BREXIT - Afastamento denunciado

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UNIVERSIDADE DE COIMBRA FACULDADE DE LETRAS 1º CICLO EM ESTUDOS EUROPEUS SEMINÁRIO EM ESTUDOS EUROPEUS (ANO LETIVO 2015/2016 – 2º SEMESTRE) DOCÊNCIA: Prof. Dr. ANTÓNIO MARTINS DA SILVA

BREXIT: AFASTAMENTO DENUNCIADO Análise ao acordo no Conselho da UE em Fevereiro sobre o referendo de Junho de 2016 no Reino Unido à luz do histórico de relações Reino Unido – União Europeia

André Simões dos Santos Coimbra, 13 de Junho de 2016

BREXIT: afastamento denunciado RESUMO: O envolvimento do Reino Unido no processo comunitário confunde-se com um simultâneo grau de ceticismo e distanciamento tipicamente britânicos, quando seria desejável uma maior envolvência. A História constitui-se como um irrefutável comprovativo da modesta impregnação britânica na construção europeia desde momentos posteriores ao pós-II Guerra Mundial. A era “Churchilliana” de esperança de progresso e unidade para uma Europa Unida deu lugar a um Reino Unido de entraves e desconfianças. Não lhe interessava uma Europa unida e forte, por uma imensa panóplia de razões políticas e económicas. Em diversos assuntos comunitários, o RU sempre foi um dos mais críticos e desconcertados, reflexo de um visível «Euroceticismo» ou «patriotismo» de explicação cultural. Além de um rol de peripécias políticas tais como a criação e falência da EFTA, a difícil entrada na CEE ou o conturbado período protagonizado por Thatcher em 80, a sua não integração no Mercado Único (vulgo Espaço Schengen) nos anos 90 contribuiu fortemente para que o Reino Unido fosse desde muito cedo considerado um Estado «suis generis» dispondo de um estatuto especial em várias vertentes dentro da atual União Europeia. É a partir da observância do referido enquadramento que se analisam as negociações entre David Cameron e o Conselho da UE em Fevereiro de 2016 e o consecutivo “referendo ao BREXIT”, promessa eleitoral do atual líder do Partido Conservador, marcado para o dia 23 de Junho do mesmo ano cujo desfecho será significativo para os destinos de Europeus e Britânicos que, em caso de afastamento, conclui-se que terá sido historicamente denunciado. Palavras-Chave: Brexit, Política Internacional, União Europeia, Reino Unido, História da Europa.

ABSTRACT: The involvement of the UK in the European process merges with a simultaneous degree of scepticism and typically British detachment, when a greater involvement would be desirable. History is, therefore, an irrefutable proof of the modest British impregnation in European integration from the postnd

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World War times. The Churchill’s era of values such as hope, progress and drive for a united Europe

gave rise to a UK which adopted political barriers and mistrust in its foreign and internal policies towards those ideas. Not interested in a united and strong Europe by a broad range of political and economic reasons, the United Kingdom has always been one of the most critical and disconcerted actors reflecting a visible “Euroscepticism” or "patriotism" of cultural roots. Despite some political events such as the creation and failure of EFTA, the difficult years of requests to entry into the EEC and the peculiar moments starred by Thatcher at the 80’s, truth is that the integration in the Single Market (Schengen area) in the 90’s was the biggest episode which contributed to the idea of “suis generis State" inside the united Europe, meaning this a special status within the current European Union in several aspects. It is from this framework of research that the negotiations between David Cameron and the EU Council in February 2016 and the consecutive "referendum on BREXIT" scheduled for the June 23

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of the same year are analyzed, whose

outcome will be significant for the joint European and British destinations which in case of separation can be considered as historically denounced. Keywords: Brexit, International Politics, European Union, United Kingdom, History of Europe.

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Capítulo Introdutório O presente trabalho de investigação académica inserido na unidade curricular de Seminário em Estudos Europeus do 1º Ciclo em Estudos Europeus pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra procura focar-se num revisitamento aos pressupostos históricos que definiram a relação entre Reino Unido e União Europeia desde os seus primórdios enquanto instituição, bem como sendo o fruto das relações seculares incontornáveis com a maioria dos seus Estados Membros e tem como objetivo final vislumbrar todos os conjuntos de peripécias que se constituíram como forte contributo para colocar a Grã-Bretanha numa posição «suis generis» ou de «geometria variável», cenário esse que é relevante à verificação dos relacionamentos hodiernos. A sua produção segue, assim, um alinhamento histórico que será um auxílio determinante à perceção do tema não exclusivamente de forma genérica. Procurará pautar-se no seio da investigação científica em Estudos Europeus pela inovação em vislumbrar as relações entre esta Comunidade e a União Europeia numa lógica de continuidade com raízes históricas tendo em conta as diferentes lideranças políticas e as respetivas condicionantes temporais e espaciais que se constituíram como cruciais para o caminho que tomaram até ao tempo presente. Não obstante não ser o tópico objeto de notícias e textos de opinião (destacou-se a crise dos Refugiados) este é um tema contemporâneo das agendas políticas, em diário desenvolvimento e absolutamente nuclear para o futuro da integridade da União Europeia e, por conseguinte de todos os seus estados-membros, já que o Reino Unido é um dos mais importantes para a manutenção e integridade da Europa enquanto ideia e enquanto projeto institucional (materializado nas instituições existentes). A utilização de fontes passou de modo central pela análise exaustiva da totalidade dos números do Jornal Público do mês de Fevereiro de 2016, coincidentes com todo o cenário anterior e posterior às reuniões entre a União Europeia e o Reino Unido no seio do Conselho da União Europeia (dias 18 e 19) determinantes para garantir o apoio do líder do governo britânico David Cameron a tomar partido pelo “sim” ao referendo do BREXIT em troca de uma série de concessões políticas e socioeconómicas que serão sumariamente alvo de análise no desenvolvimento estruturado que se segue, iniciado por uma contextualização histórica necessária.

