Café passadinho, Maracajá e palimpsestos. Entrevistas com mestres em História do Tempo Presente (Entrevistas, 2010)

June 7, 2017 | Autor: Du Meinberg Maranhão | Categoria: Historia, História Oral, Memoria, História do Tempo Presente, Historia Contemporánea, Memória social
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Café passadinho, Maracajá e palimpsestos. Entrevistas com mestres em História do Tempo Presente

Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Filho1

Nesta edição da História Agora procurei contemplar três dissertações de mestrado em História do Tempo Presente que sublinharam questões relevantes sobre a memória. Durante o mês de agosto entrevistei Tati Lourenço da Costa, Sibeli Cardoso Borba

Machado e Daniel Choma sobre suas dissertações de mestrado em História do Tempo Presente, defendidas em 2010 no Programa de Pós-graduação em História do Tempo Presente da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Procurei agrupar estas entrevistas em subtítulos, que destaco no sumário abaixo.

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Doutorando em História Social – USP, mestre em História do Tempo Presente – UDESC, especialista em Marketing e Comunicação Social - Cásper Líbero, bacharel e licenciado em História – USP. Pesquisador do Núcleo de Estudos em História Oral - USP. Contato: [email protected].

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Entrevistas sobre dissertações de mestrado em História do Tempo Presente

Café passado agora. Entrevista com Daniel Choma sobre sua dissertação de mestrado em História do Tempo Presente ...............................................................................................p. 3

Maracajá em foco. Entrevista com Sibeli Cardoso Borba Machado a respeito de sua dissertação de mestrado em História do Tempo Presente .................................................p.15

Palimpsestos fotográficos. Entrevista com Tati Lourenço da Costa sobre sua dissertação de mestrado em História do Tempo Presente .......................................................................p. 22

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Café passado agora. Entrevista com Daniel Choma sobre sua dissertação de mestrado em História do Tempo Presente

Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Filho

Daniel Choma é graduado em Comunicação Social - Relações Públicas pela Universidade Estadual de Londrina (2001) e Coordenador de Comunicação da Câmara Clara - Instituto de Memória e Imagem. É co-autor de livros como o Cadernos do Beiral, com Tati Lourenço da Costa e Euclides Sandoval, Ao sabor do café: fotografias de Armínio Kaiser, com Costa e Edson Luiz da Silva Vieira e Revelações da história: o acervo do Foto Estrela, também com Costa e Vieira. Documentou projetos como o Memórias da Cidade - ecos, que envolveu grupos de idosos, Memória das Cataratas, com lembranças e fotografias de moradores de Foz do Iguaçu, Folia com Bonecões, que contemplou o carnaval de rua do centro histórico de Atibaia, Pedra Grande.doc, em que apresentou narrativas do movimento ecológico pelo tombamento da Serra do Itapetinga, dentre outros. Daniel Choma e Tati Lourenço da Costa colaboram com esta edição da História Agora através de outra entrevista, intitulada A câmara dos velhinhos, que se encontra dentro da seleção de entrevistas que fiz sobre diferentes institutos de memória, sob o título Histórias repletas de vida: experiências com memórias nos institutos Arq Shoah, Câmara Clara, CEOM e NUPEO. 3

Sua dissertação de mestrado em História do Tempo Presente, defendida em 22 de fevereiro de 2010 na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) e orientada pela Profa. Dra. Janice Gonçalves se chamou Café passado agora. Narrativas em torno de fotografias de Armínio Kaiser, produzidas entre 1957 e 1970, contemplando as memórias ao redor da cafeicultura do norte do Paraná. MARANHÃO F º.: Daniel, poderia comentar um pouco sobre as fontes portadoras de memória que você se utilizou? CHOMA: Eduardo, na condução da minha pesquisa lidei com fotografias e fontes orais, buscando trazer também minha experiência empírica. Na ação e na transformação dos homens e mulheres no tempo, a História se faz narrativa escrita. Mas como fixar em palavras o gesto fugidio, a pulsação do instante? Como traduzir o silêncio de um narrador? O ambiente sensível da experiência de rememoração: sons, cheiros, sabores, imagens, calores? No jogo perceptivo da imagem fotográfica – que também é dança e luta – tem-se a confluência entre as águas do presente e o oceano de lembranças do passado, onde uma toma conta da outra, no vaivém das marés. Mas somente no encontro entre pesquisadores e entrevistados se pode dar vazão ao que se vê em uma fotografia, através da narração oral que também envolve o corpo, gesto, olhares. Corpo este que, em torno da fotografia e diante da câmera que registra a entrevista, constitui leituras e as narra em performance. Performance situada em um determinado momento histórico, envolta por um cenário de sons e imagens, da qual participam tanto a personagem que está diante da câmera sendo entrevistada como os personagens que realizam a pesquisa, fazem as perguntas, manuseiam a câmera, determinam o início e o fim da representação. Como sugere Michel Pollak, reconhecendo que o contar da própria vida nada tem de natural.

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Pode comentar um pouco mais sobre as fotografias como fontes? CHOMA: O mar de imagens a partir do qual empreendo minha investigação esteve represado por décadas. Trata-se das fotografias realizadas por Armínio Kaiser entre os anos de 1957 e 1970, em seus caminhares pela região norte do Paraná a serviço do extinto Instituto Brasileiro do Café − IBC. Neste período, viveu, viu e fotografou a derrubada de árvores para o cultivo do café em terras virgens, do plantio à colheita. Registrou cenas cotidianas nas colônias de trabalhadores, a branca florada nos cafezais, os efeitos devastadores das geadas; os impactos ambientais da erosão e do grande incêndio rural de 1963 – um dos maiores já registrados no mundo. Nos caminhos entre o êxito e o êxodo da cafeicultura, encontrou pilhas de sacas de café sem fim, estocadas nos armazéns do IBC na fase de superprodução que o Paraná assistiu entre 1959 e 1962; encontrou também pilhas de lenha, dos pés de café arrancados na fase de erradicação subsidiada pelo governo federal a partir de 1965. Nos treze anos em que percorreu pequenas e grandes propriedades de café a prestar assessoria técnica aos trabalhadores, Armínio realizou quase mil e trezentas fotografias, que conservou praticamente intactas por mais de cinco décadas.

As fotografias foram objeto de dois projetos dos quais participei diretamente, no Instituto Câmara Clara: Revelações da História: o acervo de Armínio Kaiser, voltado para a recuperação e difusão dessa documentação fotográfica, e Grãos de ouro em sais de prata: memórias do café, uma pesquisa audiovisual em torno da mesma documentação. Ambos os projetos foram apresentados como Projetos Culturais Independentes nos editais de seleção pública do Programa Municipal de Incentivo à Cultura – PROMIC, desenvolvido pela Secretaria Municipal de Cultura de Londrina desde 2002 (Lei N.º 8.984 de 6/12/2002, com alterações da Lei 10.003, de 14/07/2006). O primeiro projeto recebeu apoio do PROMIC em 2007 e o segundo, em 2008.

Na realização do projeto Revelações da História: o acervo de Armínio Kaiser amplos esforços foram destinados às atividades de difusão do bem recuperado. Entre as ações, 5

denominadas no projeto como democratização, incluíram-se a publicação do livro Ao sabor do café, com 148 páginas e tiragem de mil exemplares; a montagem e circulação de uma exposição fotográfica com 40 imagens em acrílico e a autoração e gravação de um CDROM interativo com 170 imagens. Através do núcleo de ensino municipal, seiscentos exemplares do livro chegaram às bibliotecas da rede pública de ensino de Londrina e outras instituições culturais receberam gratuitamente exemplares dos produtos resultantes.

