BRUNO ÁVILA FONTOURA KRONKA INDENIZAÇÃO PUNITIVO-PEDAGÓGICA: OS DANOS MORAIS NA PUBLICIDADE ENGANOSA CONSUMERISTA COMO HIPÓTESE DE APLICAÇÃO DOS PUNITIVE DAMAGES NO BRASIL

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DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. V.7: Responsabilidade Civil. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p.40 et seq.
Outra invectiva legislativa, apoiada pela corrente doutrinária que sustenta a aplicação da Teoria do Valor do Desestímulo no montante indenizatório, é a que pugna pela aprovação do Projeto de Lei 6.960/2002, que prevê a adição de um §2º ao mesmo artigo 944 C.C., cujos termos seriam "A reparação do dano moral deve constituir-se em compensação ao lesado e adequado desestímulo ao lesante". Ora, nada mais haveria do que a positivação da mais recente postura jurisprudencial brasileira, no que tange à defesa da necessária função preventiva na reparação por danos morais, albergando claramente um afã utilitarista na indenização a direitos personalíssimos.
Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa / Antônio Houaiss e Mauro de Salles Villar, elaborado no Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa S/C Ltda – Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. Passim.
DINIZ, Maria Helena. Op. Cit., p.91 e 92.
NERY, Rosa Maria de Andrade; Dano Moral e patrimonial: fixação do valor indenizatório. p.15.
SANTOS, Antonio Jeová. Dano Moral Indenizável, p. 97.
CAVALIERI FILHO, Sérgio; Visão constitucional do dano moral, p.207.
SANTOS JÚNIOR, Adalmo Oliveira dos, Op. Cit., p.26.
FRANÇA, R. Limongi, apud DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. p.76/77.
NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. Cit., p. 13
CAVALIERI FILHO, Op. Cit. p.207
Mazeaud et Mazeaud, apud CORDEIRO, Rosvany Terezinha, O dano moral, os seus fundamentos jurídicos e o Código de Defesa do Consumidor, Passim.
Cf. SILVA, Américo Luís Martins da; O dano moral e a sua reparação civil. p.29.
BITTAR FILHO, Carlos Alberto; Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro, Direito do Consumidor, v.12, p.44 et seq.
BITTAR, Carlos Alberto; Reparação civil por danos morais, p.32 e 33.
CAVALIERI FILHO, Op. Cit., p.208.
DINIZ, Op.Cit, p.94/99.
BITTAR FILHO, op. Cit., p.53/54, assegura ser possível bipartir a honra em: objetiva (a reputação e o respeito de que se desfruta no meio social) e subjetiva (sentimento pessoal da própria dignidade, ou de seu valor social). Portanto, também a pessoa jurídica e a coletividade teriam honra por que zelar; a última a possuiria em seus dois planos — subjetivo e objetivo.
PACHECO, Paulo Henrique Cremoneze. A introdução da doutrina norte-americana do "punitive damage" no sistema jurídico brasileiro para a avaliação das indenizações por danos morais . Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em: . Acesso em: 23 jul. 2008, às 15:07h.
AGUIAR JÚNIOR. Op. Cit.
Wilson Melo da Silva, apud DINIZ, Op. Cit. p. 98/99.
BITTAR, Reparação civil por danos morais. P. 137.
HERRERA, Edgardo Lopez, apud Adalmo Oliveira dos Santos Júnior. A indenização punitiva em danos patrimoniais: a viabilidade jurídica da aplicação dos punitive damages norte-americano no direito brasileiro. p. 16-17.
MENDES, Gilmar Ferreira e FORSTER JÚNIOR, Nestor José. Manual de redação da Presidência da República, p. 85.
Também se insere nesse contexto a proibição de proteção deficiente (Untermassverbot), pois consoante voto do Ministro Gilmar Ferreira Mendes no julgamento da Adi nº 3510, sobre a constitucionalidade da pesquisa com células-tronco, "deve-se conferir ao art. 5º uma interpretação em conformidade com o princípio responsabilidade, tendo como parâmetro de aferição o princípio da proporcionalidade como proibição de proteção deficiente (Untermassverbot)".
L.M. Coelho, apud LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. Passim.
BONAVIDES, Paulo, apud DIDIER JÚNIOR, Fredie, Curso de direito processual civil – Teoria geral do processo e processo de conhecimento, V. I, 9ª Ed., Ed. Jus Podivm, rev., ampl. E atual, p.33-37.
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. O novo código civil e o código de defesa do consumidor: pontos de convergência., p.55- 68.
CAVALIERI FILHO, Op. Cit, p.208.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, p. 415.

Caio Mário apud SANTOS JÚNIOR, Adalmo Oliveira dos, op. Cit. p. 24.
REsp nº 355.392/RJ, Terceira Turma do STJ, Relator: Ministro Castro Filho, Publicado no Diário da Justiça da União de 17/06/02.
CRAVO, Roldenyr, Fixação do quantum indenizatório nas ações por danos morais – o caráter punitivo do dano moral. p.30/31.
Maria Celina Bodin, 2003, p.190, apud CHAMONE, Marcelo Azevedo. O dano na responsabilidade civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n.1805, 10 jun.2008. Disponível em: HTTP://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11365. Acesso em: 10 jun. 2008.
SANTOS JÚNIOR, Adalmo Oliveira dos, op. Cit. p. 34.
Publicado no Diário da Justiça da União de 24/11/03.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Comentários ao Código Civil: parte especial: direito das obrigações, p.109.
MARTINS-COSTA, Judith e PARGENDLER, Mariana Souza. Usos e abusos da função punitiva —punitive damages e o direito brasileiro, p. 22.
BITTAR, Carlos Alberto. Ob.cit. p.143 et seq.
STJ, 3ª Turma. Relatora para Acórdão: Ministra NANCY ANDRIGHI; Data do julgamento: 04/12/2003; DJ 29/03/2004 p. 230.
CDC, Art. 81: "A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base".
CDC, Art. 81: "A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato."
Nunes, Luiz Antônio Rizzatto, Op. Cit., p. 698.
CDC, Art. 81: "A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum."
STJ, 4ª Turma, REsp 1001904 / PR, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, julgado em 12/06/2008, publicado no DJe de 23/06/2008.
STJ, 1ª Turma, Rel. Ministro Luiz Fux, rel. p/ Acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, j. em 02/05//2006, publicado no DJ de 01/06/2006, p. 147.
BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Ob cit.
DIDIER, Fredie e ZANETI JR., Hermes, Aspectos Gerais da Tutela Coletiva (material e processual), p. 289.
RAMOS, André de Carvalho. A ação civil pública e o dano moral coletivo. P. 82.
A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF), Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3943 que contesta lei que legitima a Defensoria Pública a propor ação civil pública. (artigo 5º da lei 7.347/1985 , com redação dada pela lei 11.448/2007) A Conamp alega que a possibilidade da Defensoria Pública propor, sem restrição, ação civil pública, "afeta diretamente" as atribuições do Ministério Público. Segundo a associação, a lei contraria os artigos 5º, LXXIV, e art. 134, da Constituição Federal. Entretanto, a Defensoria Pública em todo o Brasil continua valendo-se de tal prerrogativa, sem qualquer decisão definitiva quanto à sua (i)legitimidade ativa.
V. Decreto 92302, de 16/01/86.
Apud PASQUALOTTO, Adalberto. Os efeitos obrigacionais da publicidade no Código de Defesa do Consumidor. P.19.
Idem, p. 25.
NUNES, Rizatto. Ob. Cit. P. 391.
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. In Código de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p.337.
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e, Ob. Cit. p. 347.
FARINA, Modesto. Aspectos do marketing e da publicidade na América Latina. São Paulo: Edusp, 1981. p.15. apud TICIANELLI, Marcos Daniel Veltrini. Delitos publicitários. Curitiba: Juruá, 2007. p.45.
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Ob. Cit., p. 9.
ANDRADE, Ronaldo Alves de. Curso de direito do consumidor. Barueri, SP: Manole, 2006. p.67
Disponível em www.cenp.com.br/print/pp.doc. Acesso em 12 de agosto de 2008.
PAZA, Alexandre Dias. Entre Fausto e Frankenstein. Disponível em http://poseca.incubadora.fapesp.br/portal/bdtd/2007/2007-do-paza_alexandre.pdf. Acesso em 10/10/2008.
ADORNO, Theodor Wiesengrund. O Fetichismo na música e a regressão da audição. In "Adorno — Vida e Obra", Ed. Nova Cultural Ltda., São Paulo, 1996, p. 65-108. Traduzido do original alemão: Ueber Fetischcharakter Fetischchrakter in der Musik und die Regression des Hoerens, em Dissonanzen, Goettingen, 1963, Vandenhoeck und Ruprecht, pp. 9-45.
Dados da Reuters divulgados no sítio Uol Cinema/Últimas Notícias em 15/07/2008. Disponível em: http://cinema.uol.com.br/ultnot/2008/07/15/ult26u26617.jhtm. Último acesso em 07/08/2008.
ADORNO, Theodor Wiesengrund, Ob. Cit., p.79.
KANT, Emanuel. Crítica da razão prática. Tradução e Prefácio: Afonso Bertagnoli. Versão para eBook, 2004, eBooksBrasil.com. Fonte Digital. Digitalização da edição em papel de Edições e Publicações Brasil Editora S.A., São Paulo, 1959.
CENEVIVA, Walter. Publicidade e Direito do Consumidor, p. 30.
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. O controle jurídico da publicidade. BDJur, Brasília, DF. Disponível em: . Acesso em: 29 mar. 2007, às 14:31h. p.3.
Kellner Apud SOUZA, Danielle Andrade. "Eu sou brasileiro e não desisto nunca": ethos e política de identidade no discurso publicitário. Trabalho apresentado no XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação / Intercom 2007. Disponível em http://www.almanaquedacomunicacao.com.br/artigos/1655.html. Acesso em 09/09/2008, às 18:49h.
ALTERINI, Atilio Aníbal. Control de La publicidad y comercializacion. p.12/16. Tradução livre: "No mercado moderno é possível criar uma necessidade mediante a publicidade, e assim provocar a demanda. A publicidade também modifica gostos ou cria modas, e geralmente o que antes eram chamados desejos psicológicos ou, dito com mais pudor, bens de obsolescência acelerada".
CENEVIVA, Walter. Op cit, p.22.
SOLOMON, Michael R. O comportamento do consumidor: comprando, possuindo e sendo. p. 398
SOLOMON, Michael R. Ob. Cit. p. 213.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo, Saraiva. 13ª Ed, p.60 apud FERACINE, Luiz. Os primeiros Princípios do Saber. Campo Grande, 1999. Solivros, 1ª Ed., p.80.
FERNANDES, Daniela Bacellar. Responsabilidade Civil e direito do consumidor em face das mensagens subliminares. 1ª ed. (ano 2005), 2ª tir. Curitiba: Juruá, 2006. p.96.
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. In Código de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, nota 201. p.332.
FERNANDES, Daniela Bacellar. Ob cit. p. 73
SERPA, Marcelo, 2001. Apud FERNANDES, Daniela Bacellar, ob. Cit, p.61.
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Oferta e publicidade. P. 40.
Disponível em http://www.conar.org.br/html/decisoes_e_casos/2000-nov.htm. Acesso em 08/09/2008.
ALTERINI, Atílio Aníbal. Ob. Cit. P. 12. Tradução livre: "'mediante a propaganda' se estabelece uma 'vinculação direta' com o consumidor, e 'a publicidade é o produto', porque as pessoas o adquirem tal como o percebem 'mediante a publicidade'; um produto 'é antes toda sua imagem', vale dizer, 'o que milhões de consumidores crêem que é, ou o que associam a ela' ".
JACOBINA, Paulo Vasconcelos. A publicidade no direito do consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p.82-84.
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. In Código de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. p. 344.
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. In Código de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. p.299 e 300.
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos e. Oferta e publicidade. p.19
Nunes, Rizatto. Ob. Cit. P.471.
(v.g., art. 1567, sobre o casamento putativo: §1º. "Se um só dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só a ele e aos filhos aproveitarão).
NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor: com exercícios. 2ªed. rev., modif. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p.127
ANDRADE, Ronaldo Alves de. Ob. Cit. p. 56.
CENEVIVA, Walter. Ob. Cit. p. 111 – 113.
TICIANELLI, Marcos Daniel Veltrini. Ob cit. p. 82
RAMOS, Saulo. Código da vida. p.67-68.
NUNES, Rizatto. Ob. Cit. P. 481-482.
MARTINS-COSTA, Judith e PARGENDLER, Mariana Souza. Usos e abusos da função punitiva. p. 18.
Nos Estados Unidos, o primeiro precedente dos punitive damages é o caso Genay v. Norris, em 1784, resultando na condenação de um médico que colocou uma droga na bebida de uma pessoa causando-lhe enormes dores, sendo condenado a uma punição exemplar.

MARTINS-COSTA, Judith e PARGENDLER, Mariana Souza. Op. Cit. p. 18..
MARTÍNEZ-HERRERA, Manuel. Punitive damages in the employment discrimination context: "A general overview and analysis of whether they effectively deter from discriminating in the workplace" p.1. Disponível em http://www.upf.edu/iuslabor/032006/EEUU.ManuelMH.pdf. Acesso em 10/10/2008, às 18:45h. Tradução livre: " 'indenizações aplicadas em adição às indenizações reais, quando o requerido tenha agido com negligência, malícia ou fraude' e como 'indenizações usadas como meio de penalização do ofensor ou de exemplo para outrem'".
André Gustavo, Op. Cit. p. 195
Na Inglaterra (desde o caso Wilkes v. Wood, em 1763), são conhecidos por exemplary damages. Na Irlanda, desde o caso Reeves v. Penrose, em 1890, foi aplicada indenização desse tipo em um trespass. Na Austrália e Nova Zelândia prefere-se denominar exemplary damages.
BEHR, Volker. Punitive damages in American and German law— tendencies towards approximation of apparently irreconciliable concepts, p. 111. Tradução livre: "Em suma, a indenização compensatória é orientada estritamente pelas perdas, enquanto a indenização punitiva é orientada pela conduta lesiva. Consequentemente, os montantes indenizatórios que dão à vítima mais do que o prejuízo efetivo ou os danos presumíveis (bem como lucros cessantes), e que levam em consideração a gravidade da lesão, não são apenas reparatórios, mas influenciados por propostas punitivas".
MARTINS-COSTA, Judith e PARGENDLER, Mariana Souza. Op. Cit p.19, nota nº 59.
PERRECONE, Frank A. and FABIANO, Lisa R. The Federalization of Punitive Damages and the Effect on Illinois Law. Volume 28, 2008. p. 555. Disponível em http://www.atwebresults.com/~ferolie/images/documents/federalization_of_punitive_damages_article_2.pdf. Acesso em 24/09/2008, às 19:02h. Tradução livre: "É essencial identificar fatores agravantes que fazem a conduta do lesante particularmente distinta, principalmente violência ou outras atitudes que casem mal físico, condutas direcionadas a vítimas vulneráveis financeiramente, condutas reprováveis cometidas intencional, maliciosa, enganosa, ou reiteradamente".
A divulgação, informada por culpa grave, de publicidade manifestamente enganosa, pode acarretar a responsabilidade pelo ressarcimento de eventuais danos aos consumidores." (STJ. RESP. nº 923395/RS, Terceira Turma, Min. Eduardo Ribeiro, j. 05/02/1998, DJU. 06/04/1998, p. 98).

ANDRADE, André Gustavo...p. 330
"CIVIL. PREMIAÇÃO. DÚVIDA. TAMPA DE VASILHAME. ÔNUS DA PROVA. APLICAÇÃO DO CDC. I - O CDC abrange a publicidade empregada com a finalidade de aumento de vendas por meio de sorteio de prêmios. II – (...). III – Recurso especial não conhecido." (STJ. RESP. nº 302174/RJ, Terceira Turma, Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. 20/09/2001, DJU. 15/10/2001, p. 262).
BITTAR, Op. Cit. p. 284/285.
LUBAN, David. A flawed case against punitive damages. Disponível em http://findarticles.com/p/articles/mi_qa3805/is_199811/ai_n8824208/pg_1?tag=artBody;col1 Acesso em 24/09/2008, às 21:07. Tradução livre: "Os punitive damages são concedidos em apenas uma minúscula proporção de casos – aproximadamente em 2 a 4% das vezes em que as vítimas vencem".
LUBAN, David, Op. Cit. Tradução livre: "Punitive damages são concedidos raramente, e grandes somas dessas indenizações são sentenciadas muito raramente. A grande maioria das decisões punitivas são muito modestas; juízes reduzem o quantum punitivo livre e substancialmente; e o significado do tamanho das decisões punitivas é racionalmente previsto como uma função compensatória da indenização. Este não é um sistema fora de controle".
Pierre Pratte apud Adalmo Oliveira, Op. Cit. p. 32
Adalmo de Oliveira, Ob. Cit. p. 29
ANDRADE. Op. Cit., p. 316
MARTINS-COSTA, Judith e PARGENDLER, Mariana Souza. Op. Cit. Passim.
ANDRADE, Op. Cit. p. 288.
Salienta-se a importância do princípio da correção do desvio publicitário. A contrapropaganda (corrective advertising) é, inúmeras vezes, mais eficaz na busca de uma compensação pelo erro cometido ou engano gerado pela publicidade do que, propriamente, a pecúnia. Muitos autores desistem de ações quando sentem que sua dignidade, tantas vezes violada com a publicidade enganosa, teve seu valor reconhecido pelo infrator com a assunção da responsabilidade e desfazimento do ato na prática, ao invés do arbitramento de uma quantia financeira. Normalmente, tal ocorre exatamente quando não há necessidade de uma punição proporcional. Serve a contrapropaganda como parâmetro de aferição da gravidade da lesão.
ASSIS, Machado de. Crônica n.o 64 (9 de julho de 1893). In: A Semana (org. John Gledson). São Paulo: Hucitec, 1995. p. 263. Apud ROSA, Luciano. Um retalho de impalpável: algumas considerações sobre a narrativa de Machado de Assis. In Revista Brasileira nº 55; Academia Brasileira de Letras p.238, disponível em http://www.academia.org.br/abl/media/RB%2055%20-%20PROSA.pdf. Acesso em 4 de agosto de 2008.

Marcelo Abelha apud GUERRA, Marcel Vitor de Magalhães e. O direito tutelado nas relações do fluid recovery. P. 2. Disponível em http://bdjur.stj.gov.br/dspace/bitstream/2011/16581/1/O_Direito_Tutelado_nas_Condena%C3%A7%C3%B5es_do_Fluid_Recovery.pdf. Acesso em 16/10/2008.
GUERRA, Marcel Vitor de Magalhães e. Ob cit. p. 19/20
Judith...Usos e abusos...p. 25
No julgamento do caso State Farm v. Campbell, em que houve reconhecimento pelo júri de má-fé por parte da seguradora em relação ao segurado, ocorreu imbróglio similar ao do BMW of North América, Inc. v. Gore, e os três critérios para aplicação dos punitive damages foram ratificados. Quanto à discrepância entre as indenizações a título de compensação e punição, a Suprema Corte estabeleceu que, em casos ordinários, uma proporção de 4 por 1 em favor dos punitive damages representaria a diferença máxima entre eles e o compensatory damages; e, em casos em que os compensatory damages já fossem altos, deveria haver equivalência entre ambos.
KANT, Emanuel. Crítica da razão prática. Tradução e Prefácio: Afonso Bertagnoli. Versão para eBook, 2004. eBooksBrasil.com. Fonte Digital. Digitalização da edição em papel da Edições e Publicações Brasil Editora S.A., São Paulo, 1959.

ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Dano moral e indenização punitiva: os punitive damages na experiência do common law e na perspectiva do Direito brasileiro. P. 260.
PRATTE, Pierre apud SANTOS JÚNIOR, Adalmo Oliveira dos; A indenização punitiva em danos patrimoniais: a viabilidade jurídica da aplicação dos punitive damages norte-americano no direito brasileiro, Revista de Direito Privado, , n.30., Abril-Junho 2007, p.31, que traduz livremente: "ainda que a punição conduza acessoriamente a um efeito dissuasivo, a justificação de uma punição descansa principalmente sobre noções de mérito, a prevenção não pode parecer um resultado secundário (...) em matéria de utilitarismo, a dissuasão não é apreendida apenas como um efeito inerente da penalidade, mas como o fundamento desta".
VENTURI, Thaís Goveia Pascoaloto. A responsabilidade civil e sua funçăo punitivo-pedagógica no direito brasileiro. Data de publicação: 2006. Disponível em http://dspace.c3sl.ufpr.br:8080/dspace/handle/1884/3767. Acesso em 22/09/2008, às 22:10. p. 204 e p. 207.
LUBAN, David. Ob. Cit. p. 4.
ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Ob. Cit. p. 320.
ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Dano moral e indenização punitiva: os punitive damages na experiência do common law e na perspectiva do Direito brasileiro. p.337
SANTOS JÚNIOR, Adalmo de Oliveira dos. Ob. Cit. p. 40.
IHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. p.93.
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BRUNO ÁVILA FONTOURA KRONKA















INDENIZAÇÃO PUNITIVO-PEDAGÓGICA: OS DANOS MORAIS NA PUBLICIDADE ENGANOSA CONSUMERISTA COMO HIPÓTESE DE APLICAÇÃO DOS PUNITIVE DAMAGES NO BRASIL


















UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
CURSO DE DIREITO
CAMPO GRANDE/MS
2008
BANCA EXAMINADORA



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Orientador

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Examinador

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Examinador


















"Tu sabes,/Conheces melhor do que eu
a velha história./Na primeira noite eles se aproximam/e roubam uma flor/do nosso jardim.
E não dizemos nada./Na segunda noite, já não se escondem:/pisam as flores,/matam nosso cão,
e não dizemos nada./Até que um dia,/o mais frágil deles/entra sozinho em nossa casa,/rouba-nos a luz, e,/conhecendo nosso medo,/arranca-nos a voz da garganta./E já não podemos dizer nada".(Eduardo Alves Costa, Niterói, 1936)


SUMÁRIO



LISTA DE ABREVIATURAS
RESUMO
INTRODUÇÃO.........................................................................................................................
1. O DANO MORAL.................................................................................................................
1.1 RESPONSABILIDADE CIVIL.................................................................................
1.2 BREVE HISTÓRICO DA COMPREESÃO DOS DANOS MORAIS.....................
1.3 CONCEITO DE DANO MORAL
1.4 DA REPARABILIDADE DO DANO MORAL
1.4.1 Previsões legais
1.4.2 Dano moral indenizável
1.4.3 Objeções á reparação do dano moral
1.4.4 Prova do dano moral
1.4.5 Funções da reparação civil
1.5 CRITÉRIOS PARA A FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO...............
1.5.1 Principio da proporcionalidade, principio da segurança jurídica e equidade.....................................................................................................................................
1.5.2 A indenização não pode ser simbólica, a vedação do enriquecimento ilícito e os critérios subjetivos e objetivos da reparação............................................................
1.5.3 Não-tarifação...........................................................................................
1.6 RESPONSABILIDADE...........................................................................................
1.7 TITULARES.............................................................................................................
2. PUBLICIDADE ENGANOSA............................................................................................
2.1 CONCEITO.............................................................................................................
2.2 ENGANOSIDADE...................................................................................................
2.3 MARKETING, PUBLICIDADE E PROPAGANDA..............................................
2.4 A IMPORTÂNCIA DA PUBLICIDADE................................................................
2.4.1 Indústria cultural........................................................................................
2.4.2 A influência publicitária.............................................................................
2.5 PRINCÍPIOS ATINENTES À PUBLICIDADE.......................................................
2.5.1 Principio da identificação da publicidade.................................................
a) MENSAGEM SUBLIMINAR.................................................................................
b) – Merchandising........................................................................
c) – Teaser.......................................................................................
2.5.2 – Princípio da vinculação contratual da publicidade...............
2.5.3 – Princípio da veracidade...........................................................
2.5.4 – Princípio da inversão do ônus da prova..................................
2.5.5 – Princípio da transparência da fundamentação publicitária..
2.5.6 – Princípio da correção do desvio publicitário..........................
2.5.7 – Princípio da boa-fé objetiva......................................................
2.6 O CONTROLE DA PUBLICIDADE ENGANOSA...............................................
2.7 A AUTO-REGULAMENTAÇÃO E O CONAR.....................................................
2.8 – RESPONSÁVEIS...................................................................................................
3. INDENIZAÇÃO PUNITIVA................................................................................................
3.1 ORIGEM E EVOLUÇÃO..........................................................................................
3.2 CONCEITO................................................................................................................
3.3 CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO DA INDENIZÇÃO PUNITIVA.............................
3.4 OBJEÇÕES À INDENIZAÇÃO PUNITIVA NO BRASIL………………………...
3.4.1 Excesso de indenizações e incentivos……………………………………..
3.4.2 Pena privada versus princípio da legalidade, ne bis in idem e intranscendência da pena……………………………………………………………………….
3.4.3 RESPONSABILIZAÇÃO OBJETIVA…………………………………………….
3.5 PUNITIVE DAMAGES E O DIREITO BRASILEIRO.............................................
3.6 PROPORCIONALIDADE NOS PUNITIVE DAMAGES........................................
3.7 FUNÇÕES DOS PUNITIVE DAMAGES .................................................................
3.7.1 Função punitiva...........................................................................................
3.7.2 Função preventiva.....................................................................................
3.7.3 Outras funções...........................................................................................
3.8 INDENIZAÇÃO PUNITIVA NA PUBLICIDADE ENGANOSA..........................
CONCLUSÃO................................................................................................................
REFERÊNCIAS.............................................................................................................













ABREVIATURAS


ABA – Associação Brasileira de Anunciantes
ABAP – Associação Brasileira de Agências Publicitárias
ABERT – Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão
ANER – Associação Nacional dos Editores de Revistas
ANJ – Associação Nacional de Jornais
CC – Código Civil
CDC – Código de Defesa do Consumidor
CF – Constituição Federal
CONAR – Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária
CPC - Código de Processo Civil
EUA – Estados Unidos da América
LICC – Lei de Introdução ao Código Civil
MTV – Music Television
ONG – Organização não governamental
PROCON – Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor
REsp – Recurso Especial
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
TJ/MS – Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul
TJ/RS – Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul


RESUMO

Este trabalho monográfico tem como escopo discutir a possibilidade de aplicação das indenizações punitivo-pedagógicas aos casos em que a publicidade enganosa gerar danos morais. A indenização deve ser relacionada à conduta ilícita, e quantificada de acordo com o seu grau de reprovação, ao invés de pautar-se pelo prejuízo suportado pela vítima. Para entrar no mérito do tema, analisa-se a concepção do instituto do dano moral no Brasil e as novas tendências de sua abordagem atual. Posteriormente, estudaremos a influência da publicidade neste contexto pós-moderno, para avaliar o potencial lesivo da enganosidade de uma propaganda exposta aos consumidores. Por derradeiro, adentra-se no cerne da questão: a possibilidade de adequação dos punitive damages ao Direito brasileiro, mediante seu arbitramento em casos de publicidade enganosa que justifiquem a aferição da culpabilidade do agente na comissão ou omissão danosa. Há inúmeras controvérsias e objeções quanto aos critérios norteadores das indenizações punitivas e exemplares, em relação à sua incidência no âmbito das relações de consumo – porque a responsabilização objetiva não permitiria aferição subjetiva da conduta –, ou mesmo no que tange à receptividade do direito pátrio a essa figura da responsabilização civil. Em alguns casos é bastante a indenização que vise meramente à satisfação da vítima. Em contrapartida, pugna-se pela aplicação da função punitivo-pedagógica da indenização, em apartado, para extraordinários comportamentos anti-sociais. Tem-se que o mais apropriado ambiente para a inserção eficaz desse instituto seja, indiscutivelmente, nas hipóteses de danos morais por publicidade enganosa.

Palavras-chave: publicidade enganosa, danos morais, quantum, indenização punitivo-pedagógica.



INTRODUÇÃO

A opção feita pelo tema da indenização punitivo-pedagógica é justificável pelo seguinte: a função da responsabilidade civil é conceito aberto no Brasil. O binômio compensação-punição, adotado pacificamente nos Tribunais brasileiros, não tem sido suficiente para cumprir o papel de pacificação social que incumbe à Justiça. Vemos que esse fato deve-se à ineficácia prática da função punitiva como vem sendo construída pela jurisprudência brasileira, tantas são as limitações impostas à indenização, principalmente quanto a danos morais.
O medo de enriquecer a vítima, de fundar uma indústria do dano moral, de precificar a dor, de incentivar a vingança privada, entre outros equivocados critérios usados para reduzir-se a indenização devida retiram a credibilidade do caráter punitivo. Com isso, os infratores não são condenados pela gravidade da conduta ou da omissão reprovável civilmente, mas recebem meramente o ônus de arcarem com o montante arbitrado a título de compensação para a vítima. Esta, contudo, mesmo vencedora, deixa o Poder Judiciário insatisfeita, com a sensação de impunidade.
Quanto à metodologia utilizada, optou-se por tratar-se inicialmente do instituto do dano moral tal como é compreendido no Brasil, seu conceito, objeções normalmente sofridas, das condições para a reparabilidade, dos critérios para fixação do quantum indenizatório, dos responsáveis e dos titulares.
Por questão meramente didática, dissertou-se sobre a quantificação dos danos morais logo no primeiro capítulo. Há critérios para fixação do quantum que são amplos, e referem-se a várias funções da responsabilidade civil. Os danos morais, por si só, já são suficientemente contestados quanto aos valores indenizatórios, por isso particularizar os critérios mais abrangentes, para depois especificar as condições de aplicação da indenização de função eminentemente punitivo-pedagógica.
O segundo capítulo aborda as questões da publicidade no âmbito das relações de consumo. Para tanto, priorizou-se salientar, além dos seus vários conceitos, a importância da publicidade na atual sociedade, os modos como ela pode manifestar-se enganosamente, os princípios jurídicos violáveis pelo vício publicitário, o controle jurídico e auto-regulamentar que ela sofre, além dos responsáveis e dos legitimados para entrarem com ações por desvios publicitários.
O leitor observará que os princípios aludidos não vêm abstratamente descritos apenas: tentou-se vinculá-los sempre a uma possível distorção que possa causar uma violação daquele mandamento. Por exemplo: dentre as possíveis violações ao princípio da identificação publicitária estão algumas formas de merchandising, as mensagens subliminares e certas formas de teaser; ou ainda, quando se alude ao princípio da vinculação contratual da publicidade, comenta-se o puffing, técnica passível de contestação pelo consumidor que se sentir estimulado a comprar por conta de certa afirmação temerária e possivelmente crível; etc.
O terceiro e último capítulo analisa a possibilidade de aplicação dos punitive damages ao Direito pátrio, ou mesmo de uma adaptação ao sistema já existente, usando-se como hipótese de aplicação as indenizações extrapatrimoniais originárias de publicidade enganosa. Para atingir tal objetivo, procura-se traçar a provável origem do instituto, defini-lo, aduzir critérios para sua aplicação, refutar as objeções que recebe por parte de seus opositores, analisar sua aplicação no direito estadunidense e sua aplicabilidade no Direito brasileiro.
Tenta-se provar a ampla possibilidade existente para a concessão de indenizações com caráter punitivo-pedagógico em certos casos de publicidade enganosa, dada a grande repercussão que costumam ter. Para isso, busca-se mostrar com o máximo de precisão a existência de condições que permitam a superação da mera responsabilização objetiva (que pode tornar-se obstáculo à pretensão do consumidor), para que se possa arbitrar a indenização em consonância com a culpabilidade do fornecedor no caso concreto. Outros obstáculos são normalmente impostos ao caráter retributivo da indenização no Direito Civil. Assim, a relativização da dicotomia Direito Penal/Direito Civil é mais um passo na busca pela verdadeira função da responsabilidade civil.
Tendo em vista os recorrentes anseios sociais por uma prevenção do dano e punição de condutas especialmente reprováveis, geradas em regra pelo impulso da economia de mercado à necessidade de obtenção de lucro a partir de baixos custos, pugna-se por essa mudança paradigmática no campo da responsabilidade civil. Não punir a publicidade que lesa em larga escala, sob a alegação de que é impossível bem informar milhares de pessoas igualmente, é admitir que ofensas à esfera moral do consumidor sejam justificáveis pela tendência à uniformização dos produtos e serviços, o que afronta a proteção aos direitos fundamentais amparada constitucionalmente.




