BRINCAR, JOGAR, APRENDER: NARRATIVAS DE CRIANÇAS SOBRE A ESCOLA NOS ANOS INICIAIS

July 4, 2017 | Autor: M. Pereira | Categoria: Narrativas, Aprender, Jogar, Brincar
Share Embed


Descrição do Produto

BRINCAR, JOGAR, APRENDER: NARRATIVAS DE CRIANÇAS SOBRE A ESCOLA NOS ANOS INICIAIS Monalisa Rodrigues Pereira1 - IFSul Campus Pelotas Cristhianny Bento Barreiro2 - IFSul Campus Pelotas Grupo de Trabalho – Educação da Infância Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo O estudo compreende crianças dos anos iniciais da Educação Básica, suas relações, brinquedos e brincadeiras; considerando sua vivência no ambiente escolar, analisa-se as formas pelas quais se concebe a cultura infantil. Pensa-se, portanto, na prática infantil de operação na sociedade, suas ações e modos de interpretar a realidade. Comportando narrativas, este trabalho acompanha duas turmas de terceiro ano do Ensino Fundamental cuja professora titular é a própria pesquisadora. Através da observação de seu brincar livre e conversas informais, busca-se refletir sobre processos interativos, criativos e de aprendizagem significativa. Fundamenta-se a presente pesquisa em estudos acerca de teorias do desenvolvimento e dos significados de brincar e aprender: valeu-se, principalmente, das ideias de Humberto Maturana, Tizuko Kishimoto e Lev Vygotsky. Pretende-se, neste estudo, incorporar as vozes dos alunos a fim de refletir sobre os conhecimentos oriundos da dinâmica do brincar, atentando-se a seus brinquedos, estratégias de jogo, relações permeadas pela fase escolar, laços de amizade, descobertas e conflitos intra e interpessoais. Valoriza-se, no trajeto da pesquisa, a espontaneidade e a liberdade de escolha, propiciando um ambiente democrático no qual a criança possa exercer a infância não apenas como um tempo de devir, mas como tempo de construção ativa sobre a própria formação. Reconhece-se, desta forma, formas próprias de fazer, sentir, experimentar e expressar-se. O objetivo central do trabalho é, assim, compreender como as crianças constituem conhecimento por intermédio dos espaços-tempos do brincar, observando quais são suas brincadeiras, brinquedos e jogos, bem como analisa seu papel nos primeiros anos da escola regular. Finalmente, o presente estudo investiga a contribuição do “brincar livre” no âmbito da educação formal. Palavras-chave: Narrativas. Brincar. Infância. Aprendizagem. Escola.

1

Graduada em Pedagogia pela Universidade Católica de Pelotas. Mestranda em Educação e Tecnologia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense. Professora da Educação Básica do Estado do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected]. 2 Doutora em Educação. Professora do Programa de Pós-graduação em Educação do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense. E-mail: [email protected].

ISSN

Introdução Este trabalho apresenta uma pesquisa sobre o tempo de brincar, a partir de sua fecundidade enquanto constituidora de conhecimentos. Contempla, desta forma, o brinquedo e a brincadeira enquanto atividade de aprendizagem significativa nos primeiros anos do Ensino Fundamental; observa-se, portanto, suas possibilidades e potencialidades enquanto processo criativo e social através de narrativas de crianças. A partir de experiência pessoal como professora de anos iniciais, a pesquisadora percebe a importância da brincadeira, ato levado muito a sério pelas crianças. Assim, busca pesquisar os sentidos e os significados atribuídos pelas crianças a estas atividades. A construção de referências teóricas acerca do ato de brincar, construção de relações entre pares e cultura infantil foi inicialmente desenvolvida baseando-se em autores como Kishimoto (2011), Maturana e Verden Zöller (2004) e Vygotsky (1998), além das conversas cotidianas entre alunos e professora sobre as diversas situações vivenciadas no espaço escolar durante a dinâmica dos jogos. Justificativa Por tratar-se de um trabalho em fase inicial, os resultados limitam-se às análises das percepções oriundas da convivência diária no ambiente de trabalho da pesquisadora em questão. É possível observar, diariamente, elementos que constituem a cultura infantil atual, seus pressupostos sociais e formas pelas quais o aprendizado se dá, compreendendo-se as crianças como seres sociais, reflexivos, criativos e aprendentes. Desta forma, a pesquisa justifica-se pela valorização do direito de brincar destas crianças e por dar visibilidade às suas formas particulares de pensar, atuar e construir conhecimentos. Para além de sua função pedagógica, atenta-se ao brincar enquanto facilitador de saberes essenciais à vida, conhecimento de si, do outro e do mundo. Objetivo Esta pesquisa tem como escopo a vivência de crianças na fase inicial escolar, adentrando-se no mundo infantil a fim de analisar modos singulares de ser, brincar e aprender. Tenciona-se, para tanto, a percepção dos discentes contemplados como seres sociais dotados