As fotos que até então estiveram adormecidas por décadas em latas de biscoito, reanimaram-se numa vida social própria, na circulação em diferentes meios. Matérias na imprensa divulgando o lançamento do livro e das exposições fotográficas, entrevistas para emissoras de tevê, jornais e rádios locais, deram fôlego renovado para Armínio Kaiser aos seus 83 anos, que passou a pensar na edição de um novo livro sobre o tema. Desde novembro de 2008, a exposição fotográfica percorre importantes pontos culturais e circula pela cidade, mesmo após a conclusão do projeto.

Ainda sobre a trajetória recente destas fotografias, na realização do projeto audiovisual Grãos de ouro em sais de prata a circulação se fez principalmente na circulação de 250 exemplares do Livro DVD resultante e nas vinte e oito exibições públicas do documentário Café passado agora. Nas escolas dos distritos da zona rural de Londrina, os estudantes chegavam a identificar tios, avós e vizinhos no filme projetado, gerando orgulho e senso de participação na História.

De que maneiras você se utilizou destas imagens? CHOMA: Motivou-me a busca pela construção de uma narrativa histórica que contemplasse as múltiplas apropriações da imagem – operadas desde o fotógrafo até sua contemplação por um observador – e a necessidade de se pensar a própria presença da fotografia e da oralidade no texto histórico, bem como o modo de se operar as traduções de suporte e linguagem numa perspectiva da História do Tempo Presente. 6

Além de amplas páginas destinadas às imagens, inseridas como partes da narrativa, trazendo tanto as impressionantes imagens retratadas por Armínio Kaiser, quanto leituras e releituras a partir dos recortes de enquadramento que o fotógrafo traçou em seus copiões, fizeram parte do texto outras imagens comparativas, como é o caso do “Lavrador de Café”, de Portinari, e as imagens que registram os bastidores do projeto, trazendo ao leitor algum “real para roer” sobre a figura de Armínio Kaiser e das condições materiais do acervo.

Na dissertação, as fotografias recebem o mesmo tratamento das citações, donde as referências são encontradas na nota de rodapé. Deste modo, pretende-se que a fotografia seja vista por si, em primeiro plano, deixando a legenda como referência de consulta, em outro plano. Provocação aos leitores e leitoras: Se valem mesmo por mil palavras como se acostumou dizer, encaremos cada imagem por um tempo suficiente que nos permita imaginar os discursos que profetizam sobre o passado. Pois uma imagem sempre esconde muitas outras... Navegar é preciso.

Ainda, no intuito de que a leitora e o leitor pudessem conhecer um pouco dos gestos que acompanharam as falas e dos cenários que circundaram os narradores, entrevistados a respeito das fotografias de Armínio Kaiser, trouxe ao texto alguns quadros congelados das filmagens realizadas durante as entrevistas.

Trata-se de imagens geradas a partir do vídeo e que ilustram o meu ângulo de visão diante do entrevistado e o enquadramento utilizado, mediado por uma câmera digital composta de lentes que alteram as formas, além de sistemas eletrônicos de captação de luz que alteram cores e contrastes da realidade visível. Uma inserção experimental que cabe à leitora e ao leitor julgar importante ou não, mas que acredito servir como recurso para uma representação também visual das fontes orais e da situação em que se deu o seu registro, o encontro. (Como anexo, inseri na dissertação um exemplar do livro DVD Grãos de Ouro em Sais de Prata). Tais opções foram guiadas pelo desafio do salto qualitativo que Emilio 7

Luis Lara López nos coloca para passar de uma história da fotografia, para uma história com fotografias, nos caminhos de uma narrativa histórica que se faz, sobretudo, por meio da palavra escrita.

É possível fazer história com fotografias, dentro de uma abordagem de história do tempo presente? CHOMA: Ulpiano Bezerra de Meneses propõe a História Visual, onde apresenta o desafio de se produzir conhecimento histórico novo a partir das fontes visuais, e não apenas iluminar as imagens com informações históricas externas a elas. O autor propõe que as fontes devem ser trabalhadas para que se consiga um entendimento maior da sociedade, na sua transformação, tendo em vista que a fotografia e imagens de outras naturezas são componentes vivos da realidade social. Ao longo do artigo ‘Fontes visuais, cultura visual, História visual. Balanço provisório, propostas cautelares’, de 2003, o historiador compõe um panorama histórico da utilização da imagem como objeto e ferramenta de estudo para as ciências sociais. Segundo ele, o campo da História, cujo conhecimento circula basicamente através de textos, teria avançado lentamente nos estudos com imagem. Exceção feita às pesquisas com fotografia, área de pesquisa que se desenvolveu de forma mais independente, segundo o autor em razão da multiplicidade dos campos do saber que se integram para a prática fotográfica e aos quais a fotografia se dirige.

Com que autores você dialogou no desenvolvimento de sua pesquisa? CHOMA: Inspiram-me, além das idéias de Roland Barthes em A câmara clara: Nota sobre a fotografia, os trabalhos de Alessandro Portelli e Ecléa Bosi com fontes orais; as palavras de Durval Muniz de Albuquerque Junior, nas considerações sobre “a História como a arte de inventar o passado”; as pesquisas sobre fotografia como fonte para as ciências sociais, em especial autores como Ana Maria Mauad, Etienne Samain, Boris 8

Kossoy e Luis Eduardo Robinson Achutti; as palavras e os filmes do cineasta Eduardo Coutinho, principal referência do documentário brasileiro. Inspiram-me as idéias do fotógrafo Arthur Omar para a compreensão dos processos de individuação do fotógrafo, da performance que executa com a ponta dos dedos, o rosto e o corpo inteiro, entre a ordem e o acaso do instante decisivo. Sobre o conceito de performance, baseio-me nas proposições da autora Ruth Finnegan. Por fim, instiga-me a provocação por uma História Visual, feita por Ulpiano T. Bezerra de Menezes em 2003, e também o desafio lançado por Emilio Luiz Lara López, quando propõe que se passe de uma história da fotografia para uma história com fotografias.

O que você destacaria em relação às diferentes formas de memória? CHOMA: Em especial destaco o tópico 3.2. A memória no olhar do spectator. Neste, duas formas de apreensão do conhecimento sobre a natureza se distinguem: uma mais próxima do intelecto (studium), outra mais ligada ao afeto (punctum). Na voz dos trabalhadores e extrabalhadores da cafeicultura, Sebastiana, Ademir, Marina e Lucia Helena, se expressam informações a respeito da fotografia que ultrapassam a legenda colocada por Armínio Kaiser. Para além do o quê ocorre na foto, mas o como. Revelam principalmente dados da experiência dos sentidos. Revelam os dados cotidianos do como fazer. Não apenas o que está acontecendo, onde e quando, mas principalmente. Revelam que a procissão registrada por Armínio Kaiser em 1963 era uma prática comum a muitos moradores da região norte do Paraná na década de 1960.

Pela voz de Sebastiana, Marina, Ademir e Lucia Helena, nas narrativas construídas em torno da fotografia da procissão, é possível conhecer um pouco melhor as sensibilidades de um espaço-tempo definido: década de 1960, norte do Paraná. Descubro que não se trata apenas de uma procissão, mas que ela tinha início ao meio dia e que as garrafas que as crianças traziam consigo tinham por objetivo lavar os pés de uma cruz, posta na estrada em 9

homenagem a alguém ali falecido. Que a água era apanhada no córrego, e que sob o sol quente as crianças banhavam seus pés, como talvez jamais fariam na fase adulta.

No olhar das pessoas que se identificam com a situação registrada na fotografia, a foto anima-se, ganha vida própria. Pelos depoimentos passo a conhecer um pouco mais sobre o que está antes e depois do instante registrado; o como e o porquê da cena fotográfica. Uma análise objetiva do referente fotográfico permitiria apenas descrever “o quê” e “quem” figuram no quadro. Nos depoimentos descubro que a procissão pedia chuva pra Deus, da qual Lucia Helena guarda a nítida lembrança: “Eu alembro que Deus mandava um chuvão. E Deus mandava chuva que chovia o mês inteiro, o mês inteiro de chuva.”