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I - Enquadramento histórico União Europeia / Reino Unido A)

Incerteza na integração europeia:

Após a saída vitoriosa da 2ª GM, o Reino Unido juntamente com a França tinha em mãos os destinos Europeus: ambos seriam os Estados responsáveis por estabelecer a Europa enquanto espaço territorial e ideológico aglutinador e de esperança no progresso após a devastação provocada pela mais grave contenda da história da Humanidade. O líder Inglês Winston Churchill 1 foi um dos percursores da ideia de Europa e enquanto primeiro-ministro da comunidade referiu, a 19 de Setembro de 1946 que “é preciso construir os Estados Unidos da Europa”, frase icónica e bem demonstrativa da preconizada solidariedade britânica para com a necessidade de concertação e unidade dos povos Europeus, na qual se percecionava a própria Grã-Bretanha. É neste tópico que surgem divergências: não na forma, mas no conteúdo – o Congresso de Haia de 1948 que juntou inúmeros líderes Europeus demonstrou que os britânicos viam como inevitável o estabelecimento de uma instituição intergovernamental que reforçasse a cooperação, ao passo que outros países europeus na sua generalidade viam com bons olhos a criação de associações supranacionais ou de índole federal que fossem ao encontro das ideias Americanas para a Europa (parte do acordo do Plano Marshall). O Reino Unido via-se como vencedor da Guerra e país de estatuto especial comparando ao resto do continente Europeu. 2 Na sua política externa priorizou estreitar relações com os EUA e com as suas comunidades ultramarinas – resquícios seculares de um dos maiores Impérios do Mundo e motivos de orgulho britânicos – a «Commonwealth», facto que à partida poderia ser demonstrativo de algum desinteresse face à Europa após valores como a Paz, Democracia e Liberdade serem asseguradas. O Reino Unido demonstrava simultaneamente a tendência de se unificar ao mesmo tempo em que não se pretendia comprometer: essa ambivalência será uma constante ao longo do périplo britânico na Europa institucional, ao pretender estar envolvido sem estar 1

CHURCHILL, W. – Memórias da Segunda Guerra Mundial. Tradução de Manuel Cabral. 1071 p. Texto Editores. Alfragide, 2011; 2 SILVA, A. M. – História da Unificação Europeia. Imprensa da Universidade de Coimbra. Coimbra. 2009.

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demasiado impregnado e colher benefícios políticos sem assumir riscos necessários. É fulcral assinalar que o Reino Unido foi um dos maiores beneficiários do Plano Marshall a par de França e Alemanha (porém o RU beneficiou três vezes mais que esta última apesar de ter sido a grande perdedora), facto que em diversos escritos bibliográficos surge apresentado como um considerável desaproveitamento de recursos económicos. Perante rumores de futura existência de uma fase de integração económica e eventualmente política (que se efetivou na OECE, mais tarde) é neste enquadramento que se inicia o ceticismo e oposição do Reino Unido face às vontades Europeias, contando em muitas matérias (quase na totalidade) com o apoio de Portugal, seu aliado secular, particularmente em questões de soberania política e de manutenção dos respetivos territórios ultramarinos, uma das premissas fundamentais para o Reino Unido.

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Exemplificando através de SILVA no capítulo referente à organização

internacional da Europa no Pós-Segunda Guerra (1945-1949) “o ministro britânico Bevin conseguiu adiar o projeto da União Aduaneira e (…) as sugestões para a criação de uma Assembleia Parlamentar Europeia, sugerindo a criação de um Conselho Europeu totalmente dependente dos Governos dos Estados”, 4 peripécia demonstrativa da falta de consenso entre o Reino Unido e alguns Estados da Europa relativamente à estruturação da ordem política que deveria imperar na Europa. Foram as crescentes divergências iniciadas em finais da década de 40 que ditaram o afastamento que se verificou na década seguinte.

B) Da criação da EFTA em 1960 passando pela entrada nas CE em 1973 até ao “Cheque Britânico” de Thatcher em 1984:

Os impasses britânicos históricos sobre a criação da CECA ou a saída de grupos de trabalho fundamentais para os destinos futuros da Europa – nomeadamente o Comité Spaak – foram demonstrações dos desacordos face à Europa a partir de finais da década de 50. De entre as razões realça-se o facto de esta ter sido uma época temporal coincidente com a maior hegemonia Francesa na Europa cuja centralidade linguística, territorial e até económica lhe deu inúmeros contributos, influenciando tendencialmente 3

FERREIRA, J. M. - Adesão de Portugal às Comunidades Europeias: história e documentos. pp. 63 – 66. 2001; 4 SILVA, A. M. – História da Unificação Europeia. Imprensa da UC: Coimbra, pp. 18 – 57, 2009.

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outros países através da sua pujança e crescimento. Entre eles estavam percursores da Europa tais como a Bélgica ou o Luxemburgo, com óbvias relações com França. A perspetivação deste factor aliado à premissa da rivalidade secular entre britânicos e franceses, o desenrolar dos acontecimentos mostrou que existiam contornos suficientes para que essa separação ideacional sobre a criação de uma Europa unida, de ideia unitária e agregadora ocorresse, facto que acabou rapidamente por se consumar. De facto, os destinos Europeus não poderiam ser liderados por ambos em simultâneo já que tanto uma potência como a outra pretendiam ser liderar e serem eles os grandes beneficiários da união da ideia de Europa, pretensões naturalmente inconciliáveis. Confirmado esse afastamento, a referida saída dos britânicos dos trabalhos do Comité Spaak a meados da década de 50 foi um dos acontecimentos que facilitou a aprovação dos Tratados de Roma tão determinantes à efetivação da formação política da unificação europeia que se encontrava em curso. Esta é uma inegável evidência de que o abstencionismo britânico foi, desde muito cedo, um travão que se afigurou como desnecessário à ideia de Europa unida e onde um dos únicos sucessos de entendimento foi somente a iniciativa britânica de estabelecer uma União da Europa Ocidental (após o fracasso da CED, de iniciativa Francesa) que como facilmente se constata nos dias de hoje se constituiu ele mesmo um valioso instrumento para as pretensões ultramarinas e atlantistas britânicas.

