Bride and Prejudice: o casamento mainstream do Ocidente em Bollywood

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Bride and Prejudice: o casamento mainstream do Ocidente em Bollywood

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Marina DIDIER2 Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE RESUMO O presente artigo pretende investigar as relações entre a adaptação da obra Orgulho e Preconceito, da escritora Jane Austen, feita por Bollywood. As aproximações interculturais e tendências mercadológicas utilizadas para ampliação da audiência, sobretudo, do público ocidental. Através de pesquisa a respeito do gênero musical em Noiva e Preconceito (Bride and Prejudice, 2004), este artigo explorará a indústria bollywoodiana em sua tentativa de ingresso como cultura mainstream no mercado global e como cultura do entretenimento, apontado por Richard Dyer (1992), seguindo modelos americanos sem, contudo, excluir as marcas da cultura local, indiana. PALAVRAS-CHAVE: entretenimento; mainstream; musical; cultura pop; Bollywood.

Bollywood é o grande nome que lembramos ao falar de cinema indiano. Relacionada à indústria cinematográfica, é sinônimo do cinema produzido na Índia. Apesar da fama, o número de filmes gravados em Bollywood corresponde a apenas um quarto da produção total do cinema indiano. Considerada o mainstream indiano, a indústria do cinema atrai e conquista diferentes públicos, tendo suas narrativas fílmicas construídas para agradar um público amplo, com gostos diferentes, através da mistura de gêneros e de características tradicionais da cultura local. O estudo proposto neste artigo tem como objetivo investigar a origem da curiosa apropriação por parte de Bollywood de uma obra reconhecida e consagrada, revisitada e reeditada em várias línguas, Orgulho e Preconceito (1813), da inglesa Jane Austen. A principal hipótese é a de que a indústria indiana teria utilizado como estratégia a adaptação do livro para as telas, com a finalidade de projetar culturalmente a Índia no mundo. Além dessa questão, há a opção pelo gênero musical.

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Trabalho apresentado como resultado da disciplina Cultura Pop e Estéticas do Mainstream no curso de graduação em Cinema da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife (PE). Email: [email protected] 2

Graduanda do Curso de Jornalismo da UFPE, email: [email protected].

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Bollywood como utopia

A Índia é um país de contrastes. Com um contingente de 1,2 bilhões de habitantes é um país em pleno crescimento econômico, especialmente no setor das indústrias criativas e do cinema. Contudo, cerca de 400 milhões de indianos vivem em condições de extrema pobreza, segundo pesquisa divulgada pelo Banco Mundial (BM) no início do ano de 2013. Nessa conjuntura, Bollywood se apresenta como o cinema mainstream da Índia, massivo e segue moldes mercadológicos.

Dentro desse contexto, cresce um mito em torno de Bollywood, no qual se delega um poder ao cinema, o de unir o povo indiano, independente a qual classe social e casta ele pertença. O cinema tem um importante papel na integração nacional, e seria essa ideia de integração nacional vinculada à cultura popular, especialmente em um país com dimensões continentais como é a Índia e que possui 22 línguas oficiais. Esse papel da indústria bollywoodiana de exercer certo controle e domínio de público é justificado principalmente pela pobreza e pela tentativa de fuga através do entretenimento.

Figura 2 – Letreiro fica em Mumbai, antiga Bombaim

O interesse de manter essa utopia através do entretenimento, principalmente através do cinema, é explicado também como uma forma de domínio tanto nos limites nacionais quanto no interesse de uma abrangência internacional.

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É por meio de um soft power, descrito por Joseph Nye como a atração e a conquista do público através da cultura e não pela força militar, econômica e industrial, que Bollywood busca angariar uma audiência mais ampla, especialmente dos países ocidentais. É importante compreender que o soft power é uma forma de conquista mercadológica e de exportação de valores e que para os indianos é mais fácil culturalmente consumir produções ocidentais, diferentemente da audiência ocidental que sente dificuldade em absorver uma produção indiana. O sociólogo francês, Frédéric Martel, em seu livro Mainstream a guerra global das mídias e das culturas (2010), entrevistou Amit Khanna, diretor-presidente de uma das mais ricas empresas de comunicação e mídias da Índia, a Reliance Entertainment. Amit Khanna explica que o interesse que a indústria bollywoodiana tem em expandir o seu mercado vai além de desempenhar papéis de destaque político e econômico, Bollywood que exportar e influenciar o mundo através da cultura indiana. “Nós acreditamos no mercado global, temos valores, os valores indianos, a promover”, completa Amit. Para a Índia, construir uma imagem de si para o mundo é fundamental na conquista de mercado e exportação de valores. Bollywood enfrenta o desafio de cooptar audiência fora dos limites do país e uma das principais dificuldades é o molde do cinema indiano, com produções de longa duração.