Como fios, o tempo da fé e o tempo da natureza entrecruzam-se. A crença de que Deus e os santos determinam a chuva, a seca, o frio e a geada, bem como a resignação diante dos fenômenos como realização da vontade divina, são valores manifestos nas narrativas dos grupos de trabalhadores rurais que entrevistei, e que estiveram no Paraná desde antes da década de 1960, quando Armínio deparou-se numa estrada com meninas, meninos e mulheres a rezar. Qualquer um dos entrevistados poderia estar naquela procissão; mas nenhum está precisamente nela, pois não residiam entre os municípios de Astorga e Munhoz de Melo-PR.

Porém, Sebastiana, Ademir, Marina e Lucia Helena vêem-se nela. Convidados a explicar uma fotografia, falam de suas memórias, que já estavam latentes bem antes da equipe de pesquisadores chegar ao local da entrevista; falam de si, a completar ausências com os próprios desejos, a interpretar o que não conhece com sonhos imaginados.

Como foi sendo conduzido metodologicamente seu trabalho? CHOMA: Na dissertação, pretendi aproveitar dessas experiências com este acervo de Armínio Kaiser, a partir do que se pretende discutir as relações entre fotografia, memória e 10

narrativa histórica. Na estruturação dos dois primeiros capítulos, aproprio-me das categorias de operator e spectator, situadas por Roland Barthes em A Câmara Clara – nota sobre a fotografia. Para Barthes, operator, spectrum e spectator seriam as três práticas do indivíduo em torno da Fotografia: a do fotógrafo (operator), a do sujeito fotografado (spectrum), e a do espectador (spectator), aquele que contempla a imagem.

As gotas no oceano que pretendi lançar no capítulo Narrativas do operator e a vida social das fotografias, partem da trajetória recente destas imagens e das narrativas tecidas por Armínio Kaiser em torno delas, tanto nas situações de entrevista, convívio e correspondência, como nas anotações feitas por ele nos envelopes que guardavam os negativos; nos cortes e novos enquadramentos desenhados pelo fotógrafo sobre os copiões fotográficos; nas legendas sugeridas para acompanhar suas fotografias no livro Ao sabor do café – do qual fui editor. Os processos de seleção e descarte, a produção de memórias e esquecimentos; a construção de si, pelo operator, no modo de apropriar-se das imagens, nas leituras e discursos que tece e nos usos que delas faz – eis alguns dos aspectos do primeiro capítulo. No segundo capítulo, Narrativas do spectator – sons e imagens latentes da memória, apresento e discuto as narrativas tecidas por trabalhadores e ex-trabalhadores da cafeicultura residentes em Londrina e em distritos rurais da cidade em torno de um conjunto de fotografias de Armínio Kaiser. As entrevistas foram registradas em vídeo, por mim, no ano de 2008 durante o projeto audiovisual Grãos de Ouro em Sais de Prata: memórias do café.

Como foram registradas estas entrevistas? CHOMA: Todas as entrevistas foram registradas em vídeo por mim, em fitas MiniDV, totalizando 16 horas de filmagem. Estas foram transferidas ao computador e nele editadas através do software Adobe Premiere. Considerando que nem todos os temas e falas poderiam ser abordados nesta pesquisa acadêmica, a transcrição das entrevistas deu-se de modo dirigido e parcial, conforme o foco da dissertação. O material permanece sob a tutela 11

do Instituto Câmara Clara; ambos fomos autorizados pelos participantes a publicar em texto, imagem, áudio e vídeo o conteúdo de suas falas, nos documentários e dissertação.

Os entrevistados autorizaram a publicação de seus nomes, no que cabe considerar que suas falas não revelam dados sigilosos, mas o orgulho em comentar sobre o trabalho de suas vidas, as lides com o café. Em meu texto, nem todas as entrevistas foram aproveitadas, ficando um rico material disponível para pesquisas posteriores.

Que reflexões foram sendo proporcionadas a partir destas entrevistas? CHOMA: Entre as fotografias e as palavras – vozes transcritas – surgiram reflexões a partir das temáticas evocadas: na derrubada das matas, as narrativas da migração e o corte que o deslocamento representa; na canção que a imagem das flores do café desperta em Lúcia, e que a faz cantar, a performance e os sons nas imagens latentes da memória; na fotografia das lavadeiras no rio, e que Marina tem em mãos, clareiam-se as dificuldades cotidianas, os afazeres entre um domingo e outro nas colônias de trabalhadores do café do norte do Paraná entre as décadas de 1950 e 1960. Nas narrativas sobre geadas e o grande incêndio rural ocorrido em 1963, apresento algumas das memórias traumáticas da cafeicultura paranaense, relacionando-as ao processo de erradicação e ao modo como os trabalhadores o perceberam.

Tenho pensado bastante sobre as possibilidades de usos da imagem na história oral. A presença de uma câmera pode alterar a relação entre entrevistador e entrevistado? CHOMA: Pode sim, e do mesmo modo, a presença de um gravador ou então de um bloco de notas, cada qual com suas vantagens e desvantagens. Se por um lado a câmera filmadora é acusada de causar constrangimento, o fato do entrevistador não poder olhar nos olhos do entrevistado enquanto anota algo na caderneta prejudica a relação de cumplicidade 12

necessária para uma boa entrevista. A possibilidade de captar a expressão corporal, tom de voz e movimentos do olhar, entre outros, são pontos a favor do uso da câmera de vídeo.

Mas uma epistemologia do registro audiovisual em pesquisas acadêmicas ainda está por se fazer, pois se trata de um recurso bastante novo comparado a outras formas seculares de comunicação (pintura, escrita, fotografia), cujos códigos de produção e recepção já se dominam com mais facilidade. Considero que tal ponto de vista pode ser iluminado pelo debate traçado no terceiro capítulo da dissertação, onde coloquei em questão uma imagem do acervo de Armínio Kaiser (a foto Procissão ad pretendam pluvium), analisada sob a ótica dos vários leitores possíveis da imagem, os depoentes entrevistados, minha própria leitura, e as narrativas do fotógrafo.

Como o uso das fotografias se associou a uma História do Tempo Presente? CHOMA: Eduardo, acredito que uma história do tempo presente com fotografias pressupõe considerar: as práticas culturais do operator, do spectrum e do spectator dentro e em torno do artefato fotográfico; o próprio pesquisador como spectator, situado em determinado contexto de apropriação, que investe o seu olhar – studium e punctum - e assim se posiciona, enquadra, recorta, amplia, seleciona e descarta, constrói memória e esquecimento; o exercício da observação no próprio ato de ver em diferentes profundidades de campo, a perceber planos e paisagens no mesmo movimento que focaliza detalhes e amplia fragmentos até o limite do grão; e a considerar, por fim, a cozinha de gestos e palavras do ofício de fotógrafos e fotógrafas, os fatores objetivos e subjetivos, do acaso e da ordem, que envolvem esta arte e ciência, já comparada com um abismo iluminado.

História com fotografias exige pensar na inserção da imagem fotográfica no interior do discurso historiográfico como algo mais que mero apêndice ilustrativo; leva a compreender a fotografia como outra forma narrativa, eficiente na construção de um conhecimento sobre o passado. 13

Neste caminho, uma história do tempo presente com fotografias sugere que o pesquisador não seja o único spectator a defini-las em sentido e sentimento, mas que envolva outros interlocutores a narrar. Esta ‘pesquisa de campo’ em torno da fonte fotográfica tem a potencialidade de apresentar ao historiador correlações inéditas, preencher lacunas e ausências. Ampliar conhecimentos sobre os circuitos das fotografias considerando diversas expressões da cultura de que elas podem ser portadoras.

