BUROCRACIA À BRASILEIRA: Uma breve análise à luz dos ensinamentos de Mises

October 15, 2017 | Autor: Bruno Becker | Categoria: Austrian Economics, Brazilian Political Economy, Bureaucracy
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Que Brasil será o seu? Pensamentos Liberais – Volume XVI

BUROCRACIA À BRASILEIRA: Uma breve análise à luz dos ensinamentos de Mises Bruno Bastos Becker1 1. INTRODUÇÃO Uma dificuldade para iniciar a reflexão sobre as características da burocracia é exatamente a sua definição. Para alguns, o termo remete à “máquina pública” como um todo; para outros, à dificuldade por ela imposta à atividade de entes privados. Fato é que ambas as definições acabam se entrelaçando: rigidez e ineficiência sempre foram, ao longo do tempo, características de qualquer administração pública. Todavia, embora se corra o risco de cair na vulgaridade da definição etimológica, não se vislumbra melhor forma de conceituar o objeto do presente ensaio. Büro, ou bureau, versão francesa para o termo germânico, significa escritório. Por conseguinte, o termo burocracia é entendido, grosso modo, como o governo da administração (pública). Tanto é que, em países anglo-saxões, o termo bureau é, muitas vezes, atribuído a uma repartição pública. Por outro lado, burocracia também é usualmente empregada em seu significado informal, que representa a ineficiência e os obstáculos impostos pela administração pública à iniciativa privada. Assim sendo, buscar-se-á apresentar as características da burocracia nessas duas esferas. Em “Bureaucracy”, trabalho magistral de Ludwig von Mises, o autor afirma que não há dúvidas de que a burocracia – seja qual for sua definição – é                                                                                                                 1  Advogado.

 

perniciosa e não deveria existir em um mundo perfeito. Segue afirmando que, mesmo para os burocratas, o termo burocracia é tido como algo pejorativo2. A despeito dos ainda recentes esforços da presidente Dilma Rousseff, os efeitos de uma administração pública ineficiente são percebidos em todos os âmbitos da vida privada brasileira. Entre carimbos, protocolos, taxas e procedimentos, os obstáculos impostos ao empreendedorismo são tantos que impossibilitam a abertura de empresas e o seu desenvolvimento. Acabam, assim, por cercear o direito fundamental à livre iniciativa positivado na Constituição Federal. Recente estudo do Banco Mundial sobre a facilidade de fazer negócios em um país, “Doing Business 2012”3, enquadrou o Brasil na 126ª posição de um total de 183 economias. É nesse panorama – entre Ludwig von Mises e Doing Business Brazil – que o presente ensaio se enquadra. Objetiva-se, a partir do arcabouço teórico apresentado na obra “Bureaucracy”, do mestre da Escola Austríaca, apresentar a situação brasileira, com vistas a uma reflexão sobre os rumos da nação. 2. MISES E A BUROCRACIA Escrito há mais de seis décadas, “Bureaucracy” é um obra universal, pois reflete com precisão as características dos sistemas e das organizações burocráticas nos Estados Unidos de 1944, na Rússia de Gorbatchev (vide ponto 3) ou no Brasil da era PT. A despeito do emprego de uma narrativa dialética marcada pela forte oposição capitalismo-socialismo, há muito ultrapassada com a queda dos diversos regimes socialistas, o livro cumpre sua função de apresentar com clareza as características das organizações públicas – as

                                                                                                                2 VON MISES, Ludwig. Bureaucracy. New Haven: Yale University Press, 1944. p. 1. (Texto integral disponível em ).   3 THE WORLD BANK. Economy Profile: Brazil. In: THE WORLD BANK (Estados Unidos da América). Doing Business 2012. Washington: The World Bank, 2012. p. 1-116. Disponível em: . Acesso em: 05 fev. 2012.  

