Cadeia e morte: Punição ao empobrecido

July 22, 2017 | Autor: Railton Da Silva | Categoria: Violência, Periferia, Grota do Cigano, Empobrecido
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Cadeia e morte: Punição ao empobrecido "A grota cresceu... O pessoal veio através da informação. Eram terrenos vazios, mais baratos;  vieram  comprando,  comprando  e  foram  se  espalhando  até  que  encheram  essa  grota  aqui  todinha..." Manoel Ferreira, morador da Grota do Cigano.

Railton Teixeira1 'Pobreza gera violência?' Uma das provocações da professora Karla Padilha  durante  uma  roda  de  conversa  na  Reitoria  do  Centro  Universitário  Cesmac, em  Maceió.  O evento  foi  uma  discussão  proposta  pelo  NDSV  e  Nedima/UFAL  com  juristas,  professores  universitários  e  jornalistas  para  debater  o  Direito  Penal  e  o  Empobrecido, o poder e a punição. Para o início do diálogo é preciso considerar que a problemática nos obriga a  uma  reflexão  para  além  do  Direito.  O  que  está  em  discussão  é  a  estruturação  da  sociedade  no  poder  e  a  correlação  de  forças  estabelecidas  pelo  capital.  Segundo  Yazbek (2012) "os pobres são produtos dessas relações, que produzem e reproduzem  a desigualdade no plano social, político, econômico e cultural, definindo para eles um  lugar na sociedade". Esses lugares periféricos, localizados no fundo do poço econômico, são tidos  como  áreas  perigosas  ou  lupemproletariado.  A  pobreza,  para  Silva  (2010),  "aprofundou­se como consequência de um desenvolvimento concentrador de riquezas  socialmente  produzidas  e  dos  espaços  territoriais,  representados  pelos  grandes  latifúndios no meio rural, e pela especulação imobiliária no meio urbano". O cenário periférico alagoano não difere da realidade dos demais estados. O  único  detalhe,  que  não  pode  ser  ignorado,  é  o  fato  de  que  cada  periferia  tem   a  sua  especificidade. Em 2010, o IBGE iniciou um levantamento dessas áreas, passando a  denominá­las  de  'Aglomerados  Subnormais',  segundo  o  órgão,  levando  em  consideração  a  sua  "combinação  entre  tamanho  das  áreas,  densidade  domiciliar  e  populacional, características do sítio urbano". O  universo  periférico  em  Maceió,  segundo  o  IBGE,  está  concentrado  em  "vales  profundos...  localmente  conhecidos  como  grotas".  Essas  regiões  antes  de  serem  ocupadas  desordenadamente,  e,  sem  qualquer  planejamento  urbano,  davam  lugar às matas, mangues, encostas, orla lagunar. O  processo  de  construção  e  povoamento  dessas  áreas  perigosas  ainda  é  desconhecido por muitos. A Grota do Cigano, por exemplo, é apontada pela cúpula da  segurança pública de Alagoas como um dos locais mais perigosos da grande Maceió.  O  lugar  é  considerado,  por  uma  grande  parcela  da  população,  como  'reduto  de  criminosos', o que não condiz com a realidade.

 Jornalista. Pesquisador junto ao Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Direito, Sociedade e Violência  (NSDV). 1

