CAIR NOS BRAÇOS DE MORFEU: REMINISCÊNCIAS DA MITOLOGIA GREGA NA FRASEOLOGIA PORTUGUESA VICENTE MARTINS (UFC/FUNCAP) ROSEMEIRE MONTEIRO-PLANTIN (UFC

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CAIR NOS BRAÇOS DE MORFEU: REMINISCÊNCIAS DA MITOLOGIA GREGA NA FRASEOLOGIA PORTUGUESA VICENTE MARTINS (UFC/FUNCAP) ROSEMEIRE MONTEIRO-PLANTIN (UFC)



Numerosas expressões idiomáticas, empregadas no nosso cotidiano, são constituídas de palavras relacionadas com a mitologia greco-latina.



Propomo-nos a mostrar o valor que antropônimos de origem mitológica (Morfeu, Aquiles, Dâmocles) têm na compreensão das expressões idiomáticas.



Em termos metodológicos, apresentamos um exemplário de textos, extraído dos principais jornais brasileiros (O Povo, Diário do Nordeste, Folha de São Paulo, Estado de São Paulo e Correio Braziliense) em que aparece, com muita frequência de uso, a expressão "Cair no braços de Morfeu" e, nesse contexto, fazemos uma análise da herança mitológica na construção fraseológica.



Fundamentamos nosso trabalho em aportes teóricos da fraseologia europeia, em particular os estudos de Casares (1950), Zuluaga (1980), Corpas Pastor (1996), Zholobova (2005) e García-Page (2010) que tratam sobre as palavras diacríticas nas expressões idiomáticas.







Cair nos braços de Morfeu. Adormecer. (SIMÕES: 2000, p.144) Ir para os braços de Morfeu. (Cair na cama, ir ara o vale dos lençóis, ir paRa a sossega, ir para cama). Dormir ou deitar-se para dormir. (FONTES FILHO: 2006, p.56) Cair nos braços de Morfeu. Adormecer; entregar-se às delícias do sono. (SILVEIRA: 2010, p.136-137)





Estar nos braços de Morfeu significa estar dormindo.Recolher-se aos braços de Morfeu é o mesmo que ir dormir. (MAGALHÃES JUNIOR: 1977, p.49) Cair nos braços de morfeu. Entregar-se às delícias do sono. (NASCENTES: [1945] 1986, p.37)



Esse clichê [Estar nos braços de Morfeu] da literatura romântica não tem mais aplicação hoje em dia.Aliás, tais locuções, hoje, apontadas como exemplos de pedantismo, induzem muita gente a crer que Morfeu era o deu do sono, na mitologia grega. Entretanto, Morfeu era o criador dos sonhos, ao passo que o deus do sono era seu pai Hypnos. (MAGALHÃES JUNIOR: 1977, p.49)



Cerca de 40% da população não conseguem descansar nos braços de Morfeu (deus do sono para a mitologia grega), revela pesquisa da Academia Brasileira de Neurologia publicada no ano passado.Essas pessoas não têm o chamado sono reparador. (In Maria Júlia Lledó,Revista, Correio Braziliense, 18/03/2011)



Dar uma capotada. Puxar um ronco. Tirar uma tora. Soneca, dormida, cochilo.Somos fartos em matéria de nos entregarmos aos braços parnasianos de Morfeu ainda que de passagem e fora da hora combinada com o corpo. (In Ivan Lessa, Caderno Mundo, O Globo, 2/02/2009)



"Qual não foi a minha surpresa quando um belo dia minha irmã, na tentativa de me tirar da cama, bateu à minha porta informando duma correspondência cujo remetente era Carlos Drummond de Andrade. Como se houvesse ganho na loteria, deixei os braços de Morfeu no mesmo momento -uma delícia". (In Marcello Duarte, Caderno Ilustrada, Folha de São Paulo, 09/06/2010 06h11)



Não custa lembrar: Hitler, o verdadeiro grande ditador, morreu como uma ratazana encurralada em 1945; e Chaplin, o falso grande ditador, só partiria para os Campos Elíseos 32 anos mais tarde, mansamente, nos braços de Morfeu. (In Sérgio Augusto, O Estado de S.Paulo, 07/12/2008 )



Duas coisas me chamaram a atenção nos assassinatos do sargento americano Robert em dois vilarejos afegãos. Primeiro, a maior parte da imprensa americana prefere enfatizar que ele assassinou 16 (17) pessoas, sendo que 9 delas eram crianças dormindo e 3 outras mulheres, também entregues aos braços de al-Morfeu. (...) (In Ivan Lessa, O Estado de São Paulo, 02/04/2012 )



O Conselho do Sono em pesquisa recente na Grã-Bretanha revelou que se dorme de acordo com a profissão praticada. No alto da lista, estão estes magníficos dorminhocos que são os advogados. Em último lugar na lista dos que se entregam aos braços de Morfeu (resolvi não poupar lugar comum ou frase feita) estão os médicos, cuja vida profissional exige a decantada (olha outro lugar comum) eterna vigilância na espera da ambulância (só para - quase - rimar). (In Ivan Lessa, BBC Brasil, Folha de São Paulo, 07/03/2005 )



Quando se adentra a península da Antártida, as paisagens revelam-se surpreendentes. Quem precisa de escuridão para dormir deve arrumar as cortinas. Se mesmo assim o sono não vingar, as calmas águas antárticas podem ajudar a difícil tarefa de cair nos braços de Morfeu. (In Jaime Bórquez, Colaboração para a Folha de S.Paulo, Caderno Turismo, Folha de São Paulo, 12/01/2006)



Somos fartos em matéria de nos entregarmos aos braços parnasianos de Morfeu ainda que de passagem e fora da hora combinada com o corpo. (In Ivan Lessa, O Estado de São Paulo, 02/02/2009)



Você que tem filho (ou não) já dormiu ou pôs pra dormir alguém com alguma de suas músicas favoritas da sua coleção de rock/pop? Porque, as vezes, uma banda que não tem nada a ver com canções de ninar eventualmente produz alguma música que ajuda a embalar sono e sonhos. Ou mesmo é a voz do cantor que ajuda a irmos pros braços de Morfeu (Sr. Pestana) mais rápido. (In Tom Leão, Globo Blogs, O Globo, 10/09/2006)



As conclusões preliminares deste trabalho apontam que as expressões idiomáticas com algum antropônimo de origem clássica tendem a bloquear o sentido literal das expressões e fazê-las opacas e que, nesse caso, a adequada compreensão idiomática requer a competência linguística e cultural dos falantes, de seu conhecimento do léxico da língua e do seu conhecimento enciclopédico, particularmente, o da mitologia greco-latina.

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FONTES FILHO, Aristides. O dito pelo não dito: dicionário de expressões idiomáticas. São Paulo: Libra três, 2006. MAGALHÃES JÚNIOR, R. Dicionário brasileiro de provérbios, locuções e ditos curiosos. Rio de Janeiro: Documentário, 1977. NASCENTES, Antenor. Tesouro da fraseologia brasileira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986 [1945]. SILVEIRA, João Gomes da. Dicionário de expressões populares da língua portuguesa: riqueza idiomática das frases verbais. Uma hiperoficina de giras e outos modismos luso-brasileiros. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010. SIMÕES, Guilherme Augusto. Dicionário de expressões populares portuguesas: arcaísmos, regionalismos, calão e gíria, ditos, frases feitas, lugares-comuns, aportuguesamentos, estrangeirismos e curiosidades da linguagem. Lisboa: Dom Quixote, 2000.



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