BREVÍSSIMAS NOTAS SOBRE OS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS ELEITORAIS

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BREVÍSSIMAS NOTAS SOBRE OS NEGÓCIOS JURÍDICOS  PROCESSUAIS ELEITORAIS                  Adriano Soares da Costa  Presidente da IBDPub ­ Instituição Brasileira de Direito  Público. Membro da ABDPro ­ Associação Brasileira de  Direito Processual. Advogado. 

          Um  dos  temas  que  mais  têm  sido  objeto de estudo e  debates sobre o novo código de processo  civil  é  o  do  negócio  jurídico  processual.  Para  muitos,  o  processo  passaria  a  ser  mais  democrático  e  construído  por  meio  da  colaboração  das  partes  entre  si  e  delas com o juiz. Até  onde  aí  haja  uma  real  novidade  não  é  objeto  da  minha  indagação  aqui;  fato  é  que  a  doutrina  mais qualificada assim tem tratado essa matéria.    Em  texto  ainda  não  publicado  em  revista  especializada,  chamei  a  atenção  que  os  negócios  jurídicos  processuais  não  eram  desconhecidos  dos  ordenamentos  jurídicos  anteriores  ao  que  ora  entrou  em  vigor,  nada  obstante  poucos  processualistas  tivessem  deitado  os  olhos  sobre  a  teoria  do  fato  jurídico  aplicada  ao  direito  processual. O que é  hoje é novidade doutrinária não  é  novidade  temática;  o  novo  aqui  é  a  preocupação  que  o  relevante  tema  passou  a  despertar,  Chamei  a  atenção  para  o  importante  ponto  de  que  os  negócios  jurídicos  processuais  são  ​ nter  partes  e  não,  como  a  cotio  sustentado,  entre  as  partes  e  o  juiz.  No  novo  código  de  processo  civil  há  apenas  uma  hipótese  do  que  denominei  de  ​ negócio  jurídico  preterpolar​ :  a  calendarização  dos  prazos  processuais.  Aqui,  e  somente  aqui,  o  juiz  negocia  com  as  partes  também  prerrogativas  suas   e  celebram  um  negócio  unilateral  plurissubjetivo  de  distribuição 

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do  tempo  do  processo  para   todos  os  membros  da  relação processual angular, com linearidade  tracejada entre as partes1.    Dentro  do  campo  de  interesse  dos  negócios  jurídicos  processuais  avultam  alguns  temas  de  assomado  valor:  a  colaboração  probatória e a distribuição do ônus da prova, a calendarização,  a  limitação  prévia  do  campo  de  cognição  judicial,  a  transação  judicial.  Note­se:  no  campo  temático  dos  negócios  jurídicos  processuais  se  inclui,  indevidamente,  o  negócio  jurídico  pré­processual, encambulhando­se os planos e os conceitos.    Se  as  partes  celebram  negócio  jurídico ​ fora do processo, dispondo sobre questões processuais  ­  desde  a  eleição de foro até os limites de cognição, as exceções reservadas e a distribuição  do   ônus  da  prova  ­,  de  negócios processuais não se tratam: estamos no campo do direito material  pré­processual.    No  direito  eleitoral  é  de  se  perguntar  se  as  partes poderiam celebrar negócios jurídicos sobre:  a)  propaganda  eleitoral,  b)  limites  de  gastos  de  campanha,  c)  ingresso  ou  não  de  ações  eleitorais  sobre  determinadas  questões,  d) ônus da prova, e) transação judicial, etc. Há, nesses  exemplos citados ao acaso, hipóteses de direito material e pré­processual.    Os  negócios  jurídicos  podem  ir  até  onde  podem  as  parte  dispor.  Onde  haja  norma  cogente,  o   campo  para as  declarações de vontade ponentes de normas negociais é limitado ou nenhum. O  negócio  está  na  vontade  a  manifestar,  posto  a  vontade  manifestada  possa  ser  adrede  disposta  pelo  ordenamento  jurídico.  Basta  pensar  na  hipótese  de  derrelicção  de  bem  imóvel  urbano2.  Há  negócio  jurídico  unilateral  por  exteriorização  material  de  vontade  decisória;  a  vontade  de  abandonar é presumida por lei, não se descendo a psique do proprietário.    No  direito  eleitoral  há  margem  para  que  surjam  declarações  de  vontade  negociais  em  que  os  interessados  possam  dispor  sobre  aspectos  do  processo  eleitoral  ​ lato  sensu​ .  Os  concorrentes  poderiam  livremente  dispor  sobre  limites  para  a  propaganda  eleitoral  permitida  ou  para  os  gastos  de  campanha  a  serem  fixados  perante  à  Justiça  Eleitoral.  Não  é  esperado,  porém,  que  isso  venha  a  ocorrer  quando  o  que  está  em  jogo  é  o  poder  e  a  sua  conquista  por  grupos  políticos que apenas existem para essa finalidade.    1

 Vide  COSTA,  Adriano  Soares  da.  "Fatos jurídicos  processuais: anotações sobre  o plano  da existência  I".  In:  https://www.academia.edu/22534830/FATOS_JURÍDICOS_PROCESSUAIS_ANOTAÇÕES  _SOBRE_O_PLANO_DA_EXISTÊNCIA_I_, visto em 29 de março de 2016.  2  Sobre o tema: COSTA, Adriano Soares da. "Distinção entre  ato jurídico  stricto sensu e negócio jurídico  unilateral:  breves  anotações  à  margem  de Pontes  de Miranda". ​ Revista  de direito privado​ . Vol. 64, ano  16. São Paulo: RT, out.­dez., 2005,  p.105­115. 