burocráticas –, despidas de qualquer necessidade de eficiência, em oposição às privadas, direcionadas ao lucro. O autor inicia a obra afirmando que a burocracia, aqui usada em seu sentido informal, está hoje totalmente permeada entre as instituições públicas de qualquer forma de regime. Ela é antiliberal e antidemocrática4 e parece odiar os negócios privados e a livre iniciativa5. A culpa por essas características e seus vícios, infelizmente, costumamos atribuir aos seus operadores em última instância, aqueles funcionários públicos que ficam atrás dos balcões em qualquer repartição pública6. “Bureaucracy” parece ter um objetivo claro, qual seja, de apontar os porquês da burocracia e de seus atributos tão prejudiciais à sociedade. Para isso, sua análise parte da caracterização das instituições privadas voltadas ao lucro como forma de demonstrar a relação de incentivos nelas gerada. Em uma economia de mercado, empreendedores devem adequar-se às necessidades dos consumidores, caso contrário, não vingarão. Os verdadeiros chefes, em um sistema capitalista de economia de mercado, são os consumidores, pois, a cada centavo gasto, é dado a eles o poder de escolha7. As organizações privadas, para atingirem seu objetivo de lucro, devem se adaptar às necessidades impostas pelo mercado, buscando cada vez maior eficiência e a satisfação dos clientes. De forma diametralmente oposta, atuam as organizações públicas burocráticas, uma vez que não possuem a mesma lógica. Embora devam ser regidas pela lei e pelo orçamento (o que protege a população de maiores abusos e arbitrariedade8), seu verdadeiro problema é que operam em nível inferior, na regulamentação da Administração Pública feita pelo Poder Executivo. Assim, o                                                                                                                 4 Há de se esclarecer que o termo democrático foi utilizado no sentido de suas características, e não de forma de governo. Mises afirma posteriormente que não há oposição entre regimes de governos democráticos e a presença da burocracia neles, pois os dois pilares da democracia são a lei e o orçamento, e a burocracia atuaria em um nível infralegal de regulamentação deles. (VON MISES, Ludwig. Bureaucracy. New Haven: Yale University Press, 1944. pp. 3, 41).   5 Ibid., p. 9.   6 Ibid., p. 17.   7 Ibid., 20-21.   8  Ibid., pp. 43-45.  

poder de voto na escolha dos legisladores de um país pouco influencia nas características burocráticas de suas instituições. Fato é que o problema dessas instituições resta em outra seara: não há nelas a relação de incentivos presentes nas instituições privada9. Isso porque não há, na administração pública, qualquer relação entre receitas e despesas tal qual ocorre nas instituições privadas. As instituições burocráticas, seja lá qual a forma que apresentem, não se vinculam à simplória regra da contabilidade segundo a qual, para operarem, necessitam de um saldo positivo. Não obstante, deve-se levar em conta que, além dessa falta de compromisso com os resultados, na relação receita-despesa, um dos elementos fundamentais é prejudicado: a renda destinada a essas instituições não é criada por elas, e sim pelos tributos recolhidos. Segundo Mises, a administração burocrática é o método aplicado na condução das relações administrativas cujo resultado não possui qualquer valor monetário no mercado e não pode ser economicamente calculado10. Portanto, o objetivo do burocrata não é – nem pode ser – o lucro, mas sim o cumprimento de todas as leis e regulamentos a que se vincula. Não há como medir em termos financeiros a eficiência de uma organização pública e a de seus funcionários11. O mesmo ocorre com as empresas públicas. Embora nelas se possam medir monetariamente os níveis de eficiência12, uma vez que reproduzem minimamente estruturas privadas com receitas e despesas próprias, o problema persiste nos incentivos. Em empresas privadas, o resultado de uma má administração leva ao déficit financeiro e, consequentemente, à bancarrota. Já nas empresas públicas, o mesmo não ocorre. Os débitos são cobertos pelos governos, e os diretores não são responsabilizados. Como já colocado, Mises afirma que a culpa da ineficiência das organizações públicas não pode ser atribuída aos operadores do sistema em última instância. A seus olhos, muitas vezes bem-intencionados, fazem e                                                                                                                 9 Ibid., pp. 46-47.   10 Ibid., pp. 47-48.   11 Ibid., p. 53.   12 Ibid., p. 59.  

cumprem regulamentos para que não haja arbitrariedades. E quem seria, portanto, o culpado? Mises afirma, então, que, em uma sociedade de mercado, o princípio direcionador deve ser o lucro. Não haveria uma terceira possibilidade13. Assim, o remédio para a burocracia é puramente econômico, não há como fugir disso. Mais ainda, os cidadãos devem conscientizar-se de que os serviços oferecidos pela administração pública são um dever, e não um favor14. Atribuindo o problema aos governos ineficientes e aos princípios por eles definidos, percebe-se, então, que Mises define que a burocracia é o regime de administração pública não voltada ao mercado. A ineficiência, portanto, é sua característica. 3.

