CABRELA NO TEMPO DE D. MANUEL I: HISTÓRIA DE UM FORAL

June 7, 2017 | Autor: Sónia Bombico | Categoria: Forais manuelinos
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CABRELA NO TEMPO DE D. MANUEL I: HISTÓRIA DE UM FORAL Resumo da comunicação de dia 27 de Fevereiro de 2016, realizada no âmbito das comemorações dos 500 anos do Foral Manuelino de Cabrela.

Sónia Bombico (CIDEHUS-U. Évora) Leonor Dias Garcia (CIDEHUS-U. Évora)

A 10 de Fevereiro de 1516, D. Manuel I concedeu Carta de Foral à vila de Cabrela. Passam precisamente 500 anos e cabemos celebrar a data. Durante o ano de 2016, a Junta de Freguesia de Cabrela procederá a um conjunto de acções com vista à comemoração do 5º centenário. Mas o que é afinal um Foral e que importância teve a sua atribuição? São questões relevantes que tornam esta ocasião perfeita para conhecermos melhor a nossa História. Um Foral é um documento de direito público local concedido pelo Rei, através do qual se estabeleciam e concediam direitos, regalias e privilégios, regulando-se o modo de administração local, especialmente ao nível dos tributos, taxas e obrigações. O Foral de Cabrela é semelhante aos mais de 500 forais concedidos por D. Manuel I, entre 1499 e 1520. O monarca empenhou-se na concessão dos Forais Novos, com vista a substituir os Forais Velhos, num movimento que ficou conhecido como Reforma Manuelina. Há muito que o povo reclamava nas Cortes a reforma dos forais medievais, muitos dos quais obsoletos, escritos em latim e distanciados da realidade da época. Os senhores locais administravam a seu bel-prazer os territórios, abusando regularmente do poder. Mais do que dar resposta aos pedidos do povo, o Rei quis criar uma ordem jurídica coerente e uniforme para todo o reino e instalar um sistema fiscal eficaz, de recolha de rendimentos para a coroa. Em 1516, Portugal vivia um momento de expansão extraordinário com a descoberta, em 1498, do caminho marítimo para a Índia e a chegada ao Brasil, em 1500. O monarca esforçava-se por consolidar um Império que havia extravasado, há muito, as fonteiras do pequeno pedaço de terra que havíamos reconquistado aos mouros. A conquista dos territórios, imediatamente a sul do Tejo, foi repleta de avanços e recuos e a região de Cabrela terá sido palco de incursões cristãs e muçulmanas. O Castelo de Palmela foi tomado aos mouros em 1147 e novamente em 1165, data em que é doado à

Ordem de Santiago, em reconhecimento pelo empenho dos espatários na guerra da Reconquista. Em 1186, D. Sancho I oficializa a doação dos castelos de Alcácer do Sal e Palmela à Ordem de Santiago, mas estes voltariam a ser tomados pelos mouros (11901191) e recuperados definitivamente pelos cristãos, provavelmente já nos inícios do séc. XIII (c.1205). Cabrela terá sido integrada no Mestrado da Ordem de Santiago, algures entre 1165 e 1220, tornando-se uma Comenda da dita ordem e ficando sob a jurisdição do Real Convento de Palmela, sendo os seus administradores os abades do mesmo Convento. A transcrição do Foral de 1516, para além da rica informação relativa à administração local e fiscal da vila nos idos de quinhentos, permitiu recolher duas informações importantes que nos remetem para a longínqua época da Reconquista Cristã. A primeira diz respeito à existência de um foral anterior, concedido por D. Afonso Henriques. Não tendo o antigo foral chegado aos nossos dias, e não havendo certezas de se tratar de um foral dado exclusivamente a Cabrela, pensamos que a dita referência se poderá associar ou ao Foral dos Mouros Forros ou ao Foral de Palmela de 1185; se tivermos em conta que Cabrela esteve sempre directamente associada a Palmela e por esse motivo, provavelmente, automaticamente abrangida pelas cartas de foral dadas a Palmela. O Foral dos Mouros Forros é uma fonte sui generis; dado a Lisboa, Almada, Palmela e Alcácer do Sal em 1170, continha disposições legais que definiam o estatuto da comunidade de muçulmanos no seio da sociedade cristã, garantindo-lhes a liberdade de religião e a conservação das suas propriedades, mediante pagamento dos impostos e cumprimento de certas obrigações. A segunda nota importante diz respeito à doação da vila à Ordem de Santiago em data anterior a 1224, informação que é confirmada pela Inquirição do reinado de D. Afonso II, datável de 1220, documento no qual a comenda de Cabrela surge já referida como pertencente à Ordem. Este é, de resto, o documento mais antigo conhecido com uma referência directa a Cabrela. É-nos, por ora, impossível aferir a data concreta em que Cabrela terá sido incluída nas possessões da Ordem de Santiago. Voltando a 1516…O Foral Manuelino de Cabrela, após consenso de todas as partes – Conselho, Senhorio (Ordem de Santiago) e Coroa – terá sido publicado através de uma leitura pública perante o povo e as autoridades locais. O exemplar que chegou aos dias de hoje, conservado na Torre do Tombo em Lisboa, foi redigido pelo escrivão e cavaleiro da casa real Fernão de Pina, encarregado pelo rei de redigir as várias centenas de Forais Novos. Uma tarefa gigantesca que mobilizou um