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Se  há  algo  que  não  se deve esperar entre partidos políticos e candidatos em disputas eleitorais  é  colaboração.  Não  a  há. Então, as hipóteses de negócios jurídicos pré­processuais são apenas  teoricamente possíveis, mas inexistentes ou impensáveis na prática das disputas políticas.    Normalmente,  o  interesse  jurídico  na  celebração  de  negócios  jurídicos  processuais  surge  quando,  no  final  das  eleições,  há  pendentes  um  sem­número  de  representações  contra  propaganda  eleitoral  ou  pedidos  de  exercício  de  direito  de   resposta,  propostos  uns  contra  os  outros  em  grande  volume;   podem  as  partes  desejar  encerrar  esses  litígios  que  teriam  o  potencial  negativo  de  picotar  os  últimos  programas  eleitorais  no  rádio  e  televisão.   É  no  cálculo  dos  interesses  dos  candidatos  que  pode  se  abrir  a  oportunidade  de  negócio  jurídico  processual de extinção de todos os procedimentos pendentes sobre esses temas.    Poderiam  os  candidatos  transacionar  em  ações  eleitorais  cuja   pretensão  deduzida  em  juízo  seja  a  decretação  da  inelegibilidade?  Não  é  incomum  que  adversários  nas  eleições  gerais  tornem­se aliados nas eleições municipais seguintes, gerando a perda do interesse no resultado  do  processo.  A  resposta  apenas   pode  ser  uma:  é  ilícito  acordo  entre  as   partes  para  extinguir  processo  proposto  contra  a  prática  de  supostos  atos ilícitos eleitorais, porque os interesses em  jogo são indisponíveis.    Ação eleitoral não pode ser moeda de troca política, tampouco pode a Justiça Eleitoral poderia  acatar  acordo  de  vontade  entre  as partes cujo  objeto  seja justamente a não apuração de ilícitos  eleitorais.    Já  sustentei  que  a  ação  de  impugnação  de  mandato  eletivo,  por  exemplo,  tem  a  sua  natureza  próxima  à  ação  popular3.  De  resto,  assim  se  dá  com  as demais ações que tenham por  objeto a  inelegibilidade  do candidato por abuso de poder econômico, abuso de poder  político, captação  de  sufrágio,  captação  ilícita  de  recursos,  etc.  Se  nessas  ações  não  houver  interesse  das  partes  em  continuarem   com  o  processo,  cabe  ao  Ministério  Público  Eleitoral  dar  sequência  ao  processo,  salvo  se  houver   entendimento  de  que  a  ação  proposta  seja  temerária.  Afinal,  não  poderia  o  Ministério  Público  ser  compelido  a  dar  sequência  a  uma  ação  cuja  pretensão  deduzida seja insustentável.    O  ponto  fundamental  aqui,   nada  obstante,  é  enfatizar  que  a  vontade  negocial  não  tem  cabida  em  tema  de  tamanha  gravidade,  cujos  interesses  são  indisponíveis.  Exercida   a  pretensão  à  tutela  jurídica  à   decretação  de  inelegibilidade,  não  cabem  às  partes  transacionar,  transigir. 

  COSTA,  Adriano  Soares  da.  ​ Instituições  de direito  eleitoral​ .  9ª  ed. Belo Horizonte: Fórum, 2013, pp.  393­398.  3

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Vontade  negocial  é   vontade  em  celebrar  composição  sobre  objeto  lícito  e  possível. Não seria  o caso, por evidente.    Para  encerrar  essas  breves  anotações,  gostaria  de  sublinhar  que  o  código  de  processo  civil  trouxe  importantes  mudanças,  dando  relevo  ­  ao  menos  no plano teórico e das boas intenções  ­ ao que denominaram  de democratização do processo, seja lá o que  essa expressão signifique.  Na  verdade,  o exercício da função jurisdicional está longe de ser democrática, até mesmo pela  sua  própria  natureza:  o  processo  decisório  do  Estado­juiz  não  é  pautado   no   assembleísmo  e  nas  escolhas  majoritárias,  mas  fundado  nas  melhores  razões  e  nas  provas  produzidas  nos   autos.  E,  seria  ocioso  dizer,   as  melhores  razões  jurídicas  são  aquelas  que  homenageiam  o  ordenamento jurídico aplicável ao objeto litigioso.    Acordos  celebrados  entre  os  candidatos,  mediante  impulso  do  Poder  Judiciário,  sobre  aspectos  das  eleições,  como  transporte  de  eleitores,  por  exemplo,  não  têm  natureza  processual;  são  negócios  jurídicos  de  direito  material  eleitoral  sobre  tema  afeto  aos  cuidados  do  poder  polícia  do  juiz  eleitoral  no  exercício  do  seu  poder  de  polícia,  atividade  tipicamente  administrativa4. O juiz autoriza o negócio jurídico e o fiscaliza.    Consoante  se  observa,  de  conseguinte, os negócios jurídicos processuais eleitorais têm campo  limitadíssimo  de  aplicação,  não  trazendo  para  o  direito  eleitoral   qualquer  mudança  significativa.            Maceió/AL, oitava da Páscoa do Senhor no ano da graça de 2016.       

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 Sobre a atividade do juiz eleitoral, vide COSTA, Adriano Soares da. ​ Instituições​ …, cit., p.282 ss. 

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