de subjetividade, ou seja, constituídos de modos peculiares de pensar, agir, brincar e construir conhecimento. Os alunos, no papel de co-pesquisadores em um ambiente democrático, são observados e ouvidos, expressando suas expectativas, ideais, preferências, valores, sentimentos e significados atribuídos ao que se aprende no âmbito escolar. Procura-se, enfim, compreender as relações infantis e sua forma de organizar-se nos momentos de brincar, seus grupos e processos interativos e comunicativos, atentando-se a seus brinquedos (criados ou não) e sua interpretação da realidade. Serão investigados, dia após dia, os modos pelos quais a aprendizagem é concebida, suas transformações e possibilidades de novos caminhos para o ensino. Marco Teórico Vivemos, atualmente, em uma sociedade na qual não há o devido espaço para brincadeiras, negando-se nossa potencial postura de acolhimento e vivência no amor. Para Kishimoto (2011) A imagem da infância é reconstituída pelo adulto por meio de um duplo processo: de um lado, ela está associada a todo um contexto de valores e aspirações da sociedade, e, de outro, depende de percepções próprias do adulto, que incorporam memórias de seu tempo de criança. Assim [...] a imagem de infância reflete o contexto atual [...]. (KISHIMOTO, 2011, p.22)

Com a necessidade contemporânea de disputa e tendência a ter ou ganhar acima de ser, nega-se, portanto, o amor, dando-se à brincadeira um sentido de produtividade e competitividade, trabalhando-a como atividade desportiva. Ao institucionalizarmos a brincadeira, impondo-lhe metas e cobranças, matamos sua essência espontânea e sensível. Em Maturana e Verden-Zöller (2004), busca-se compreender o desejo de vitória e a falta de respeito e colaboração enquanto comportamentos aprendidos e que podem ser amenizados no trabalho com a ludicidade, liberdade e aceitação. Dessa maneira, vê-se o brincar enquanto fenômeno próprio da cultura em que crescemos, favorecendo a aprendizagem através do movimento, da livre expressão, da cooperação, da confiança e do afeto. De encontro às ideias de Maturana (2004), Vygotsky (1998) retrata a brincadeira como atividade criadora, na qual as conversas entre fantasia e realidade possibilitam novas formas de fazer e ser na infância, estabelecendo-se nossas relações. Essas relações contidas em um

meio que interage com o indivíduo expressam uma dialética na qual experiências antigas e novas são combinadas, alavancando a aprendizagem. Fundamenta-se, assim, que Entre as questões mais importantes da psicologia infantil e da pedagogia, figuram a da capacidade criadora das crianças, do fomento dessas capacidades e da sua importância para o desenvolvimento geral e o amadurecimento da criança. [...] encontramos processos criadores que se refletem, sobre tudo, em seus jogos. (VYGOTSKY, 1998, p.10)

Assim sendo, nota-se que através do brincar trabalhamos habilidades motoras e cognitivas que dificilmente seriam desenvolvidas de outra forma. De volta à Maturana (2004), percebe-se que há um empobrecimento em relação ao que a escola pode proporcionar, perdendo-se singularidades, oportunidades de inventividade, bem-estar e expressão corporal. Em nossa cultura ocidental, em geral exigimos um propósito para a maioria de nossas interações e relações, seja com nós mesmos, com outros seres humanos ou com qualquer coisa que concebemos como parte do mundo que nos rodeia. (MATURANA, 2004, p.130)

De acordo com os seus escritos, uma vivência em que o olhar volta-se somente ao futuro e não à trajetória faz daquele que brinca alguém alienado em relação a si mesmo e aos outros, limitado em suas emoções. Ao se valorizar as dinâmicas corporais e o brincar livre, educamos um ser consciente e realizado individual e socialmente. Deve-se recuperar, assim, a essência amorosa do ser que brinca, tratando os jogos como ponto fundamental do período da infância. Pode-se afirmar, de uma maneira inicial, que a brincadeira e o brinquedo são importantes ações no processo de ensino-aprendizagem, preservando-se aspectos como participação ativa e democrática, colaboração, liberdade de escolha e uso da imaginação. Metodologia A partir dos pressupostos da pesquisa qualitativa (BÓGDAN; BIKLEN, 1994), aborda-se, na presente pesquisa, a visão infantil sobre o brincar, detendo-se à criança como sujeito e não apenas como objeto isolado de estudo. Logo, dedica-se aos saberes estruturados pelos contemplados através de participação ativa paralela ao olhar e escuta da professora. Pretende-se, assim, observar os brinquedos e brincadeiras presentes especificamente no período dos anos iniciais, bem como as relações construídas mediante a formação de grupos para que o momento de brincar aconteça.