De que outras maneiras a História do Tempo Presente é identificada em seu trabalho? CHOMA: Eduardo, no terceiro capítulo abordo os problemas do tempo presente que envolvem a produção de uma história acadêmica que se faz sobretudo por meio de palavras escritas no trabalho com fontes orais, fotográficas e audiovisuais. Questões que se colocam para a História do Tempo Presente, que me parece problematizar o recorte temporal como as águas do presente que inundam nossas representações de passado; que se propõe a pensar tanto o uso de fontes diversas como a discutir a linguagem com que se apresenta e com a qual representa o conteúdo destas mesmas fontes. Ali, tangencio alguns dos desafios para se trabalhar de modo integrado a fotografia, a história oral e o vídeo como fontes e ferramentas de pesquisa para a História do Tempo Presente, tendo como referência a documentação analisada e produzida pelos projetos Revelações da História: o acervo de Armínio Kaiser, voltado para a recuperação e difusão dessa documentação fotográfica, e Grãos de ouro em sais de prata: memórias do café.

Ao longo da dissertação, abordo um conjunto de 16 fotografias de Armínio Kaiser, cuja seleção deu-se a considerar as narrativas históricas realizadas pelos entrevistados em torno delas, sendo recortadas as que tiveram maior poder de atração. Dentre estas, optou-se pelas que apresentavam maiores conexões com os temas propostos na dissertação: as fotografias de Armínio Kaiser como vetores de narrativas históricas acerca do trabalho na cafeicultura paranaense entre as décadas de 1950 e 1970; as motivações do presente operando nas 14

construções sobre o passado. Ótimas fotografias e ótimas narrativas ficaram de fora, mas, como é sabido, todo trabalho pressupõe edição, cortes, sobras, os restos da obra esquecimentos que quase sempre se sobrepõem em quantidade às memórias que circulam.

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Maracajá em foco. Entrevista com Sibeli Cardoso Borba Machado a respeito de sua dissertação de mestrado em História do Tempo Presente.

Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Filho

Sibeli Cardoso Borba Machado se bacharelou e licenciou em História pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) em 2007, é especialista em História: Gestão em Arqueologia, Arquivologia, Museologia e Educação Patrimonial também na UNISUL e professora do Curso Técnico em Moda e Estilismo do Instituto de Educação Vygotski de Sombrio, Santa Catarina. Publicou Fotografias, relatos e testemunhos: o historiador do presente e o repensar das fontes históricas, no livro Maracajá: Outras Memórias, Novas Histórias, organizado por Lúcio Vânio Moraes e Odécia de Almeida Souza.

Sua dissertação de mestrado em História do Tempo Presente foi defendida em 14 de maio de 2010 na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), sendo orientada

pela Profa. Dra. Maria Teresa Santos Cunha e intitulando-se Maracajá em foco: reflexões acerca das experiências de educação patrimonial do Centro Histórico Cultural ‘Avetti Paladini Zilli’ – Museu Municipal do Trabalho em Macarajá, SC.

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MARANHÃO Fº.: Sibeli, poderia nos contar um pouco sobre seu tema e objeto de pesquisa? MACHADO: Edu, entendo que a escolha do tema é um momento importante para o pesquisador pois a partir dela traçamos nossos caminhos. Há uma infinidade de temas possíveis quando falamos de instituições museológicas, mas sempre me senti atraída pelo setor educativo dos museus. Após a conclusão da minha graduação em História essa inquietação aumentou e me levou a optar pela temática ações educativas em museus.

Escolhido este tema comecei a visitar alguns museus de Santa Catarina, especialmente o Museu Victor Meirelles e Museu Histórico de Santa Catarina em Florianópolis, o Museu da Infância e o Museu Universitário do Extremo Sul Catarinense em Criciúma e o Museu do Trabalho de uma cidade mais interiorana, Maracajá. Meu interesse maior era o de conhecer as ações educativas promovidas nesses espaços. Após mapear e catalogar as atividades encontradas nos museus visitados, observei que inúmeros trabalhos de pesquisas foram dedicados a compreensão destes museus, com exceção do Museu Municipal do Trabalho de Maracajá, o Centro Histórico Cultural ‘Avetti Paladini Zilli’ e de suas propostas de ações educativas. Tudo que encontrei foram materiais como jornais, livros de história local que fazem menção ao Centro Histórico, folders e pesquisas acadêmicas com discussões mais particularizadas sobre a dimensão patrimonial ou a cultura maracajaense. Isto fez com que eu me decidisse pelas ações educativas deste museu como objeto de estudo e pesquisa.

Na produção da minha pesquisa, três motes balizaram a investigação. O primeiro foi a sistematização de ações voltadas à preservação do patrimônio maracajaense, que culminaram com a criação do Centro Histórico Cultural ‘Avetti Paladini Zilli’ no ano de 2004, o qual acolhe o Museu Municipal do Trabalho; o segundo foi a adoção de atividades de Educação Patrimonial pelo museu, que tinha o intuito de orientar as propostas de ação 17

educativa e as atividades desenvolvidas por ele em suas parcerias com outras instituições de ensino e com a comunidade; e o último, a descrição interpretativa do conjunto de atividades educativas desenvolvidas entre os anos de 2004 e 2009 pelo museu em parceria com as escolas da rede municipal de ensino de Maracajá, que mostram como o Museu Municipal do Trabalho tem gestado possibilidades de acesso ao patrimônio na busca pela promoção de cidadania e autonomia.

Poderia comentar um pouco mais sobre a Educação Patrimonial e qual sua importância? MACHADO: O conceito de Educação Patrimonial adotado em meu trabalho é aquele que, inserido no contexto da educação não-formal, utiliza o patrimônio cultural (material e imaterial) como fonte fundamental para o ensino e o conhecimento, e que objetiva fortalecer a relação de identificação entre a comunidade e os bens culturais que possuem, compreendendo as suas variadas faixas etárias e sociais. De acordo com essa perspectiva e considerando a parceria museu/escola desenvolvida em Maracajá, o patrimônio é concebido assim como um recurso educacional que, ao invés de competir junto às disciplinas em currículos geralmente sobrecarregados, complementam-lhes e ainda conferem certa aproximação entre as diversas áreas do conhecimento.

Por muito tempo a proposta de Educação Patrimonial foi confundida com metodologia, mas acredito que hoje a ‘confusão’ já foi desfeita. A Educação Patrimonial deve ser considerada como um processo, como uma proposta, e não como metodologia, pois como lembra a museóloga Magaly Cabral, todos que trabalham com patrimônio de modo geral ou com patrimônio musealizado trabalham a Educação Patrimonial, ainda que as metodologias sejam distintas e de acordo com diferentes conceitos de educação e teorias educacionais. Penso que cada instituição deve adequar a proposta de educação patrimonial às suas teorias educacionais, metodologias de trabalho e propósitos. E, pode-se dizer que a proposta de 18

Educação Patrimonial adotada pelos espaços formais e não-formais de educação, de maneiras distintas, tem contribuído significativamente para o exercício da cidadania e, principalmente, para a democratização do patrimônio cultural. No que se refere à minha pesquisa de mestrado, pude observar como o museu de Maracajá, desde o projeto à criação, e apoiado nas propostas de Educação Patrimonial, vem desenvolvendo alternativas para atender e cumprir as finalidades a que se propõe. Assinalo também que nas propostas educativas do museu a Educação Patrimonial toma o sentido de uma educação voltada para o “ensino centrado nos bens culturais” e que estes bens culturais, considerados como fontes de ensino, são o ponto de partida para o desenvolvimento das atividades socioeducativas do museu.

Sobre que fontes você se debruçou, Sibeli? MACHADO: Utilizei materiais (em seus diferentes suportes) provenientes das ações educativas do museu como folders, cartilhas educativas banners educativos e relatórios de atividades. Este material me permitiu entender a aplicabilidade de uma proposta de educação patrimonial no município. Livros de registros das atividades do museu também foram importantes, como o livro de visitações, o de registro de doações e o de catalogação de acervos, contribuíndo para a constatação da participação dos munícipes na organização do espaço museológico e nas atividades. Atas, leis e decretos foram documentos que permitiram vislumbrar como o poder municipal de Maracajá vem conduzindo as políticas patrimoniais e de preservação no município. Publicações em jornais regionais como o ‘Sem Censura’ de Criciúma, o ‘Correio do Sul’ de Sombrio e ‘O Destaque’ trouxeram indícios de como o marketing cultural dialoga intimamente com as dimensões econômicas, políticas e sociais do município de Maracajá.