OS

BARBEIROS

DE

MOSCOU

E

A

LEI

DOS

RENDIMENTOS

DECRESCENTES Antes de tornar-se o líder da União Soviética, Gorbatchev lutava contra a burocracia instalada naquele regime e, nesse contexto, costumava questionar seus interlocutores: “Você sabe quantos barbeiros há em Moscou? Não sabe? São cinco mil barbeiros!”. E reagindo a uma natural observação de que, para uma cidade de vários milhões de habitantes, cinco mil barbeiros talvez não fosse um número exagerado, Gorbatchev bradava: “O problema não está nos barbeiros!

Está

nos

cinco

mil

funcionários

da

administração

central

encarregados de controlar o trabalho dos barbeiros!”15. Cheio de ironia, o trecho acima demonstra um dos maiores problemas enfrentados pelo governo soviético, que é o tamanho da máquina pública. Com efeito, muito embora não tenha sido ponto focal da obra de Mises, merece destaque quando se refere à realidade brasileira. Não há como negar que o                                                                                                                 13 Ibid., pp. 87-88.   14 Ibid., p. 110.   15 SANDRONI, Fernando. Menos burocracia, mais engenharia. In: VELLOSO, João Paulo Dos Reis. Por que o Brasil não é um país de Alto Crescimento? São Paulo: José Olímpio Editora, 2006. pp. 419-427.  

Brasil chegou a um nível alarmante no que se refere à criação de cargos públicos. Tal fato se relaciona diretamente com um dos mais importantes princípios econômicos: a lei dos rendimentos decrescentes16. Segundo ela, a partir de certo ponto, a ampliação do tamanho (ou da produção) de uma empresa leva ao aumento marginal do custo de produção. Ou seja, à medida que uma empresa cresce, aumentam também os custos para a produção de cada unidade de um produto. Mas qual seria a relação disso com a burocracia? Ocorre que a lógica da lei dos rendimentos decrescentes se baseia no fato de que quanto maior for uma organização, maiores serão os gastos para a coordenação interna de seus agentes. Criam-se departamentos, cargos novos e toda uma hierarquia para conseguir atender aos consumidores. Além disso, o aumento de organizações também demanda a existência de instrumentos que garantam a observância da cadeia produtiva. Então se criam protocolos, formulários e procedimentos de forma a garantir que não haja falhas no processo. E por fim, todos os custos adicionais para o aumento da produção são embutidos no custo final. Não diferentemente opera a máquina pública. A ampliação das atribuições do Estado (ou a simples vontade dos governantes eleitos) leva ao aumento de instituições, novos cargos, formulários, protocolos... Enfim, o aumento da burocracia no sentido das características geradas pela ineficiência. Assim,

àquelas

características

apontadas

por

Mises

como

as

responsáveis pela administração pública ineficiente (os incentivos e os princípios norteadores) soma-se o tamanho das organizações. 4. A BUROCRACIA BRASILEIRA No Brasil, percebe-se com facilidade a união das características burocráticas nas instituições públicas. O tamanho demasiadamente grande da                                                                                                                 16 Segundo MANKIW, é a “propriedade segundo a qual o benefício de uma unidade adicional de um insumo diminui à medida que a quantidade de insumo aumenta”. (MANKIW, N. Gregory. Introdução à Economia. 3. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2009. 852 p. 546).  

máquina pública brasileira não é novidade. Inicia-se no período colonial, como forma de garantir o cumprimento de obrigações perante a Coroa, como o exclusivo colonial. Por conseguinte, a transição para um Estado intervencionista com vistas a supostamente organizar a sociedade surge com Getúlio Vargas e se estende até o início do período militar, na década de 1960. Emerge uma “nova engenharia político-institucional”, que alterou a relação Estado-sociedade. “Tudo se tornava mais complexo” e, adiciona-se, burocrático17. De lá para cá, o que se pode perceber é o constante aumento do poder estatal e da máquina pública. Há hoje no Brasil 38 ministérios, incontáveis secretarias e repartições. O número de funcionários públicos também impressiona: são aproximados dez milhões de servidores, mais de 10% do número total de empregados18. Não diferentes são os resultados alcançados por esse “elefante branco” da administração pública. A essa análise, auxilia o recente estudo publicado pelo Banco Mundial chamado “Doing Business”19, especialmente no quesito “Starting a Business”, que mede a facilidade de abertura de um negócio em uma economia pela análise de todos os procedimentos oficiais requeridos ou usualmente realizados por um empresário para iniciar e operar formalmente um negócio industrial ou comercial20.