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Também a outros níveis a Grã-Bretanha pretendia obter

hegemonia: era imperativo acentuar a curto-médio prazo o seu domínio na vertente económica e assim ter acessos facilitados ao Mercado Continental. Foi por esta razão que, discordando largamente do envolvimento político da OECE, resolveu juntamente com outros países da Europa apostar na criação em 1960 da EFTA (Associação Europeia de Comércio Livre) que não obstante algum sucesso inicial não escapou à controvérsia de ser o rival da CECA (contando também nesta vertente com o apoio de Portugal do Estado Novo) acabando finalmente por falhar muitos dos seus propósitos num breve espaço de tempo devido a uma multiplicidade de fatores que limitavam a enfraquecida atuação da Grã-Bretanha na Europa. 6 Decorridos alguns meses, em 1961 a Grã-Bretanha pede para aderir às comunidades Europeias e, no que concerne ao período de adesão, o líder Francês Charles De Gaulle vetou a candidatura do RU em duas

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(ibid), pp. 80; The Official History of Britain and the European Community, Vol. II: From Rejection to Referendum, 1963-1975. Routledge. 6

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ocasiões (1963 e 1967) alegando serem “ameaças à Europa Europeia”

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Este processo

manifestou ser delicado já que os Britânicos estavam preocupados com contribuições para o orçamento comunitário e a França tinha preocupações ao nível da sustentabilidade PAC e da gestão da Commonwealth. Desfez-se o impasse com um duplo compromisso consistindo em sete anos de contribuições progressivas servindo como adaptação à integração nas comunidades. Isto só foi possível devido ao entendimento entre G. Pompidou (presidente francês sucessor de De Gaulle) e Heath (homólogo britânico) sobre o funcionamento das instituições europeias num novo entendimento franco-britânico, um avanço político em décadas. A Grã-Bretanha passou de forma efetiva a fazer parte das Comunidades Europeias a 1 de Janeiro de 1973. O mencionado literato de SILVA refere que em 1980 o RU contribuía com 20% da totalidade dos recursos comunitários e recebia somente 12% das receitas, conjuntura à qual a líder Britânica conservadora Margareth Thatcher se opunha e à qual passou a exigir que ocorresse uma renegociação que melhor distribuísse os fundos europeus. Ficou resolvido com o denominado “cheque britânico”, no conselho de Fontainebleau de Maio do mesmo ano onde se decidiu devolver a partir de 1985 os montantes que até então o RU disponibilizara e não beneficiara. 8 Este episódio demonstra que a questão monetária sempre foi uma área suscetível nas Comunidades Europeias, onde Estados demonstram benevolência em cenários de benefícios vários mas demonstram rigidez e inflexibilidade em cenários de responsabilidades. É compreensível que uma comunidade tipicamente conservadora como o Reino Unido seja mais cética em cenário de dificuldade (semelhanças com os dias de hoje). Porém, quando existe uma conjuntura económica favorável como a que se apresentava nos anos de 1980, onde, entre outras, o Reino Unido beneficiava dos ganhos do petróleo no Mar do Norte 9 é uma criticável que ao se suceder numa organização que deve preconizar valores de solidariedade, fraternidade internacional e auxílio para a consecução de objetivos mútuos deverá reprovar-se veementemente.

A Grã-Bretanha liderada pela «dama de ferro» foi,

efetivamente, um parceiro difícil para a cooperação Europeia já que os interesses britânicos não aparentaram em nenhuma circunstância serem secundarizados em prol de outras questões que não beneficiassem diretamente os seus interesses. Este foi um tónico que se manteve após o período “Thatcheriano” de modo transversal (destaca-se o 7

SILVA, A. M. – História da Unificação Europeia. Imprensa da UC: Coimbra, p. 135, 2009; Jornal Le Monde – Margareth Thatcher “I want my money back”, 2005. Última consulta a 15/05/2016; 9 SILVA, A. M. – História da Unificação Europeia. Imprensa da UC: Coimbra, pp. 173-175, 2009. 8

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“policy-making” britânico face à Europa) e que indubitavelmente pautou as décadas seguintes, construindo um estilo “suis generis” de questionar a Europa e as suas ações a partir de um ponto de vista tanto mais distante quanto a própria distância física entre as Ilhas Britânicas e a Europa continental.

C) John Major, Tony Blair e Gordon Brown: herança da sobreposição dos interesses britânicos aos Europeus:

John Major (1990-1997) foi o sucessor de partido e de governo de Margareth Thatcher no crítico período de negociações do Tratado de Maastricht, defendendo nele que o RU não deveria utilizar a moeda única europeia, a não participação na política comum de pescas e demonstrando dúvidas sobre a política externa e de defesa da União Europeia. Major usou as instituições comunitárias como elemento contribuidor para a unidade do seu partido a nível interno, revelando alguma ambivalência de decisões face à Europa e seguindo a conduta da sua antecessora de «disputar cada vírgula» dos tratados. Tony Blair (1997-2007), por seu lado, foi um dos líderes britânicos que não obstante algumas reservas em alguns pontos e com dificuldades consensuais mais procurou aproximar diplomaticamente o Reino Unido da União Europeia chegando ao poder com uma agenda renovadora que ambicionava colocar a sua comunidade «no coração» da Europa e vice versa. Tornou as negociações dos tratados de Amesterdão e de Nice viáveis e, no final do seu mandato, veiculou-se a hipótese de se tornar o primeiro presidente do Conselho da União Europeia após a ratificação do Tratado de Lisboa (cujas alterações ao funcionamento comunitário introduziram este cargo), reflexo da visão positiva que os Europeus possuíam da sua liderança política ao nível comunitário. 10