Já as publicações de pesquisadores locais me

mostraram diferentes percepções da cidade a partir de narrativas singulares, e apontaram caminhos que conduziram a outros conjuntos de acervos documentais como fotografias e bancos de dados de depoimentos orais. Por fim, os textos de referência de antropólogos, 19

historiadores e museólogos me orientaram nas discussões sobre conceitos pertinentes ao tema.

Você dialoga com outros pesquisadores da região de Maracajá? E que autores você utilizou na sua dissertação? MACHADO: No primeiro capítulo, Maracajá em Foco, escavo a intimidade do museu de Maracajá... Apresento sua trajetória, partindo das motivações que levaram à constituição de um acervo inicial pela comunidade até a constituição do museu. Utilizo como fontes os jornais, atas, decretos e depoimentos, mas também dialogo com pesquisadores da literatura regional, como os historiadores Lúcio Vânio de Moraes, Odécia de Almeida Souza e Agilmar Machado, procurando sistematizar os pontos e contrapontos que levaram o município de Maracajá à organização do Centro Histórico Cultural ‘Avetti Paladini Zilli’. Por outro lado, autores como Michel Mafessoli, Jean-Pierre Rioux e Stuart Hall auxiliam nas discussões mais amplas deste primeiro momento da dissertação, situando as experiências do município de Maracajá em um contexto global.

No segundo capítulo, discuto sobre os museus e seu papel social no presente. Procuro vislumbrar a renovação do campo museológico a partir da vertente do campo museológico Nova Museologia, e seus esforços para que os espaços museais afastem-se das denominações de ‘espaços de coisas velhas’ e passem a espaços de socialização, de interlocução e agentes de transformação. Para tanto, busco em Mário Chagas, Gabriela Aidar e Judite Primo argumentos para ensaiar e compreender a Nova Museologia. Essa renovação, arraigada no Tempo Presente, é também atravessada pelas propostas da História Cultural, que neste estudo são orientadas por autoras como Sandra Pesavento, Elizabete Tamanini e Zita Possamai. Já pesquisadores da corrente teórica da História do Tempo Presente como Jean-Pierre Rioux , François Dosse e Jean-François Sirinelli auxiliaram na 20

compreensão de como as representações da cidade de Maracajá são ‘dadas a ler’, na expressão de Roger Chartier, a partir de um legado cultural, ressignificado, que se guardou e que se pretende cuidar.

Também discuto a relação de proximidade entre o museu e a comunidade, a preocupação que seus moradores apresentam em legar um passado dito “comum” para as futuras gerações e as memórias de um espaço que foi escolhido para acolher seus legados. Para a confecção deste capítulo, dialoguei com os museólogos Maria Célia Moura Santos, Martha Marandino, Guaracira Gouvêa, Maria Cristina Leal e Luciana Sepúlveda, que me auxiliaram na compreensão das múltiplas possibilidades de interfaces entre o binômio museu e escola. Jaume Trilla, Elie Ghanem, Valéria Aroeira Garcia, Renata Sieiro Fernandes e Almerindo Janela Afonso foram relevantes para que eu compreendesse o contexto da educação não-formal, seus desafios e suas possibilidades no tempo presente.

No terceiro capítulo, ‘Uma experiência em foco: contornos da educação patrimonial em Maracajá’, procurei vislumbrar como este município, apoiando-se na abordagem de educação patrimonial, tem proporcionado diálogos entre a comunidade e o que considera patrimônio histórico-cultural. Também procurei identificar as experiências de educação patrimonial desenvolvidas pelo Museu do Trabalho em parceria com as escolas municipais, entre os anos de 2007 e 2009, e com a comunidade. Observei ainda como o museu se esforça em sensibilizar os munícipes para o patrimônio e ainda aproximar as diversas dimensões do universo educativo deste município. Para a construção do capítulo, apoiei-me em Paulo Freire nas discussões sobre educação. Autores como Maria de Lourdes Parreiras Horta, Evelina Grunberg, Adriane Queirós Monteiro, Deisi Scunderlick Eloy de Farias, Elizabete Tamanini e Magaly Cabral foram fundamentais para as discussões sobre a educação patrimonial. Por fim, com as leituras de Sandra Pesavento e Clifford Geertz

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encontrei maneiras para pensar e analisar algumas das ações educativas do museu de Maracajá em relação ao ‘contexto macro’ de ações educativas dos museus catarinenses.

Como seu trabalho foi sendo construído metodologicamente e como sua pesquisa se vincula a uma História do Tempo Presente? MACHADO: Me utilizei de pressupostos teórico-metodológicos como descrição densa e interpretativa, micro-história e abordagem de educação patrimonial, de rigores como a atenção à subjetividade e ao ‘recuo’, como sugerido por Jean-Pierre Rioux e o confronto entre a multiplicidade de fontes de pesquisas (orais, bibliográficas, imagéticas, áudiovisuais, documentais). Esta metodologia foi sendo constituída tendo em mente as relações com a História do Tempo Presente.

A História do Tempo Presente não se restringe ou se enquadra em especifidades. Apresenta-se como um campo aberto que permite refletir sobre uma série de novas temáticas e debates, suscitados por profundas transformações advindas com a contemporaneidade, transformações que põem em evidência a preocupação com as memórias individuais e coletivas e com o patrimônio cultural. Pode-se dizer que em Maracajá segmentos significativos da comunidade compartilham esse interesse mostrando uma necessidade de recuperar memórias, (re)construir e fortalecer sua história. Atualmente, várias propostas se voltam à preservação e valorização do patrimônio cultural de Maracajá. Busca-se, cada vez mais, criar espaços de memória que possibilitem a salvaguarda de um patrimônio plural, a ser reconhecido e apropriado pela coletividade. Pode-se dizer que, nesse contexto, o Museu de Maracajá foi desenhado e constituído e ao longo dos seis anos de existência vem traçando propostas que atendam seus objetivos de constituição. Em minha pesquisa dediquei atenção ao conjunto de atividades educativas desenvolvidas entre os anos de 2004 e 2009 pelo museu, em parceria com as escolas da rede municipal de ensino de Maracajá. Estas atividades sugeriram novas possibilidades de acesso ao 22

patrimônio, a busca pela promoção da cidadania e da autonomia. Com a pesquisa pude refletir e investigar sobre como o Museu de Maracajá tem colocado em evidência suas preocupações com as identificações, com as memórias individuais e coletivas e com o patrimônio cultural, que são algumas das preocupações e inquietações da História do Tempo Presente.

Palimpsestos fotográficos. Entrevista com Tati Lourenço da Costa sobre sua dissertação de mestrado em História do Tempo Presente

Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Filho

Tati Lourenço da Costa é bacharelada e licenciada em História pela Universidade Estadual de Londrina (2007) e escreveu os livros Cadernos do Beiral, com Daniel Choma e Euclides Sandoval, e em conjunto com Choma e Edson Luiz da Silva Vieira Ao sabor do café: fotografias de Armínio Kaiser e Revelações da história: o acervo do 23

Foto Estrela. É co-responsável pelos documentários e trabalhos com narrativas orais desenvolvidos pelo Instituto de Memória e Imagem Câmara Clara, que envolve projetos direcionados à preservação da memória, patrimônio imaterial e diversidade cultural, identificando os diálogos entre memória, história e experiência cotidiana, especialmente nos relatos de idosos e crianças. Costa e Choma comentam sobre a Câmara Clara na entrevista A câmara dos velhinhos, inserida num conjunto de entrevistas que chamei Histórias repletas de vida: experiências com memórias nos institutos Arq Shoah, Câmara Clara, CEOM e NUPEO

A dissertação de mestrado em História do Tempo Presente de Tati Lourenço da Costa foi defendida em 26 de fevereiro de 2010 e orientada pela Profa. Dra. Mara Rúbia Sant´Anna-Müller, e intitulada Palimpsestos fotográficos: imagens, lembranças e identificações em narrativas de memória por pessoas idosas. Londrina, Paraná, 20062008.

