelasiano (Liber I, III, Item in Vigilia Domini
mane prima), que é um dos mais antigos livros litúrgicos da Igreja Romana
(Codex Vaticano Reginense Latino 316); um manuscrito que remonta ao período
dos séculos VII-VIII. O Sacramentário Gelasiano gozou de grande
popularidade na Europa Central, especialmente no mundo de língua alemã e no
Império Carolíngio, e, como tradicionalmente sabem os historiadores da
liturgia da catedral de Nidaros, não havia uma forte conexão entre as
regiões da Europa Central e Noruega,[13] mas sim entre as regiões insulares
e normandas, acredito que tal colecta tenha passado à Noruega via
Inglaterra, provavelmente tendo como origem a Abadia de Fécamp[14], onde
encontramos a colecta em questão na mesma posição litúrgica.


Breviário 40
Oslo RA. Lat. Fragm. (25) 565 BR40

Deste breviário, permaneceu-nos apenas um fragmento de meia página,
cortado longitudinalmente. As medidas são as seguintes: 150mm x 250mm.
Espaço escrito ca. 222mm x 160mm, com 35 linhas por página em coluna dupla,
de escritura gótica, sem nenhuma notação musical. Em termos de decoração, o
manuscrito apresenta um diferencial interessante: trata-se do único a
apresentar iniciais alternadas somente em verde e vermelho (figura 15), sem
nenhum indício do tradicional azul, tão comumente difundido. Das três
iniciais que nos restaram, duas são verdes, uma vermelha e apenas uma
decorada com alguns arabescos de pena fina e em duas cores, verde (a
predominante) e amarelo (figura 16). As duas iniciais mais simples ocupam o
espaço de 2 linhas, ao passo que a inicial mais decorada ocupa 3,
estendendo sua haste esquerda até a linha inferior. Abaixo, segue uma
tabela descritiva de cada fólio e seu conteúdo.

"Tabela 04 – Breviário 40 "
"Fólios "Contéudos "
"Frag. 1863r "Leituras para hebdómada, I Samuel"
" "14, Homília V de São Beda, "
" "Domingo V após SS. Trindade. "
"Frag, 1863v "Homília V de São Beda, Domingo V "
" "após SS. Trindade. Leituras para "
" "hebdómada, I Reis 14 e 15. "

Dadas as características da escrita, da organização da página e das
indicações textuais, BR40 foi datado pela especialista Lilli Gjerlow como
tendo sido composto no século XV, de procedência local. No entanto, o seu
tipo de escritura poderia ser atribuído a uma mão do final do século XIII
ou início do século XIV. Quando se compara com outros manuscritos do mesmo
período arquivados em Oslo e também de produção norueguesa, a atribuição ao
final do século XIII e início do XIV torna-se ainda mais evidente. De
acordo com a classificação proposta por Derolez[15], a escritura pode ser
classificada como uma textualis gótica setentrional, especialmente pelas
formas apresentadas pela letra "a", compartimentada em duas partes e pela
ausência de formas ascendentes ou descendentes em letras como "f" e "s"
(figura 15). Essas indicações fazem-nos pensar que uma periodização no
século XV seria tardia demais.
O texto do nosso fragmento em si é bastante comum, trazendo leituras
para o quinto domingo após o domingo da Santíssima Trindade e as leituras
para a semana seguinte. A seleção de textos não pode ser atribuída a
qualquer tipo de rito particular, uma vez que contém sermões de São Beda
Venerável e textos bíblicos do primeiro livro de Samuel, o primeiro livro
de Reis e do Evangelho de São Lucas, que regularmente aparecem neste
período do ano litúrgico. Os textos da Bíblia (e também das leituras) deste
fragmento trazem algumas variações com relação ao texto padrão da Vulgata.
No entanto, não é possível atribuir esta variação a qualquer origem
especialmente, uma vez que a padronização da Vulgata Latina só foi
alcançada na era moderna.

Conclusão
Os três fragmentos escolhidos para análise estão de alguma forma
ligados ao tipo de escritura característica do seu tempo: o gótico, seja na
sua forma inicial, seja na sua forma mais madura e estabelecida. BR16
enquadra-se no estilo protogótico ou pré-gótico recente, pois apesar dos
iniciais traços angulares no traçado das letras, ainda não foi abandonada
totalmente a forma arredondada tipicamente carolíngia. Os demais, BR43 e
BR40, enquadram-se numa caligrafia gótica mais estável e tradicional. A
origem do protogótico tem sido intensamente debatida[16]. Em nossa opinião,
o aparecimento da escrita protogótica deve ser entendido num contexto mais
amplo de mudança de gosto e de estilo artístico predominante[17]. As
questões sobre os paralelos da arte gótica e a escrita são numerosas demais
para ser totalmente ignoradas. Uma inicial gótica iluminada nos lembra
claramente os vitrais coloridos ou os portais de uma catedral (figura 16).
Não podemos afirmar nenhuma forma de relação direta entre o estilo da
escrita e a arquitetura, por exemplo, mas podemos, sim, dizer que havia um
gosto geral por uma estética que os renascentistas vão chamar de forma
pejorativa de gótica. Seria como uma moda gótica, que transformou as
igrejas, os manuscritos, os castelos e, também, as mentalidades e que
atingiu o norte da Europa de forma semelhante àquela vista no resto do
continente, tanto na cultura escrita, quanto na cultura material e nos
artefactos cúlticos e artísticos.


















































Bibliografia

Baudot, Jules. The Roman Breviary. London: Catholic Truth Society, 1909.