O trabalhista Gordon Brown foi o primeiro-ministro que se seguiu cujo mandato teve

a curta duração de 3 anos. Saiu em 2010 com destaque para a atuação no Tratado de Lisboa que, além da normal ratificação, recebeu críticas de não abranger um referendo à própria União Europeia, confirmando assim que a vontade de consulta popular sobre a

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Grice, A. Blair emerges as candidate for 'President of Europe'. The Independent (Reino Unido). 2009. Última consulta a 21/05/2016;

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permanência nesta instituição não é restrita a 2016 e será muito mais antiga, como se analisará em diante. 11 Em suma, eventos como a não entrada plena da Grã-Bretanha no Espaço Schengen (cooperação somente policial e judicial) após o Tratado de Amesterdão podem por si só ser o espelho da europeização “à la carte” da qual o Reino Unido foi sendo uma das principais faces. No que respeita à atual União Europeia, o Reino Unido desde muito cedo viu benefícios no Mercado Comum das trocas comerciais de forma muito mais veemente e relevante do que por instância na utilidade da liberdade de circulação dos cidadãos, facto que é evidenciado em alguns dos episódios políticos que se retrataram anteriormente. Foi neste cenário de dúvidas periclitantes a nível interno e de questionamentos às instituições europeias que o atual primeiro-ministro David Cameron, eleito pelo Partido Conservador entrou para o seu primeiro mandato, numa União Europeia envolta nos primeiros sinais de alastramento da hecatombe económica e financeira global de 2008 cujas dificuldades crescentes que se avizinhavam faziam a comunidade de países que este passara a liderar duvidar ainda mais sobre qual deveria ser o posto na Europa e nas respetivas instituições Europeias, em particular a Inglaterra.

II – Reino Unido e Europa após 2010: debilidades Europeias do tempo presente e o BREXIT A) Desafios hodiernos da Europa:

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A depressão financeira global provocada pelos sismos financeiros provenientes do outro lado do Atlântico e que se abateram sobre a Europa colocaram desde logo à prova a reformulação política que se mostrou não ter capacidade de lidar com a série de vicissitudes que se lhe surgiram – o Tratado de Lisboa, de 2008 – significado de que 2010 não se iniciou de forma ideal para a Europa começando esta com o pé esquerdo a 11

Elliott, F. e Charter, D. Battle of the EU treaty to last for months. The Times (Reino Unido). 2007. Última consulta a 11/06/2016. 12 Falcão, C. Uma Europa diferente? Os desafios da UE em 2016 segundo oito especialistas. Jornal Online Observador, 2016. Última consulta a 27/05/2016.

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nova década. A hecatombe económica recessiva que tomou conta da maioria dos seus Estados-membros (denominada de ‘crise da Zona Euro’) foi efetivamente um desafio que era percecionado como a única grande problemática que abalava um dos maiores e mais estruturantes motores do processo de integração: a União Económica e Monetária. As dívidas públicas e défices excessivos de alguns países entravam em incumprimento com os padrões comunitários e fizeram soar os alarmes da União Europeia cujas instituições acionaram os mecanismos previstos para colmatar essas dificuldades e ajudar de forma externa os seus Estados a balancearem as contas, nomeadamente casos de Grécia, Portugal e Irlanda – os mais prementes – países das ‘crises das dívidas soberanas’. É imperativo destacar que a maioria dos seus problemas não tinha origens exclusivas da supramencionada ‘crise’ mas eram reflexos de disfunções previamente existentes – sintomas com responsabilidade quer dos próprios Estados quer de inação comunitária – que com a mesma apenas acabaram por se evidenciar com maior impacto. 13

Os programas de ajustamento adjacentes provocaram uma cisão da Europa a outros

níveis, maioritariamente entre «Europa do Norte» (aumento do euroceticismo britânico) e «Europa do Sul» (países com programas de ajustamento) assumindo rapidamente proporções extra-políticas, extra-sociológicas e culturais num breve espaço temporal, ocupando integralmente as agendas das instituições da União entre 2010 e 2014. 14 Precisamente quando a Europa se encontrava abalada e totalmente focada numa melhor resposta aos problemas económicos, também o seu peso geoestratégico e o «modus operandi» da UE enquanto ator internacional sofreu um revés. Além das perturbações internas e como resposta à sua movimentação de negociações com a Ucrânia tendo em vista eventual integração futura na NATO, a Rússia envia em inícios de 2014 contingentes militares para a Península da Crimeia (território Ucraniano) que, na sua maioria constituído por população Russa ou por apoiantes da Federação Russa, acabam por aceitar pacificamente essa ocupação que perdura até aos dias de hoje.