CAPÍTULO 1
1. O DANO MORAL
1.1 – RESPONSABILIDADE CIVIL
Seguindo-se a lição de Maria Helena Diniz, define-se responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato próprio ou imputado, de pessoa, de fato de coisa ou animal por que responda, ou por imposição legal.
Ainda, para que haja responsabilidade, deve existir uma conduta, comissiva ou omissiva, qualificada juridicamente, um dano e o nexo de causalidade entre o dano e a conduta.
A responsabilidade civil nas relações de consumo é objetiva, fundada no risco da atividade, e exonera o lesado da prova da culpa do ofensor. Com efeito, a inversão do ônus da prova contida no art.6º, VII, CDC, quando for patente a hipossuficiência do consumidor é mais um direito tendente a facilitar a postulação de ação de reparação civil.
Por outro lado, como se verá em tópico oportuno, mesmo quando a atividade exercida pelo agente ensejar a aplicação da responsabilidade objetiva, deve-se facultar à vítima a prova da culpabilidade do ofensor quando em excesso punível a título de prevenção mediante o aumento da indenização por danos morais (tal análise terá por base, predominantemente, os casos de publicidade enganosa).
1.2 – BREVE HISTÓRICO DA COMPREENSÃO DOS DANOS MORAIS
Na fase inicial da discussão acerca da reparabilidade dos danos morais, travou-se profundo embate entre negativistas (contrários à idéia de reparação do dano moral) e positivistas (afeitos à indenizabilidade) com ligeiro predomínio da primeira tese.
Segundo o entendimento dos negativistas, por não ser possível auferir um pretium doloris, inexplicável seria a tradução para o plano pecuniário da indenização por lesão ao patrimônio moral, consubstanciada na dor experimentada pela vítima. Seria imoral a obtenção de dinheiro como tentativa de restituir um bem intangível, imaterial, e, portanto, incalculável.
A tese da reparabilidade dos danos morais foi, enfim, introduzida com maior aceitação no Brasil sob o prisma da chamada teoria mista ou eclética, que admitia a reparação dos danos morais apenas em seus reflexos patrimoniais. Essa fase intermediária, embora ainda negasse a reparação dos danos morais puros, foi importante abertura para a acolhida da tese positivista.
Foi sob o contexto histórico de intensos progressos tecnológicos contrapostos à explosão de movimentos de defesa dos direitos essenciais da pessoa humana que culminaram na Declaração Universal e Americana dos Direitos Fundamentais do Homem, diante das tristes conseqüências do fim das guerras mundiais, que tomou assento a tese da plena reparabilidade do dano moral.
Embora as Constituições brasileiras viessem reafirmando os direitos fundamentais nas relações entre o Estado e os particulares, a reparabilidade autônoma do dano moral, tal qual mencionada na Súmula 37 do STJ, com eficácia vertical e horizontal, só foi reconhecida, porém, com o advento da Constituição Federal de 1988. O Código Civil de 2002 passou a tratar explicitamente do tema, ao contrário do Código de 1916, que apesar de não vedar essa espécie reparatória, não a permitia abertamente. Já o Código de Defesa do Consumidor coadunava incisivamente com o prescrito na Lei Maior.
Com efeito, mesmo que totalmente pacificada a ressarcibilidade do patrimônio moral financeiramente, é com relação ao quantum indenizatório que carece de unicidade argumentativa a doutrina favorável.
Hodiernamente, a discussão mais acintosa dá-se quanto aos critérios-base, quanto às funções dessa reparação, e a possibilidade de majoração da indenização em certos casos em que a conduta do agente requer providências além da mera compensação da vítima.
Há intenções legislativas para adequar o instituto dos danos morais às novas perspectivas ventiladas pela doutrina e jurisprudência. Tanto que há a proposta de mudança do parágrafo único do art.944, C.C., exposta na Jornada de Direito Civil de 2002, alterando a redação de tal dispositivo para: "Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir ou majorar, eqüitativamente a indenização" (grifei). Tal intento tem vistas a compatibilizar a atual tendência punitivo-exemplar da indenização, facultando ao juiz mensurar a reparação de acordo com a reprovabilidade da conduta.
– CONCEITO DE DANO MORAL
Dano é assim definido pelo dicionário Houaiss da língua portuguesa:
4 JUR toda diminuição nos bens jurídicos de uma pessoa 4.1 JUR qualquer prejuízo, esp. financeiro e patrimonial, sofrido por alguém, em que houve ação, influência ou omissão de outrem d. injusto REL qualquer coisa que prejudica o bem alheio d. irreparável JUR 1 mal ou prejuízo de que não se pode recuperar, que não pode ser reparado. ETIM lat. damnum, i 'dano, detrimento, prejuízo, perda'.
Parte da doutrina civilista brasileira, tal qual Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, aduz que a configuração do dano moral esteja fundamentalmente vinculada à natureza do bem jurídico atingido pelo fato gerador da responsabilidade civil por danos morais. Para eles, o dano moral trata-se de lesão a direito cujo conteúdo não seja redutível a dinheiro. A violação aos direitos da personalidade – vida privada, honra, imagem, enfim, os bens jurídicos tutelados constitucionalmente – seria a tradução do dano moral.
Por outro lado, Diniz pondera que "quando se distingue o dano patrimonial do moral, o critério da distinção não poderá ater-se à natureza ou índole do direito subjetivo atingido, mas ao interesse, que é pressuposto desse direito, ou ao efeito da lesão jurídica", afinal, a lesão pode, ao mesmo tempo, ocasionar danos morais e materiais (v.g.: injúria feita por jornal que leve a vítima à ruína financeira após desequilíbrio emocional dela decorrente).
Outra vertente doutrinária, representada por Rosa Maria de Andrade Nery, defende que não deve haver distinção entre dano moral e material, uma vez que todo dano é o fenômeno nefasto que atinge o patrimônio de alguém, o sujeito. Dessa forma, "patrimônio" caracterizaria aquilo que é suscetível de se tornar objeto de direito, enquanto "bem" seria tudo quanto pudesse ser desejado e cobiçado por homens e protegido e tutelado pelo Direito, quer se tratem de coisas materiais, quer de imateriais. Surge como corolário desse entendimento a expressão "patrimônio moral".
Nem se diga na inutilidade da conceituação dos danos morais por exclusão, quando é fixado conceito negativo, que nada diz. Asseverar que dano moral é aquele que não tem caráter patrimonial, imaterial, não-material ou não-pecuniário é um não-explicar.
Sobre o tema, merece destaque a lição de Antônio Jeová Santos, no sentido de que:
"Afirmar que dano moral é lesão não patrimonial é nada definir. Princípio decorrente da boa lógica indica que não se define introduzindo um conceito negativo no objeto definido. A utilização de vocábulos em sentido contrário não ajuda na formação da concepção do que se pretende conceituar ou definir".
Sérgio Cavalieri Filho, coadunando-se com a boa lógica de conceituação, exara conceito positivo quando expõe que "dano moral, à luz da Constituição vigente, nada mais é do que violação do direito à dignidade".
Veja-se, por outro lado, que apesar da alta abstratividade na conceituação e delimitação do que seja o dano moral "há pontos invariáveis na doutrina moderna, como a indenizabilidade do dano e que este seja um prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima". Os direitos subjetivos da pessoa de defender o que é de sua natureza (especificamente classificados por R. Limongi França como: 1. integridade física; 2. integridade intelectual; 3. integridade moral), isto é, os chamados direitos de personalidade, figuram como protagonistas no aspecto delimitador da extensão do dano moral.
Nery entende que "personalidade é aptidão para ser sujeito de direito, tanto pelo seu aspecto ontológico quanto ético". Para ela, causar dano a direito de personalidade é quebrar a unidade da natureza humana, que é constituída de espírito e matéria (corpo). Os objetos básicos dos direitos de personalidade seriam: a) o corpo (substância dependente); b) a alma (substância dependente); c) as potências (dynamis) (vegetativa, sensitiva, locomotiva, apetitiva, intelectiva); d) os atos (potência realizada). Daí porque conclui ser imprópria a expressão direito de personalidade, eis que esses objetos de direito não são inerentes à personalidade, mas à humanidade de cada um, sujeitos de direito. Lesada injustamente qualquer dessas partes (que não estão no sujeito, já que compõem a natureza individual do homem e não da pessoa), nasce o direito à reparação por dano moral.
Dano moral pode ser expressado, portanto, como o resultado de uma conduta ilícita ou praticada mediante abuso de direito que lesa um bem jurídico protegido pelo direito civil, causando prejuízo efetivo (ou presumível) ao patrimônio moral de pessoa física, jurídica (CC, art.52; Súmula 227 do STJ) ou de uma coletividade.
– DA REPARABILIDADE DO DANO MORAL
1.4.1 – PREVISÕES LEGAIS
A obrigatoriedade de reparação do dano moral encontra fulcro na Constituição Federal. Consagra como princípio fundamental em seu artigo 1º, III, a dignidade da pessoa humana, cerne axiológico de todos os direitos personalíssimos. Nos dizeres de Cavalieri Filho, "foi justamente por considerar a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem corolário do direito à dignidade, que a Constituição inseriu, em seu art 5º, inc. V e X, a plena reparação do dano moral" .
Os artigos 186 e 187 do Código Civil de 2002 reiteram a vasta proteção pretendida pela Lei Fundamental e a complementam com as seguintes prescrições:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Ambos os dispositivos citados têm seu teor complementado pela norma contida no artigo 927 do mesmo diploma legal: "Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo".
O Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/90, dispõe em seu artigo 6º, inciso VI, ser direito básico do consumidor "a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos". O inciso seguinte garante tal direito por meio do "acesso a órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados".
1.4.2 – DANO MORAL INDENIZÁVEL
Dano, originalmente concebido pela etimologia, é sinônimo de perda ou prejuízo, requerendo, pois, que a conduta praticada gere efeitos negativos ao patrimônio da vítima. Na maioria das vezes, portanto, quando se fala em dano, pretende-se tratar do resultado da lesão ou da injúria sobre o patrimônio moral ou material.
Henri e Léon Mazeaud interpretam que, por ser o dano requisito necessário à configuração da responsabilidade civil, é traço diferencial entre esta e a responsabilidade moral ou penal, que se configuram independentemente de resultado. Todavia, sabe-se que para que a conduta seja considerada criminosa deve haver resultado, mesmo que meramente jurídico (quando não houver resultado naturalístico; como no caso da tentativa punível). Não deixa de ser o dano, porém, o principal elemento formador da responsabilidade civil, sem o qual esta não existe.
De outro vértice, há uma corrente doutrinária tendente a compreender o dano além de sua acepção original de prejuízo. Assim, não seria aceita apenas sua significação vulgar, de menoscabo que alguém sofre na sua alma, corpo e bens, sem indagação de quem seja o autor dessa lesão; mas também o seu sentido jurídico, que é delimitado pela sua condição de pena ou de dever de indenizar, e vem a ser o prejuízo sofrido pelo sujeito de direitos em conseqüência da violação destes por fato alheio.
Carlos Alberto Bittar Filho revela que nem todo dano é passível de ressarcimento. Para tanto, além de injusto ou antijurídico, "deve o dano igualmente ser certo, atual, pessoal e direto", bem como se admite o dano futuro e a perda de oportunidade, o damnum infectum e a perda de prêmio por acidente, o dano a pessoas da família e o reflexo (dommage par ricochet).
Ainda, BITTAR ressalta, do ponto de vista dos efeitos dos danos morais, que:
Constituem, desse modo, perdas, de ordem pecuniária ou moral, que alteram a esfera jurídica do lesado, exigindo a respectiva resposta, traduzida no plano do Direito, pela necessidade de restauração do equilíbrio afetado, ou compensação pelos traumas sofridos, que na teoria em questão se busca atender. (...) os primeiros são os que repercutem sobre o patrimônio, e os segundos sobre a esfera personalíssima do titular.
Como já aventado anteriormente, "o importante, destarte, para a configuração do dano moral não é o ilícito em si mesmo, mas sim a repercussão que ele possa ter". Dessa feita, tanto o dano moral puro quanto o decorrente de dano material têm sua ressarcibilidade possível.
Ademais, a Súmula nº 37 do Superior Tribunal de Justiça dispondo, in verbis, que "são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato", põe uma pá de cal em qualquer discussão que pudesse recair sobre a possibilidade de dupla indenização (moral e material) originada de mesmo fato jurídico.
1.4.3 – OBJEÇÕES À REPARAÇÃO DO DANO MORAL
A professora Diniz traz riquíssima compilação dos vários argumentos que costumam emergir contra a possibilidade de reparação do dano moral. Uma a uma passa-se a analisá-las.
Efemeridade do dano moral.
Tal argumento não deve prosperar se considerarmos que os danos encontram maior ou menor tempo de reverberação na órbita individual da vítima independentemente de a repercussão ser eminentemente pecuniária ou lesiva a direitos personalíssimos. Aliás, as dores morais têm normalmente curta duração, mas seus efeitos na psique do indivíduo podem ter permanência indeterminada, até infinita. A longevidade de seus prejuízos pode — e deve — servir como parâmetro para a fixação do quantum indenizatório, mas não convence como critério de eliminação da possibilidade de sua reparação.
Escândalo da discussão, em juízo, sobre sentimentos íntimos de afeição e decoro.
Para tanto existe o recurso procedimental do segredo de justiça nas causas em que as discussões devam limitar-se ao âmbito de conhecimento das partes envolvidas, prevalecendo o interesse particular sobre o princípio da publicidade dos atos oficiais. O Poder Judiciário é espaço de imparcialidade e discrição inatas, do qual não se deve suprimir o dever de inafastabilidade previsto constitucionalmente. O artigo 21 do C.C. não permite ao Judiciário contradizer-se, ao obrigar seu presentante, o magistrado, a zelar pela intimidade dos jurisdicionados por meio da seguinte prescrição: "A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma".
Incerteza, nos danos morais, de um verdadeiro direito violado e de um dano real e dificuldade de descobrir-se a existência do dano.
A intangibilidade dos danos morais não significa sua inexistência ou sua temerária caracterização. É recorrente a busca pela verificação de existência ou ausência de dor, vexame, humilhação, etc, para a constatação dos danos morais. Entretanto, tais sentimentos são meros sintomas de sua existência. E não estão sempre presentes. A prova do dano extrapatrimonial requer meramente a prova de conduta lesiva ao patrimônio moral, da qual se presume abstratamente seus efeitos negativos nos atributos da personalidade (se pessoa física) ou na honra objetiva (se pessoa física, jurídica ou coletividade). Especificamente sobre os danos morais na publicidade enganosa, sua nocividade não se mede pelo parâmetro do homem médio, mas do consumidor típico — sopesada a hipossuficiência em cada caso, como critério de gradação da indenização.
Impossibilidade de uma rigorosa avaliação pecuniária do dano moral
Esta objeção é plenamente combatível com base em uma simples premissa: a de que o dano moral é, de fato, imensurável. A partir disso, parte-se para a busca da função da indenização por danos morais, que ao contrário da reparação por danos materiais que é realmente uma restitutio in integrum, não tem o caráter de devolução ao status quo ante. A avaliação pecuniária deve ter intuito compensatório à vítima, punitivo para o infrator, e preventivo para a sociedade e para o próprio lesante, que sofre o desestímulo à possível reincidência naquela conduta ilícita. Logo, não se busca precificar a dor (pretium doloris), mas reequilibrarem-se as relações jurídicas abaladas pela lesão a determinado bem de grande estima social.
Indeterminação do número de lesados
A determinação dos afetados pelo ato lesivo cometido e sua respectiva indenização cominada é incumbência do Estado-juiz no exercício da Jurisdição. Assim, a tutela dos valores sociais atingidos pela conduta e a proteção às vítimas no número em que existirem é tarefa do magistrado competente. Ou seja, não deve furtar-se da apreciação do Poder Judiciário a conduta que gerar danos morais, para puni-la, prevenir o surgimento de outra, além de determinar sua compensação, pela amplitude de seus efeitos.
É tendência contemporânea a defesa aos interesses individuais homogêneos, difusos e coletivos — seja por meio de ação civil pública, ação popular ou ação coletiva —, inclusive em matéria de danos morais. São incontáveis os danos ressarcíveis relativos aos valores coletivos violados relativos ao meio ambiente, ao consumidor, ao patrimônio cultural, à honra e à dignidade nacional. Em todos esses casos vislumbra-se um indeterminável número de indivíduos lesados que merecem ser acolhidos pelo instituto dos danos morais em sua seara coletiva.
Imoralidade da compensação da dor com o dinheiro
Exatamente porque a dor não tem preço, é justíssima a imposição de indenização ao causador do dano moral, afinal, a imoralidade do infrator não pode passar impune pela órgão judicante, tampouco a dor da vítima deixar de receber atenuante financeira capaz de conceder-lhe ínfimos prazeres compensatórios de sua perda moral.
Opondo-se à tese da imoralidade do dano moral, disserta Paulo Henrique Cremoneze Pacheco: "Aos que acham imoral receber dinheiro por dano moral, cabe a ressalva de que é ainda mais imoral deixar o dano irressarcido ou ressarcido de forma pífia, permitindo a odiosa impunidade do causador do dano.
Perigo de inevitabilidade da interferência do arbítrio judicial conferindo ao magistrado poder ilimitado na apreciação dos danos morais, ao avaliar o montante compensador do prejuízo.
Ver-se-á oportunamente que os princípios da eqüidade, da proporcionalidade e da segurança jurídica devem nortear o magistrado na fixação do quantum indenizatório do dano moral, prevenindo eventuais arbitrariedades jurídicas.
Enriquecimento sem causa
No art. 964 do Código de 1917, sobre o pagamento indevido, havia uma disposição dizendo que: "Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir...". Essa mesma regra foi reproduzida no Código Civil de 2002, no art. 876 que tem, no entanto, uma redação melhor, mais ampla. A regra do enriquecimento injusto, que garante ao prejudicado a possibilidade de ser indenizado, consta do atual art. 884: "Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido...". É uma regra subsidiária, mas, de qualquer forma, está inserida no nosso Código para permitir o reequilíbrio em favor daquele que perdeu com o enriquecimento injusto do outro. As possibilidades de flexibilização desta cláusula serão abordadas com mais profundidade oportunamente.
Impossibilidade jurídica de se admitir tal reparação
A possibilidade jurídica da admissão da reparação por dano moral depreende-se da própria natureza dos efeitos provocados pelo fato danoso. Ora, se os direitos de personalidade ou, em última análise, a própria ordem jurídica coletiva tutelam os objetos lesados pela conduta, havendo reflexos negativos no âmbito subjetivo ou objetivo da honra (sinônima da dignidade) pessoal ou coletiva, não há como falar em impossibilidade de proteção do Direito.
Wilson Melo da Silva, a propósito, indaga: "se a ordem jurídica sanciona o dever moral de não prejudicar ninguém, como poderia ela ficar indiferente ao ato que prejudique a alma, se defende a integridade corporal, intelectual e física?".
1.4.4 - PROVA DO DANO MORAL
O ressarcimento cível decorrente de agressão a bens jurídicos tutelados pela esfera moral pressupõe a existência do fato danoso como causa suficiente para a responsabilização do agente. Provado o fato lesivo, não há necessidade de prova do dano em si. Da mesma forma que a quantificação do dano moral, é o sensível arbítrio do juiz que determina a sua presença, ante os sintomas delineados no caso concreto.
Tem-se um norte conjuntural da apreciação da prova por meio das palavras de Bittar:
É intuitivo e, portanto, insuscetível de demonstração, para os fins expostos [a título de prova], como se tem sido definido na doutrina e na jurisprudência ora prevalecentes, pois se trata de damnum in re ipsa. A simples análise das circunstâncias fáticas é suficiente para a sua percepção, pelo magistrado, no caso concreto.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, também, está pacificada no sentido de não ser necessária a prova do dano moral, desde que provado o fato que o ensejou. Sobre o tema, destaca-se o acórdão proferido no Resp nº 608.918/RS, cujo relator foi o ministro José Delgado. Transcreve-se a ementa:
RESPONSABILIDADE CIVIL. MULTA DE TRÂNSITO INDEVIDAMENTE COBRADA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. DANO PRESUMIDO. VALOR REPARATÓRIO. CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO 1. Como se trata de algo imaterial ou ideal, a prova do dano moral não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material. Por outras palavras, o dano moral está ínsito na ilicitude do ato praticado, decorre da gravidade do ilícito em si, sendo desnecessária sua efetiva demonstração, ou seja, como já sublinhado: o dano moral existe in re ipsa. Afirma Ruggiero: "Para o dano ser indenizável, 'basta a perturbação feita pelo ato ilícito nas relações psíquicas, na tranqüilidade, nos sentimentos, nos afetos de uma pessoa, para produzir uma diminuição no gozo do respectivo direito."
2. É dever da Administração Pública primar pelo atendimento ágil e eficiente de modo a não deixar prejudicados os interesses da sociedade. Deve ser banida da cultura nacional a idéia de que ser mal atendido faz parte dos aborrecimentos triviais do cidadão comum, principalmente quando tal comportamento provém das entidades administrativas. O cidadão não pode ser compelido a suportar as conseqüências da má organização, abuso e falta de eficiência daqueles que devem, com toda boa vontade, solicitude e cortesia, atender ao público.
3. Os simples aborrecimentos triviais aos quais o cidadão encontra-se sujeito devem ser considerados como os que não ultrapassem o limite do razoável, tais como: a longa espera em filas para atendimento, a falta de estacionamentos públicos suficientes, engarrafamentos etc. No caso dos autos, o autor foi obrigado, sob pena de não-licenciamento de seu veículo, a pagar multa que já tinha sido reconhecida, há mais de dois anos, como indevida pela própria administração do DAER, tendo sido, inclusive, tratado com grosseria pelos agentes da entidade. Destarte, cabe a indenização por dano moral.
4. Atendendo às peculiaridades do caso concreto, e tendo em vista a impossibilidade de quantificação do dano moral, recomendável que a indenização seja fixada de tal forma que, não ultrapassando o princípio da razoabilidade, compense condignamente, os desgastes emocionais advindos ao ofendido. Portanto, fixo o valor da indenização a ser pago por dano moral ao autor, em 10 (dez) vezes o valor da multa.
5. Recurso especial provido.
Como limites à ventilada objetividade da responsabilidade do agente e à desnecessidade de efetiva demonstração do dano experimentado insurgem-se os enunciados 159 (que interpreta o art. 186, C.C.) e 189, aprovados na III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal:
159 – Art. 186: O dano moral, assim compreendido todo o dano extrapatrimonial, não se caracteriza quando há mero aborrecimento inerente a prejuízo material.
189 – Art. 927: Na responsabilidade civil por dano moral causado à pessoa jurídica, o fato lesivo, como dano eventual, deve ser devidamente demonstrado.
1.4.5 – FUNÇÕES DA REPARAÇÃO CIVIL
Precisa lição sobre esta temática traz Herrera, que elenca como funções da responsabilidade civil: a demarcatória: já que nunca haverá tipificação plena, estabelecendo exaustivamente as condutas reprováveis e as consoantes o ordenamento jurídico, a responsabilização civil serve como parâmetro para o juízo de valor das situações duvidosas; compensatória: trata de repor as coisas ao estado anterior (no caso de indenizações materiais) ou para atenuar e reequilibrar o dano lesivo à dignidade; distributiva: ocorreria no momento anterior ao dano, quando se recorre a seguradoras para que a indenização esteja garantida para a vítima e para a sociedade; preventiva: perfaz-se com a inibição da ocorrência de novos danos; admoestação: repreensão da conduta do ofensor; e, finalmente, o sancionatório, que tem caráter retributivo e serve para punir o ofensor.
1.5 – CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO
1.5.1 - Princípio da Proporcionalidade, Princípio da Segurança Jurídica e Eqüidade.