MARANHÃO F º.: Tati, do que trata sua dissertação de mestrado? COSTA: A dissertação Palimpsestos Fotográficos investiga narrativas de memória por pessoas idosas, compostas a partir das relações que envolvem fotografias pessoais e lembranças por elas despertadas. Parte-se da experiência de um projeto cultural desenvolvido em 2007 e 2008, na cidade de Londrina, Paraná, onde cada pessoa construiu um álbum de memórias agregando fotos, escritas e habilidades manuais na arte de compor uma narrativa sobre experiências de vida. O processo também foi registrado em vídeo para a edição de documentários sobre temáticas reincidentes que expressavam identificações geracionais: a maioria das participantes era de mulheres que viveram, em algum momento de suas vidas, uma transição rural-urbana a partir da segunda metade do século XX e que 24

compartilhavam experiências vividas em sítios do interior dos estados do Paraná e São Paulo. Os materiais gerados na ação cultural constituíram fontes para a pesquisa, que contou também com um aprofundamento qualitativo através de entrevistas com a colaboração de três participantes da ação cultural. Os resultados da pesquisa expressam algumas propostas metodológicas para o trabalho em história que possam abrir o campo da pesquisa à ação cultural. Propostas para se trabalhar fotografias como ferramentas de investigação em entrevistas, e de exposição de resultados, são traçadas como caminhos de sensibilidade para se pesquisar e trabalhar com pessoas idosas. O trabalho delineia algumas possibilidades de circulação dos resultados da pesquisa por uma diversidade de meios afinados ao contemporâneo regime de (áudio)visualidade.

Qual seu objeto de interesse e como ele se associou ao tempo presente? COSTA: Eduardo, o meu objeto de interesse na dissertação são os olhares de pessoas idosas ao se debruçarem sobre fotos pessoais e falar sobre elas. Algo que se compõe como narrativa de memória onde se movimenta um caleidoscópio de imagens, lembranças e identificações. Como problemática histórica reverbera questões metodológicas acerca da pesquisa com fontes orais e visuais, relações de trabalhos com a memória e com os materiais e suportes (de) onde ela pode se materializar. No tempo presente, a dissertação abriu debates acerca das formas de produção e meios de circulação para ancorar uma relação entre a produção científica em história e os circuitos do contemporâneo, em grande medida, mundo mediado pelo audiovisual.

Convém assinalar que não foi um trabalho de análise de fotografias tomadas como fontes em si mesmas. Trata, porém, dos recursos que a ferramenta da fotografia pode representar para com as memórias de pessoas idosas, nas formas diversas com que tais imagens podem ser apropriadas. E ainda, de recursos que as ferramentas de som e imagem apresentam para uma circulação do conhecimento produzido e registrado, com potencial de reverberar na sociedade por linguagens mais diversificadas. 25

Portanto, conhecer acerca das variáveis que envolvem a produção e circulação de imagens fixas e em movimento, dialoga com a própria questão da diversificação de fontes e objetos de estudo para a história. E com a lente da história do tempo presente, pensando a produção de conhecimento como uma produção de memória, cujo circuito social pode fazer-se presente em espaços da visualidade, ou da (áudio) visualidade.

Como você trabalhou metodologicamente? COSTA: Num primeiro momento, a metodologia da pesquisa compôs panorâmica sobre as ações do projeto cultural Memórias da Cidade – ecos, em que fotografias e histórias pessoais foram trabalhadas com 17 pessoas idosas, integrantes do Programa Universidade Aberta à Terceira Idade. Como resultado do projeto cultural, as histórias foram contadas em performances cênicas (ilustradas pelas fotografias). A partir da reprodução fotográfica das imagens pessoais trazidas pelos participantes, cada um compunha seu álbum de memórias, narrativa visual e escrita onde a trajetória pessoal é agregada de forma autoral. As histórias serviram de base para a produção de curtas radiofônicos, documentários audiovisuais e publicação de livreto com fotografias e histórias.

O olhar sobre várias dimensões de uma experiência empírica revelou elementos para compor diálogos com os campos de pesquisa (e mesmo de atuação profissional) do historiador. Forneceu ainda elementos para uma reflexão transdisciplinar acerca das práticas de produzir fontes e de trabalhar pesquisas com pessoas idosas pelo caminho das sensibilidades. Esta primeira imagem da pesquisa delineou a composição do primeiro capítulo do trabalho: O olho vê, imagens de uma ação cultural com pessoas idosas. Tratase de narrativa metodológica que analisa a produção cultural com pessoas idosas no contemporâneo. Abertura de campo de pesquisa e percurso dentro da mobilidade do caleidoscópio, por ser a ação cultural um passado com múltiplos desdobramentos (alguns dos quais têm sua continuidade ininterrupta). 26

Um segundo ato da pesquisa operou recorte qualitativo a fim de mergulhar em singularidades, camadas de subjetividade para olhar de perto detalhes e sensações a respeito do que o primeiro momento havia despertado. Interessou conhecer, com mais profundidade, os sentidos para a experiência, atribuídos pelas pessoas que vivenciaram, em grupo, as atividades de olhar fotos pessoais, construir álbum de memórias, escrever sobre ele, narrálo ao vivo e ver-se em vídeo. Convidei três participantes do projeto cultural, escolhidas de acordo com as expressividades das fotografias pessoais apresentadas em paralelo com suas narrativas durante o projeto cultural. A estruturação da oralidade, o aspecto das imagens, a ligação afetiva das entrevistadas com suas fotografias, foram os pontos mais relevantes. Assim se valorizou a diversidade de narrativas que se formam a partir da relação das pessoas idosas com suas imagens, expressões de diversas sensibilidades. Obviamente, operou também um recorte pontuado pela amizade e pela disposição em colaborar com a pesquisa.

Como foram feitas suas entrevistas? Elas foram cruzadas com outras fontes? COSTA: Realizei três entrevistas com cada colaboradora, em diferentes momentos, após a conclusão das oficinas: 1) Entrevista de história de vida/temáticas (gravadas em áudio, agosto de 2007); aspectos gerais da trajetória familiar e individual, base de comparação entre os depoimentos para observar identidades de acordo com gerações ou etapas de vida, o mais relevante para cada pessoa; aspectos da trajetória individual, por tema específico a cada entrevistada, a fim de se buscar características próprias, de acordo com as fotografias já conhecidas, e aprofundar questões que emanam das imagens ainda ausentes na entrevista. 2) Entrevista sem a utilização de fotografias ou materiais de apoio (gravadas em áudio, junho/julho de 2008); a respeito da relação das pessoas, em certo tempo distanciado (cerca de um ano), com as experiências vividas no processo de participação no projeto, construção dos álbuns de memórias e sobre a atividade de se lembrar com as fotografias e sem elas... 27

3) Entrevista com a utilização dos álbuns de memórias e fotografias pessoais (gravadas em vídeo, agosto de 2008); relações com fotografias guardadas ao longo dos tempos; histórias narradas a partir do álbum de memórias e sentimentos despertados; motivações para escolha das fotografias que compõem o álbum, possíveis complementos, recortes ou esquecimentos; sistematização dos dados referentes a cada imagem presente no álbum.