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Este cenário deu azo a que outros movimentos independentistas de variadas latitudes proliferassem um pouco por todo o Leste Ucraniano, nomeadamente em regiões ou

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Marques, A. A competitividade das economias da zona euro: o caso Português. Editora Leya. Lisboa. 2015; 14 Schmidt, V.A. A Crise de Legitimação democrática da Zona Euro: Será a UE capaz de reconstruir confiança pública e apoio à integração Económica? Assuntos Económicos e Financeiros, Publicações da União Europeia. Luxemburgo. 2015. 63 pp.; 15 Barata, C. Crimeia, um interesse estratégico de que a Rússia não quer abdicar. Jornal Público Online, 2014. Última consulta a 13/05/2016;

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cidades importantes como Donetsk, Kharkiv e Luhansk. 16 Respondendo e repudiando o fortuito cenário de anexação de um território de um Estado por parte de um terceiro, o Ocidente e em particular os países Europeus aplicaram sanções de vária ordem à Rússia, o que não apenas prejudicou a Rússia unilateralmente como foi sobretudo um contratempo de considerável ordem para a Europa numa panóplia de setores, particularmente ao nível do fornecimento energético onde em regiões como o Leste da Europa esta se deparou com dificuldades de abastecimento de gás natural pois a Rússia era o seu principal fornecedor. Outros adventos de características culturais e religiosas afiguraram-se no coração da Europa: em Janeiro de 2015 as instalações do jornal satírico francês “Charlie Hebdo” em Paris foram alvo de um mortífero atentado perpetuado por fundamentalistas islâmicos, alegadamente em resposta a um número desse mesmo jornal que satirizava a religião Muçulmana. Apesar do alarmismo e mediatismo que possuiu por todo o Mundo, este advento não impediu que nesse mesmo ano em Novembro e precisamente na mesma cidade se desse lugar a uma série de outros atentados reivindicados pelo Daesh direcionados a salas de espetáculos, esplanadas ou estádios de futebol, numa conclusiva afronta ao estilo de vida Europeu. Apenas alguns meses mais tarde em Março de 2016 em Bruxelas, capital belga e cidade das principais instituições Europeias, verificou-se outro atentado no Aeroporto de Zaventem, maior e principal aeroporto Belga e um dos mais relevantes da Europa, igualmente reivindicado pelo Daesh. Nestes 3 ataques com espaçamento temporal de pouco mais de 1 ano pereceram mais de 170 europeus tornando o Terrorismo uma das maiores ameaças hodiernas que a Europa possui e exacerbando a necessidade de maior precaução com a segurança no seio do continente Europeu, uma urgência que não se verificava anteriormente. 17 Porventura o maior desafio hodierno que a União Europeia possui em mãos será a problemática dos refugiados e das migrações com maior expoente nos anos de 2015 e 2016. Importa ser relembrado que contrariamente às ideias de senso comum europeu já existiam rotas migratórias por vários pontos da Europa (principalmente no mar Mediterrâneo) que sempre se estabeleceram como problemas para a União Europeia. Esta não é, deste modo, uma questão nova. A escalada efetiva da tensão na Síria e o 16

Santiago, D. Guerra na Crimeia sobe de tom e Kiev perde o controlo do aeroporto de Donetsk. Jornal de Negócios Online, 2015. Última consulta a 01/06/2016. 17 Siza, R. As soluções que tardam para combater o terrorismo na Europa. Jornal Público Online, 2016. Última consulta a 10/06/2016.

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aumento exponencial do grau de destruição de cidades como Homs, Damasco e Alepo ditaram a migração em massa de população sob o estatuto de «refugiados de guerra» a uma escala histórica. Fechadas as portas dos países Árabes e a demonstrada incapacidade de absorção dos países que lhe eram circundantes (Líbano e Iraque) as opções viáveis passaram a ser a Turquia e países da Europa, numa imensa variedade de rotas terrestres e marítimas que se procederam entre finais de 2015 e inícios de 2016. Não obstante ter estado sempre na ordem de preocupações da UE este assunto ganhou um novo e temível relevo devido às implicações que este desastre humanitário de cariz internacional teria para a própria Europa, todas as suas instituições e os seus mecanismos. Segundo dados do Jornal Público de Fevereiro de 2016, de um número total de 160 mil pessoas planeadas a recolocar durante dois anos em países da UE, foram distribuídas apenas 598 pelo espaço comunitário

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sendo estas evidências das

dificuldades políticas, económicas e institucionais da UE em solucionar disfunções que levaram ao limite e à reformulação as vigentes regras da Convenção de Dublin (regras comunitárias sobre gestão de migrantes ou refugiados). Em jeito de balanço, a Europa dos últimos anos retratada nos parágrafos anteriores sofreu de disfunções com várias proveniências que testaram e continuarão a desafiar a curto-médio prazo a sua estabilidade e resistência, ao limite. São estes os contextos interno e externo em que o plebiscito britânico à União Europeia surge, numa instituição diagnosticada de várias doenças que deverão ser proeminentemente consideradas na avaliação sobre qual a Europa existente e nas reflexões sobre qual a União Europeia que os britânicos irão votar no próximo dia 23 de Junho de 2016 que, como se atesta ao longo das páginas anteriores, se encontra manifestamente enfraquecida.

B) David Cameron e a União Europeia: Tal como já foi citado numa parte prévia deste escrito, David Cameron herdou um problema que com alguma habilidade política foi capaz de ir evitando ao longo do seu primeiro mandato mas que se obstaculizou no segundo. Vozes que apelavam ao questionamento popular não eram uma novidade na Grã-Bretanha e de facto já ocorreu 18

Jornal Público. 26/02/2016 | n.º 9446 | Maioria dos refugiados que vão chegar a Portugal são Eritreus;

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um referendo à Europa anteriormente, em 1975, com uma vitória do ‘não’ à saída.