O princípio da proporcionalidade, também conhecido como da razoabilidade, com especial aplicação no Supremo Tribunal Federal é definido da seguinte maneira pelo Manual de Redação da Presidência da República:
A simples existência de lei não se afigura suficiente para legitimar a intervenção no âmbito dos direitos e liberdades individuais. Faz-se mister, ainda, que as restrições sejam proporcionais, isto é, que sejam 'adequadas e justificadas pelo interesse público' e atendam ao critério de razoabilidade'. Em outros termos, tendo em vista a observância do princípio da proporcionalidade, cabe analisar não só a legitimidade dos objetivos perseguidos pelo legislador, mas também a adequação dos meios empregados, a necessidade de sua utilização, bem como a razoabilidade, isto é, a ponderação entre a restrição a ser imposta aos cidadãos e os objetivos pretendidos.
Em essência, consubstancia uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das idéias de justiça, eqüidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo, etc.
É da garantia de um princípio do devido processo legal substantivo que decorre o princípio da proporcionalidade. Inobstante a falta de previsão constitucional expressa, pode ser considerado implícito na Constituição de 1988.
Segundo o professor Fredie Didier Júnior, a costumeira tensão entre direitos fundamentais e/ou princípios constitucionais é impasse que deve ser resolvido mediante a devida ponderação dos bens e valores concretamente colidentes, sob o prisma das normas de solução de conflitos (Konkurrenzlösend Normen). Arremata, enfim, com a clareza que lhe é peculiar:
Com efeito, o critério da proporcionalidade é tópico, volve-se para a justiça do caso concreto ou particular, se aparenta consideravelmente com a equidade e é um eficaz instrumento de apoio às decisões judiciais que, após submeterem o caso a reflexões prós e contras (Abwängung), a fim de averiguar se na relação entre meios e fins não houve excesso (Ubermassverbot), concretizam assim a necessidade do ato decisório de correção.
Quanto à equidade, essa é permitida em nosso ordenamento de duas formas: a) a corretiva, nos moldes do art.944, parágrafo único, C.C; e b) a integradora, inserta no art. 953, parágrafo único, C.C., que permite ao magistrado suprir a lacuna a respeito de qualquer critério para a estipulação do dano moral decorrente de injúria. Por conta dos dispositivos elencados, além do clássico art. 4º, da LICC, é a eqüidade, não apenas mais um parâmetro, senão o principal instrumento oferecido pela lei ao magistrado para arbitrar o quantum indenizatório nos danos morais.
Não se trata, porém, de um salvo-conduto ao juiz da causa para exercer um ilimitado livre-arbítrio. Antes, atente-se à contundente observação do eminente ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior:
Deve o juiz procurar expressar, na fixação da indenização, aquilo que corresponda à idéia de justiça presente na sua comunidade, que satisfaça à consciência média da sociedade para a qual se dirige a sentença e onde convivem autor e réu. Por isso, será sempre um juízo fundamentado, com a explicitação das razões pelas quais ele chegou àquela conclusão.
Na esteira do já mencionado enunciado 159 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, revela-se o princípio da segurança jurídica como norteador das decisões relativas a pedidos de indenização por danos morais onde não há lesão suficiente para tanto. Meros aborrecimentos ou frustrações não são motivos bastantes para a intervenção do Estado nas relações jurídicas privadas.
Portanto, inadimplemento contratual que gere mero aborrecimento, por exemplo, não fere a dignidade humana, como asseverado pelo desembargador Décio Antônio Erpsen, em ressonante acórdão prolatado na apelação nº 596.181, TJ/RS:
Nessa nave do dano moral em praticamente todas as relaç es humanas, não pretendo embarcar. Vamos atingir os namoros desfeitos, as separações, os atrasos nos pagamentos. Ou seja, a vida a serviço dos profissionais do direito. Se a segurança jurídica também é valor supremo do direito, devemos pôr em prática mecanismo tal que simplifique a vida, sem se estar gerando um estado generalizado de neurose do suspense.
A tendência à harmonização da jurisprudência quando se tratarem de decisões de casos semelhantes deve ser uma constante na busca por prestígio do princípio da segurança jurídica na reparação civil por danos morais.
Como se não bastassem os ideais de justiça que balizam nosso sistema jurídico, não se olvide que a reparação por danos ao direito da personalidade, por mais que tais lesões sejam presumíveis do que as originam, deve basear-se em prova firme e convincente ato danoso, cuja existência condiciona a própria viabilidade de responsabilização do agente.
Em face do esposado, nota-se que esses princípios fornecem robustos subsídios para o intérprete do fato concreto, que é por natureza o juiz, para que diga o Direito da forma mais justa possível, cabendo a ele harmonizar todos os direitos e princípios colidentes no caso concreto.
1.5.2 – A indenização não pode ser simbólica, a vedação do enriquecimento ilícito e os critérios subjetivos e objetivos da reparação.
Dentre as funções da indenização por danos morais estão a punitiva e a preventiva. A compensação para a vítima, aliás, também depende para seu perfazimento uma fixação do quantum capaz de abster potenciais causadores de danos similares da mesma prática lesiva, além de incidir sobre o infrator adequado valor de desestímulo.
A teoria do desestímulo (conhecida como deterrence nos Estados Unidos e Inglaterra) é alicerce dos punitive damages e dos co-irmãos exemplary damages. Sua aplicação depende de análise da força econômica do lesante, elevando o juiz da causa o valor da reparação para que tanto o agressor quanto a sociedade sintam eficazmente um impacto pedagógico capaz de coibir a prática faltosa.
Auferir lucros à custa de menoscabos causados e ainda desfrutar impunidade, ou sofrer branda intervenção em seu patrimônio, é, ao contrário, forte estímulo à prática de ilícitos contra o patrimônio moral.
Nos Estados Unidos, as indenizações por dano moral são, em geral, de valor bastante elevado, objetivando desestimular novas agressões. A atribuição de valor elevado constitui advertência não só ao ofensor como à própria sociedade, de que não são admitidos comportamentos dessa espécie. No Brasil, entretanto, com exceção das ações referentes a direitos do autor e a direito à imagem, os valores arbitrados, como vimos, somente ultrapassam o limite de cem salários mínimos em casos de homicídio. Essa moderação se explica pela baixa renda do povo brasileiro e também pelo fato de, durante muitos anos, não se indenizar o dano moral.
Caio Mário explana que não pode o autor receber a benesse da impunidade, mas para tanto não se pode "imiscuir na reparação uma expressão meramente simbólica, e, por esta razão, a sua condenação não pode deixar de considerar as condições econômicas e sociais dele, bem como a gravidade da falta cometida, segundo um critério de aferição subjetivo".
A quantificação do dano moral, sujeita ao bom senso do magistrado e de caráter eminentemente subjetivo, deve ser orientada por um conjunto de critérios objetivos e subjetivos pertinentes à lide. Tradicionalmente são salientados pela doutrina e jurisprudência os parâmetros aqui sintetizados: repercussão pública, circunstâncias fáticas (sócio-econômicas) envolvidas, caráter anti-social da conduta e/ou sua reiteração (ou se foi apenas um ato isolado), os benefícios e lucros obtidos pelo ofensor com a ofensa, real prejuízo da vítima e lucros cessantes, gravidade, extensão, natureza da lesão, grau de culpa/dolo, nível cultural do agressor e grau de cultura (que na publicidade ilícita traduz-se pelo critério do "consumidor típico") e hipossuficiência do ofendido.
A jurisprudência também é firme em consagrar a relação direta existente entre os parâmetros mencionados alhures (tais qual a extensão do dano, o prejuízo da vítima e o poder econômico do agente) e a fixação do quantum debeatur. Colaciona-se:
DANO MORAL - VALOR - FIXAÇÃO. A fixação do valor de reparação ao dano moral deve ser equânime entre o dano causado e os reflexos incidentes deste na pessoa atingida e a capacidade econômica do agente causador (TJ - MA - Ac. unân. 14.367, da 1ª. Câmara Cív., publ. no D.O. de 29/03/93 - Embs. 13.977/92, na ap. 4.730/92 - Capital - Rel. Des. Antônio Bayma Araújo - in ADCOAS - 1993 - ementa 140358).
Entretanto, o que se tem apreendido das decisões dos tribunais superiores nesses casos é que é praticamente pacífico o entendimento da vedação do enriquecimento ilícito como limite cabal das funções punitiva e preventiva da reparação por dano moral. Tome-se como exemplo esta decisão:
A quantificação do valor a ser pago a título de reparação por dano moral é, deveras, um dos pontos de maior tormento para o magistrado. Deve agir de modo a não prestigiar o ilícito, fixando importância aviltante e até atentatória à dignidade do ofendido, mas, também, de outro lado, deve evitar premiá-lo, com o arbitramento de valor tão elevado que possa reverter em enriquecimento sem causa justa.
Nessa matéria, com efeito, deve o juiz, valendo-se do bom-senso que é imprescindível ao correto discernimento do julgador, levar em consideração critérios objetivos e subjetivos, tais como o nível cultural do causador do dano; a condição sócio-econômica do ofensor e do ofendido; intensidade do dolo ou grau da culpa (se for o caso) do autor da ofensa; as conseqüências do dano no psiquismo do ofendido; as repercussões do fato na comunidade em que vive a vítima etc; para, só então, estabelecer o quantum a ser pago. Ademais, na fixação da reparação, deve o magistrado agir pedagogicamente, estipulando valor que desestimule a prática de outros ilícitos similares, mas que não sirva a condenação também de contributo a enriquecimentos injustificados (grifou-se).
Em que pese a prevalência na jurisprudência da tese do duplo caráter indenizatório dos danos morais — compensação/desestímulo —, sua eficácia resta integralmente alijada ao quando se releva a avaliação econômica do ofendido como parâmetro de aferição do quantum.
Qual a cientificidade da análise financeira da vítima? Por ser ela pobre, terá menos direitos à reparação do que qualquer outro? Ou se for rica merecerá agrados exagerados, já que não haverá enriquecimento com o que receberá de indenização? A lesão à dignidade de alguém pode ter a medida de seu patrimônio financeiro ou material? Quando se fala em coletividade, pode a comunidade judaica ser mais ou menos afetada por um mesmo gesto tirânico de um governante do que a comunidade negra atacada pelo mesmo ato, porque aquela tem maior ou menor poder econômico? Ora, no pólo passivo de uma ação, todos somos sujeitos dos mesmos direitos, igualmente lesáveis e indenizáveis.
Bem salienta Roldenyr Cravo ao lembrar que "a honra será sempre honra", e que ela "independe de posição social, da profissão ou do padrão econômico-financeiro de uma pessoa, já que é um atributo inerente ao ser humano". Maria Celina Bodin ressalta que "a condição econômica ou nível social da vítima são completamente irrelevantes". Tamanho é o equívoco de tomar-se a indenização por danos morais sob a perspectiva da condição econômica da pessoa lesada, que caberia até indagar se o abastamento ou miserabilidade da vítima, além da diferença no tratamento jurídico da matéria, teria aferição absoluta ou seria relativizado dependendo da magnitude financeira do ofensor.
Ora, nesses padrões, uma empregada doméstica que vive apenas de seu salário estaria bem recompensada com um aparelhinho de TV quando vítima de publicidade enganosa quanto a determinada mercadoria de uma loja; de outra banda, sua patroa, dona de uma emissora de televisão, também incorrendo em erro advindo do mesmo anúncio, não seria compensada senão com a mais extravagante viagem de férias, ou, em outros termos, com reparação pecuniária equivalente às disparidades apresentadas nos exemplos de indenizações in natura.
Obstaculizar a majoração reparações por danos morais, ou mesmo indenizá-los como mera compensação, utilizando-se do subterfúgio obsessivo de não se poder enriquecer a vítima sem causa é inutilizar o próprio sistema de responsabilização civil, como bem se observa no seguinte exemplo:
Não há como conciliar pontos diametralmente opostos; onde há punição sempre haverá enriquecimento. Vejamos: uma conduta de X causou um dano a Y; a quantia que repara o dano em virtude da conduta é de R$100,00. Este valo, alçado a título indenizatório é que restaura o ponto de equilíbrio. Se o julgador resolve incrementá-lo colocando um plus para dissuadir condutas análogas ou punir X pela sua intenção danosa, qualquer que seja este valor, estará enriquecendo a vítima nos termos do art. 884 do CC/2002.
Indenização que se baseie em sentença judicial justa (nela inseridos todos os quesitos de análise para justificação dos meios adequados e necessários) tem obrigatoriamente uma conseqüência lógica. Logo, a decisão que enseje a subtração do patrimônio de uma parte para inseri-lo no patrimônio da outra é causa razoável para o enriquecimento da vítima.
Data venia, é falso o argumento que pretende fundar-se nos princípios da razoabilidade e da segurança jurídica para repelir o surgimento da chamada "Indústria do dano moral", porque a possibilidade de enriquecimento das vítimas seria o motivo da banalização dos pedidos de indenização de tal natureza.
O vício de tal assertiva está no fato de que desconsidera a aplicação dos critérios vastamente utilizados pela jurisprudência, sob o manto do princípio da proporcionalidade, observadas as necessidades da reparação civil de compensar a vítima, punir o ofensor e prevenir outras ocorrências. Isto é, a reparação sempre deverá atender à legitimidade dos objetivos perseguidos pela legislação, desde que adequada, necessária e razoável do ponto de vista do caso concreto.
Assim, não é relevante se haverá ou não enriquecimento da vítima com a indenização, mas a que quantum indenizatório levará a ponderação entre a restrição a ser imposta ao ofensor e os objetivos pretendidos com a reparação.
Tem-se como única conclusão possível, dadas as razões expostas, que não há falar em enriquecimento ilícito quando a decisão judicial que majorar a indenização por danos morais (principalmente em se tratando de lesões aos consumidores lesados por publicidade enganosa, como se verá adiante) pautar-se nos critérios amealhados. Por fim, vislumbra-se inadmissível a inclusão do incoerente critério da posição sócio-econômica da vítima como parâmetro da quantificação do dano.
1.5.3 - Não-tarifação.
Com a vigência da Constituição Federal de 1988, ao menos no entendimento do STJ, não mais se aplica a tarifação prevista no artigo 84, § 1º, do Código Brasileiro de Telecomunicações, que determina que quando houver calúnia, difamação e injuria, a indenização deve ser fixada entre os valores correspondentes a 5 (cinco) salários mínimos e 100 (cem) salários mínimos. A Quarta Turma do STJ, em julgamento do Resp nº 419.705/SP, de relatório dado pelo Ministro Fernando Gonçalves, assim se pronunciou:
CIVIL. DANOS MORAIS. MONTANTE INDENIZATÓRIO. CÓDIGO BRASILEIRO DE TELECOMUNICAÇÕES. OBEDIÊNCIA. IMPROPRIEDADE. ACIDENTE DE TRÂNSITO. SEGURO OBRIGATÓRIO. ABATIMENTO.
(...) A fixação do valor da indenização, devida a título de danos morais, não fica adstrita aos critérios do Código Brasileiro de Telecomunicações. (...).
Igualmente, não foi recepcionado o patamar prefixado na Lei de Imprensa, Lei nº 5.250/67, que limita a responsabilidade civil do jornalista profissional e da empresa que explora o meio de informação ou divulgação. A Súmula 281 do STJ estabelece que "A indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa".
04 - DANO MORAL - Processual - 'Como o dano moral não é tarifado, o valor da causa pertence à parte que sofreu a aflição'. O Juiz da causa é quem irá fixar a indenização (TJRS - 8ª Câm. Cível; Ag. de Instr. nº. 596.147.058-RS; Rel. Des. Antônio Carlos Stangler Pereira; j. 10.10.1996; v.u.; ementa, in Boletim AASP nº. 2018, ano XXXVIII, 01 a 07/09/97).
Entrementes, insurge-se contra a lógica do arbitramento do dano moral mediante o bom senso do magistrado o Projeto de lei 7.124 de 2002 (em trâmite no Congresso Nacional), que tenta estandartizar a indenização, conforme o §1º do artigo 7º da emenda substitutiva proposta pelo Deputado Federal Max Rosenmann em abril de 2007, nos seguintes moldes:
Art. 7°. Ao apreciar o pedido, o juiz considerará o teor do bem jurídico tutelado, os reflexos pessoais e sociais da ação ou omissão, a possibilidade de superação física ou psicológica, assim como a extensão e duração dos efeitos da ofensa.
§ 1º Se julgar procedente o pedido, o juiz fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes níveis:
I - ofensa de natureza leve: até oito mil reais;
II - ofensa de natureza média: até quarenta mil reais;
III - ofensa de natureza grave: até cem mil reais;
Tarifar o dano moral, por mais que o caput do citado artigo preveja alguns critérios que permitam a variação da quantificação caso a caso, é limitar a atuação do magistrado de maneira que impossibilite a real aferição do dano causado e, portanto, de sua integral compensação. A compensatio in integrum deve medir-se não só pela extensão dos efeitos do dano, mas igualmente pelos demais critérios reiteradamente aplicados pela jurisprudência à responsabilização civil dessa natureza.
Além disso, a doutrina ressalta a necessidade de observância do princípio da indenizabilidade irrestrita, insculpido nos incisos V e X do art. 5º da Constituição Federal de 1988, de eficácia plena e imediata, que "torna amplíssima a possibilidade de satisfazer, indenizar ou compensar os danos extrapatrimoniais". Afinal, se tal preceito tem o condão de permitir, para muitos, a indenização punitiva e pedagógica, majorada para cumprir tais funções, qual não seria a inconstitucionalidade da lei que o desconsiderasse de tal maneira, aderindo à idéia de piso e teto para a quantificação dos danos morais?
Uma vez prefixados os valores (que, como visto, não passariam de cem mil reais), estaria estabelecida a margem de lucro que poderiam auferir os infratores que obtêm retorno financeiro, oriundo do dano causado, superior à tabela indenizatória. A tarifação do dano é, de fato, mais um instrumento em favor das grandes empresas que lucram com um grande número de lesões jamais reparadas por inércia das vítimas ou por deliberado abrandamento do Judiciário (e se tal projeto viesse a ser lei, contariam os infratores com o apoio também do Legislativo).
– RESPONSÁVEIS
A lição de Bittar é elucidativa sobre o tema. Todas as pessoas, físicas ou jurídicas (públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras), direta ou indiretamente relacionados ao fato gerador do dano ao patrimônio moral de pessoas determinadas ou determináveis, devem responder por tal conduta civilmente imputável.
Apenas as pessoas são responsáveis. Portanto, embora certos entes despersonalizados possam atuar judicialmente (CPC, art. 12), os reflexos da responsabilização do condomínio, da sociedade sem registro ou da massa falida, por exemplo, repercutem na esfera patrimonial das pessoas que as integram, sendo cabível a individualização de um responsável específico.
O STJ tem compreendido que a desconsideração da pessoa jurídica prescinde de qualquer requisito, sempre que sua personalidade constituir obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Segue, exemplificando, o REsp 279273 / SP, relatado pelo Ministro Ari Pargendler:
Responsabilidade civil e Direito do consumidor. Recurso especial. Shopping Center de Osasco-SP. Explosão. Consumidores. Danos materiais e morais. Ministério Público. Legitimidade ativa. Pessoa jurídica. Desconsideração. Teoria maior e teoria menor. Limite de responsabilização dos sócios. Código de Defesa do Consumidor. Requisitos. Obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Art. 28, § 5º.
- Considerada a proteção do consumidor um dos pilares da ordem econômica, e incumbindo ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, possui o Órgão Ministerial legitimidade para atuar em defesa de interesses individuais homogêneos de consumidores, decorrentes de origem comum.
- A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração).
- A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.
- Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica.
- A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.
- Recursos especiais não conhecidos.
Com efeito, a obrigação de indenizar é transmissível pela herança (C.F., art.5º, XLV e C.C., arts. 1526 e 1587) ou por via negocial, em casos de incorporação, fusão ou outro fenômeno de sucessão de sociedades.
O próximo capítulo apurará detalhadamente as pessoas passíveis de responsabilização por danos morais na publicidade enganosa.
– TITULARES
São legitimados ativamente para a propositura de ações reparatórias de danos morais todos os que sofrerem reflexos negativos de fatos danosos ao patrimônio moral — por via direta ou reflexa — próprio ou coletivo, desde que pertença à coletividade afetada ou possa representá-la judicialmente.
Com o advento da Lei 7347/85, que disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, houve a instituição definitiva da reparação moral na ação coletiva. Também o Código de Defesa do Consumidor fortaleceu a garantia a direitos transindividuais de maneira perceptível.
Os interesses transindividuais denotam-se pela transcendentalidade, pela indivisibilidade do objeto e pela nota de conflituosidade máxima, ou seja, são pretensões não-individuais cuja satisfação atinge a todos os integrantes do grupo. Requerem, portanto, uma tutela macro-individual capaz de compensar o bem jurídico lesionado. Estão eles separados em: interesses coletivos, interesses difusos e interesses individuais homogêneos.
Os interesses coletivos têm sido amplamente defendidos por sindicatos e associações para a defesa de necessidades específicas. Isso se deve à própria natureza desses interesses. A fruição do interesse, em regra, só é possível pelo grupo de pessoas unidas pelo vínculo originário da pretensão. Os titulares são determináveis, mas não precisam ser identificados. As entidades recebem da lei legitimidade autônoma para agir judicialmente, em razão da indivisibilidade do objeto em questão.
Os interesses difusos advêm de objetos pertencentes à coletividade, mas cujos titulares são indeterminados. A doutrina cita como exemplo de direito que mereça especial guarida por atingir simultaneamente a todos os casos de publicidade enganosa, pois, de forma indiscriminada, toda a população está sujeita ao anúncio.
Nos interesses individuais homogêneos, os titulares são determinados e plurais, e o objeto é divisível, ao contrário dos demais. Nesse caso, há postulação em nome próprio de direito alheio, por parte da entidade habilitada. Essa substituição processual é autorizada pelo artigo 82 da lei 8078/90, como requer o art. 6º do CPC. Durante o processo coletivo só serão discutidas matérias comuns a todos os titulares, deixando-se a individualização da parcela a que cada um faz jus para a fase de liquidação da sentença. A sentença apenas terá efeito erga omnes quando for favorável à pretensão autoral, se não fará coisa julgada apenas para aqueles que participarem do processo.
A jurisprudência do STJ tem reconhecido a indenização por danos morais em interesses individuais homogêneos. Veja-se, por exemplo:
AÇÃO COLETIVA. ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. PRODUTOS TÓXICOS. CONTAMINAÇÃO. ÁGUA. DANOS MORAIS E MATERIAIS. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. CARACTERIZAÇÃO.
1 - A quantificação dos danos morais e materiais fica relegada à liquidação de sentença e, por isso mesmo, não impede a subsunção da espécie à definição legal de direitos individuais homogêneos, caracterizados por um fato comum, no caso específico o vazamento de produtos tóxicos e a contaminação da água consumida pelos associados.
2 - Recurso especial conhecido e provido para reconhecer a legitimidade ativa ad causam da recorrente.
Por outro lado, não tem o mesmo Tribunal concedido indenizações por danos extrapatrimoniais quanto a interesses difusos ou coletivos. Tem prevalecido o entendimento esposado, entre outros, pelo ministro Teori Albino Zavascki, segundo a qual, embora não exista dúvida quanto à possibilidade de a lesão a direitos difusos acarretar dano moral, tal violação não assume o caráter transindividual. Tal visão está expressada na decisão do REsp 598.281/MG:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. DANO MORAL COLETIVO. NECESSÁRIA VINCULAÇÃO DO DANO MORAL À NOÇÃO DE DOR, DE SOFRIMENTO PSÍQUICO, DE CARÁTER INDIVIDUAL. INCOMPATIBILIDADE COM A NOÇÃO DE TRANSINDIVIDUALIDADE (INDETERMINABILIDADE DO SUJEITO PASSIVO E INDIVISIBILIDADE DA OFENSA E DA REPARAÇÃO). RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.