conjunto de meios humanos e materiais incomuns: escrivães, iluminadores, artífices, oficinas de encadernação, preparação de pergaminhos e tintas, etc. Trabalho árduo cujo resultado podemos, ainda, apreciar volvidos 500 anos. Os forais manuelinos são diplomas muito estereotipados quanto ao conteúdo, apresentando uma estrutura comum e quase formal, ainda assim é possível identificar as principais actividades e bens do quotidiano cabrelense, nos inícios do século XVI. A primeira actividade referida é a do tabelionato, seguindo-se regulamentações sobre o crime, a terra, a produção, o comércio e os escravos. De forma sucinta podemos indicar as seguintes actividades e bens: - Produção agrícola – vinho, vinagre, frutos frescos, frutos secos, hortaliça, cereais (linhaça, centeio, cevada, milho, painço, aveia) e azeite; - Gado – gado “do vento”, de criação e de carga (bovino, suíno e “miúdo”); - Bens alimentares – leite, ovos, sal, farinha, farelo, pão, queijadas, biscoito, mel, queijos secos, manteiga salgada e especiarias; - Outros bens – cal, madeira, vides, canas, carqueja, tojo, palha, vassouras, barro, lenha, cortiça, erva, cera, sebo e unto, pez, resina, breu, sabão, alcatrão, pelitaria, boticaria, tinturas, telha e tijolo; - Minério – carvão, prata lavrada, pedra, aço e estanho; - Manufacturas – por transformar (lã e linho fiados, couro) e transformadas (panos de lã, linho, seda, algodão, couro curtido, louça de barro, peças de madeira, peças de esparto, palma ou junco); - Comércio – portagem (regulamentação sobre a compra e venda de mercadorias de dentro para fora da vila e vice-versa). As regulamentações incluem, também, a forma de exploração das moendas (moinhos) e dos maninhos (terremos baldios ou matos não cultivados). São, ainda, regulamentadas as contendas entre a Ordem de Santiago e a população, entre vizinhos, sobre o gado e a exploração agrícola, etc. São referidos os privilegiados (homens e mulheres do clero) e seus privilégios, nomeadamente a isenção de pagamento de portagem. Terminando o diploma com informações relativas às penas por incumprimento do foral. O Foral de 1516 é uma peça de um puzzle histórico complexo e difícil de construir. Um conjunto de outras fontes medievais, modernas e contemporâneas aguardam, nos Arquivos Históricos, por uma leitura e interpretação atenta. Há sítios arqueológicos por escavar e muitos pergaminhos por ler. Mais quinhentos anos não serão suficientes para acabar de contar a História que nunca tem fim.

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