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Porém, com o crescimento dos problemas hodiernos da Europa acentuava-se cada vez mais a necessidade de realizá-lo principalmente pelas secções eurocéticas do Palácio de Westminster cujo poder crescente (também em virtude da onda de aumentos dos nacionalismos políticos um pouco por toda a Europa) será incontornável. Assim, na campanha eleitoral de David Cameron para o seu segundo mandato à frente dos destinos britânicos, este garantiu à mencionada ala eurocética não só de outros partidos mas inclusive do seu próprio Partido Conservador o esperado referendo à União Europeia numa tentativa de igualmente procurar assegurar a sustentabilidade do sistema social britânico. Ao chegar ao poder para o quinquénio 2015-2020, Cameron honrou a sua premissa e marcou para 23 de Junho de 2016 aquilo que se esperava ser uma consulta que produzisse resultados claros e límpidos que garantissem estabilidade sobre a questão. A partir desse enquadramento, a sua busca passou a ser, portanto, a de procurar acordar novos termos da participação britânica, ameaçando não tomar partido pelo “sim” no BREXIT (atuação política arriscada que lhe valeu críticas internas e na Europa). A 10 de Novembro de 2015 escreve uma carta a D. Tusk (Presidente do Conselho Europeu) onde esclarece os quatro pontos / áreas onde entende que deve haver uma reformulação tanto do funcionamento da União Europeia como da sua relação com o Reino Unido: “A proteção do RU e de outros países de fora do euro contra a discriminação no mercado único; reforçar a competitividade traçando um objetivo para a redução da regulação excessiva, a famosa burocracia de Bruxelas; permitir ao Reino Unido ficar de fora da ambição de uma maior integração na União (ever closer union), dando mais poderes aos parlamentos nacionais na criação de leis europeias; cortar os altos níveis de imigração de cidadãos da UE, reduzindo o seu acesso aos benefícios fiscais” 20 Na reunião de Dezembro de 2015, os membros do Conselho Europeu acordaram em cooperar estreitamente entre si para encontrar soluções nos quatro domínios acima referidos, marcando reuniões para os dias 18 e 19 de Fevereiro de 2016.

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Stephens, P. EU referendum: History repeated. Financial Times Online, 2015. Última consulta a 25/05/2016. 20 Tecedeiro, H. Exigências de Cameron à EU: “Só isto? Perguntam Eurocéticos. Diário de Notícias Online, 2015. Última consulta a 12/06/2016.

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Entrando no espaço temporal em que a presente investigação se inseriu e, portanto, o âmago deste trabalho, o mês de Fevereiro introduziu-se com notícias que davam conta de que o primeiro-ministro britânico admitia fazer campanha pela permanência na União Europeia, não obstante ter sido o responsável pela marcação do referendo. 21 No dia 4 de Fevereiro defendeu no Parlamento a proposta de renegociação com a União Europeia e garantiu apoio da ministra do Interior, referindo que “o Reino Unido terá uma posição mais forte e melhor” e conseguindo adiar uma possível fratura dentro do seu governo garantindo igualmente que o seu país nunca faria parte de uma união política, monetária, do espaço Schengen ou de um Exército comum”. 22 Cerca de uma semana mais tarde algumas sondagens sinalizavam um aumento das intenções de voto a favor do “sim” à saída 23 sendo que Cameron prematuramente afirmou que para o governo Britânico aquilo que saísse de Bruxelas e que será votado pelos britânicos no referendo seria “legalmente vinculativo”.

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Este é um perigo capaz de colocar David

Cameron numa posição delicada na eventualidade de o “sim” ser o mais votado, uma vez que passará a ser o primeiro-ministro responsável por afastar politicamente e de forma definitiva a Grã-Bretanha da União Europeia com todas as consequências positivas ou negativas que possam advir desse cenário.

C) Reunião no Conselho 18 e 19 de Fevereiro (peripécias, discussões e conclusões):

Como foi atrás anunciado, a base do acordo pretendido pelos britânicos subdividia-se em 4 áreas mestras: União Económica e Monetária; Competitividade; Soberania; Questões sociais e livre circulação. No que respeita à UEM o RU solicitava ter direito de veto e a que existisse um “opt-out” por parte dos países da Europa que não são membros da Zona Euro procurando garantir que nesta vertente da governação Económica Londres não tivesse de arcar com custos dos programas de ajustamento de outros países da

União Europeia. Na

competitividade

Cameron procurava

desburocratizar e diminuir legislação que vigorava na UE; na soberania ambicionava

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Jornal Público. 03/02/2016 | n.º 9423 | Cameron aceita “reformas substanciais“ apresentadas por Bruxelas para evitar BREXIT; 22 (ibid) 04/02/2016 | n.º 9424 | Atacado pelos eurocéticos, Cameron resistiu à primeira batalha; 23 (ibid) 15/02/2016 | n.º 9435 | Discurso de Mario Draghi e Conselho Europeu em destaque; 24 (ibid) 17/02/2016 | n.º 9437 | Cresce incerteza sobre acordo entre União Europeia e o Reino Unido.

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BREXIT: afastamento denunciado

um direito de veto / cartão vermelho sobre iniciativas políticas e a revisão de protocolos adicionais. As questões sociais e de livre circulação eram o mais determinante nas negociações devido à já indicada falta de sustentabilidade da segurança social britânica para que não tivesse de suportar os custos sociais dos imigrantes de países comunitários. As reuniões no Conselho foram antecipadas pelas afirmações de Tusk: “A União trabalhará noite dentro e manhã fora para garantir que David Cameron sai de Bruxelas com um acordo capaz de convencer os seus eleitores, sem beliscar os princípios fundamentais da UE e as preocupações vitais dos restantes Estados” Cameron por sua vez deslocou-se a Berlim, Paris e Bruxelas, bem sintomático da alta preocupação de todos os envolvidos sobre a necessária boa consecução do tópico em abordagem. 25 Além do tópico do BREXIT, iniciou-se a reunião com a indissociável abordagem à crise dos refugiados e das migrações na Europa, questão igualmente delicada e de necessária atuação referindo-se nela que a crise dos refugiados deve ser combatida em conjunto com a NATO. Ao abordar a questão das fronteiras e das violações ao Espaço Schengen, o líder grego Alexis Tsipras ameaçou vetar qualquer acordo com o Reino Unido caso fosse isolado pelo Conselho ou a Grécia fosse sancionada por não conseguir conter a entrada de refugiados e migrantes no seu território, por ser um país responsável pelas fronteiras externas da União Europeia (cenário que acabou por não se suceder e que poderia ter colocado em causa a integridade do acordo por parte da União Europeia). A Áustria afirmou de forma unilateral que somente iria permitir 3200 refugiados por dia no seu território, limitando a 80 o número diário de pedidos de asilo, sintomático do afastamento de interesses de alguns Estados sobre a temática. Outros pontos dos trabalhos foram Síria, Líbia, a cimeira e possíveis acordos com a Turquia e o Semestre Europeu. Também A. Merkel (líder Alemã) referiu neste encontro que qualquer Estado deve proteger-se de quaisquer aproveitamentos da sua segurança social, acrescentando que o BREXIT é uma questão de “interesse nacional” alemão. Porém, David Cameron não aparentou diferenciar imigrantes provenientes de países da União Europeia (ou da Zona Euro) de imigrantes extracomunitários, classificando-os similarmente. Foi esta uma das razões que levou o “Grupo de 25