Musical como entretenimento

Na Índia, a indústria cinematográfica está intimamente relacionada à indústria fonográfica. As produções geralmente gravadas em hindi possuem cenas musicais, mesmo nos filmes em que o gênero não é o musical. Tradicionalmente, os filmes de Bollywood são marcados pela música e pela dança, em semelhança com o modelo hollywoodiano de musicais, sobretudo após a década de 50, quando esse gênero ganhou notoriedade pelas canções. Considerado uma forma de entretenimento, o gênero musical foi durante muito tempo marginalizado das artes e tido apenas como supérfluo e fugaz. Richard Dyer, em seu livro Only Entertainment (1992), descreve o entretenimento como uma ideia de senso-comum. Dyer inclui o gênero musical como uma das muitas formas de entretenimento e explica o conceito através de duas perspectivas:

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Two of the taken-for-granted descriptions of entertainment, as ‘escape’ and as ‘wish-fulfilment’, point to its central thrust, namely, utopianism. Entertainment offers the image of ‘something better’ to escape into, or something we want deeply that our day-to-day lives don’t provide. Alternatives, hopes, wishes – these are the stuff of utopia, the sense that things could be better, that something other than what is can be imagined and maybe realized. (DYER, 1992)

A respeito dessa característica do gênero musical de entretenimento há também uma relação nítida com outro campo relacionado ao mainstream, o do pop. A utilização do romance escrito no século XIX, traz para a atualidade questões em uma nova perspectiva geográfica e temporal. Bollywood se apropria da obra, que possui identificações com uma cultura pop para, através de um conjunto de práticas norteadas pela lógica midiática e do entretenimento, estabelecer formas de fruição e consumo e de um senso de comunidade, mesmo que global, compartilhando gostos e afinidades. O filme Noiva e Preconceito (2004) explora na literatura mainstream características do pop situando indivíduos de diferentes realidades dentro de um sentido globalizante.

Figura 1 – Momento diegético no filme musical

O filme musical contemporâneo, em contraponto ao gênero musical inicial que era assumidamente um espetáculo, tem caráter essencialmente diegético (LODGE, David, 1996) que identifica dentro do universo fílmico características de fantasia e momentos fora da realidade. Noiva e Preconceito segue esse raciocínio, quando, por 4

exemplo, dentro da narrativa as personagens caminham pelas ruas e, de repente, todos começam a cantar e dançar algum número musical sem justificativas lógicas. Essa característica marcou os musicais da década de 50, onde a fugacidade era evidenciada. Também era possível notar o escapismo típico do entretenimento nas formas de representação dos lugares onde as narrativas se passavam, a partir do uso de técnicas como rear projection ou back projection, onde os locais eram mostrados em uma projeção por trás dos atores. Esse valor de real gerava e ainda gera expectativas no público de que aquilo faz parte de um espetáculo, onde os efeitos de excesso são marcas do gênero.

Bride and Prejudice: representações e analogias

Em Mumbai, antiga Bombaim, de onde se origina o nome Bollywood, em analogia à Hollywood, indústria cinematográfica mainstream americana, foi feito o filme Bride and Prejudice (Noiva e Preconceito, 2004), do diretor Gurinder Chadha, adaptação do romance de Jane Austen, Pride and Prejudice (Orgulho e Preconceito, 1813). O filme indiano surgiu no momento em a literatura de Jane Austen estava sendo revisitada para diversos segmentos como a televisão, o teatro e o cinema. No ano de 2005 a adaptação dirigida por Joe Wright e estrelada por Keira Nkightley deu mais amplitude a obra da inglesa. Bollywood se antecipou e lançou um ano antes a adaptação da história romântica que se passava na Inglaterra do século XVIII, para os dias atuais na Índia.

Figura 3 – Capa do livro Orgulho e Preconceito 5

O filme Noiva e Preconceito (2004) traz já em seu elenco atores americanos e britânicos e filmagens em locações como Londres e Los Angeles. Vale lembrar que a Índia,como país, teve historicamente uma ligação muito forte com a Inglaterra. Questões políticas envolvendo a dominação econômica e cultural por parte dos ingleses, durante o imperialismo do século XIX, ainda apresentam as suas marcas. Na película adaptada, surgem inúmeras referências contraditórias de quebra e mantimento das tradições indianas. Uma delas vem através de um pesadelo da personagem principal, Lalita (estrela indiana, Aishwarya Rai), que sonha com casamento diferente do tradicional em seu país, ela sonha vestida como uma noiva de véu e toda de branco, aos moldes ocidentais, inclusive dentro de uma igreja.