Entretanto, não é somente a dor psíquica que pode gerar danos morais, mas qualquer abalo ao patrimônio moral de uma coletividade. Para Bittar Filho, "o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico".
Sempre que for necessário recompor o sentimento do grupo, da coletividade em sentido amplo, determinando uma sanção que represente ao mesmo tempo reprimenda, compensação, e um caráter educativo, a doutrina recomenda a abertura do sistema para a condenação em danos morais coletivos e difusos. No dano moral gerado por publicidade enganosa, "o consumidor em potencial sente-se lesionado e vê aumentar seu sentimento de desconfiança na proteção legal do consumidor, bem como no seu sentimento de cidadania".
Dessa forma, a honra e a dignidade de uma comunidade estão protegidas juridicamente, seja por meio da própria ação civil pública (que tem como legitimados o Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista, além de associação constituída há mais de um ano e com finalidade institucional compatível com essa ação), ou da ação popular (cuja titularidade de propositura é de qualquer cidadão; art. 5º, LXXIII, C.F.).
O titular do direito de proposição, apesar de interessado na reparação, nem sempre será o destinatário dela. Assim é quando há condenação em dinheiro na ação civil pública: a indenização será revertida para um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais, de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade.

CAPÍTULO 2
2. PUBLICIDADE ENGANOSA
2.1 – CONCEITO
O conceito de publicidade pode ser firmado a partir de dois pontos de vista: o mercadológico ou o jurídico.
Do ponto de vista mercadológico, amealha-se a definição de José Maria Campos Manzo, segundo a qual publicidade é "toda e qualquer forma paga de apresentação e promoção não-pessoal de idéias, produtos ou serviços, levada a efeito por um patrocinador identificado".
Sob o prisma jurídico, Pasqualotto conceitua a publicidade como "toda comunicação de entidades públicas ou privadas, inclusive as não personalizadas, feita através de qualquer meio, destinada a influenciar o público em favor, direta ou indiretamente, de produtos ou serviços, com ou sem finalidade lucrativa".
Tendo em vista que o Código de Defesa do Consumidor, tratando de maneira abrangente do tema, não estabelece precisa diferença no tratamento jurídico dos termos anúncio, oferta, publicidade ou propaganda. Este trabalho utilizará tais termos como sinônimos para os efeitos da publicidade nas relações de consumo, ou seja, aquela que envolva, como partes, consumidores e fornecedores de acordo com os dispositivos introdutórios do referido diploma. Em regra, a propaganda política ou eleitoral está excluída deste critério e é controlada pelos Tribunais Eleitorais.
Assim, tanto a oferta prévia – via panfletos, outdoors, indoors, propagandas em mídias eletrônicas, etc – quanto a própria apresentação dos produtos e serviços – expostos nas vitrines, prateleiras, balcões, rótulos, embalagens, bulas, etc – podem conter informações publicitárias enganosas.
Outrossim, seguindo o art. 30 do CDC, em que não há limite quanto ao meio e comunicação pelo qual a propaganda será transmitida, qualquer veículo pode ser considerado imputável, vale mencionar: televisão, rádio, cinema, jornal, revista, mala direta, folheto, cartaz, outdoor, telemarketing, entre outros.
Ademais, diga-se que mesmo se o conteúdo de uma mensagem publicitária não for falso pode a publicidade ser enganosa. Se uma informação essencial não foi veiculada, ou foi, mas de maneira imprecisa, que gere dúvidas, a publicidade toda poderá ser considerada potencialmente indutora a erro.
Assim, define-se publicidade enganosa como toda comunicação que, por qualquer meio, provoque uma distorção no processo decisório do consumidor, induzindo-o a adquirir produtos ou serviços, que não o faria se fosse bem informado.
2.2 - ENGANOSIDADE
Veja-se que tanto o marketing quanto a publicidade em sentido estrito pode induzir o consumidor a erro. A doutrina entende que todas as técnicas de mercado dão ensejo a tais desvios, do que se depreende que também as promoções de venda podem ser consideradas enganosas.
A publicidade enganosa pode manifestar-se duas maneiras: ativa ou passivamente. Aquela é igualmente chamada comissiva, e ocorre quando algum dado ou informação divulgada não condiz com a realidade. Já essa última decorre da omissão publicitária capaz de induzir a erro.
A propósito do tema sob comento, a lição de Antônio Herman Benjamin e Vasconcellos, um dos autores do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor, verbis:
 A publicidade pode ser enganosa tanto pelo que diz como pelo que não diz. Enquanto que na publicidade enganosa comissiva qualquer dado do produto ou serviço presta-se para induzir o consumidor ao erro, na publicidade enganosa por omissão só a ausência de dados essenciais é reprimida.
(...) O fundamental aqui é que a parcela omitida tenha o condão de influenciar a decisão do consumidor.
A jurisprudência é veemente na proteção do consumidor vítima de anúncios publicitários em que haja informação omitida sem a qual possa ser induzido a erro. A omissão sobre a data de encerramento de uma promoção foi razão suficiente para que o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul mantivesse a decisão apelada, concedendo ao autor indenização no valor de R$50.000,00, equivalente ao prêmio negado. Colaciona-se:
APELAÇÃO CÍVEL - PRELIMINARES DE: INÉPCIA DA INICIAL PELA IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA, DIANTE DA FALTA DE REDUÇÃO A TERMO DO CONTEÚDO DA FITA DE VÍDEO - MÉRITO - AÇÃO INDENIZATÓRIA - CONSUMIDOR - VEICULAÇÃO DE PROPAGANDA ENGANOSA - PAGAMENTO DE PRÊMIOS - AQUISIÇÃO DE REFRIGERANTE - TAMPINHA PREMIADA - OMISSÃO SOBRE A DATA DE ENCERRAMENTO DA PROMOÇÃO - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO IMPROVIDO (Classe: Apelação Cível. Órgão Julgador: 1ª Turma Cível. Relator: Des. Hildebrando Coelho Neto. Julgamento: 30/04/2002. Publicação: 17/05/2002. Nº Diário: 18)
A sentença profligada deve ser mantida.
De fato, a omissão quanto ao período de validade da promoção nos cartazes de anúncio de propaganda foi determinante para induzir a erro o consumidor, que adquiriu diversas vezes os produtos da promoção, simplesmente por acreditar que estaria concorrendo ao sorteio de até R$ 100.000,00 (cem mil reais).
Aliás, repita-se, somente cessou de adquirir os produtos da promoção porque pensou estar de posse da tampinha premiada, onde existia a descrição da jogada de futebol "Bebeto fora da área joga por R$ 50.000,00 LN8", ocorrida em 3 de julho de 1998, durante a Copa do Mundo de 1998, no jogo entre o Brasil e a Dinamarca, no qual o jogador Bebeto, da seleção brasileira, fizera gol nas mesmas circunstâncias descritas na tampinha premiada, o que conferia ao autor o direito à importância de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais).
Dos documentos carreados aos autos pelas partes, somente o plano de operação traz descrito o período de vigência da promoção, que era de 15.2.1998 a 4.4.1998, portanto, antes mesmo do início da Copa do Mundo. Logo, é incontroverso que a manutenção da propaganda nos rótulos dos produtos tinha como escopo fomentar a venda dos refrigerantes da marca Pepsi-Cola, cujo anúncio dizia expressamente: "Assista às jogadas todos os dias no intervalo da novela das 20h, na Rede Globo.", ou seja, em horário nobre, onde é maior o índice de audiência (...)".
Ademais, outra forma pela qual se dá a enganosidade é pelo uso de um "chamariz". Nesse caso, a enganação não está obrigatoriamente ligada ao produto ou serviço propriamente. Trata-se de um caso em que a publicidade é feita em sentido amplo e induz o erro do consumidor ao trabalhar o produto de forma inadequada. O vício é a imagem criada: é o marketing que introduz a armadilha de venda.
2.3 – MARKETING, PUBLICIDADE E PROPAGANDA
Marketing ou mercadologia é "a orientação administrativa que tem por escopo determinar as necessidades, os desejos e os valores de uma marca-alvo e adaptá-los à organização para proporcionar as satisfações desejadas de maneira mais efetiva e eficiente que a concorrência".O marketing é, portanto, técnica apoiada em princípios da Administração. Toda estratégia que visa a planejar a forma de venda do produto ou serviço, os locais de promoção, o público-alvo, etc. tem conexão com esse elemento. A publicidade seria, portanto, espécie da qual o marketing é gênero. Este não se limita a ela.
A publicidade pressupõe normalmente a presença de três sujeitos: o anunciante (fornecedor que busca vender seu produto), a agência de publicidade (que cria a imagem e a forma de divulgação do produto), além do veículo (por meio do qual transmite-se a publicidade).
É sabido que a publicidade não se confunde com propaganda. Essa teria claro escopo político, ideológico, ético, religioso, filosófico, ou sociológico, etc. Por outro lado a publicidade teria um viés comercial ou profissional.
Por outro lado, a distinção entre propaganda e publicidade, por mais que seja teoricamente clara, parece inócua nos dias atuais. Ante a complexidade prática em apartar a propaganda meramente ideológica da informação publicitária mercadológica, considera-se plausível a generalização dos institutos. Da mesma forma posiciona-se Ronaldo Alves de Andrade, aduzindo que:
A despeito dessa distinção técnica, somos de opinião de que as disposições do CDC quanto à publicidade englobam a propaganda, não importando se há ou não finalidade econômica, pois o CDC não fez qualquer distinção, e não é lícito ao intérprete distinguir quando a lei não o fez, mormente tratando-se de lei que contém normas de ordem pública.
O próprio Código de Ética dos Profissionais de Propaganda, de outubro de 1957, já não se atentava a tal detalhe, definindo que "A propaganda é a técnica de criar opinião pública favorável a um determinado produto, serviço, instituição ou idéia, visando a orientar o comportamento humano das massas num determinado sentido" (grifou-se).
2.4 – A IMPORTÂNCIA DA PUBLICIDADE
2.4.1 – INDÚSTRIA CULTURAL
A dinâmica atual do mercado produz o que se costuma denominar "cultura de massa", advento do pós-guerra, com a internacionalização do capital americano. É esse fato social ao mesmo tempo produto e causa da invenção do pós-moderno, ou seja, processo de deslocamento do estético para o cerne conceitual das produções culturais. A boa idéia, a grande sacada, passou a ter, então, valor fundamental na divulgação dessa nova forma de expressão, que se trata simplesmente de um produto genialmente embalado; rotulado.
A Teoria Crítica (Kritische Theorie), conjunto de estudos filosóficos formulados pelos membros da chamada "Escola de Frankfurt", predominantemente influenciados por pensadores dos séculos XIX e XX, tais quais Freud, Nietzsche e Marx, obteve êxito na explicação do novo papel da comunicação no mundo pós-moderno.
Max Weber, Georg Simmel, Karl Jaspers, Horkheimer, Adorno, Walter Benjamin, Eric Fromm e Marcuse, dentre outros, propuseram-se incessantemente a erradicar as novas formas de amarras e dominações sociais, mediante análise crítica dos efeitos do modo de produção sobre a consciência coletiva. "Investigar o espaço social e suas redefinições a partir da vida cotidiana parece ser o único possível [questionamento] para que seja viável uma práxis comunicativa no sentido habermasiano".
Adorno defende que a expressão "cultura de massa" gera a falsa sensação de uma manifestação legitimamente nascida das massas populares. Entretanto, resultante das Revoluções Industriais, na esteira do ágil desenvolvimento tecnológico dos últimos séculos, o mercado consumidor sempre foi amplamente dependente dos interesses dos setores industriais mais poderosos. Comparados a esses setores, os próprios monopólios culturais (hoje, as empresas que investem em cinema, televisão, internet, etc.) são fracos e, por isso, subordinam-se às preferências daqueles. A moda é sempre ditada pelos mais poderosos.
A cultura contemporânea confere a tudo um ar de semelhança: os prédios chineses são similares aos norte-americanos; a arte pós-moderna sofre com a supervalorização da estética em detrimento do estímulo ideológico que deveria provocar no seu observador, o que a revela como mais um apetrecho decorativo; o cinema ou a televisão não mais precisam se apresentar como formas de arte, mas comparam-se a indústrias cujos rendimentos e audiência obtidos indicam a reputação que devem gozar no mercado consumidor. Essa padronização do consumo, das vontades, ou enfim, dos costumes, gera o que Adorno chamou "Indústria Cultural", pela primeira vez no ano de 1947, em colaboração com Horkheimer, em sua obra Dialética do Iluminismo.
Assim, aliada à padronização do modo de produção e do consumo, está a criação de uma pseudo-individualidade que se molda para ser reconhecida por sua universalidade. A indústria cultural pós-moderna é de uma perspicácia única ao expor como protagonista, em seus intentos comerciais, o modelo calcado no indivíduo mediano.
O mais recente super-herói criado pela indústria cinematográfica é um exemplo perfeito disso. Hancock, interpretado pelo ator Will Smith, não obstante os inigualáveis poderes que projeta na luta contra o crime, sofre com sua baixa popularidade experimentada perante a população que tenta ajudar, mas que não tolera o alto grau de alcoolismo e a parca civilidade que ostenta negligentemente. Por outro lado, esse personagem que tem como principal trunfo comportar-se como tipicamente o faz boa parte da juventude hodierna obteve notável aceitação (e possível identificação) dos cinéfilos do mundo, que em duas semanas proporcionaram ao filme uma renda de 70,4 milhões de dólares conquistada em 67 mercados.
Note-se que a indústria cultural passa sua mensagem por todos os meios de entretenimento possíveis. A missão específica da indústria cultural é desacostumar as pessoas de sua subjetividade por meio do seu imanente princípio da liberdade para o divertimento irrefreado. Em outras palavras, divertir-se significa ter a faculdade do não-pensar; esquecer o sofrimento até mesmo onde ele é exposto.
Tal comportamento do mercado fornecedor, que oferta a própria cultura (material e imaterial) sob o signo de bens de consumo, atribui valor de troca às mercadorias, quantificando-as de acordo com a utilidade e o prestígio auferíveis por quem as consome. Ora, "quanto mais inexoravelmente o princípio do valor de troca subtrai aos homens os valores de uso, tanto mais impenetravelmente se mascara o próprio valor de troca como objeto de prazer".
O homem, sujeito de direitos, passa a objeto da indústria cultural na medida em que é impelido a renunciar à sua individualidade por força das leis mercadológicas que padronizam os bens e serviços oferecidos, valorizando convenções, modas e estereótipos inescapáveis, difundidos (velada ou abertamente) em todos os meios de comunicação.
O entendimento reside na razão autônoma. A personalidade humana, nela incluída a dignidade da pessoa, é o fim absoluto de toda ação. A condição de submissão necessária da vontade do cidadão quanto a quem exerça domínio sobre certa relação econômica vai de encontro ao que Kant conceituou como imperativo prático, condição inicial da moralidade, enunciado nos seguintes termos:
Age de tal modo que possas tratar sempre a humanidade, seja em tua pessoa, seja na do próximo, como um fim; não te sirvas jamais disso como um meio.
(...) Que, na ordem dos fins, o homem (e com ele todo o ser racional) seja um fim em si mesmo, isto é, não possa nunca ser utilizado só como meio por alguém (nem mesmo por Deus), sem ao mesmo tempo ser um fim.
(...) É que esta lei moral se fundamenta na autonomia de sua vontade como vontade livre, a qual, necessariamente, deve poder concordar, ao mesmo tempo, segundo as suas leis universais, com tudo aquilo ao qual se deve submeter.
Quando a vontade de todos é a mesma, ou o sucesso atingível segue determinado — e único — padrão, não há autonomia humana. Quando a publicidade induz comportamentos, a ética na relação de consumo resta rompida.
2.2.2 – A INFLUÊNCIA PUBLICITÁRIA
A publicidade, por quaisquer meios que se efetive, tem sua importância assinalada por sua função social: é ela quem aproxima o consumidor do bem ou produto ofertado. Normalmente marca o início da relação de consumo. Assim, por meio dela flui toda ideologia reiterada pela indústria cultural.
É certo que, desde as primeiras mensagens publicitárias de que se tem notícia – por volta do ano 1477, na Inglaterra, anunciando livros religiosos - até os anos 20 do século precedente, durante os quais a publicidade tinha papel apenas informativo, a publicidade não exercia tão expressiva influência sobre as grandes transações comerciais.
Entrementes, o mesmo não se pode afirmar sobre o que houve desde então. Com grande impulso do rádio e da televisão – esta que só veio a ter força no Brasil a partir da década de 50, pelos esforços de Assis Chateubriand - a publicidade é responsável pela movimentação de bilhões de dólares.
Tais meios de difusão, que prescindem de grandes esforços dos ouvintes ou telespectadores para entretê-los, são terreno fértil para a transformação daquela publicidade informativa em uma verdadeira publicidade de estilo de vida (life style advertising). A televisão tem sido uma mídia "predominantemente regida pela estética do realismo representacional, de imagens e histórias que fabricam o real e tentam produzir um efeito de realidade". Assim, a influência sobre o imaginário coletiva de uma nação é diretamente proporcional à repercussão social da alegoria exposta nesse instrumento de apelo absurdamente popular.
A expressão "economia de marketing" à medida que as técnicas publicitárias e de venda modelam o mercado consumidor com suas campanhas pautadas na identificação do público alvo ao produto que terá sua imagem trabalhada. Alterini expressa que:
En el mercado moderno es posible crear una necesidad mediante la publicidad, y así provocar la demanda. La publicidad también modifica gustos o crea modas, y general os que antes eran denominados deseos psicológicos o, dicho con más pudor, bienes de obsolescencia acelerada.
As invectivas publicitárias inúmeras vezes excedem um limite ético plausível. Uma campanha publicitária em que, por exemplo, o fornecedor não coordene o tempo de divulgação para que dure enquanto houver disponibilidade do produto tende a provocar insatisfação e, em casos extremos, instabilidade social, danos a terceiros e à sociedade como um todo.
Da mesma forma, há incontáveis casos de ações de marketing em que se constata a confusão de papéis propositalmente gerada pelos profissionais de venda. Inúmeras firmas, como a Nike, Hershey, Crayola, Nintendo e Foot Locker oferecem capas de livros didáticos grátis embrulhadas em anúncios. Semelhantemente, uma empresa chamada Zapme! oferece computadores às escolas em troca de monitorar os hábitos de navegação dos estudantes. Várias escolas do Colorado utilizam software de leitura que exibem os logotipos da Kmart, Coca-cola, Pepsi e do cereal Cap'n Crunch. A Califórnia criou legislação que proíbe tais práticas, apesar da alegação de alguns professores norte-americanos de que tais materiais escolares são dádivas divinas.
O marketing e a publicidade conseguem criar muitas armadilhas para o consumidor, já que as empresas têm informação suficiente sobre o comportamento de seus clientes potenciais. Tal instrumento ganha ainda mais força se não for cobrada contrapartida por parte dos mesmos fornecedores.
Se, por exemplo, um produto que tenha de passar informações adequadas em seu rótulo dispuser de maneira óbvia e pouco esclarecedora e mesmo assim não sofrer retaliação por parte das autoridades competentes, o consumidor, hipossuficiente e desinformado, padecerá nessa relação.
Alguns exemplos de rótulos interessantes e inúteis:
Em algumas refeições congeladas: Sugestão para servir: descongelado.
No indutor de sono: Aviso: pode causar sonolência.
Na sobremesa Tiramisu (impresso na parte de baixo da embalagem): Não vire a embalagem.
Em um secador de cabelos: AVISO: Não use no banho. Nunca use enquanto estiver dormindo.
2.4 – PRINCÍPIOS ATINENTES À PUBLICIDADE
A validade dos avanços científicos depende da compatibilidade entre a situação analisada e os princípios gnosiológicos que os fundamentam. É o que afirma Feracine, ao citar o conceito de princípio de Miguel Reale, segundo o qual:
Princípios são, pois, verdades ou juízos fundamentais que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade.
O CDC, acompanhando a evolução social, dotou de legitimidade a ciência jurídica, ao consagrar diretrizes de proteção do consumidor em face dos abusos publicitários. Vislumbram-se os seguintes princípios relativos à matéria insertos no mencionado diploma legal: princípio da identificação da publicidade (art.36); princípio da vinculação contratual da publicidade (arts. 30 e 35); princípio da veracidade (art. 37, §1º); princípio da inversão do ônus da prova (art 38); princípio da transparência da fundamentação publicitária (arts. 31 e 36, parágrafo único); e princípio da correção do desvio publicitário (art. 56, XII).
Ademais, mesmo que não se refira especificamente à publicidade, tem aplicação obrigatória em todas as relações de consumo o princípio da boa-fé objetiva.
2.4.1 – Princípio da identificação da publicidade
O CDC prescreve em seu artigo 36 que "a publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal".
O Código Brasileiro de Auto-regulamentação Publicitária aduz similarmente em seu texto que "o anúncio deve ser claramente distinguido como tal, seja qual for a sua forma ou meio de veiculação" (art. 28). A mensagem deve ser reconhecida no momento de sua exposição e sem a necessidade de capacidade técnica para tanto.
Este princípio traz imensa contribuição à defesa do consumidor na medida em que repudia a mensagem clandestina. Assim, a um só tempo, limita o uso de técnicas potencialmente nocivas ao consumidor, tais quais: a mensagem subliminar (totalmente proibida), o merchandising e o teaser.
2.4.1.1 - Mensagem subliminar
A mensagem subliminar tem como características ser dissimulada, oculta, encoberta por uma gama de imagens que velam a natureza publicitária da informação apreendida inconscientemente.
A mera tentativa destinada a produzir efeitos subliminares é expressamente condenada no art. 29 do Código que auto-regulamenta a publicidade, mas não admite que haja comprovação jurídica inconteste de que tal técnica tenha sido alguma vez utilizada.
Apesar disso, são inúmeras as constatações não oficiais de dados subliminares contidos em desenhos animados, propagandas televisivas, outdoors, propagandas políticas, filmes, etc., por órgãos como a ONG Mensagem Subliminar e que chegam a ser denunciados pelo Ministério Público.
A eficácia da publicidade subliminar foi testada, experimentalmente, em 1957. Em um cinema dos Estados Unidos, a audiência foi bombardeada com as seguintes frases, na velocidade de 1/3000 de segundo: "Drink Coca-Cola" e "Hungry? Eat Popcorn". O consumo de tais produtos, durante a apresentação, aumentou bastante. Não há, contudo casos registrados de utilização comercial de publicidade subliminar. Por via das dúvidas, como mera cautela preventiva, a Federal Trade Commission, em 1974, emitiu uma public notice, alertando contra a abusividade da publicidade subliminar.
O caso de maior repercussão no Brasil foi certamente a vinheta da MTV, veiculada de março a dezembro de 2002, em que, submetida à perícia em velocidade mais lenta, percebeu-se a existência de cenas explícitas de perversão sexual, acompanhada de sons inaudíveis. A conseqüência disso foi uma Ação Civil Pública 000.02.201689-9 proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo em face da MTV Brasil, motivo pelo qual a empresa, pertencente ao grupo Abril, foi condenada a pagar a indenização de R$ 7,4 milhões, além de ser obrigada a retirar a propaganda de circulação.
Essas mensagens, que normalmente ostentam figuras ou palavras relativas à sexualidade, enviadas ocultamente em fragmentos de imagens imperceptíveis conscientemente, mas captadas pelo subconsciente, podem motivar e influenciar o comportamento humano (principalmente de crianças e adolescentes). Quando a visão periférica é bombardeada por mensagens sexistas ou de patrocinadores nunca focalizados perfeitamente graças à velocidade da edição, há a retirada proposital do discernimento do espectador. Não há dúvidas, pois, quanto à sua enganosidade (e não raro abusividade), como também do dolo na conduta do agente.
O CDC, embora não trate especificamente das mensagens subliminares, não dá azo a qualquer argumento em favor dessa técnica. A simples conjectura de ofensa ao princípio da identificação da mensagem publicitária afronta radicalmente o espírito do diploma consumerista. Ademais, tentar incutir no consumidor informação maliciosa velada sob o manto da oficial mensagem veiculada é pulverizar o princípio da boa-fé objetiva, que deve ter presença obrigatória em qualquer tipo de relação de consumo.
2.4.1.2 - Merchandising
Define-se como merchandising a técnica de veiculação indireta de produtos, serviços ou marcas por meio de inserções em programas, filmes, artigos impressos, ou sua agregação a outros produtos, serviços ou marcas sem que haja declaração ostensiva daquela oferta. Também diz-se merchandising a ação no ponto de venda que facilite a aquisição do objeto daquela publicidade, que normalmente parece incorporado ao ambiente, e não mais um produto à venda.
Não se confunda a manipulação comportamental por estímulos não conscientizados exercida pela técnica subliminar com a invectiva persuasiva indireta do merchandising. Distingue ambos os conceitos o publicitário Marcelo Serpa:
É o caso do merchandising nas novelas, como aqueles produtos colocados na mão dos personagens, com o rótulo estrategicamente voltado para a câmera. Existem também os estudos sobre a teoria psicológica das cores, usadas como estratégias publicitárias para atingir determinado público consumidor. Isso não caracteriza a mensagem subliminar porque é um reconhecimento consciente, as pessoas distinguem as cores. Não há exemplo melhor, do que o marketing da rede de lanchonetes McDonald's, que utiliza o vermelho – cor quente, associada ao calor – e o amarelo – que provoca a sensação de vazio – para sugerir a fome.
A influência da mídia, e da publicidade, sobre espectadores e consumidores é diariamente reafirmada pela reiteração do uso de técnicas tais qual o merchandising. Assim, uma personagem carismática tem apelo mercadológico inestimável, para "vender o próprio estilo" e anunciá-lo em forma de produtos durante sua performance.
Claro exemplo desse tipo de merchandising é o filme "Show de Truman", que retrata um reality show em que o protagonista vive desde o nascimento sem saber que faz parte de cenários e roteiros pré-determinados por uma emissora de televisão. A grande audiência que ator principal atrai com seu carisma não é desperdiçada: tudo o que ele consome é sutilmente oferecido durante as 24h do dia; tudo está à venda.
Quanto à sua regulação, o Código de Auto-regulamentação Publicitária, em seu art. 10, proclama que "a publicidade indireta ou merchandising submeter-se-á igualmente a todas as normas dispostas neste Código, em especial os princípios de ostensividade (art. 9º) e identificação publicitária (art. 28)".
Mesmo que o Código de Defesa do Consumidor não traga menção expressa à proibição do merchandising, não se pode ignorar que, enquanto técnica de ocultação publicitária, ele deva compatibilizar-se com o princípio da identificação da publicidade. Para tanto, a melhor sugestão tende a ser a de que preceda à exposição do merchandising a exposição de créditos ou informações que comuniquem perceptivelmente a sua existência naquele ambiente, peça, filme ou áudio.
2.4.1.3 - Teaser
To tease, em inglês, é provocar. O teaser, portanto, é técnica publicitária que "visa a criar expectativa ou curiosidade no público" (Código de Auto-regulamentação publicitária, art. 9°, § 2°), por meio de uma provocação. É peça que tem a função de gerar uma atmosfera interrogativa ao fazer uma espécie de anúncio do anúncio. Dada sua inata característica dissimuladora, quase sempre há grandes possibilidades de o teaser violar o princípio da identificação da publicidade e tornar-se enganoso.
O CONAR entende que há certos casos de teaser condenáveis eticamente, porque ferem o princípio da boa-fé na relação de consumo e pode induzir o consumidor a erro. Uma situação paradigmática da adoção desse posicionamento pelos próprios publicitários é depreendida do parecer feito na representação nº 119/00, a partir de queixas de consumidores. Tratava-se de técnica publicitária galgada na provocação feita pela frase "FUGIU UMA CADELA LABRADOR CHAMADA DAISY. CRIANÇA INCONSOLÁVEL. 9655-7161". Colhe-se o parecer que opinou pela sustação da propaganda, in verbis:

Não estão em questão neste processo nem o sucesso da campanha de Bonzo nem a técnica publicitária do "teaser", inegavelmente eficiente, e aliás perfeitamente amparada pelo artigo 9° § único do Código.
O que se analisa é até onde a publicidade pode manipular a boa-fé, a credulidade e outros sentimentos do consumidor. "Teaser", como qualquer outra forma de publicidade, também deve respeitar a ética determinada pelo Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária.
Vamos analisar apenas os dizeres de uma das faixas utilizadas: FUGIU UMA CADELA LABRADOR CHAMADA DAISY. CRIANÇA INCONSOLÁVEL. 9655-7161. Uma frase tão curta e tão cheia de mentiras. Vejamos: FUGIU UMA CADELA, mentira pois não fugiu nenhum cachorro; LABRADOR, outra mentira pois o cachorro não existe; CHAMADA DAISY, nova mentira pois cachorro que não existe, não tem nome; CRIANÇA INCONSOLÁVEL, talvez a pior das mentiras pois engana o emocional das pessoas; e finalmente 9655 7161, o suposto telefone das pobres vítimas, na verdade o telefone do anunciante para cadastrar consumidores incautos. Com a outra faixa acontece o mesmo, é desnecessário analisá-la.
Acreditar que o "teaser" não pode ser analisado isoladamente não encontra guarida na lógica. O fato de ter que ser curioso, despertar a atenção do consumidor para o que vem a seguir, não obriga, nem justifica, que ele seja mentiroso. E muito menos o fato de a campanha a seguir estar de acordo com a ética não inocenta um "teaser" desonesto.
Entende este relator que, independentemente dos problemas que esta campanha "teaser" possa ter tido, ou não, com a Prefeitura de São Paulo ou com o PROCON, do ponto de vista da ética publicitária ela é condenável por infringir claramente os artigos 1º e 5º do CBARP. Apesar de saber que a esta altura uma punição pode não ter efeitos práticos, este relator recomenda a aplicação do artigo 50, letra "c", Sustação, para este Processo 119/00.(Anunciante e agência: Ralston Purina e Loducca; Relator:Arthur Amorim Decisão: Sustação; São Paulo,06/11/2000).
2.4.2 – Princípio da vinculação contratual da publicidade
Citando Clark, Atílio Aníbal Alterini leciona que
'mediante la propaganda' se establece una 'vinculación directa' con el consumidor, y 'la publicidad es el producto', porque la gente lo adquire tal como lo percibe mediante la publicidad'; un producto 'es ante todo su imagen', vale decir, 'lo que millones de consumidores creen que es, o lo que asocian com ella'.
A oferta é declaração de vontade, por parte do fornecedor, que possui eficácia jurídica vinculante a partir de quando é exposta ao público (independentemente do conhecimento do destinatário, posto que é não-receptícia) e passa a ser sujeita a controle in abstratu pelo Ministério Público, pela Administração, bem como por outros órgãos de defesa do consumidor — Procon, CONAR, Defensoria Pública, etc — não importando o perfazimento dos contratos.
A oferta integra o contrato que vier a ser celebrado e obriga o fornecedor que a fizer veicular, podendo o consumidor exigir seu cumprimento forçado nos termos do artigo 35 do CDC. Entretanto, como dito, não há necessidade de efetiva concretização do contrato para que seja apurada a sua enganosidade, haja vista seu caráter objetivo: o elemento comprobatório de sua vinculação é a veiculação da mensagem, e não a aquisição do produto ou serviço.
Uma técnica publicitária que gera sempre grandes questionamentos sobre gerar ou não vinculação quanto ao que anuncia é o puffing, que se utiliza de hipérboles e superlativos para ofertar. Não está proibido e nem pode ser encarado como vinculante quando seu intuito for claramente espalhafatoso, jocoso, ou cuja subjetividade de apreciação da característica mencionada no anúncio for facilmente constatável pelo consumidor. Por outro lado, "só a vagueza absoluta e inofensiva do anúncio permite a isenção de responsabilidade do fornecedor". Exemplos bastantes dessa imprecisão plausível são as expressões "um produto maravilhoso" ou "bonito como nunca", desde que a qualidade real não seja ruim a ponto de desmentir tais afirmações.
É evidentemente benéfico e lucrativo para o anunciante dizer que seu produto é "o melhor do mercado", "do mundo", etc, alegando-se mera convicção pessoal sobre tal fato. Entretanto, respeitando o princípio da fundamentação e da veracidade, exige-se que haja base teórica suficiente para tal argumento. Ora, fácil seria eximir-se da vinculação à propaganda, afirmando-se qualquer absurdo como chamariz para o consumo. Entretanto, não é esse o espírito do CDC, que limita a licitude da oferta à vulnerabilidade do consumidor diante do alcance e força da publicidade.
2.4.3 – Princípio da veracidade
Este princípio é o fundamento da vedação da publicidade enganosa. O artigo 37, § 1º, coíbe a publicidade inteira ou parcialmente falsa que possa induzir a erro o consumidor. Baseando-se nos demais princípios, tais qual o da boa-fé objetiva, que tem por preceito incutir nas relações de consumo a lealdade entre as partes, o princípio da veracidade requer que todo anúncio traga em seu bojo dados condizentes com a realidade, atestando com clareza e positivamente (e não apenas nas entrelinhas, para não dar margem a omissões) a verdadeira constituição do produto ou serviço que oferece. O próprio Código de Ética Publicitário de 1957 assume como obrigação ao publicitário jamais lançar mão da inverdade, fortalecendo tal conduta como inata à profissão.
2.4.4 – Princípio da inversão do ônus da prova
O princípio da inversão do ônus da prova, decorrente, de certa maneira, dos princípios da veracidade publicidade e do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, é adotado pelo Código: "Art.38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina".
Tal princípio decorre do controle de todos os mecanismos técnicos, materiais e econômicos do anúncio por parte do anunciante. Apenas ele tem acesso a todo o processo de produção de uma mensagem publicitária – desde a contratação dos profissionais (publicitários, por exemplo) e empresas (os veículos) até a última conferência de seu texto, filme ou gravação – para verificar sua adequação. Trata-se de uma estipulação unilateral (one-sided message), como um discurso, e não uma comunicação propriamente dita (sinalagmática). Portanto, na medida em que fica o consumidor sujeito ao arbítrio do anunciante, e porque, em regra, possui o fornecedor o material publicitário reclamado, cabe aos responsáveis pela publicidade a prova de sua retidão.
A clareza da legislação e a convicção doutrinária têm encontrado eco na jurisprudência pátria, em especial no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, no entendimento de que se deve aplicar a inversão do ônus da prova em prol do consumidor quando se tratar de discussão acerca de anúncio publicitário:
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - PROPAGANDA ENGANOSA – INDUÇÃO DO CONSUMIDOR A ERRO - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - RECURSO IMPROVIDO. Nas relações de consumo regidas pelo Código de Defesa do Consumidor, cabe ao fornecedor provar que a propaganda veiculada não era enganosa e que o consumidor não foi levado a erro. (Classe: Apelação Cível; Órgão Julgador: 2ª Turma Cível; Relator: Luiz Carlos Santini; Julgamento:06/12/2005; Publicação:24/01/2006).
2.4.5 – Princípio da transparência da fundamentação publicitária
O dever de bem informar, de maneira clara, concisa, ostensiva e em língua portuguesa acerca dos dados fáticos, técnicos e científicos do que se vende (qualidade, quantidade, composição, dentre outros) é inerente à oferta publicitária (art.31 e 36, parágrafo único). Não somente o princípio do dever de informar, previsto art. 6º, III, CDC, como também a obrigação de apresentar previamente o conteúdo do contrato (art. 46, CDC) complementa o princípio em comento.
O art. 31 tem, na sua origem, o princípio da transparência, previsto expressamente pelo CDC (art. 4°, caput). Por outro lado, é decorrência também do princípio da boa-fé objetiva, que perece em ambiente onde falte a informação plena do consumidor.
O rol listado pelo art. 31 do CDC, de dados que devem ser obrigatoriamente divulgados no anúncio, é meramente exemplificativo. Pode, pois, haver necessidade de que no caso concreto determinado produto esclareça outras características a ele inerentes. Tais informações não são, contudo, meramente facultativas, mas obrigatórias.
De outra banda, não se defende que absolutamente tudo seja revelado pelo fornecedor, como, por exemplo, uma fórmula de determinado refrigerante. Os segredos industriais estão protegidos dessa divulgação ampla. Assim, concede-se bastante liberdade para o fornecedor anunciar, mas deve fazê-lo de maneira que as informações divulgadas sejam esclarecedoras a ponto de não se tornarem potencialmente lesivas ao consumidor. Aliás, os próprios profissionais da publicidade reconheceram, por meio da auto-regulamentação criada, que "a atividade publicitária de que trata este Código será sempre ostensiva"(art. 9º).
Deste contexto depreende-se que toda linguagem publicitária que traga em seu bojo uma abertura interpretativa capaz de gerar ambigüidade, em que ao menos um dos sentidos possíveis possa ser nocivo ao consumidor, há enganosidade. A 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo julgou procedente a ação indenizatória de um consumidor contra uma loja que oferecia um aparelho de som por um preço, mas divulgava a imagem de outro:
Publicidade – Propaganda enganosa – Oferta do anunciante inferior ao valor real da mercadoria no mercado – Artifício ilusório – Má-fé da vendedora – indenização ou cumprimento do contrato. (rel. Des. Alves Braga, v.u., j.17/10/1991, RT 682/74).
A publicidade tem inúmeros recursos e meios que podem ser utilizados para passar com fidelidade sua mensagem, por isso há pequena tolerância para escusar-se de responsabilidade um fornecedor que lançou um anúncio potencialmente enganoso porque incompleto (omisso), ambíguo (enganoso quanto a uma parte que possa ser mal compreendida) ou exagerado (puffing que possa ser levado a sério, mas não teve suficiente fundamentação para o realce de determinada característica). Esse controle jurídico deve ter rigor bastante para aplacar a gama de artifícios ilusórios de que também dispõe a indústria publicitária.
O CDC, além de considerar infração cível e administrativa o atentado ao princípio da transparência da fundamentação publicitária, também tipifica como ilícito penal a conduta que se enquadre na seguinte fórmula: "Art. 69. Deixar de organizar dados fáticos, técnicos e científicos que dão base à publicidade: Pena - detenção de 1 (um) a 6 (seis) meses ou multa".
2.4.6 – Princípio da correção do desvio publicitário
O desvio publicitário cujo vício seja a enganosidade, mesmo quando cessada sua veiculação, continua produzindo efeitos na memória de seus receptores, principalmente no caso de mídia impressa, que pode ser arquivada para eventual reivindicação em compra futura. Por isso, na tentativa de atenuar o mal por ela causado, ou no mínimo retificar as informações equivocadas e restaurar a confiança com parte dos consumidores afetados pela publicidade enganosa, criou-se a figura da contrapropaganda (corrective advertising).
Tal instituto foi expressamente acolhido no art. 56, XII, CDC e reiterado pelo caput do art. 60, que prevê: "A imposição de contrapropaganda será cominada quando o fornecedor incorrer na prática de publicidade enganosa ou abusiva, nos termos do art. 37 e seus parágrafos, sempre às expensas do infrator". A contrapropaganda deverá ser aplicada pelos órgãos de defesa do consumidor, mediante procedimento administrativo, assegurada ampla defesa.
Sublinhe-se que a amplitude e freqüência da divulgação da contrapropaganda devem equivaler às condições em que se deram o anúncio enganoso, para que se almeje atingir idealmente as mesmas pessoas afetadas. O art. 60, §1º, CDC prescreve que
A contrapropaganda será divulgada pelo responsável da mesma forma, freqüência e dimensão e, preferencialmente, no mesmo veículo, local, espaço, e horário, de forma capaz de desfazer o malefício da publicidade enganosa" (...).
O §3º do artigo 60 previa que tão logo houvesse a condenação à obrigação de fazer de contrapropaganda, liminar ou definitivamente, o magistrado deveria fixar multa diária em caso de descumprimento, chamada astreinte. A função dessa multa seria persuadir o infrator a cumprir a decisão, e deveria ser imposta em quantia suficiente para que o fornecedor não preferisse pagá-la a pôr em prática a contrapropaganda. Infelizmente, tal dispositivo foi vetado pelo presidente sob o argumento de que poderia dar ensejo a abusos e paralisar a atividade empresarial.
A contrapropaganda é mais um instrumento reparatório, incapaz, todavia, de dispensar a indenização por danos materiais e morais em benefício do consumidor lesado pela veiculação de propaganda enganosa. Por vezes, quando presentes outros elementos fáticos que caracterizem o enriquecimento do fornecedor por meio do erro a que induziu o consumidor (má-fé, reiteração da prática de publicidade enganosa, uso de técnicas subliminares, por exemplo) resta ao juiz aplicar majorar a indenização com a função de punir e desestimular tais condutas.
2.4.7 – Princípio da boa-fé objetiva
A lei 8078/90 estampa em seu artigo 4º, III, estabelece como pressuposto das relações de consumo o intuito de harmonização dos interesses dos participantes (proteção do consumidor versus desenvolvimento econômico e tecnológico). Assim, a perspectiva da vulnerabilidade do consumidor não deve ser supervalorizada a ponto de obstar à livre iniciativa do fornecedor. O parâmetro de ordem prática que deve equilibrar as relações de consumo é a boa-fé objetiva.
Difere da boa-fé subjetiva, encontrada em larga escala em dispositivos do Código Civil, porque esta se trata de uma situação em que há ignorância a respeito de um fato modificador impeditivo ou violador de seu direito. É uma falsa crença baseada em um desconhecimento da realidade.
Já o princípio da boa-fé objetiva busca um equilíbrio de forças na relação contratual por meio desse regramento de ordem moral, cujos valores são a honestidade, a sinceridade, a lealdade e afins. Ela deve estar presente em todas as fases do contrato – da formação à execução – e só pode ser constatada no caso concreto segundo os valores morais vigentes na sociedade.
A boa-fé objetiva não é norma apenas utilizável na interpretação de casos. É também critério de aferição da gradação de uma conduta lesiva. Ora, quebrada a confiança outrora existente, desfaz-se a própria relação de consumo. O elo entre consumidor e fornecedor é o crédito moral que um passa a ter com o outro. Logo, quando um consumidor descobre que o produto ou serviço por ele adquirido baseou-se em falsa promessa (seja por omissão, ou por informação equivocada, inverídica, exagerada, etc.) ou teve o auxílio de ardis (puffing, mensagem subliminar, teaser ou merchandising capciosos, etc) o abalo em sua auto-estima será sempre inevitável. A ofensa à dignidade do consumidor induzido ao erro, mormente quando não há tentativa de conciliação por parte do vendedor que visa obstinadamente o lucro com aquela atividade ilícita, pede uma indenização por danos morais à altura do abalo que aquela conduta causar.
2.6 – O CONTROLE DA PUBLICIDADE ENGANOSA
Nas relações econômicas regradas pelo consumo até a primeira metade do século passado predominava, conforme a doutrina, a máxima de que o comprador deveria resguardar-se quanto aos produtos e serviços que adquiria (caveat emptor). Tal modelo não era tão acentuadamente criticado, tendo em vista que o equilíbrio entre as partes contratantes e o caráter quase pessoal de controle dos vícios constatados era a tônica das relações de consumo. Nessa época a publicidade era preponderantemente impressa ou pelo rádio, sem grande interferência nas preferências do consumidor.
De outro flanco, com a repercussão do fenômeno publicitário como grande propagador da economia de marketing em níveis nacionais e internacionais, a liberdade contratual sofreu sérias restrições em face do interesse coletivo. Com as campanhas publicitárias transcendendo a barreira do convencional porta-em-porta – e passando a anúncios via rádio, televisão, imprensa, cinema, internet, entre outros -, a legislação pátria passou a entender a oferta como parte do contrato, atribuiu legitimidade ativa a consumidores indeterminados ou indetermináveis e incumbiu ao pólo oposto a assunção dos riscos de erro no negócio (caveat venditor).
Já em 1957 o publicitário recebeu o dever de agir sob a égide do Código de Ética. Além de outras disposições, fecharam-se as portas da publicidade enganosa, ao estabelecer-se que "o profissional da propaganda (...) jamais induzirá o povo ao erro; jamais lançará mão da inverdade".
Algumas normas já tratavam paralelamente da publicidade. A lei 4680/65, que dispunha sobre o exercício da profissão de publicitário e de agenciador de propaganda, e o decreto 57690/66, que regulamenta a execução daquela lei, são normas que têm vigência complementar ao Código de Defesa do Consumidor, naquilo que não seja incompatível com ele. Frise-se, todavia, que a publicidade somente veio a ser regulamentada no Brasil, com as peculiaridades que tal instituto detém, com a entrada em vigor do CDC.
O advento do CDC deixou clara a preocupação do legislador quanto à publicidade que possa induzir o consumidor a erro ou a comportar-se de maneira prejudicial à sua saúde ou segurança. Por isso, coibiu a publicidade enganosa e a abusiva. Vejamos o que prescreve o referido diploma sobre o objeto deste trabalho:
Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
§1º. É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
§3º. Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.
Se houver enganosidade, aplicam-se, ainda, independentemente da repressão administrativa, as sanções penais dos arts. 66 e 67 do Código, assim como as do art. 7°, VII, da Lei 8.137, de 27.12.1990 (Capítulo XIII).
A boa propaganda deve ser criativa para comunicar o que pretende, de maneira compreensível e atraente, ao maior público possível. Entretanto, por ser produto humano, deve ser passível de controle. Os limites impostos não apenas ao anúncio em si, mas a toda atividade comercial que a publicidade encerra, requerem, para que sua implementação tenha legitimidade, uma comunhão entre os interesses dos partícipes privados e do ente representante dos cidadãos, o Estado.
O sistema de controle da publicidade adotado no Brasil é o misto, em que há intervenção estatal (seja por meio do Poder Judiciário ou da Administração Pública) e auto-regulamentação ética por parte iniciativa privada (CONAR e Código de Auto-regulamentação Publicitária).
Por força do estabelecido nos artigos 55 a 60 do CDC e 9º e ss. Do Regulamento (Dec. N.2181, de 20/03/1997) os órgão públicos de defesa do consumidor, bem como o CONAR promovem o controle administrativo da publicidade enganosa.
Já o Poder Judiciário poderá intervir no âmbito individual ou coletivo para suprimir ou impedir um anúncio específico ou até toda uma campanha publicitária, conforme os arts. 83 e ss. da lei 8078/90.
2.7 – A AUTO-REGULAMENTAÇÃO E O CONAR
O CONAR, Conselho Nacional de Auto-regulamentação publicitária, é uma ONG, fundada e mantida pela propaganda brasileira, ou seja, pelas agências de publicidade, por empresas anunciantes e veículos de comunicação, que fiscaliza a ética da propaganda comercial veiculada no Brasil.
Norteiam-se as decisões do Conselho pelas disposições contidas no Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária, cujo texto foi aprovado pela comunidade publicitária no III Congresso Brasileiro de Propaganda realizado em São Paulo no ano de 1978.
O Conselho Superior forma o CONAR e tem seus integrantes indicados, a cada dois anos, por suas entidades fundadoras: Associação Brasileira de Agências de Publicidade (ABAP), Associação Brasileira de Anunciantes (ABA), Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), Associação Nacional dos Editores de Revistas (ANER), Associação Nacional de Jornais (ANJ), Central de Outdoor.
Saulo Ramos, um dos coordenadores da criação do CONAR, alude ao contexto histórico do nascimento dessa entidade, citando outros responsáveis pelo advento desse instrumento de regulação da atividade publicitária que fica a cargo da sociedade civil e de seus partícipes:
Para citar apenas alguns: Geraldo Alonso, Caio Domingues, Mauro Salles, Roberto Marinho, Dionísio Poli, Petrôneo Corrêa, José Maria Homem de Montes, Luiz Celso de Piratininga, Luiz Fernando Furquim e muitos outros.
(...) Quando alguém sugeriu que devíamos procurar o Governo Federal para obter uma lei sobre a matéria – seria um decreto-lei, pois estávamos em pleno regime militar -, o jovem João Roberto advertiu:
- Se pusermos o Governo nisso, acabará editando lei para ele, e teremos censura em vez de liberdade de expressão com responsabilidade ética.
(...) O Conselho funciona há décadas, e, atualmente, você não vê um único litígio em torno de publicidade correndo pelo Judiciário brasileiro, se o assunto tratar de questão ética.
2.8 - RESPONSÁVEIS
Publicitário, conforme a lei 4680/65, é o profissional que colaborara, diretamente, no planejamento, execução, produção e distribuição da propaganda. Deve ele possuir diploma de uma escola ou curso de propaganda e, em caráter regular e permanente, exercer funções de natureza técnica da especialidade, nas Agências de Publicidade, nos veículos de divulgação, ou em quaisquer empresas nas quais se produza propaganda.
Diversamente, os agenciadores de propaganda são os profissionais que, vinculados aos veículos da divulgação, a eles encaminhem propaganda por conta de terceiros (art.2º).
A lei 4680/65 definiu Agência de Propaganda como a pessoa jurídica especializada na arte e técnica publicitária, e que "estuda, concebe, executa e distribui propaganda aos veículos de divulgação, por ordem e conta de clientes anunciantes, com o objetivo de promover a venda de produtos e serviços, difundir idéias ou informar o público a respeito de organizações ou instituições" (art. 3º).
O artigo 4º da Lei de Propaganda ainda caracteriza os veículos como "quaisquer meios de comunicação visual ou auditiva capazes de transmitir mensagens de propaganda ao público", exigindo, porém, o reconhecimento pelas entidades de classe, "assim considerados as associações civis locais e regionais de propaganda bem como os sindicatos de publicitários".
Artigo 45 - A responsabilidade pela observância das normas de conduta estabelecidas neste Código cabe ao Anunciante e a sua Agência, bem como ao Veículo, ressalvadas no caso deste último as circunstâncias específicas que serão abordadas mais adiante, neste Artigo:
a. o Anunciante assumirá responsabilidade total por sua publicidade;
b. a Agência deve ter o máximo cuidado na elaboração do anúncio, de modo a habilitar o Cliente Anunciante a cumprir sua responsabilidade, com ele respondendo solidariamente pela obediência aos preceitos deste Código;
c. este Código recomenda aos Veículos que, como medida preventiva, estabeleçam um sistema de controle na recepção de anúncios.
O veículo recebeu total discricionariedade para recusar anunciar, independentemente de decisão do CONAR, quando entender que o conteúdo: a) fere os princípios do Código de Auto-regulamentação publicitária; b) fere a sua linha editorial, jornalística ou de programação; quando não houver identificação do patrocinador (salvo em caso de teaser); c) provoque polêmica ou se trate de uma denúncia sem expressa autorização de fonte conhecida que responda pela autoria da peça.
Ademais, nos termos do Código, a responsabilidade do Veículo será equiparada à do anunciante sempre que os termos do anúncio contrariarem recomendação oficialmente comunicada pelo CONAR. É certo que quando não houver intermediação de agência, o Veículo deverá tomar precauções excepcionais para evitar que a ignorância ou má-fé do anunciante provoquem desvio publicitário.
Artigo 50 - Os infratores das normas estabelecidas neste Código e seus anexos estarão sujeitos às seguintes penalidades:
a. advertência;
b. recomendação de alteração ou correção do Anúncio;
c. recomendação aos Veículos no sentido de que sustem a divulgação do anúncio;
d. divulgação da posição do CONAR com relação ao Anunciante, à Agência e ao Veículo, através de Veículos de comunicação, em face do não acatamento das medidas e providências preconizadas.
§ 1º - Compete privativamente ao Conselho de Ética do CONAR apreciar e julgar as infrações aos dispositivos deste Código e seus Anexos e, ao Conselho Superior do CONAR, cumprir e fazer cumprir as decisões emanadas do Conselho de Ética em processo regular.
§ 2º - Compete privativamente ao Conselho Superior do CONAR alterar as disposições deste Código, bem como alterar, suprimir e acrescentar-lhe Anexos.
Desse modo, a norma de autodisciplina já reconhece que são solidariamente responsáveis pelos danos que o anúncio causar o anunciante, a agência de publicidade e o veículo.
Ocorre que o CDC corrobora essa posição no artigo 7º, parágrafo único: "Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pelas reparações dos danos previstos nas normas de consumo". Ou seja, qualquer dos fornecedores, ou mesmo o conjunto deles simultaneamente, poderá ser acionado juridicamente pelo consumidor e deverá indenizá-lo se assim condenar a sentença, independentemente do tipo de contrato que tiverem firmado entre si.
Posteriormente, cabem ações regressivas ou simplesmente o acerto dos gastos entre eles, de acordo com as cláusulas contratuais. Ora, tal só é possível porque há hipóteses que excepcionam a responsabilização das agências e dos veículos, quais sejam:
quando os anúncios não são ilegais objetivamente considerados em si, isto é, dos quais não se extrai enganosidade;
quando não há possibilidade de o veículo ou a agência saber se eles são enganosos, isto é, quando a constatação do desvio depender de ação real, concreta, do consumidor (neste caso, a agência participa como mera produtora de uma informação encomendada).
Em ambas as exceções ventiladas, a responsabilidade por tornar enganosa a mensagem é do anunciante, mas sempre há solidariedade perante o consumidor.