(ibid) 18/02/2016 | n.º 9438 | Cameron jogou tudo e descobre agora se pode reclamar vitória;

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Visegrado” (Eslováquia, Hungria, Polónia e República Checa) a afirmarem-se contra as estas pretensões britânicas numa fase adiantada das negociações devido ao elevado número de emigrantes oriundos destes países a residir no Reino Unido. Também Portugal era parte interessada nesta posição com dados estatísticos a apontarem para a presença de cerca de 250 mil portugueses a trabalhar no Reino Unido sem dupla nacionalidade. Distinguiu-se o líder do Conselho D. Tusk pela condução da reunião como elemento conciliador de posições, dando-se-lhe mérito pela positiva orientação das mesmas pese embora o extremar de posições que se terá verificado em vários momentos. O acordo consensual alcançou-se por volta das 22 horas do segundo dia de reuniões a 19 de Fevereiro. No que toca ao BREXIT, refere-se que o acordo dará “um estatuto ainda mais especial ao Reino Unido”: a segurança Social britânica acaba mesmo por suportar menos os imigrantes comunitários (a suspensão de abonos e subsídios será somente aplicada aos que chegam de novo e a partir de 2020 para os imigrantes atualmente no território). O jornal Público do dia 20 de Fevereiro salienta que “Cameron queria que o travão de emergência pudesse ser aplicado durante treze anos, teve de se contentar com sete”. Estas são reformas que se focam, sobretudo, nos “low income jobs” ou trabalhos pouco qualificados.26 O relatório que transpõe para papel todos os acordos alcançados é nítido que sobre a questão da área da UEM que o euro é (e continuará a ser no futuro) a moeda oficial da União Europeia e a libra uma moeda importante mas secundária na Europa. O capítulo da competitividade foi o segmento com maior consenso em que o líder britânico conseguiu mobilizar a simpatia de todos os Estados membros. No que respeita à soberania consignou-se a importância de maior aproximação das decisões com os cidadãos.

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Algumas destas medidas não serão

somente para o Reino Unido: outros Estados terão de solicitar e justificar regime de excecionalidade. Países como Portugal e do referido “Grupo de Visegrado” tiveram papel crucial para que as prestações para atuais imigrantes se realizasse apenas a partir de 2020 com uma postura que procurou adiar ao máximo a interrupção imediata dessas prestações. A imprensa de tablóides britânicos (de índole eurocética) criticou o resultado da renegociação do líder conservador: “Chamas a isto um acordo, Dave?”, leu-se na manchete do tabloide Daily Mail, enquanto que o The Times afirmava que o 26

(ibid) 20/02/2016 | n.º 9440 | Europa chega a acordo para travar saída do Reino Unido da UE; Assembleia da República TV - Comissão Parlamentar de Assuntos Europeus: audição da Secretária de Estado dos Assuntos Europeus sobre a reunião do Conselho Europeu 18 e 19 de Fevereiro - Gravado em 24 de Fevereiro de 2016; 27

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primeiro-ministro conseguiu apenas “ajustes confusos que de modo algum se aproximam do objectivo que inicialmente fixara” 28

D) Forma, protagonistas e eventuais resultados do referendo:

O referendo de 23 de Junho de 2016 envolve um registo prévio dos eleitores e até ao momento deste escrito encontra-se em plena campanha eleitoral. Os cidadãos britânicos maiores de 18 anos podem votar no referendo a não ser que tenham vivido fora do Reino Unido durante mais de 15 anos. Os cidadãos irlandeses e da Commonwealth que vivem na Grã-Bretanha também podem votar, bem como os cidadãos de Gibraltar, sendo igualmente possível votar pelo modo online ou pelo correio.

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Nigel Farage, conhecido eurodeputado pelo Ukip é o principal rosto que

defende o “sim” no referendo. Também o Partido Conservador possui nomes que não seguem a linha de Cameron e apelam a favor do “não”, nomeadamente o ex-Mayor de Londres, Boris Jonhson. Tony Blair e John Major são os antigos líderes que apoiam a permanência britânica. Muitos são os rumores, sondagens e cenários que se traçam desde já sobre o referendo ao BREXIT. É primeiramente importante não esquecer que os caminhos de Reino Unido e da União Europeia cruzaram-se de forma semelhante desde sempre. Convém de igual modo assinalar que num cenário de saída, vários países desta comunidade tais como a Escócia, as Irlandas ou o País de Gales poderão não querer seguir esse caminho e, declarando independência, procurarem eles mesmos fazer parte da União Europeia. 30 Questões sobre qual será o destino do tecido empresarial Europeu no Reino Unido e aos britânicos residentes na Europa são igualmente pertinentes, já que o mercado europeu tem um peso de 50% na economia Britânica sendo que tanto o Fundo Monetário Internacional como as reuniões do G7 já alertaram oficialmente para os perigos económicos e financeiros da saída do Reino Unido.