Para  entender  esse  universo  e  tentar  desmistificar  essa  identificação,  iniciamos um levantamento que resultou no primeiro trabalho publicado no Campus/O  Dia: "Pobreza e história de vida". Nesse material foram publicados os depoimentos de  Manoel Ferreira e Luzia Santana, antiquíssimos moradores da Grota do Cigano. Seus  relatos  demonstram  os  esforços  que  os  moradores  das  áreas  perigosas  fazem  para  situarem­se no espaço urbano de Maceió. Segundo  Manoel  Ferreira,  "a  grota  era  uma  imensidão  de  mata  e,  em  um  espaço  pequeno,  com  poucas  casas,  os  ciganos  moravam  lá  onde  hoje  é  a  Igreja  Nossa Senhora de Fátima" e que no início a sua moradia era uma "casa de taipa, de  barro e madeira" e que saía para trabalhar, deixava esposa sozinha em casa com os  filhos, pois "a violência era pouca". O povoamento da grota foi acompanhado de perto por Luzia Santana, que há  40 anos vive no local. Segundo o seu relato, ela teria chegado à grota para cuidar de  33  casas  de  aluguel,  recém­construídas.  Ainda  de  acordo  com  ela,  a  região  foi  adquirida  junto  ao  Lar  São  Domingos,  por  José  Sebastião  da  Silva,  conhecido  como  Seu Silva, falecido em 2008. Entre suas lembranças ela descreve: A  grota  foi  se  construindo,  Deus  soltou  o  pessoal  do  Agreste,  porque  o  pessoal  dessa  grota  é  todinho  do  Sertão, do Agreste, das matas das caatingas. Vi muitas  mudas  descerem  nos  barracos  dessa  ladeira  aqui  pra  baixo...  Era  muita  dificuldade  a  ser  superada,  ainda  hoje  falta  muito  acesso.  A  prefeitura  quando  a  gente  abusava,  ela  mandava  um  pedaço,  mas  a  gente  caminhava tanto para adquirir isso aqui e foi nós, nossa  cabeça, (Luzia Santana. In: Pobreza e história de vida,  Campus, nº 80).

A  Grota  do  Cigano  foi  crescendo,  várias  histórias  se  cruzando  e  novas  gerações  se  formando.  Isso  resultou  em  um  inchaço  populacional,  levando  ao  crescimento  desordenado  da  área.  O  local  foi  se  formando  de  maneira  'subnormal',  onde seus moradores não mediram esforços para ter acesso a serviços e programas  básicos. Foram roubadas as esperanças de uma vida digna e de uma perspectiva de  futuro,  principalmente  dos  jovens  que  ali  foram  nascendo  e  crescendo.  Nessas  condições ‘subnormais’, o crime encontrou na pobreza e miserabilidade da região sua  peça fundamental para sua manutenção: a força de trabalho barata dos empobrecidos. O  tráfico,  homicídios,  ações  violentas  dos  órgãos  de  segurança  pública  e  a  reprodução  em  massa  da  condição  violenta  do  empobrecido  pelos  órgãos  de  comunicação teriam construído essa visão coletiva de reduto, área perigosa. É muito  comum e corriqueiro a frase dos apresentadores dos programas policiais exibidos em  Alagoas: "Lugar de bandido é na cadeia e no cemitério". Essa frase faz referência ao bandido empobrecido. Citemos como exemplo de  omissão  e  proteção  à  classe  rica  um  caso  que  repercutiu  em  Maceió,  inclusive,  foi  destaque  na  mídia  nacional:  a  existência  de  um  grupo  de  extermínio  na  zona  sul  da  capital, com controle do tráfico, sob o comando de um deputado estadual. O delator foi 

preso,  posta  a  sua  cabeça  a  prêmio  e  continua  detido,  mas  o  acusado  goza  de  foro  privilegiado e não foi nem indiciado (SILVA, 2014).

REFERÊNCIAS ALMEIDA, Sávio de Almeida. SILVA, Railton Teixeira da. Pobreza e história de vida, Campus, Jornal O Dia. nº 80. 07 a 13 de setembro de 2014. IBGE. Censo demográfico 2010: Aglomerado subnormais, primeiros resultados. Yazbek, Maria Carmelita. Pobreza no Brasil contemporâneo e formas de seu enfrentamento. Serv. Soc. Soc.  no.110 São Paulo Apr./June 2012. Disponível  em: . SILVA, Maria Ozanira da Silva e. Pobreza, desigualdade e políticas públicas: caracterizando e problematizando a realidade brasileira. Rev. Katál. Florianópolis v. 13 n. 2 p. 155­163 jul./dez. 2010. Disponível em: . SILVA,  Railton  Teixeira.  Grupo  de  extermínio em  Maceió.  Jornal  Brasil de  Fato,  São  Paulo, 10 set. 2014. Disponível em: .

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