Bruno Wilhelm Speck: Escolhendo caminhos sem saber onde chegar (Valor Econômico 27/4/2015)

July 22, 2017 | Autor: Bruno Wilhelm Speck | Categoria: Latin American Studies, Brazilian Studies, Campaign Finance, Political Reform, Election Campaign Finance
Share Embed


Descrição do Produto

27/04/2015

Escolhendo caminhos sem saber onde chegar Por Bruno Wilhelm Speck

Reforma política em debate não define aonde quer chegar O Congresso Nacional está debatendo vários projetos de reforma política, sendo os dois pontos centrais o sistema eleitoral e o sistema de financiamento da política. O que a ciência política pode contribuir com este debate? Um século atrás o sociólogo Max Weber propôs uma divisão de tarefas, definindo de um lado o lugar do cidadão engajado e do outro lado o do cientista social. De forma resumida ele disse que o cidadão deve saber aonde quer chegar, enquanto o cientista deveria ajudá-lo a escolher o caminho mais apropriado. No debate atual observamos uma reforma pensada a partir dos caminhos sem definir aonde ela quer chegar. Cabe aos cidadãos, e por extensão aos seus representantes no Congresso, definir as prioridades. E os cientistas políticos, o que têm a contribuir? Uma contribuição é a comparação de sistemas regulatórios, os caminhos mais indicados para chegar ao destino desejado. Podemos imaginar as regulações do financiamento como uma espécie de caixa de ferramentas com três tipos diferentes de instrumentos: Em primeiro lugar há várias regras para vedar ou limitar o fluxo de recursos que entram na política. São vedações para determinados doadores, como entidades estrangeiras, empresas, sindicatos, igrejas ou de ONGs. Outra linha inclui regras limitando o volume de doações, seja a respeito do valor total que um doador pode alocar numa campanha, seja para as doações a um candidato ou partido específico. A variedade destas vedações e limites é grande entre os países e se baseia em concepções diferentes sobre fontes e volumes de recursos indesejados na competição política. O segundo grupo inclui tetos de gastos eleitorais por partidos e competidores durante a campanha. Estes tetos se referem ao valor total que partidos ou candidatos podem gastar numa campanha, ou a vedação de determinados tipos de despesa, como a compra de espaço publicitário, ou a limitação do tempo de propaganda. Outra vez há diferenças importantes em relação à definição destes tetos que produzem resultados diferentes. O terceiro grupo compreende os subsídios públicos a partidos e candidatos. Os principais recursos aqui são dinheiro dos cofres públicos e acesso gratuito à mídia. Benefícios tributários representam outra forma de alocar recursos aos partidos e candidatos. As diferenças entre as regras são grandes, algumas favorecendo partidos pequenos e novos, outras dando vantagem aos grandes e estabelecidos. A responsabilidade de pensar cuidadosamente sobre estes princípios de distribuição cresce com o tamanho do bolo de recursos públicos distribuídos. A ciência política pode orientar cidadãos, movimentos cívicos e políticos sobre as ferramentas mais adequadas para alcançar cada um dos três (ou quaisquer outros) objetivos. Se o objetivo for aumentar o poder dos cidadãos sobre o processo eleitoral, o primeiro grupo de vetos e limites oferece soluções. Estabelecendo limites absolutos para o volume total de doações que cidadãos podem fazer durante uma eleição promove a igualdade cidadã. Vedações para doações de empresas tem o efeito indireto de valorizar o papel dos cidadãos. A alocação de subsídios públicos também pode fortalecer o papel dos cidadãos. Criando incentivos fiscais para pequenas doações ou alocando recursos públicos através dos cidadãos estimula doações de pequenos valores por cidadãos, diminuindo o peso relativo das empresas. O atual modelo é bastante limitado nesta dimensão de fortalecimento do papel dos cidadãos.

Se a reforma visa fortalecer a disputa política o segundo grupo de medidas, tetos para gastos, oferece uma série de soluções. Campanhas mais curtas, limitação de gastos ou outras formas de igualar o poder de fogo dos candidatos torna as eleições mais disputadas. Aqui a ciência política criou um alerta que contraria o senso comum: limitar os gastos tende a fortalecer os mandatários e diminuir as chances dos desafiantes. Enquanto os políticos disputando um novo mandato tem acesso à mídia e aos cidadãos em função do seu mandato atual os novos competidores precisam uma boa dose de recursos somente para fazer chegar ao eleitor a mensagem que são candidatos. As campanhas dos desafiadores que seriamente disputam as eleições são mais caras. Aqui o tiro pode sair pela culatra e tetos para gastos podem tornar as eleições menos competitivas. Outra poderosa ferramenta que influencia a competitividade das eleições são os subsídios públicos. Tudo depende do modelo de distribuição de recursos escolhido para os recursos públicos em forma de dinheiro, tempo de mídia ou benefício tributário. Se a distribuição dos recursos fortalece os partidos pequenos e novatos, as eleições se tornam mais competitivas. Caso contrário os partidos grandes são os beneficiários. O terceiro objetivo é a diminuição dos arranjos corruptos entre legisladores e doadores. A expectativa de grande parte da opinião pública que a reforma política contribua para sanar o problema da corrupção é bastante elevada neste momento. O caminho mais imediato seria a vedação de doações de empresas e a provisão de recursos públicos para suprir a demanda por recursos públicos. Uma das principais dúvidas dos especialistas gira em torno da questão da capacidade de implementação efetiva desta regra. Será que a justiça eleitoral consegue fazer valer esta regra? Uma última contribuição da ciência política para o debate atual é a recomendação de cautela e a orientação para mudanças graduais. Reformas institucionais frequentemente não saem como planejadas, algumas dão muito errado. Neste momento uma mudança gradual, priorizando um objetivo específico, teria duas vantagens: primeiro, aumentar a probabilidade de aprovação e segundo diminuir o risco de produzir danos inesperados. Bruno Wilhelm Speck é professor de ciência política na Universidade de São Paulo (USP) e colunista convidado do "Valor " E-mail: [email protected]

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.