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Também o próprio

David Cameron alerta que saída da Grã-Bretanha levará a uma eventual recessão

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Jornal Público. 21/02/2016 | n.º 9441 | Cameron lança-se na batalha pela UE. Euronews. Questões sobre o referendo à permanência do Reino Unido na UE. 2016. Última consulta a 13/06/2016; 30 (ibid). Brexit divide País de Gales e Escócia. 2016. Última consulta a 11/06/2016; 31 Viana, J.A. Líderes do G7 avisam que Brexit vai “pôr em causa o crescimento global. Jornal Expresso Online, 2016. Última consulta a 29/05/2016. 29

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crónica e difícil de colmatar, pairando a hipótese de perda de centenas de milhares de empregos. A duas semanas do referendo, as sondagens ainda oscilam entre os 50%. No hipotético caso de saída decorrerá um período de dois anos até ao momento de saída. Após isso, perspetiva-se que o RU irá procurar um acordo comercial ad hoc com a Europa significando que sair da União Europeia e do projeto Europeu na totalidade não será de todo uma realidade plausível. No caso de o referendo ser negativo à permanência, todo o conjunto de decisões e matérias acordadas na reunião em questão deixam de ter aplicação prática. Se por um lado um resultado favorável à permanência neste referendo trará estabilidade temporária aos Eurocéticos dentro do Reino Unido, a verdade é que um resultado negativo poderá trazer resultados devastadores para todos os intervenientes: outros Estados poderão procurar seguir esse rumo, que nessa eventualidade atingiria a curto prazo e com proporções devastadoras a integridade Europeia na sua totalidade.

Conclusão: quo vadis Europa? O presente trabalho de investigação ambicionou avaliar a história do relacionamento do Reino Unido com a Europa enquanto Estado impulsionador da “Europa à la carte”. Essa tendência de ordem histórica não se alterou e manifestou-se numa ação do seu atual primeiro-ministro ao levar em 2015 e 2016 até à fragilizada União Europeia questões partidárias do foro interno e de origem eleitoral. Ao invés de uma postura rígida que consistiria numa não aceitação de quaisquer reivindicações ou alterações aos tratados, a União optou por uma postura negocial prudente abrindo hipóteses a um consenso que agradasse a todas as partes envolvidas de modo a não debilitar ainda mais a sua já delicada situação, com o BREXIT a constituir-se como outra das frentes com que teria de se preocupar (apesar de estar a duas semanas de ainda ser uma séria ameaça se o “sim” vencer). Esta foi uma posição que refletiu em certa medida a inoperância reativa da União Europeia classificando-a como uma instituição tolerante face a questões internas de um só Estado, que se interferiram com um período de sua própria debilidade. Apesar dos acordos e mediante o futuro, o sentido de oportunidade britânico deverá ser tido em devida conta num cenário de ‘sim’ à saída. Isto reacende igualmente a questão sobre se o debate de assuntos nacionais no seio da união deverá ser ou não tolerável. Facto é que o líder do partido responsável pela realização deste referendo e simultaneamente chefe de governo inglês está, doravante, Página | 17

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numa periclitante situação em que defende de forma fervorosa a manutenção dentro da União Europeia. Um exercício interessante seria procurar vislumbrar como seriam os dias de hoje e do pós-referendo do próximo dia 23 se porventura não tivessem existido quaisquer cedências nem renegociações por parte do Conselho da União Europeia entregando assim o Reino Unido ao seu destino de forma isolada. Em suma, através da História não só se pôde prever esta posição britânica de incerteza (um pé dentro e outro pé fora) bem como se poderá perspetivar o desfecho, concluindo-se que este foi, de facto, um «afastamento» que desde há muito tempo se denunciava, tornando o Reino Unido ainda mais fora da Europa do que se encontrava.

Fontes documentais Assembleia da República TV - Comissão Parlamentar de Assuntos Europeus: audição da Secretária de Estado dos Assuntos Europeus sobre a reunião do Conselho Europeu 18 e 19 de Fevereiro - Gravado em 24 de Fevereiro de 2016 Diário de Notícias – Plataforma online EuroNews Jornal Expresso – Plataforma online Jornal Público – Formato físico (totalidade do mês de Fevereiro) e Plataforma online

Bibliografia Comunicado de David Cameron sobre reforma à União Europeia. 2015. 100 pp.; Conclusões do Conselho Europeu, 18-19 de fevereiro de 2016; Europarl: Fichas técnicas sobre a União Europeia, Luxemburgo: Serviço das Publicações da União Europeia, 2013, 586 pp.; J. C. Juncker, D. Tusk, J. Dijsselbloem, M. Draghi and M. Schulz. Completing Europe’s Economic and Monetary Union.; J. C. Piris. O futuro da Europa: rumo a uma Europa a duas velocidades. Cambridge, Imprensa da Universidade de Cambridge, 2012, p. 102.; Página | 18

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J.W. Young. Grã-Bretanha e a União Europeia 1945–92 Macmillan. 1992. p. 161.; R. Adler Nissen. O Reino Unido numa Europa a duas velocidades. The Political Quarterly, Vol. 87. nº 2. 2016; Reunião do Conselho Europeu relativo a um novo entendimento para o Reino Unido com a União Europeia, EUCO 1/16, Anexo 1º às Conclusões do Conselho Europeu, 19 de Fevereiro de 2016, 36 p.; R.P. Bustamante e J. Colsa. História da União Europeia. Coimbra Editora. Coimbra. 2004; Silva, A. M. – História da Unificação Europeia. Imprensa da Universidade de Coimbra. Coimbra. 362 pp. 2009.

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