Baudot. Jules. The Breviary, its History and Contents. London: London and
Edinburgh Sands & Co, 1929.

Baumstark, A. Comparative Liturgy. London: A.R. Mowbray, 1958.

Beauduin, Lambert. Liturgy: The Life of the Church. Chicago: St. Augustine
Press, 2002.

Bischoff, Bernhard. Latin Paleography. Cambridge: Cambridge University
Press, 2010.

Cross, F. L. The Oxford Dictionary of the Christian Church. Oxford: Oxford
University Press, 2005.

Derolez, Albert. The Paleography of Gothic Manuscript Books. Cambridge:
Cambridge University Press, 2003.

Farmer, David. Oxford Dictionary of Saints. Oxford University Press:
Oxford, 2011.
Gjerløw, Lilli. Antiphonarium Nidrosiensis Ecclesiae. Oslo:
Universitetsforlaget, 1979.

GJERLøW, Lilli. Ordo Nidrosiensis Ecclesiae (Orðubók). Oslo:
Universitetsforlaget, 1968.

HamMel, Christopher. A History of the Illuminated Manuscripts. London:
Phaidon Press, 2010.

HauG, Andreas and Attinger, Gisela (ed.). The Nidaros Office of the Holy
Blood. Liturgical Music in Medieval Norway. Trondheim: Tapir, 2004.

Kruckenberg, Lori and Haug, Andreas (ed.). The Sequences of Nidaros.
Trondheim: Tapir, 2006.

Salmon, Pierre. The Breviary through the Centuries. Collegeville (USA): The
Liturgical Press, 1962.

Sheerin, Daniel J. The Ordinal of the Abbey of the Holy Trinity Fécamp. In:
The Catholic Historical Review, Volume 93, 4. Washington: Catholic
University of America Press, 2007.

Thomasii, Joseph Maria. Codices Sacramentorum nongentis annis vetustiores
nimirùm libri III Sacramentorum Romana Ecclesiae (...). Roma: Typographia
Angeli Bernabó, 1680.

Wilkins, David. Concilia vol. I. London: 1737.
-----------------------
[1] Wilkins, 1737. p. 238.
[2] Passin, Baudot, 1929.
[3] Beauduin, 2002. p. 47.
[4] Apud. Baudot, 1909. p. 2.
[5] Salmon, 1962. pp. 111-112.
[6] GJERLøW, 1979, p. 49.
[7] Ordinário da Catedral Metropolitana da Noruega.
[8] O arcebispado de Nidaros foi criado em 1152/53, com seu centro na atual
Trondheim. Nidaros, como parte da periferia da cristandade européia,
partilhou essa situação com outros arcebispados do norte e regiões da
Europa Oriental. No entanto, rapidamente, se tornou um importante centro
espiritual, recebendo impulsos e transmitindo-os aos seus bispados
sufragâneos. Nidaros era responsável pela administração eclesiástica da
Noruega, Islândia, Groenlândia, Ilhas Faroe, Shetland, Ilhas Órcades e Ilha
de Man.
[9] - O termo "cursiva" refere-se a um largo espectro de formas da escrita
gótica, e, como nas formas cursivas modernas e contemporâneas, não há um
padrão estabelecido de forma. A cursiva gótica começou a se desenvolver no
final do século XIII como uma forma simplificada da forma clássica do
gótico textual.
[10] GJERLØW, 1979, p. 49.
[11] Farmer, 2011, p. 100.
[12] Thomasii, 1680, p. 14.
[13] Passin, Kruckenberg, 2006; Attinger, 2004.
[14] Abadia de Fécamp: o Mosteiro da Santíssima Trindade foi fundado no
século VII, nascido de uma comunidade monástica que se desenvolveu em torno
de uma relíquia do Sangue Santíssimo de Cristo. A construção de uma igreja
abacial começou em 659; e esta foi destruída em 841, vítima de um ataque
normando. Por volta do ano 1000, a abadia começou a ser restaurada e se
encontrava sob a proteção do Ducado da Normandia. O duque Ricardo II
(978/83 -1026) convidou o eminente clérigo Guilherme de Volpiano (962-1031)
para restabelecer o mosteiro. Monges de observância beneditina ali se
instalaram e garantiram o sucesso dessa nova fase na história da
comunidade, que, por suas estreitas relações com o palácio ducal, tornou-se
uma das mais eminentes e influentes abadias da Normandia. Podemos encontrar
farto material literário e litúrgico oriundo de Fécamp em praticamente toda
a Normandia e nas ilhas britânicas. Cf. Sheerin, Daniel J. The Ordinal of
the Abbey of the Holy Trinity Fécamp. In: The Catholic Historical Review,
Volume 93, 4. Washington: Catholic University of America Press, 2007, p.
907-908.
[15] "In England, France and the Low Countries the full development of
Gothic script should probably be dated to the end of the twelfth century,
whilst in Italy, the Iberian Peninsula, Germany, Central Europe and
Scandinavia it should be placed somewhere in the thirteenth." In: Derolez,
2003, p.72.
[16] Bartelli, (1986), pp. 224-225; petrucci, (1992) pp. 127/125;
Casamassima, (1988), pp. 153-157, Bischoff, (1986), pp. 127-129.
[17] Para um maior aprofundamento da discussão sugerimos: Eco, Humberto.
Arte e Beleza na Estética Medieval. Rio de Janeiro: Record, 2010. pp 103-
144.
Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.