                                                                                                                PAIVA, Carlos Henrique Assunção. A burocracia no Brasil: as bases da administração pública nacional em perspectiva histórica (1920-1945). História, 2009, vol.28, no. 2, p.785.   18 BRASÍLIA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Presidência. Emprego Público no Brasil: Comparação Internacional e Evolução. Brasília, 2009. (19º Comunicado da Presidência). Disponível em: . Acesso em: 02 fev. 2012.   19 THE WORLD BANK. Economy Profile: Brazil. In: THE WORLD BANK (Estados Unidos da América). Doing Business 2012. Washington: The World Bank, 2012. p. 1-116. Disponível em: . Acesso em: 05 fev. 2012.   20   THE WORLD BANK. Economy Profile: Brazil. In: THE WORLD BANK (Estados Unidos da América). Doing Business 2012. Washington: The World Bank, 2012. p. 1-116. Disponível em: . Acesso em: 05 fev. 2012.  

Assim, tais procedimentos utilizados como medida pela organização para medir a facilidade de se realizar negócios em 183 países podem ser considerados – ainda que em parte – a burocracia imposta pelos países. Na edição de 2012 do projeto, o Brasil ficou enquadrado na 126ª posição geral e na 120ª no quesito início de um negócio21. Isso significa que, de uma forma resumida, iniciar um negócio no Brasil exige 13 procedimentos diferentes, leva 119 dias e custa 5,4% da renda per capita. Portanto, ambas as formas de burocracia propostas no início deste ensaio estão fortemente presentes na vida de todos os brasileiros. Temos uma gigantesca máquina estatal, extremamente ineficiente e cujas consequências são desastrosas à economia nacional. A dificuldade de abertura de negócios é tanta que se poderia afirmar que o princípio constitucional da livre iniciativa é totalmente prejudicado pelo governo. Em uma perspectiva de futuro, o que se percebe é um movimento, por parte da sociedade civil e de alguns governos, para tentar diminuir esses prejuízos. Muitas vezes auxiliados pela iniciativa privada e pela tecnologia, procuram reduzir a ineficiência dos serviços públicos. Exemplo disso é a recente iniciativa da presidente Dilma Rousseff de nomeação de Jorge Gerdau para comandar uma equipe, no Palácio do Planalto, com o objetivo de implementar uma administração eficiente de governo. Entretanto, para que esses objetivos se concretizem, há de se recomendar a leitura do sexagenário “Bureaucracy” à presidente: importam à burocracia os valores impostos pelos governos. Sem uma administração pública voltada à eficiência, pois comprometida com uma clientela e com a necessidade de resultados positivos, não há que falar em melhoria das condições atuais. Outro passo é a necessária redução do tamanho da máquina pública, que já ultrapassou seu limite há muito. O problema é que, como bem afirmou Mises, a burocracia opera em um nível inferior, pois seus administradores não são votados. Não há escolha                                                                                                                 21 Importante levar em conta que a colocação média em toda a América Latina e o Caribe é 45º lugar (p. 16).  

pública dos burocratas e, assim, não há como os eleitores alterarem essa situação. A única forma é a escolha por governos pró-eficiência e pró-iniciativa privada, comprometidos com a redução da máquina estatal e com a facilitação dos negócios privados.

5. REFERÊNCIAS

INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Presidência. Emprego Público no Brasil: Comparação Internacional e Evolução. Brasília, 2009. (19º Comunicado da Presidência). Disponível em: . Acesso em: 02 fev. 2012. MANKIW, N. Gregory. Introdução à Economia. 3. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2009. 852 p. 546. MISES, Ludwig von. Bureaucracy. New Haven: Yale University Press, 1944. (Texto integral disponível em ) PAIVA, Carlos Henrique Assunção. A burocracia no Brasil: as bases da administração pública nacional em perspectiva histórica (1920-1945). História, 2009, vol.28, no. 2, p.785. SANDRONI, Fernando. Menos burocracia, mais engenharia. In: VELLOSO, João Paulo Dos Reis. Por que o Brasil não é um país de Alto Crescimento? São Paulo: José Olímpio Editora, 2006. p. 419-427. THE WORLD BANK. Economy Profile: Brazil. In: THE WORLD BANK (Estados Unidos da América). Doing Business 2012. Washington: The World Bank, 2012. p. 1-116. Disponível em: . Acesso em: 05 fev. 2012.    

 

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