CAPÍTULO 3
OS DANOS MORAIS POR PUBLICIDADE ENGANOSA COMO HIPÓTESE DE APLICAÇÃO DA FUNÇÃO PUNITIVO-PEDAGÓGICA NO BRASIL
ORIGEM E EVOLUÇÃO DA INDENIZAÇÃO PUNITIVO-PEDAGÓGICA
Na Antigüidade, com o Código de Hammurabi (mais de 2000 anos a.C), o Código Hitita (Séc. XV a. C.), a Lei das XII Tábuas (450 a.C) – esta em forma de responsabilidade objetiva intermediada pelo poder público para declarar como e quando a vítima teria retaliação - , o Código de Manu (200 a.C) e a Bíblia, está a origem da indenização punitiva. Isso, porém, nada esclarece, uma vez que é essa a raiz da própria responsabilidade civil e, pois, de todos os seus institutos.
A primeira previsão de indenização por meio de múltiplos financeiros do dano, elaborada inicialmente no Direito Romano na forma de pena privada, resistiu ao tempo e às tendências do próprio pensamento jurídico no Direito anglo-saxônico com o Statute of Councester, da Inglaterra, de 1278. Dessa forma, surgiram os exemplary damages para justificar a aplicação de uma majoração da indenização quando não havia prejuízo tangível, isto é, extrapatrimoniais – de aferição abstrata por natureza (em que pese, posteriormente, a função punitiva tenha sido estendida, notadamente nos EUA, aos danos patrimoniais).
Em 1760, algumas cortes inglesas justificaram a concessão de altas quantias a pessoas lesadas – por mental suffering, wounded dignity e injured feelings – a título compensatório, pelo prejuízo intangível, bem como para punir o wrongdoer por sua conduta ilícita. Assim, as funções compensatória e punitiva foram confundidas pela jurisprudência dos Estados Unidos e da Inglaterra até meados do século XIX.
Já do século XIX em diante houve a inclusão dos compensatory damages na categoria dos actual damages, mesmo quanto aos danos imateriais. Por conseguinte, os exemplary damages passaram a referir-se apenas ao aspecto do punishment e deterrence da indenização, legando a compensação, de um mesmo dano, aos actual damages. Dessa forma, o foco da indenização punitiva deixou de ser a extensão e espécie do dano, e passou a incidir sobre a conduta do causador.
CONCEITO
O Black's Law Dictionary define os punitive damages como "damages awarded in addition to actual damages when the defendant acted with recklessness, malice, or deceit" and as "damages assessed by way of penalizing the wrongdoer or making an example to others". É, pois, uma indenização não-compensatória, que serve como punição e prevenção com relação a determinados comportamentos lesivos perpetrados com dolo ou culpa grave, que tenham alto grau de reprovabilidade.
Várias expressões são usadas para referirem-se ao instituto, tais quais: vindictive (vingativos), damages (danos/indenização), punitory damages (indenização punitiva), speculative damages (indenização especulativa), imaginary damages (danos imaginários), presumptive damages (danos presumíveis), added damages (danos adicionais), smart money (indenização para tornar o lesante prevento), punies (significativos), penal damages (pena privada), retributory damages (indenização retributiva). A melhor e mais adotada tradução da expressão punitive damages é indenização punitiva, e não danos punitivos.
As duas finalidades básicas dos punitive damages são: a punição (retribuição) e a prevenção (dissuasão). Ambas estão tão interligadas que se pode dizer tanto que a punição gera uma prevenção, ou que, para que haja prevenção, pune-se. Também por isso, em alguns lugares denomina-se exemplary damages a indenização punitivo-pedagógica.
Os punitive damages, embora muito divulgados nos Estados Unidos, têm especial aceitação nos países integrantes do Common Law. No Canadá, os punitive damages são bem recebidos, principalmente em Quebec onde vigora o sistema do Civil Law com grande influência do Common Law, onde se acolhe o chamado "utilitarismo de Quebec".
Nos países em que se adotam os punitive damages normalmente há, na sentença, diferenciação entre o montante da indenização punitiva e o da compensatória. A separação dá-se de duas formas: a compensação visa a restituir ou compensar o bem lesado e, portanto, o montante é equivalente à perda da vítima; o montante punitivo, por sua vez, visa a punir o causador da lesão, aplicando-lhe uma indenização que possa desestimulá-lo (bem como todo o resto da sociedade) de tal prática e, dessa maneira, enfoca a reprovabilidade da conduta. A doutrina prefere discerni-los pela função de sua aplicação:
In short, compensatory damages are strictly loss-oriented while punitive damages are wrongoriented. Consequently, damages awards that give the victim more than he lost or is expected to lose and that take into consideration the seriousness of the wrongful act are likely not purely compensatory but instead influenced by punitive purposes.

A responsabilidade civil extracontratual (law of torts) é o berço mais comum da aplicação dos punitive damages. Em regra, o mero inadimplemento contratual não pode ensejar a concessão de tal instituto, independentemente dos motivos ou características da conduta lesiva. O ato ilícito (civil wrong), entretanto, pode surgir em uma relação contratual quando provada sua conexão com a violação do contrato. De outro modo, somente será passível de indenização compensatória pelo prejuízo sofrido a infração do contrato.
Os punitive damages não podem ser considerados um direito subjetivo, já que dependem da discricionariedade do júri, que só os acolhem quando constatado dolo – ou suas espécies: malice (malícia), wantonness (arbitrariedade), wilfulness (premeditação), oppression (opressão), fraud (fraude), e outras. Também a gross neglicence (negligência grave), como dito, é motivo bastante.
Outrossim, os punitive damages são um instituto diferente dos:
actual damages ou substantial damages (danos reais ou substanciais) – que têm função reparatório-compensatória;
nominal damages (indenização módica) – indenização simbólica concedida a vítimas que não sofrem lesões tão substanciais, ou quando não resta provada sua extensão, servindo para assinalar a existência da conduta ilícita, mesmo que pouco danosa;
general damages (danos gerais), direct damages (danos diretos) ou necessary damages (danos necessários) – indenização concedida a fatos não redutíveis a pecúnia e que independam de comprovação de efetiva lesão (perda de um ente, dor e sofrimento em geral, etc);
special damages (indenização especial) – reparação por perdas e danos;
multiple damages (indenização múltipla) – formas exacerbadas de indenização estabelecidas/tarifadas por lei em razão múltipla à soma da compensação devida à vítima;
aggravated damages (indenização agravada) – constituem um adicional compensatório à vítima, quando a lesão ocorrer com grande carga dolosa e houver um sofrimento psicológico em decorrência do ilícito ou por uma atitude do infrator subseqüente à conduta lesiva.
CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO PUNITIVA
Para a fixação da indenização punitiva faz-se mister a consideração de alguns fatores. A doutrina internacional, representada por Perrecone e Fabiano, reconhece a necessidade de aferição de determinados aspectos:
It is essential to identify aggravating factors that make the defendant's conduct particularly egregious, highlighting violence or other conduct causing physical harm, conduct directed at financially vulnerable victims, intentional, malicious or deceitful conduct, and repeated misconduct.
O quantum indenizatório deve ser diferenciado: o valor compensatório deve identificado separado do montante punitivo-educativo. Ambos equivalerão à efetiva indenização por danos morais. O que ocorre é que a ponderação dos princípios do contraditório, do devido processo legal, da proporcionalidade, entre outros, restaria prejudicada em face de uma decisão que pretendesse abarcar várias funções da indenização sem fundamentar transparentemente o porquê da majoração do valor pecuniário. Ademais, a mera referência na parte dispositiva de que a indenização arbitrada tem o condão punitivo-pedagógico não surte qualquer efeito prático. Por outro lado, a certeza do montante sancionatório, devidamente apartado do valor reparatório, por si só já funciona como inibição para o infrator e exemplo para o restante da sociedade.
A culpa grave e o dolo são valores que devem ser sopesados quando do arbitramento da indenização punitiva, tendo-se em vista sempre que a gradação da punição varia de acordo com a gravidade da conduta. Assim, a intenção de lesar tem participação curial para a apreciação da punição merecida. A responsabilidade civil é corolária do ato ilícito gerador do dano. Logo, quanto mais grave a conduta, maior deve ser a repreensão suportada pelo ofensor.
A gravidade do dano, por sua vez, não deve ser considerada apenas a título compensatório. A reprovação do ato danoso, ainda mais em se tratando da análise do aspecto subjetivo da lesão, deve perpassar por uma adequada estimativa da proporção do dano causado. Ora, por mais que não se trate de um dano que afetou profundamente a esfera individual de uma vítima, pode a lesão se estender a inúmeros indivíduos, o que enseja a aplicação do instituto em tela. Logo, o número de vítimas é tão importante para este aspecto, quanto a potencialidade lesiva do dano ou a espécie de interesse jurídico violado, sua extensão e intensidade.
O lucro obtido com o ato ilícito é um dos critérios mais nodais na fixação de indenização com fins punitivo-pedagógicos. A grandeza do proveito extraído da conduta geradora de danos morais deve ser avaliada pelo magistrado no caso concreto, baseando-se em todas as provas dos autos. Se inestimável o lucro possivelmente obtido – atual ou futuramente –, admite-se a estimativa. A indenização nesses casos poderá basear-se, no caso de publicidade enganosa, na vendagem do produto anunciado com esse desvio publicitário. Bittar, nesse sentido, defende:
sabido que o cheque é de dois mil reais (base econômica ou valor da operação), cumpre apurarem-se eventuais outros efeitos (lucros cessantes, despesas e outros) e, depois, aplicar-se a indenização por danos morais (a saber, duas, três ou mais, confome o caso, o valor em questão e ponderados, sempre os fatores enumerados).
Esse critério também serve para o arbitramento da indenização compensatória (que ainda se submetem aos critérios de arbitramento e limites à indenização ventilados no primeiro capítulo deste trabalho).
OBJEÇÕES À INDENIZAÇÃO PUNITIVA NO BRASIL
EXCESSO DE INDENIZAÇÕES E INCENTIVO À INDÚSTRIA DOS DANOS MORAIS
Nem mesmo no sistema norte-americano há exagero ou descontrole da proporcionalidade e da razoabilidade para aferição do quantum indenizatório a título punitivo. Como se verá adiante, a Suprema Corte dos EUA já estabeleceu alguns critérios que balizam todos os julgamentos que aplicarem os punitive damages. Aliás, não estão fora de controle nos EUA e tampouco devem ser aplicados a todos os casos. Os "punitive damages are awarded in only a minuscule proportion of accident cases- somewhere in the vicinity of 2-4% of plaintiffs victories" . Conforme o mesmo autor:
Punitive damages are awarded rarely, and really big punitive damages are awarded very rarely.The large majority of punitive awards are quite modest; judges reduce punitive awards freely and substantially; and the mean size of punitive awards is reasonably predictable as a function of compensatory damages. This is not a system out of control.
O sistema brasileiro, por sua vez, é muito mais rígido e menos sujeito às desmesuras do Common Law, em que os julgamentos dos punitive damages são atribuídos a um júri. No brasileiro, não há como falar em riscos de instalação de uma indústria do dano moral. Pelo contrário: quanto mais transparente for a motivação da indenização, mais coerente deve ser a justificativa para o arbitramento do montante pecuniário. Hoje, a jurisprudência ainda vacila entre reafirmar o valor do desestímulo e evitar exagerar nas indenizações para não enriquecer a vítima. Com isso, não cumpre nenhuma das propostas: nem compensa adequadamente a vítima, nem pune o ofensor.
No afã de impedir a propositura de ações temerárias, o Poder Judiciário acaba por desestimular o exercício do direito de ação, principalmente quando tira o crédito de pretensões pautadas no interesse punitivo. Afinal, para a vítima, tão importante quanto ver-se compensada da lesão, é perceber que se desfez a impunidade sob a qual se escudava aquele que a lesou moralmente.
PENA PRIVADA VERSUS PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, NE BIS IN IDEM E INTRANSCENDÊNCIA DA PENA
Pena privada é "uma sanção a um ato privado, derivada de uma ação intentada por um privado (actio poenalis), resultando numa aflição ao réu derivada de uma imposição de uma diminuição patrimonial imposta com caráter punitivo, e não ressarcitório". Argumenta-se que porque os punitive damages seriam um tipo de pena privada, não poderiam ser aplicados no Brasil.
Há patente relativização entre os institutos civis e penais, que tendem não mais à oposição, mas à complementaridade. Ora, há inúmeros exemplos de sanções penais ou penas privadas no Direito Civil brasileiro. Só para citar algumas: juros de mora, cláusula penal, astreintes, arras. Também o Código de defesa do consumidor, art. 42, parágrafo único, determina que "o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável". Ademais, não há diferença substancial entre uma infração civil ou penal, porque ambos envolvem o conceito de ilicitude jurídica, que é una.
O princípio da legalidade (art.5º, XXXIX, da CF), por sua vez, está ligado estritamente ao direito penal. Também tido como sinônimo (ou no mínimo base) dos princípios da "anterioridade da lei penal", da "reserva legal", da "estrita legalidade" ou da "legalidade penal", tem raízes históricas com as idéias iluministas (defendidas por Beccaria, Hobbes, Feuerbach, etc) contrárias ao arbítrio do Estado-juiz na aplicação de penas, ou à criação instantânea de novos crimes. Deve-se, segundo tal princípio, estar preestabelecida a espécie e a quantidade da pena, para que não surpreenda o infrator.
Entretanto, sustentar-se que a punição não deva servir como critério para aplicação do dano moral porque não pode surpreender a pessoa responsabilizada equivale ao desprezo do próprio instituto do dano moral. Ora, mesmo o caráter compensatório tem alta carga de subjetividade e – como explicitado anteriormente – não pode ser tarifado legalmente, sob o risco de não atingir o propósito compensatório. Da mesma forma, não atingirá o ideal de punição equivalente à gravidade da conduta se preestabelecido, já que é a situação concreta que despertará a reação proporcional da outra parte e que ensejará o prudente arbítrio do julgador.
De outro vértice, mesmo que violasse o princípio da legalidade, a punição far-se-ia obrigatória em alguns casos de indenização por danos morais, justamente por ofender frontalmente (e de maneira injustificável) o princípio da dignidade humana. Ressalte-se que não se defende a aplicação da indenização punitivo-pedagógica para todos os casos em que se arbitram danos morais por publicidade enganosa, mas apenas quando preenchidos os requisitos de seu arbitramento alhures explicitados.
Outrossim, não se olvide da independência entre as esferas civil e penal (tal qual a administrativa) que não permite a cogitação de bis in idem entre o cumprimento da pena por publicidade enganosa e da pena privada consubstanciada na indenização punitiva. A mesma conduta pode ensejar ambas sanções.
Na indenização punitiva, ainda, ocorre o contrário do que se constata no princípio da intranscendência da pena (art. 5º, XLV), segundo o qual as penas corporais não podem ser estendidas a outros que não o próprio apenado. A indenização punitiva perderia muito sua força inibitória se não pudesse alcançar a herança do lesante.
RESPONSABILIZAÇAO OBJETIVA
Na responsabilidade objetiva não há necessidade da prova do elemento subjetivo – culpa ou dolo – da conduta, mas apenas a própria ação, o nexo causal, e o dano (que no dano moral é o resultado presumível da própria atitude lesiva). Por isso alguns autores defendem não ser possível a aplicação da indenização punitiva nesses casos, já que ela exige a aferição do vontade do agente, para a avaliação da gravidade da lesão, consequentemente, e do quantum indenizatório.
Entretanto, parte da doutrina tem o entendimento de que:
Mesmo em caso de responsabilidade objetiva será aplicável a indenização punitiva, se o ofensor, comprovadamente, tiver atuado com culpa grave ou dolo. Com efeito, nada impede que, em processo no qual se esteja a cuidar de caso de responsabilidade civil objetiva, a parte autora produza prova acerca do dolo ou da culpa do réu a produção do evento.
Ora, a responsabilização objetiva é uma conquista do consumidor e como tal não poderá voltar-se contra ele. Não prospera o argumento da não-aplicação da indenização punitiva onde há desnecessidade de prova da culpa. Nos casos em que houve culpa grave ou dolo, não há porque negar ao autor o direito de se socorrer da prova do elemento subjetivo da responsabilidade civil, que seria desnecessário para a indenização compensatória – mas que deve restar inquestionável para aplicação de uma sanção pecuniária privada. O que não se deve admitir é a proibição desse direito ao consumidor.
Tomemos como exemplo duas hipóteses diferentes. No primeiro caso, é feito um anúncio de uma pequena confeitaria que se torna enganoso porque ao invés de anunciar um bolo por R$ 61,00, por um erro na confecção do cartaz, oferta a torta por R$16,00. Ao perceber que várias pessoas se aglomeravam na porta, retira o cartaz e pede desculpas. Mas já é tarde porque alguns clientes perderam tempo na fila, para no fim, sofrerem o constrangimento de não poderem adquirir o produto pelo preço mencionado. A loja é processada e arca com danos materiais e morais de pequena monta, mas proporcionais ao abalo de confiança provocado pelo descaso que cometeu no tratamento daqueles poucos clientes ali presentes.
Em uma outra situação, uma grande loja especializada em móveis anuncia uma promoção imbatível, em que, pelo anunciado, o consumidor escolheria em quantas vezes gostaria de parcelar qualquer produto, o valor da parcela, e tudo com 0% de juros. Inúmeros consumidores são atraídos pela propaganda, escolhem seus produtos e se dirigem para pagar. Ocorre que constatam, a maior parte depois de fechado o negócio, que o parcelamento não poderia ser em menos de 5 vezes, que cada parcela deveria equivaler a um percentual mínimo, e que os juros estavam na verdade entre 0 e 1% ao mês. Mesmo após constatada a enganosidade da mensagem publicitária, muitos consumidores mantêm os contratos formados, outros não os mantêm, mas nada fazem, enquanto apenas alguns intentam ações judiciais.
Dada a gravidade da segunda conduta descrita no segundo caso (perpetrada com dolo, malícia, intuito de obtenção de lucro, lesando mais pessoas, e cujo dano tem extensão deveras maior), a permissão da prova do elemento subjetivo da responsabilidade civil por parte dos consumidores lesados, para fins da efetivação do caráter punitivo-pedagógico da indenização por danos morais, é medida que se faz necessária. Ou será que alguém sustentará o argumento da indenização puramente limitada à compensação de cada vítima de acordo com o prejuízo sofrido, apesar da gravidade da conduta e da perversão dos valores sociais que a finalidade de seu cometimento revela?
Aliás, à medida que o caso revela-se hipótese de acolhimento do dano moral coletivo (como a maioria das hipóteses de publicidade enganosa no direito do consumidor), a indenização deve priorizar os aspectos punitivo e educativo de sua aplicação, sob risco de subverter os fins das ações coletivas. Afinal, elas devem enfocar o sentimento comum aos titulares da ação, preterindo a compensação a um segundo plano na análise de sua importância. Se a própria ação só é possível nesse formato conjunto porque a conduta atingiu diretamente os interesses da comunidade, o desestímulo é a medida mais premente a ser adotada, antes mesmo da restituição (se é que ela será possível).
A publicidade enganosa intencionalmente cometida por grandes veículos de comunicação, grandes agências, ou grandes empresas é o exemplo mais cristalino de necessidade real de utilização da indenização punitiva, já que os danos morais são sempre presentes e poucas vezes reclamados – e, por isso, surtem efeitos positivos para os infratores em escala deveras maior que propriamente os danos causados. Neste caso, não resta outra opção que não o arbitramento da indenização sob o prisma da gravidade da conduta ilícita, e não sob o manto da extensão do dano ou qualquer outro critério que dê preferência para a análise do prejuízo individualmente gerado.
'Quantos olhos, tantas vistas'. A frase colhida numa crônica de Machado publicada na Gazeta de Notícias resume significativamente um dos alicerces de sua ficção: a consciência de que a depreensão efetiva do real dá-se de forma peculiar em cada ponto de vista que o capta. Deste modo, não há como postular uma versão única da realidade, pois que ela se atualiza e se manifesta singularmente em cada indivíduo que a experiencia. .
O dano moral perpetrado em larga escala é sentido em cada indivíduo de uma maneira. Exatamente por isso, não deve servir de base para a responsabilização civil referente à publicidade enganosa de larga escala a compensação do dano, mas a punição merecida pelo ofensor, de acordo com as circunstâncias e as características dele – independentemente de quem sejam as vítimas.
PUNITIVE DAMAGES E O DIREITO BRASILEIRO
A função punitiva da indenização do dano moral há algum tempo resta presente na legislação brasileira. O Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4117/62), art. 84, pautava como critério para arbitramento do dano moral a "situação econômica do ofensor, a intensidade do ânimo de ofender", além da gravidade e repercussão das ofensas.
Igualmente, a Lei de Imprensa (Lei 5250/67), em seu art. 53, já considerava para aferição do dano moral, dentre outros parâmetros, a "intensidade do dolo ou o grau da culpa do responsável, sua situação econômica e sua condenação anterior em ação criminal ou cível fundada em abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação".
A lei 8078/90 prevê uma figura muito semelhante aos punitive damages: o fluid recovery (condenação fluida). Dispõe o artigo 100 do CDC que, no caso de uma empresa que causar danos a interesses individuais homogêneos ser condenada, sem que haja habilitação dos interessados em número compatível com a gravidade da lesão no prazo de um ano, poderão os legitimados do artigo 82 do CDC promover a liquidação e execução da indenização devida.
Para Marcelo Abelha, o que ocorre é o "nascimento de um outro direito, de natureza difusa, independente do individual homogêneo consubstanciado no título executivo genérico, possuindo um caráter, eminentemente, punitivo".
Na verdade, não há efetiva tutela de um direito coletivo pela técnica da equivalência pecuniária.
A tutela pelo equivalente pecuniário tem como objetivo tutelar o interesse público, não visa uma compensação financeira geral. Tem uma outra finalidade, que se coaduna com os valores constitucionais, ou seja, tem um caráter punitivo/educativo em relação ao wrongdoer, além de outros efeitos colaterais, como servir de exemplo e influenciar e orientar políticas públicas.
Portanto, a tutela pelo equivalente pecuniário no direito coletivo tem uma função punitiva e educativa e, não propriamente, de tutelar o direito coletivo violado, pelo menos não de forma direta. Essa condenação fluida tem por objetivo evitar a impunidade do responsável pela prática lesiva, com a punição do réu pelo dano globalmente causado, além do nítido caráter educativo e influenciador de políticas públicas.
A finalidade é justamente a punição do ofensor já condenado na ação coletiva, evitando que retire vantagem indevida do ilícito pelo qual foi responsabilizado. a indenização prevista no art. 100 do CDC não possui caráter verdadeiramente ressarcitório uma vez que calculada abstraindo-se totalmente a extensão das perdas e danos possivelmente suportadas pelas vítimas lesadas que não compareceram a juízo.
Para muitos, um grande óbice para a consagração da indenização punitiva no Brasil é o enriquecimento da vítima (argumento refutado no primeiro capítulo deste trabalho, uma vez que é tido como obstáculo para a própria indenizabilidade dos danos morais). Entretanto, como solução para esse conflito tem-se que em alguns estados norte-americanos uma parcela da indenização paga a título de punitive damages favorece algum fundo específico, alguma instituição de caridade ou até o próprio estado, uma vez que essa medida dissuasória tem o fito de proteger principalmente o restante da sociedade. É a obrigação estatal de restabelecer a segurança jurídica que fundamenta essa providência ao mesmo tempo punitiva e preventiva.
Um fundo criado por lei – a gestão pública do fundo e a destinação de seus recursos a uma finalidade coletiva, isto é, transindividual (e não individual, servindo a 'indenização' para beneficiar exclusivamente a vítima do dano), parece ser o mais adequado caminho – se utilizado de forma complementar às demais vias sancionatórias do ilícito civil – para regrar os danos típicos da sociedade industrial sem que recaiamos – por vezes, por ingenuidade – nas armadilhas da desumanizante 'lógica do mercado'.
PROPORCIONALIDADE NOS PUNITIVE DAMAGES
Questão há muito tempo pertinente ao direito norte-americano é o julgamento de pretensões punitivas por via de ações indenizatórias. Entretanto, principalmente porque os punitive damages são arbitrados a princípio por um júri leigo, e não por um juiz togado, padecem tais sentenças de ausência de uniformidade. Como é próprio do common law, o estabelecimento de critérios mais objetivos para o arbitramento de tais indenizações não proveio de uma legislação, mas de uma análise de caso: o caso BMW of North América, Inc. v. Gore.
Em 1990, após comprar um automóvel BMW sports sedan novo de uma revendedora autorizada por US$ 40,750.88, Ira Gore Jr. soube, após levar o veículo para um polimento, que parte do carro havia sido repintada por conta de um pequeno dano havido no veículo antes de sua chegada aos Estados Unidos, fato não revelado pela BMW. Indignado, ajuizou ação em face da distribuidora, alegando fraude. Durante o julgamento a ré admitiu que havia adotado em 1983 uma política nacional acerca de automóveis danificados durante a fabricação ou o transporte: se o custo do reparo excedesse 3% sugerido, o veículo seria vendido como usado; se, entretanto, não excedesse, o carro seria vendido como novo, sem advertirem o revendedor (e o consumidor) de tal manobra. Descobriu-se também que o valor de um carro repintado é aproximadamente 10% menor que o de um carro novo.
Assim, o júri conferiu ao réu compensatory damages no valor de US$ 4,000, baseado no ganho ilícito proveniente de uma venda em tais moldes, e de uma indenização punitiva de US$ 4 milhões, pela venda de aproximadamente 1000 veículos, desde 1983 no Alabama, não revelando de forma maliciosa ou fraudulenta o reparo dos danos nos veículos. A Suprema Corte do Alabama, entendendo que o júri, no cálculo dos punitive damges, computou impropriamente alguns casos a mais, reduziu o montante indenizatório para US$ 2 milhões. Posteriormente, a Suprema Corte americana considerou grossly excessive (manifestamente excessivo) o montante arbitrado e, portanto, inconstitucional. Avaliando que o prejuízo tivesse sido puramente econômico (e não moral), que a performance do veículo não tivesse sido afetada pelos danos, que a indenização arbitrada tenha sido muito superior a multas cabíveis em qualquer estado americano por condutas similares, e que o valor da indenização punitiva tenha sido aplicado na proporção de 500 vezes o montante do dano material, houve desproporção violadora da due process clause. Em reconsideração, a Suprema Corte do Alabama reduziu para US$50,000 o total dos punitive damages.
Ocorre que Suprema Corte americana, por diversas vezes, enfrentara o tema da (in)constitucionalidade dos punitive damages por violação ao princípio do devido processo legal (Due process clause). Eis que no mencionado caso a questão passa a ser definida, entendendo-se que o balizamento em patamares não-razoáveis afronta tal princípio. Por outro lado, firmaram-se três critérios (guideposts ou guidelines) para o arbitramento dos punitive damages: a) o grau de reprovabilidade da conduta do réu – que, por conseguinte, deve avaliar os seguintes fatores: (1) se o prejuízo causado foi físico ou meramente econômico; (2) se o ato ilícito foi praticado com indiferença ou total desconsideração com a saúde ou a segurança dos outros; (3) se o alvo da conduta é uma pessoa com vulnerabilidade financeira; (4) se a conduta envolveu ações repetidas ou foi um incidente isolado; (5) se o prejuízo foi o resultado de uma ação intencional ou fraudulenta, ou foi um mero acidente; b) a proporção (disparidade) entre o dano efetivo ou potencial e a indenização punitiva; c) a diferença entre os punitive damages concedidos pelo júri e as multas civis autorizadas ou impostas em casos semelhantes.
FUNÇÕES DOS PUNITIVE DAMAGES
FUNÇÃO PUNITIVA
O quantum indenizatório a título punitivo deve ser, como mencionado anteriormente, arbitrado com base na gravidade da conduta lesiva. A sanção indenizatória obedece a um senso de justiça, para coibir a impunidade. Reprovar uma conduta dolosa (sobretudo nas relações onde há desequilíbrio por ser uma das partes hipossuficiente do ponto de vista jurídico) é atender a um imperativo ético, porque permite classificar prioridades na repressão do anti-social. Kant já salientava a eficiência do castigo como desestímulo a ilícitos conscientemente cometidos, além de sua ressonância pessoal e social:
Pelo contrário, se alguém se diverte molestando aos outros e ao fim de um certo tempo lhe é ministrada uma sova de pau, este fato constitui sem dúvida alguma para ele um mal (Übel) mas todo o mundo o aplaude, considerando-o bom (gut); contudo, o mesmo que recebeu as pauladas, logo após, diante da sua própria consciência, reconhecerá que a sova lhe foi ministrada merecidamente, porque com isso se põe rigorosamente em prática a proporção entre o bem-estar e a boa conduta que a razão lhe apresenta.
A jurisprudência pátria já vem reforçando a necessidade da punição, mormente na indenização por danos morais, nas relações de consumo, casos que merecem maior atenção pelo alcance da conduta lesiva:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. DÉBITO DE MAIS DE UMA PARCELA DO EMPRÉSTIMO NO MESMO MÊS. CHEQUE DEVOLVIDO POR INSUFICIÊNCIA DE FUNDOS. CADASTRO EM ÓRGÃO DE PROTEÇÃO AO CRÉDOTO. DANO MORAL PURO. AGRAVO RETIDO não conhecido, quando não reiterado o recurso por ocasião das contra-razões à apelação (Art. 523, § 1º do CPC). Responde a instituição financeira por dano causado pela falha na prestação do serviço. O débito de três parcelas de empréstimo pessoal e de duas parcelas do empréstimo Crédito 1 Minuto no mesmo mês, ensejando a devolução de cheque por ausência de provisão de fundos, com conseqüente inscrição do nome do A. em órgãos de proteção ao crédito e junto ao BACEN, enseja dano moral passível de indenização. A indenização deve obedecer aos critérios de razoabilidade, atingindo sua função reparatória e punitiva. Mantido o quantum fixado na sentença. AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO. NEGADO PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME. (TJRS. Apelação Cível Nº 70021918339, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nara Leonor Castro Garcia, Julgado em 29/05/2008)

