Cadeia e morte: Punição ao empobrecido
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Cadeia e morte: Punição ao empobrecido "A grota cresceu... O pessoal veio através da informação. Eram terrenos vazios, mais baratos; vieram comprando, comprando e foram se espalhando até que encheram essa grota aqui todinha..." Manoel Ferreira, morador da Grota do Cigano.
Railton Teixeira1 'Pobreza gera violência?' Uma das provocações da professora Karla Padilha durante uma roda de conversa na Reitoria do Centro Universitário Cesmac, em Maceió. O evento foi uma discussão proposta pelo NDSV e Nedima/UFAL com juristas, professores universitários e jornalistas para debater o Direito Penal e o Empobrecido, o poder e a punição. Para o início do diálogo é preciso considerar que a problemática nos obriga a uma reflexão para além do Direito. O que está em discussão é a estruturação da sociedade no poder e a correlação de forças estabelecidas pelo capital. Segundo Yazbek (2012) "os pobres são produtos dessas relações, que produzem e reproduzem a desigualdade no plano social, político, econômico e cultural, definindo para eles um lugar na sociedade". Esses lugares periféricos, localizados no fundo do poço econômico, são tidos como áreas perigosas ou lupemproletariado. A pobreza, para Silva (2010), "aprofundouse como consequência de um desenvolvimento concentrador de riquezas socialmente produzidas e dos espaços territoriais, representados pelos grandes latifúndios no meio rural, e pela especulação imobiliária no meio urbano". O cenário periférico alagoano não difere da realidade dos demais estados. O único detalhe, que não pode ser ignorado, é o fato de que cada periferia tem a sua especificidade. Em 2010, o IBGE iniciou um levantamento dessas áreas, passando a denominálas de 'Aglomerados Subnormais', segundo o órgão, levando em consideração a sua "combinação entre tamanho das áreas, densidade domiciliar e populacional, características do sítio urbano". O universo periférico em Maceió, segundo o IBGE, está concentrado em "vales profundos... localmente conhecidos como grotas". Essas regiões antes de serem ocupadas desordenadamente, e, sem qualquer planejamento urbano, davam lugar às matas, mangues, encostas, orla lagunar. O processo de construção e povoamento dessas áreas perigosas ainda é desconhecido por muitos. A Grota do Cigano, por exemplo, é apontada pela cúpula da segurança pública de Alagoas como um dos locais mais perigosos da grande Maceió. O lugar é considerado, por uma grande parcela da população, como 'reduto de criminosos', o que não condiz com a realidade.
Jornalista. Pesquisador junto ao Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Direito, Sociedade e Violência (NSDV). 1
Para entender esse universo e tentar desmistificar essa identificação, iniciamos um levantamento que resultou no primeiro trabalho publicado no Campus/O Dia: "Pobreza e história de vida". Nesse material foram publicados os depoimentos de Manoel Ferreira e Luzia Santana, antiquíssimos moradores da Grota do Cigano. Seus relatos demonstram os esforços que os moradores das áreas perigosas fazem para situaremse no espaço urbano de Maceió. Segundo Manoel Ferreira, "a grota era uma imensidão de mata e, em um espaço pequeno, com poucas casas, os ciganos moravam lá onde hoje é a Igreja Nossa Senhora de Fátima" e que no início a sua moradia era uma "casa de taipa, de barro e madeira" e que saía para trabalhar, deixava esposa sozinha em casa com os filhos, pois "a violência era pouca". O povoamento da grota foi acompanhado de perto por Luzia Santana, que há 40 anos vive no local. Segundo o seu relato, ela teria chegado à grota para cuidar de 33 casas de aluguel, recémconstruídas. Ainda de acordo com ela, a região foi adquirida junto ao Lar São Domingos, por José Sebastião da Silva, conhecido como Seu Silva, falecido em 2008. Entre suas lembranças ela descreve: A grota foi se construindo, Deus soltou o pessoal do Agreste, porque o pessoal dessa grota é todinho do Sertão, do Agreste, das matas das caatingas. Vi muitas mudas descerem nos barracos dessa ladeira aqui pra baixo... Era muita dificuldade a ser superada, ainda hoje falta muito acesso. A prefeitura quando a gente abusava, ela mandava um pedaço, mas a gente caminhava tanto para adquirir isso aqui e foi nós, nossa cabeça, (Luzia Santana. In: Pobreza e história de vida, Campus, nº 80).
A Grota do Cigano foi crescendo, várias histórias se cruzando e novas gerações se formando. Isso resultou em um inchaço populacional, levando ao crescimento desordenado da área. O local foi se formando de maneira 'subnormal', onde seus moradores não mediram esforços para ter acesso a serviços e programas básicos. Foram roubadas as esperanças de uma vida digna e de uma perspectiva de futuro, principalmente dos jovens que ali foram nascendo e crescendo. Nessas condições ‘subnormais’, o crime encontrou na pobreza e miserabilidade da região sua peça fundamental para sua manutenção: a força de trabalho barata dos empobrecidos. O tráfico, homicídios, ações violentas dos órgãos de segurança pública e a reprodução em massa da condição violenta do empobrecido pelos órgãos de comunicação teriam construído essa visão coletiva de reduto, área perigosa. É muito comum e corriqueiro a frase dos apresentadores dos programas policiais exibidos em Alagoas: "Lugar de bandido é na cadeia e no cemitério". Essa frase faz referência ao bandido empobrecido. Citemos como exemplo de omissão e proteção à classe rica um caso que repercutiu em Maceió, inclusive, foi destaque na mídia nacional: a existência de um grupo de extermínio na zona sul da capital, com controle do tráfico, sob o comando de um deputado estadual. O delator foi
preso, posta a sua cabeça a prêmio e continua detido, mas o acusado goza de foro privilegiado e não foi nem indiciado (SILVA, 2014).
REFERÊNCIAS ALMEIDA, Sávio de Almeida. SILVA, Railton Teixeira da. Pobreza e história de vida, Campus, Jornal O Dia. nº 80. 07 a 13 de setembro de 2014. IBGE. Censo demográfico 2010: Aglomerado subnormais, primeiros resultados. Yazbek, Maria Carmelita. Pobreza no Brasil contemporâneo e formas de seu enfrentamento. Serv. Soc. Soc. no.110 São Paulo Apr./June 2012. Disponível em: . SILVA, Maria Ozanira da Silva e. Pobreza, desigualdade e políticas públicas: caracterizando e problematizando a realidade brasileira. Rev. Katál. Florianópolis v. 13 n. 2 p. 155163 jul./dez. 2010. Disponível em: . SILVA, Railton Teixeira. Grupo de extermínio em Maceió. Jornal Brasil de Fato, São Paulo, 10 set. 2014. Disponível em: .
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