Os depoimentos orais foram cruzados sim. Primeiro com materiais referentes ao desenvolvimento do projeto cultural, sempre em relação às três colaboradoras. A partir daí pude tecer re-olhares para a ação cultural permeada pela pesquisa histórica. Os instantâneos de experiências vividas narrados nos álbuns são escritos onde se fixam, também momentaneamente, certas imagens do passado (onde outras se diluem). De modo que tangenciei discussões acerca de produções culturais relativas ao envelhecimento, gênero e geração, família, espaços de sociabilidade e de proximidade no contemporâneo, o grupo de trabalho das oficinas observado como comunidade de pertencimento, relações entre narradoras e ouvintes, trabalhos da memória e especificidades da fotografia neste trabalho, intangibilidade e materialidade da memória.

Uma temática une as colaboradoras. Lidei com experiências de mulheres idosas. Viveram parte de sua vida em ambiente rural e experienciaram, em certo momento de sua trajetória, uma transição rural-urbana de regiões do interior dos estados de São Paulo e Paraná no século XX. Uniu-as também a perspectiva de gênero e geração que compartilha valores sociais simbólicos, cuja latência materializa-se nos álbuns de memórias, expressa-se nas narrativas e pereniza-se nos vídeos. De modo que busquei algumas camadas que pudessem situar os álbuns em espaços de materialização de patrimônios intangíveis, representados pelas memórias e pelos saberes das colaboradoras.

Este segundo mergulho de pesquisa qualitativa delineou a composição do segundo capítulo: A lembrança revê, narrativas femininas em álbuns de memórias. Em movimento transversal, abordagens mais densas acerca das problemáticas teóricas e metodológicas da 28

pesquisa em história perpassam o segundo capítulo com reflexões acerca de relações contemporâneas com variados regimes de historicidade e significações do passado pelo presente; dinâmicas entre memória pessoal, compartilhada, coletiva, história, narrativa e patrimônio cultural; sentidos do olhar para fotografias e experiências visuais em relação com a natureza do ato (tirar a foto, ter a foto, guardar a foto); trânsitos entre produções de subjetividades e identificações; trajetórias dos álbuns e circuitos de fotografias. A partir de indícios das fotografias, álbuns de memórias e também entrevistas com as pessoas idosas que os construíram, e, artesanalmente, imprimiram neles um pouco de si, o segundo capítulo é um convite para que a leitora ou o leitor seja também observador, detenha-se, por instantes, em imagens contempladas no silêncio, significadas e sentidas nos discursos interiores de quem olha.

No terceiro momento da pesquisa, cruzei as imagens anteriores da panorâmica da produção cultural com detalhes das investigações acerca dos sentidos pessoais atribuídos às ações. Considerei, ainda, desdobramentos do projeto nos relatos sobre trajetórias dos álbuns e dos DVDs/livretos. O olhar percorreu todas estas informações no que poderiam expressar de encontros entre atuação cultural e pesquisa. E no que tais experiências poderiam revelar de relações com contemporâneos espaços sociais da velhice e com apropriações culturais de imagens sobre ela. Revelou-se pertinente tecer reflexão acerca da própria pesquisa como formação de arquivo, que documenta determinada memória (ao esquecimento de outras) e que monumenta imagens de velhice. O que levou à discussão sobre patrimônio cultural intangível, nos sentidos da composição de registros sonoros, imagéticos e audiovisuais, como possibilidades de se materializar memórias de saberes e práticas.

Tais perspectivas refletiram no terceiro capítulo: A imaginação transvê: identificações entre pesquisa e produção cultural no tempo presente, onde coloquei imagens fixas em movimento. Estabeleci diálogo acerca da produção e circulação das fontes (orais e visuais) e de caminhos por onde resultados de pesquisa possam se inserir no contemporâneo regime de (áudio)visualidade. 29

Como você fez a delimitação temporal-espacial de sua pesquisa? COSTA: A delimitação dos três momentos da pesquisa justificou o recorte temporalespacial de Londrina, Paraná, 2006-2008. Pelo local em que foram realizadas as ações do projeto cultural e de pesquisa, e o período que situa historicamente o início de minhas relações com esta comunidade de destino, encerrando-se com a produção das fontes orais. O recorte, de curta duração temporal, afinou-se às condições de luminosidade da história do tempo presente no que esta considera vantajoso para captar minúcias: a presença do historiador dentro do próprio processo histórico que analisa.

Como o uso das imagens foi se associando à narrativa historiográfica? COSTA: Busco aproximar na dissertação, como historiadora e como fotógrafa, as duas artes de escrever sobre o tempo e inscrever-se no tempo: compor algo como uma fotohistoriografia.

A maneira de compor a narrativa historiográfica buscou forma ensaística, cada capítulo é o ensaio de seu próprio texto. As formas de apresentação das fontes variam de um capítulo a outro, assim como há certa variação na linguagem. A opção foi por experimentar percursos diferentes de apresentação para o cruzamento entre fotografias, transcrição das entrevistas e outras fontes. Trazer a pregnância das fontes e identificar as narrativas historiográficas com cada personagem ou cena da pesquisa.

O trabalho sobre as fontes seguiu um percurso das sensibilidades. Tomo a perspectiva de Roland Barthes em seu último livro, A câmara clara, que pode ser considerado proposta metodológica que comporta a via do sensível para olhar fotografias. Atento a detalhes despertados pelo que o autor nomeia como punctuns, este percurso do olhar toma a experiência do sujeito que olha (o spectator) como motivada não somente pelo que está 30

visivelmente representado, é familiar, definível pela cultura (no studium), mas em especial, pelo que pode ser sentido da imagem, e que por vezes leva ao extra-campo dela.

Trata-se de um modo de olhar que se aproxima do que Walter Benjamim descreve como os ‘agoras’ que constituem o tempo passado. E que agrega algumas propostas pontuadas no caminho da história das sensibilidades e educação do sensível. Tece diálogos com o saber fazer no campo das artes, como formas de se buscar reduzir um pouco a distância dada por uma dissociação radical entre sensibilidades e conhecimento racional. Desse modo de elaboração que ouso nomear fotohistoriográfica, decorre certa fragmentação de minha narrativa, no movimento de trabalhar sobre a fonte entre o espaço do quadro e do extraquadro. ‘Agora’ que se vê na foto, o punctum motiva as narrativas. Também motiva minha seleção das imagens e sua apresentação na dissertação.

Para as opções de linguagem na composição historiográfica, sob uma perspectiva metodológica para se fazer história com fotografias, pensei maneiras como imagens (fotográficas, sonoras e audiovisuais) podem incorporar-se ao texto acadêmico e desenrolar experiências de leitura. Assim há momentos em que as imagens têm um papel ilustrativo (no caso do primeiro capítulo), há momentos em que as imagens delimitam uma camada específica da narrativa (no caso do segundo capítulo) e ainda há o papel de uma figuração comparativa (no caso do terceiro capítulo).

E por estar a imagem pensada exaustivamente como um componente da narrativa, optei por referências em notas de rodapé ao invés de legendas. Para fazer a imagem um pouco menos refém da palavra, pois considero que uma palavra abaixo da imagem tem grandes chances de reverberar ‘definindo’ leituras. Algo que se destaca, principalmente, no segundo capítulo, quando as imagens são trazidas como donas das próprias páginas (mesmo que haja aí as palavras manuscritas, trata-se de vozes da própria imagem/fonte, onde eu, por certo e por um instante, estou silenciada).

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Noutros momentos, silenciei para ouvir a cadência com que se constrói a narrativa das colaboradoras depoentes. Pois ela é, em si, composição da memória, trabalho sobre o tempo, e conjuntamente, expressão da cultura, de identificações, de subjetividades. Optei por não recortá-la demais, nem soterrá-la muito com a voz de meu pensamento. A partir de sua forma (em si já uma forma mutante, pois é oralidade transformada em escrita), conforme me tocavam os punctuns, procurei abrir, por outro caminho, uma observação silenciosa. Diálogo sussurrado nas notas de fim de página apenas como pequenas iluminações de instantes súbitos, momentâneos que desapareceriam a seguir. Numa tentativa de tratamento da oralidade transcrita, aproximada ao mistério da fotografia.