PROMOCAO DE ASSISTENCIA DENTARIA. PUBLICACAO JORNALISTICA. PROPAGANDA ENGANOSA. DANO MORAL. DESCABIMENTO DE DANOS MATERIAIS. Indenizatória. Danos materiais e morais. Promoção de assistência dentária em jornal de grande circulação. Propaganda enganosa. Dano moral "in re ipsa". Inexistência de danos materiais. Pretensão à devolução dos valores despendidos com a aquisição dos jornais para a participação de promoção e com os gastos para o tratamento dentário do autor/apelante, e a indenização por danos morais. Legitimidade "ad causam" do menor, a despeito da assinatura do contrato por sua representante legal. Inexistência de "animus contrahendi" de parte desta. Elementos dos autos, que demonstram ser o apelante o beneficiário do plano de assistência odontológica. Relação de consumo. Responsabilidade objetiva do fornecedor pelos danos causados em razão de defeitos nos produtos ou serviços fornecidos, ou por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. Artigos 12 e 14 do CDC. Cláusulas do regulamento da promoção veiculada em jornal de grande circulação que trazem informações insuficientes, deixando de especificar as características do objeto da promoção oferecida. Conduta que criou legítimas expectativas nos consumidores. Solidariedade dos responsáveis pela propaganda enganosa perpetrada, ainda que por omissão. Violação ao art. 37, par. 2., do CDC. Dano moral "in re ipsa". Fixação do "quantum" conforme o princípio da proporcionalidade, o caráter punitivo-pedagógico da compensação almejada, a vedação ao enriquecimento sem causa, e os parâmetros jurisprudenciais deste órgão julgador. Descabimento da pretensão à devolução dos valores despendidos com a aquisição dos jornais para a participação da promoção, eis que os jornais foram efetivamente entregues. Ressarcimento dos gastos para o tratamento dentário, independentemente de ter sido realizado por profissional não credenciado pelo plano, uma vez que os serviços não teriam cobertura do plano. Provimento parcial do recurso. (TJRJ. APELAÇÃO CÍVEL - 2007.001.14210. JULGADO EM 31/07/2007. DECIMA SEGUNDA CAMARA CIVEL - Unanime. RELATOR: DESEMBARGADOR ISMENIO PEREIRA DE CASTRO)
FUNÇÃO PREVENTIVA
O convencimento do infrator a não mais reiterar condutas lesivas, bem como servir de exemplo para o resto da sociedade o que ocorre quando se pratica determinados atos é o maior legado da indenização punitivo-pedagógica.
O desestímulo (deterrence) é a ferramenta do Estado para restaurar a ordem jurídica perante a sociedade. É deixar claro que determinadas condutas não serão bem-vindas e terão adequado combate. Os direitos da personalidade, em especial, merecem cuidados além da mera compensação pontual a determinados casos. "Além disso, a lesão a qualquer bem da vida empobrece a sociedade em seu conjunto, sem que isso seja necessariamente evitado pela translação dos custos entre os integrantes da sociedade".
O chamado "utilitarismo de Quebec" defende que os punitive damages devam ter aprioristicamente o efeito dissuasivo como objetivo, e não sendo relegado em segundo plano como na pena característica do Direito Penal. A punição, pois, deve ser secundária. E seu fundamento descansa na prevenção, ou dissuasão de reiteração da conduta ou de novos atos danosos. Para muitos, ademais, deve inexistir tal caráter retributivo da reparação, que deve atrelar-se meramente ao desestímulo das práticas repelidas. Encontra-se satisfatória síntese dessa idéia nas palavras de Pierre Pratte:
même si La punition amène accessoirement un effet dissuasif, la justification d'une punition repose principalement sur des notions de mérite, La prévention n'apparaissant qu'être un résultat secondaire. (...)qu'en matière d'utilitarisme La dissuasion n'est pás appréhendée seulement comme un effet inhérent de la peine mais comme le fondement de celle-ci.
Acerca do caráter de essencialidade da função preventiva para a efetividade da responsabilidade civil, encontra-se na doutrina o seguinte relato:

"É preciso destacar que a responsabilidade civil só conseguirá cumprir concretamente e integralmente a sua função social na medida em que, antes e para além da tradicional função indenizatória, paralelamente seja eficientemente desenvolvida também a sua função preventiva, o que só é possível por intermédio da aplicação de sua função dissuasiva, ou seja, mediante a efetiva inibição da ocorrência do ilícito, ainda que para tanto a função punitiva da responsabilidade civil tenha que ser exercida como forma de se alcançar, por meio de condenações exemplares, a almejada prevenção.
(…) É preciso, assim, que o legislador atenda a tais reclamos, definindo mediante critérios objetivos (tanto quanto possível), as condições, hipóteses e limites da função punitiva da responsabilidade civil, seja por intermédio da importação da figura dos punitive damages, seja por via da determinação de que os magistrados fixem nas sentenças, distintamente, valores devidos a título de indenização e ou compensação (danos patrimoniais e ou extrapatrimoniais, respectivamente), e valores devidos a título de punição, servindo, então, a um só tempo, aos objetivos de punição e dissuasão da repetição de condutas altamente reprováveis no campo civil."
OUTRAS FUNÇÕES
A indenização punitiva, além de suas já mencionadas funções retributiva e preventiva pode, portanto, a exemplo dos resultados dos punitive damages nos EUA, complementar a efetividade da responsabilidade civil: incentivando acordos entre as seguradoras e a parte lesada e fazendo valer a pena o desgaste de enfrentar a demora de processos judiciais, porém com mais benefícios do que custos. "Two additional goals that punitive damages further: encouraging defendants and liability insurers to settle cases in good faith, and encouraging victims and their lawyers to invest time and money in enforcement of the law".
Por outro lado, defendem outros que, no Brasil, tendo-se por base o disposto no artigo 781 do CC, não poderia o lesado receber mais do que o valor suficiente para reparar ou compensar o dano. Assim, não se prestando a indenização punitiva à finalidade de compensar o dano, não estaria abrangida pela cobertura securitária, a não ser que houvesse previsão expressa da apólice quanto à cobertura de tais verbas.
Secundariamente, a indenização punitiva constitui forma de eliminação do lucro ilícito obtido pelo causador do dano, auxilia na preservação do princípio da liberdade contratual, colabora para a manutenção ou restauração do equilíbrio nas relações de consumo e atua como instrumento de defesa de contratantes que se encontram em posição de inferioridade.
INDENIZAÇÃO PUNITIVA NA PUBLICIDADE ENGANOSA
A necessidade de aplicação dos punitive damages é facilmente justificável no Direito do Consumidor. Nas relações de massa, os danos causados pelas empresas diluem-se, porque normalmente têm pequena monta. Ocorre que o cidadão não recorre a ações judiciais por qualquer prejuízo que sofra, já que para ele o saldo de um possível êxito não cobrirá os custos e o tempo de uma demanda longa. Sendo assim, quem mais lucra é o empreendedor, que solidifica sua práxis potencialmente lesiva sem questionamento.
Tome-se como ilustração a alegoria criada por John Grisham em sua obra O homem que fazia chover. É um caso judicial fictício sobre o processo Black vs Great Benefit. Uma seguradora, Great Benefit, que trabalha com planos de saúde, é acionada por um cliente, Donny Ray Black, que sofre de leucemia e tem seu benefício negado. Por não ter recursos para tratar-se privadamente, vem a óbito. O advogado da família enfim descobre um esquema que motivou aquela atitude da empresa: do total de pedidos de benefícios que chegavam à empresa, certa porcentagem deveria ser denegada, por mais que fizessem jus a ele. Isso se devia à estatística que afirmava que apenas um ínfimo número dos clientes lesados entraria com uma ação judicial face à seguradora. Assim, lucrava a empresa arcando com algumas lides judiciais que eventualmente perdesse na Justiça (com o indeferimento de inúmeros benefícios que lhe custariam deveras mais). Como solução, a Justiça (no livro) aplica à empresa uma indenização milionária a ser paga a título punitivo para a família do segurado falecido.
A importância do estudo do caso BMW of North América, Inc. v. Gore para este trabalho não se limita ao estabelecimento de um paradigma para o arbitramento da indenização punitiva. O caso ganha mais relevo por se tratar de típico caso de aplicação do mencionado instituto a uma hipótese de publicidade enganosa. Mesmo que por omissão, deve-se constatar a enganosidade do anúncio que vendeu determinado automóvel repintado como se novo fosse. E, por mais que tenha havido grande dissonância a respeito do valor da indenização até a decisão final da Suprema Corte, houve unanimidade quanto à aplicabilidade dos punitive damages para coibir tal prática.
Curiosamente, há grande similaridade entre este fato e a história de Grisham. Em ambos, os danos causados são fontes de imenso lucro para as empresas na medida em que são reiterados e, normalmente, não ensejam retaliação do consumidor. O fornecedor, aliás, comete ou se omite propositalmente, esperando conscientemente a provável inércia do consumidor.
Estimular a busca pela Justiça na reparação de danos civis – especialmente dos danos morais – pode ser a missão mais premente da indenização punitiva. Ihering já defendia que o estopim para uma sociedade enfraquecida é que seja ela formada por pessoas que não defendem a própria honra em face de patente violação ao mais ínfimo direito. Reproduz-se:
Basta, porém, de tolices e equívocos eruditos! Que vergonha profunda não havemos de sentir ao percebermos que a idéia singela do autêntico sentimento de justiça, que vê em qualquer lesão de direito, mesmo que esta apenas atinja um relógio, uma lesão e uma agressão à pessoa do titular, tornou-se totalmente estranha à ciência dos nossos dias, que erige em dever jurídico o abandono do direito, a fuga covarde diante da agressão!
A "doutrina da covardia", assim chamada pelo citado autor, inibe o ânimo do possuidor de direito subjetivo de lutar pelo que entende ser justo. No âmbito publicitário consumerista, mesmo que impensado por Ihering, é ainda mais notória a tendência ao torpor a que se rendem muitos consumidores lesados por publicidades ilícitas.
Urge que a sociedade e os operadores do Direito pugnem pela instrumentalização da ciência jurídica como ferramenta de auto-afirmação da personalidade para tais casos, onde se configura claramente uma lesão à honra individual e, comumente, à social.



CONCLUSÃO

A presente pesquisa enfocou a responsabilização civil por danos morais oriundos de publicidade enganosa, almejando a aplicação da função punitivo-pedagógica nos casos em que seja possível medir a gravidade da conduta lesiva, bem como os demais elementos subjetivos que devam ser sopesados para a aplicação da indenização para esses fins.
Desde a Constituição Federal de 1988, trava-se a batalha entre os que almejam a economia livre de intervenções estatais e os que necessitam da proteção extravagante para que certos direitos fundamentais – tal qual a própria dignidade – sejam assegurados.
A nova dialética das relações de consumo impôs uma revisão do olhar do Estado para com as partes mais vulneráveis envolvidas, e o Código de Defesa do Consumidor ratificou tal preocupação desequilibrando a balança a favor do consumidor hipossuficiente.
Nesse contexto insere-se a publicidade, que na forma de comunicação de massa passa a exercer um papel fundamental para o aumento de venda das empresas privadas e para a transformação da cultura em um espaço de entretenimento (espaço fértil para a promoção de produtos e serviços não-prioritários). Assim, qualquer desvio publicitário tem a partir de então conseqüências incalculáveis para a sociedade, que segue as tendências provocadas pelos anúncios feitos em todos os tipos de mídia, de todas as formas possíveis, visíveis ou não. Dada a dimensão dos ganhos gerados pela propaganda, e da influência que exercem na sociedade, mister se faz aprimorar o controle das técnicas utilizadas. E, constatado o vício, aplicar a apropriada sanção ao infrator.
Ocorre que os danos advindos do mal uso das técnicas publicitárias, que podem gerar uma enganosidade capaz de induzir em erro inúmeros consumidores na aquisição do produto ou serviço, causam danos morais às vítimas efetivas e potenciais. A apuração da repercussão dos danos é eminentemente subjetiva, mas pode apoiar-se em diversos fatores para a mensuração da indenização cabível: número de vítimas, dolo do infrator, profundidade dos danos, lucro obtido com a conduta, etc.
Os danos morais gerados por publicidade enganosa tanto podem limitar-se a único indivíduo que tenha percebido o potencial lesivo do anúncio feito, como estender-se a toda a comunidade afeta à propaganda veiculada em larga escala, como é cada vez mais freqüente nos dias que seguem. Assim, a indenização poderá também espraiar-se no campo dos direitos transindividuais.
É nesse momento que se nota a efetiva contribuição para a responsabilização civil da adoção integral das funções punitiva e preventiva da indenização por danos morais: quando a conduta lesiva deve ser inibida pelo mal que representa para o convívio em sociedade, o caráter compensatório da indenização não resta suficiente para o desestímulo da prática ilícita; pelo contrário, a mera reparação afeita ao prejuízo tido pela vítima afigura-se como institucionalização da impunidade do infrator que lucrou desproporcionalmente mais com uma conduta que afetou infimamente determinada vítima.
Quando várias vítimas são lesadas quase imperceptivelmente pela mesma pessoa, se não se unirem em busca de uma punição razoável ao infrator, certamente haverá uma desproporcionalidade ensejadora de enriquecimento ilícito. Por outro lado, se o conjunto das forças dos lesados servir para punir exemplarmente o causador do dano, não há intuito de auferir vantagem às custas da Justiça, mas legítimo interesse de restituição da dignidade violada.
Nesse sentido, o instituto dos punitive ou exemplary damages é instrumento capaz de efetivação da Justiça Social, afinal, incentiva a luta pelos direitos, valorizando-os a partir do mal a que se sujeitaram, e não de acordo com o sofrimento da vítima. Ademais, contribui para desestimular a lesão que visa à obtenção de lucro, porque não será mais benéfico para o infrator a não-restituição do direito violado se ele sofrer a imposição da indenização com a função punitivo-pedagógica.
O Direito Civil brasileiro tem inúmeras ferramentas punitivas, mas que, em regra não servem à indenização por danos morais. A aplicação de indenizações punitivo-pedagógicas, mesmo que adequada à realidade do sistema que aqui vigora, é saída plausível para o enfrentamento das questões suscitadas pela violação de direitos que geram efeitos na esfera moral dos indivíduos afetados por publicidades enganosas.
Nem mesmo as objeções feitas à aplicação desse instituto, que requer a avaliação de elementos subjetivos da conduta, são capazes de impedir que o consumidor conquiste o direito à adequada restituição de sua dignidade por meio da cessação da impunidade e da inibição de novas condutas similares, restabelecendo a boa-fé e a confiança, essenciais ao equilíbrio nas relações de consumo.



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