Figura 5 – Lalita sonha vestida como uma noiva aos moldes ocidentais Porém, em outros momentos, como o do tão esperado “beijo” entre a mocinha e o mocinho,a quebra não acontece. Isso porque para os indianos algumas instituições como a da família e do casamento são quase que intocáveis. O filme já traz uma ruptura relativa à tradição do casamento quando Lalita se casa com um americano. Outra similaridade aproveitada no romance pelo filme é a tradição de casar a filha mais velha e de dar um dote ao pretendente, tradição presente em ambas obras, na Inglaterra do século XVIII e na Índia ainda nos dias atuais. Essa aproximação é também afastada nos diálogos de questionamento no diálogo entre Lalita e Mr. Darcy, onde ela pergunta as razões de um americano estar na Índia e investir algum negócio no lugar, e

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afirma que os lugares que ele acha e chama de “Índia” na verdade é apenas um oásis para quem pode pagar, referindo-se a rede hoteleira de luxo. Para maior difusão do filme, os atores falam em inglês e durante algumas danças típicas cantam em hindi, sendo grande parte das músicas cantadas em inglês também. Na verdade, grande parte das produções em Bollywood têm as vozes dos atores dubladas nos momentos das músicas. Um profissional que trabalha na indústria cinematográfica na Índia deve ser não apenas ator, mas dançarino e cantor. Daí uma forte ligação com os artistas de musical, sobretudo do musical clássico. Um exemplo semelhante aconteceu em 1995, quando o filme Brave-Heart Will Take the Bride já havia tocado na temática de história de amor fora dos padrões indianos, no caso entre dois indianos que viviam no Reino Unido, mas que eram prometidos a casamentos arranjados na Índia. No final a história o casal teve seu happy end e tudo deu certo. O filme foi um sucesso e durante treze anos foi exibido nas telas de cinema da Índia.

Figura 4 – Banner do filme Noiva e Preconceito

Ser mainstream é lançar mão de um produto cultural visando um grande público, é ser parte de uma corrente dominante. É nesse âmbito que a Índia busca a integração entre a cultura local e a cultura pop. Um pop atrelado ao sentido mercadológico, formas de produção e práticas de consumo, sobretudo na utilização de 7

clichês, como é o caso do filme em questão Bride and Prejudice, onde o senso comum é explorado para atrair e conquistar espaço dentro do cenário pop. O fato que move esse questionamento sobre o uso na adaptação fílmica indiana é a relação entre as culturas indiana e ocidental. As aproximações e os tons de distinção que o filme tenta explorar entre as culturas seculares, sendo de forma adaptativa e antropofágica, sendo também tradicional e conservadora dentro de certos parâmetros. A releitura do clássico de forma coerente com o contexto indiano e seus valores, afirmando a universalidade da obra de Jane Austen. Diferentemente do caso mais recente de Noiva e Preconceito a intenção da produção indiana foi de agregar valores indianos a uma cultura pop e mainstream já consolidada no caso da obra de Jane Austen. O cinema indiano fez uso de um recurso que já está inserido no mainstream mundial para cooptar público global. Podemos dizer que o filme alcançou em parte seu objetivo, pois é veiculado atualmente, após dez anos, no netflix, site americano pago que serve como uma espécie de locadora virtual, com versões disponíveis para outros países, exibem filmes e séries, na grande maioria mainstreams.

Referências MARTEL, Frédéric. Mainstream- A guerra global das mídias e das culturas. 2 ed.(2010)

SOARES, Thiago. Cultura Pop: Interfaces Teóricas, Abordagens Possíveis. Disponível em: . Acessoem: 3.jul. 2014

DYER, Richard. Only Entertainment. (1992)

DE SOUZA, Christine. O show devecontinuar: o gênero musical no cinema. (2005)

LODGE, David. Mimesis and Diegesis in Modern Fiction. (1996)

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Sites visitados osbrics.com/2013/04/18/índia-tem-o-maior-numero-de-pobres-entre-os-brics/

http://www.imdb.com/title/tt0361411/

http://en.wikipedia.org/wiki/Bride_and_Prejudice

http://www.cinemaindiano.com.br/

http://pt.wikipedia.org/wiki/Bollywood

http://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_trabalhos_art%C3%ADsticos_derivados_de_%22Pride_a nd_Prejudice%22

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