Nos percursos possíveis do olhar se coloca um caminho aberto ao subjetivo, vinculado à experiência e à memória de quem observa. Mais do que uma leitura, o texto da dissertação propõe ser visto a cada imagem: olhar e observar, lembrar, imaginar, criar. O que requer do observador certa disposição para mover-se entre as páginas, voltar a elas... Também moverse entre os meios de comunicação de fotos, vídeos e áudios.

Há momentos em que o texto deve ser lido em vídeo, com recurso aos dois DVDs que acompanham o trabalho (ou, no caso da versão digital, aos links dos vídeos disponibilizados na internet). Minha sugestão é de que a prática de leitura se faça com a possibilidade de pausas para assistir ou ouvir. Cada DVD foi composto com um fim específico: Memórias da cidade – ecos (apêndice D) é um produto cultural resultante do projeto e foi finalizado em edições que buscavam contemplar reflexões dos produtorespesquisadores (coordenadores do projeto) sobre a experiência. Traz os curtas audiofônicos editados para trabalho com escolas e ambientação sonora de eventos do projeto. E traz os curtas em vídeo editados pelas significativas reincidências temáticas das memórias, identificadas nas oficinas. O outro DVD Narrativas (apêndice C) é uma perspectiva de edição produzida com o objetivo de compor uma fonte audiovisual para apresentar as colaboradoras, de modo a dar conta das performances orais e gestuais. Na dissertação,

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compõe uma proposta metodológica para inserção das fontes audiovisuais na escrita historiográfica.

E já que, sem dúvida, qualquer história pode ser contada de mil maneiras, como notou Beatriz Sarlo, cada pessoa que observa pode também escolher que movimento caleidoscópico seguir, assistindo das narrativas ou do DVD o que o punctum o motive! Mas se a necessidade de mediação não poderia ser pressuposto que comprometesse a compreensão do trabalho, o que lamento, busquei contemplar no próprio texto escrito aspectos significativos das fontes audiovisuais. No entanto, reforço que a opção por sugerir esta aventura multimeios está, justamente, em buscar outros percursos sensoriais de leituras possíveis e emergir a experiência diferencial entre imagens fixas e em movimento, entre o olhar que suspende o tempo em mergulho abissal, ou entrega-se à fluidez caleidoscópica no tempo.audiovisual.

Você se utilizou de qual referencial bibliográfico? COSTA: Na dimensão entre história e circuitos de (áudio)visualidade, que transpassa os estudos em história do tempo presente, na condição contemporânea das experiências mediadas, e cruza caminhos da história visual, considerando o espaço, principalmente, do agenciamento, busquei uma dimensão simbólica das práticas culturais relacionadas aos usos das fotografias para narrativas de memória. As composições através de imagens, lembranças e identificações, não poderiam ser observadas, sob o olhar do presente, sem se considerar os papéis, cada vez mais dinâmicos e múltiplos, da comunicação na composição dos quadros de identificação e auto-imagens. Nesse espaço metodológico, amplamente transdisciplinar, agrego ao instrumental do campo da História (principalmente nas óticas da História do Tempo Presente e propostas da História visual, além de contribuições da história cultural, das sensibilidades e do cotidiano), algumas propostas da antropologia visual “multimeios” sobre o uso da fotografia como ferramenta de pesquisa com as pessoas, e um trânsito com perspectivas da natureza da imagem fotográfica. Tal abordagem 33

de pretensão transdisciplinar foi permeada pelas análises de Roland Barthes, Philippe Dubois e Walter Benjamin; para situar referenciais e estratégias de abordagem acerca de imagens, lembranças, identificações e narrativas de memória, o diálogo com a antropologia e estudos culturais transitou na noção de cultura, identidades/identificações e auto-imagens, com Etienne Samain, Silvia Caiuby Novaes, Lílian Schwarcz, Nestor Garcia Canclini, Jorge Larrosa, Felix Guattari e Sueli Rolnik.

Para a reflexão acerca de uma história (áudio)visual, e de acordo com o que diz José Carlos Sebe Bom Meihy em um dos registros orais de palestras do 3º Encontro do Núcleo de Estudos em História Oral da USP, questiona-se uma oposição entre oral e escrito, percebendo ambos como parte do mundo! Tomo a mesma consideração complementando tal mundo com o que é visto, feito por imagens. Como inspiração, tomo também a proposição de Ulpiano T. Bezerra de Meneses, para que se passe de um estudo das fontes visuais para o campo da visualidade, culminando com o que ele nomeia História Visual, aprofundada, no caso da fotografia, através dos estudos de Ana Maria Mauad. Ao que acrescento o ingrediente “sonoro” por fazer, também este universo, parte do contemporâneo regime de visualidade. Já que as diversas mídias são, cada vez mais, além de visuais, audiovisuais.

Para compor um quadro epistemológico da história do tempo presente que delineia o recorte teórico-metodológico do trabalho, destaca-se o potencial dos testemunhos (orais e imagéticos) no que expressam visões diversas de fatos históricos, postos em relação com produções midiáticas. Foram chaves variadas obras dos autores da história do tempo presente reunidos no livro Questões para uma história do presente, além de contribuições do livro organizado por Revel, o Jogos de escalas. A experiência da microanálise. A respeito do contínuo movimento que a história oral representa para se transpassar detalhes e visões de mundo, oscilando entre o infinitamente pessoal, o próximo e o coletivo, vale o debate tecido por Paul Ricoeur, A memória, a história, o esquecimento. Acrescido do diálogo com outros autores como Durval M. de Albuquerque Jr., Beatriz Sarlo, Ecléa Bosi, 34

Alessandro Portelli, Alistair Thomson e Michael Pollak, com as narrativas literárias de memórias autobiográficas como J. Saramago, M. Proust, E. Sandoval.

Também nos

caminhos metodológicos abri mais diálogos entre história do tempo presente e antropologia, na ação que faz do historiador do tempo presente, um pouco antropólogo, pois ao trabalhar com testemunhos se insere, como observador participante, em uma perspectiva de grupo, comunidade, geração, ambiente cultural e social. De modo que questões da antropologia para a pesquisa participante, valem para a prática de campo onde o historiador do tempo presente está em relação dinâmica com as pessoas com quem pesquisa.

Em relação ao cultural, busquei ir um pouco mais além das perspectivas da antropologia e estudos culturais, em contorno mais delineado, como um campo de atuação profissional, correspondente ao campo da cultura, delimitado politicamente por órgãos públicos específicos: o Ministério da Cultura e as Secretarias estaduais e municipais, como o caso da Secretaria Municipal de Cultura de Londrina. Esferas que definem políticas culturais, oferecem vias públicas de financiamento, e cujas produções textuais situam algumas diretrizes e referenciais para o campo.

Discuto, portanto, o campo da produção cultural considerando o espaço de atuação dos agentes culturais, ou produtores culturais. Profissionais que trabalham na materialização de expressões da cultura (em grande medida, vinculadas com expressões artísticas) para produtos tangíveis, através do desenvolvimento de projetos. Uma interação entre o cultural e o político revela processos históricos, uma vez que as políticas públicas identificam práticas culturais e delineiam ações sobre elas. E na medida em que possuem propostas políticas orientadas para preservação de práticas, identificação de técnicas e ações que democratizem a cultura (que formem, conservem e comuniquem práticas significativas) atuarão, historicamente, sobre a manutenção (ou a extinção) delas. Por fim, acompanham este diálogo as propostas por uma história política do tempo presente, de R. Remond, e um movimento de produção de memória e patrimônio, que Maria Cecília Londres Fonseca 35

discute para as concepções e as operações em torno do patrimônio imaterial, ou intangível; na proposta de ampliar o conceito de patrimônio histórico e artístico para mais que bens ou coisas.

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