Posteriormente, pretende-se analisar os processos interativos no ambiente escolar, a atribuição de papéis, a comunicação entre as crianças, a constituição de regras (postas, discutidas ou retificadas), a resolução de possíveis conflitos e suas referências culturais e lúdicas através de narrativas e registros fotográficos, ilustrativos e escritos. Focando-se o espírito lúdico das crianças, pretende-se refletir acerca do processo de socialização, afirmação de si e aprendizagem nos espaços disponíveis aos jogos em sala de aula. Para isso, serão entrelaçadas as memórias da professora/pesquisadora e relatos provenientes do “brincar livre” de seus alunos, buscando-se compreender suas redes de significação, ações, posturas, julgamentos e rotina. Oportunizando a condição de protagonistas de suas histórias considerando-se temática pré-estabelecida, “a entrevista é empregada conforme diferentes perspectivas teóricas, razão pela qual também se diferencia quanto aos objetivos e modalidades de condução” (ZAGO, 2003, p.294). Após situações que envolvem a brincadeira, obtém-se uma “totalidade narrativa” em posse de relatos, imagens, textos e outros elementos. Pretende-se realizar a coleta de informações através de uma sistematização mais rigorosa das observações, de proposição metódica e intencional de espaços-tempos de brincar em sala de aula ao longo do ano de 2016, com duas turmas de terceiro ano de uma escola pública de Pelotas, compreendendo uma totalidade de 50 alunos; para isso, pretende-se solicitar o consentimento dos pais ou responsáveis destes, dado os aspectos éticos envolvidos na realização de pesquisas com crianças. Resultados A opção pelo trabalho com o lúdico é uma excelente forma de mediação, para que a aprendizagem torne-se significativa, uma vez que o brincar, o jogar são atividaes constituidoras da cultura infantil. O ato de jogar, mais que a compreensão global de um tema formalizado na escola, busca uma definição conclusiva da narrativa construída e a plena realização de todos os personagens, ou seja, caracteriza o aprendizado colaborativo das crianças, em que todos trabalham de forma interdependente. Destaca-se, portanto, o decorrer da atividade e o momento do brincar como sendo mais importante que o “produto da tarefa em si”. Na dinâmica do jogo, deve-se considerar a ludicidade como caminho para a resolução de problemas, criando-se e recriando-se

possibilidades de ação na perspectiva de uma educação libertadora, crítica e sensível às particularidades do aluno, incluindo-o em um grupo que trabalha pelo prazer do desafio, da experiência de brincar e sua recriação, e não somente pela finalidade ou meta das atividades conteudistas. Na trajetória dos primeiros anos do Ensino Fundamental, o jogo é uma oportunidade de aprendizado, tratando de causas, efeitos, reações e relações lógico-temporais, desenvolvendo laços e ensinando através do prazer, da confiança e da autonomia. Considerações Finais A pesquisa encontra-se em fase inicial, em que os caminhos pensados, referências e conceitos estão sendo construídos. O principal intuito deste trabalho é compreender como as crianças da Educação Básica, em especial de terceiro ano, brincam e, simultaneamente, constroem conhecimento. Assim sendo, busca-se compreender brinquedos, jogos e brincadeiras enquanto eixos norteadores da aprendizagem, ainda que esta se dê formalmente, ou seja, no ambiente escolar. Considerando-se o recém iniciado decurso da pesquisa, intenta-se analisar a criança em sua totalidade e como sendo alguém singular, autônomo e atuante em uma democracia. Isto posto, observa-se suas redes de relações, linguagens, contextos, cultura, etc., pensando-se não apenas no que é “ser criança”, mas no que implica ser criança na escola e na sociedade atual. Contempla-se, nos espaços-tempos de brincar presentes na rotina do terceiro ano, suas experiências, descobertas, decisões e reproduções. Através da apreciação de ações de cooperatividade, exposição e negociação de regras, escolha de objetos e formação de grupos, investiga-se como se estabelecem a cultura da infância e a aprendizagem dos diversos temas presentes no âmbito da sala de aula. Estuda-se, continuamente, as brincadeiras livres dos alunos em determinados espaços como o pátio, a quadra e a sala de aula a fim de aproximar-se de modos particulares de entretenimento e, consequentemente, caminhos para a aprendizagem significativa. Atentou-se, portanto, à visão infantil quanto a possibilidades materiais e espaciais, contemplando sua mobilidade, comunicação, preferências, valores, ideais e modos de resolver desafios. Por meio de um olhar direcionado ao brincar, reflete-se acerca de percursos de aprendizagem que dificilmente aconteceriam excluindo-se o diálogo, o movimento, a fantasia, a criatividade e vínculos de afeto, confiança e respeito.

REFERÊNCIAS BÓGDAN, Robert; BIKLEN, Sari. Investigação qualitativa em educação. Portugal: Porto Editora, 1994. MATURANA, Humberto Romesín; VERDEN-ZÖLLER, Gerda. Amar e brincar: fundamentos esquecidos do humano. São Paulo: Palas Athena, 2004. KISHIMOTO, Tizuko Kishimoto (Org.). Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. São Paulo: Cortez, 2011. VYGOTSKY, Lev Semyonovich. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998. ZAGO, Nadir. A entrevista e seu processo de construção: reflexões com base na experiência prática da pesquisa. In: ZAGO, Nadir; CARVALHO, Marília Pinto; VILELA, Rita Amélia Teixeira. Itinerários de pesquisa: perspectivas qualitativas em sociologia da educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 287-309.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.