CAIU NA REDE, É CRÍTICO? (ENTREVISTA - PARTE 2)

July 24, 2017 | Autor: André Bomfim | Categoria: Cinema, Mídias Digitais, Critica de arte
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Caiu na rede, é crítico? (2ª parte) Publicado em 20 de março de 2013 por Cítrica

Os dilemas e desafios da crítica cinematográfica em tempos de internet.

ANDRÉ BOMFIM – Quais são os principais atributos de um bom crítico cinematográfico? E para o crítico nos blogs? Esses critérios mudam de alguma forma? REGINA GOMES – Para mim, um bom crítico é aquele que, por meio de uma linguagem prazerosa para o leitor, saiba informar, julgar e interpretar os filmes. Certamente que este juízo estético da obra deve ser sustentado e justificado por bons argumentos sob risco de cairmos no velho “gostei” ou “não gostei” e até mesmo em “não vi e não gostei”. Particularmente, aprecio muito o estilo do crítico e gosto de textos bem escritos, aqueles que me seduzem pela palavra. Vejo o texto crítico como um lugar de criação, de invenção. Não creio que os atributos se modifiquem nos críticos blogueiros, pois, para mim, a essência é a mesma e estes ainda podem se beneficiar do feedback dos leitores. AMANDA AUOAD – Um bom crítico cinematográfico tem que entender de cinema. Parece óbvio, mas muita gente esquece isso. Tem que conhecer a história do cinema, a linguagem cinematográfica, os movimentos e diretores. E, claro, saber escrever de maneira clara e objetiva. Porque um crítico cinematográfico precisa analisar os filmes ajudando o espectador comum a ver o que não veria sem um olhar mais atento, ajuda também a pensar o próprio cinema e apontar tendências. Acredito que o ideal é que os críticos de blogs sigam os mesmos critérios. A diferença maior é que o blogueiro é editor de si mesmo e tem uma maior liberdade para falar dos filmes que quiser. E essas escolhas acabam guiando o seu perfil. JOÃO PAULO BARRETO – Não vejo razão para haver uma diferenciação nesses critérios. O crítico nos blogs não se difere em nada do crítico em jornais, livros ou revistas impressas. No entanto, claro, soaria ingênuo de minha parte não perceber que o reconhecimento dos trabalhos impressos ainda é mais comum que o alcançado pelo trabalho on line. Mas no que tange ao trabalho em si, os atributos são os mesmos. Caberá a cada profissional

apresentar seus argumentos de forma embasada. Apresentar sua opinião, mas explicar as razões por trás dela. A função do crítico de cinema é, volto a afirmar, levantar discussão. É somar. É trazer para o espectador uma visão acerca de uma obra que o torne capaz de enxergar aquela projeção como algo que vá além do entretenimento raso. A função do cinema nem sempre é divertir. E é isso que o torna fascinante. O crítico deve buscar fazer o espectador perceber uma obra fílmica como algo encadeado. Todo filme visto deve ser somado a uma bagagem intelectual do espectador, permitindo-o, assim, criar seu leque de referências e aprofundamento no campo. Em minha opinião, o crítico deve trazer para o espectador uma visão diferenciada sobre um filme. Ao escrever, ele não precisa descrevê-la ao leitor em seus mínimos detalhes, mas, sim, trazer uma análise das suas impressões sobre tal obra. Ele deve compartilhar sua visão, mas permitir ao leitor criar a sua própria. E para isso, a bagagem cinematográfica do crítico deve ser ampla. E é aqui que se justifica a ideia apresentada da obra fílmica como algo encadeado. A partir de um filme, o crítico deve ser capaz de expandir seu leque de conhecimentos e apresentá-lo ao leitor cinéfilo. Para isso, óbvio, ver filmes deve ser encarado como um ritual diário. Do mesmo modo, a leitura deve ser vista como um hábito constante. Embasar ideias requer preparo. RAFAEL CARVALHO – Acredito na crítica que esteja interessada em despertar uma curiosidade no leitor, que não quer somente demonstrar que conhece de cinema ou cotar o filme em bom ou ruim, mas que consiga provocar as pessoas no sentido de fazê-las pensar o cinema, incentivá-las a construir suas próprias interpretações e, assim, formar um pensamento crítico no público. Nos blogs, acho que esses princípios devem ser os mesmos, o que muda é que, geralmente, não existe a figura do editor de texto, e o blogueiro é dono de seu conteúdo, não sofre pressões de um “patrão”. Isso é bom pela liberdade que se tem, mas por outro lado pode se tornar um trabalho solitário, sem uma segunda visão colaborativa.

ANDRÉ BOMFIM – Quais as principais diretrizes na produção de conteúdo do seu blog? Que crítica você almeja e em que público você mira? AMANDA AOUAD – O slogan do CinePipocaCult é “bom cinema, independente de estilo”. Quando pensei em criá-lo era isso que queria passar, não ter preconceitos em relação a nenhum gênero ou escola cinematográfica. Sempre procuro mesclar filmes que estão estreando com filmes de catálogos, focando em clássicos do cinema. Além de críticas, também escrevo matérias especiais e faço análises mais detalhadas de grandes cenas do cinema. E ainda tem a tirinha de Thomas, o Rato de Cinema. Ele é um ratinho que vive no cinema e fica muito irritado com a falta de educação de algumas plateias. Acho que é esse o público que miro. Cinéfilos, pessoas que amem o cinema e não a vejam apenas como um simples entretenimento, pois sempre almejo uma crítica que discuta o cinema e suas possibilidades. Isso não quer dizer que ela seja elitista, pelo contrário, sempre busco escrever com uma linguagem acessível a todos e, pelos comentários e discussões que o blog recebe, acredito que esse objetivo esteja sendo alcançado.

JOÃO PAULO BARRETO – No Película Virtual, eu busco escrever não somente sobre obras que me agradam, mas, também, sobre filmes que, digamos, me causaram certo incômodo ao assistir. Escrever sobre os defeitos de uma obra é um exercício muito mais trabalhoso do que o de citar seus atributos. Isso se deve ao fato de que é preciso embasar suas ideias e não deixar apenas sua opinião negativa como parâmetro de análise. Além disso, como diretriz, eu busco ampliar o leque de assuntos cinematográficos publicando não somente críticas, mas, também, entrevistas com produtores e diretores e atores. Além disso, viso escrever ensaios sobre certas obras, nos quais acabo me permitindo ser mais expansivo do que em outros textos. Nesse sentido, almejo trazer para o leitor que visita o Película um diferencial que o faça voltar, já que a oferta de espaços na blogosfera é muito grande e o nível de qualidade muito maior que o pressuposto pela grande maioria de internautas. Dito isso, posso afirmar que não tenho um público específico no qual miro. Se alguém acessa meu blog, posso pressupor que ele chegou até lá pelo fato de compartilharmos uma paixão em comum que é o cinema. Clichê, eu sei, mas um fato. RAFAEL CARVALHO – Bem, eu me sinto muito livre para escrever sobre os filmes que me interessam, sem a necessidade de comentar as principais estreias da semana, por exemplo. Vou escrevendo à medida que vou vendo os filmes, mas é claro que não dá pra escrever sobre tudo eu vejo ou que eu desejo. A ideia é conseguir equilibrar entre críticas de filmes diversos em gêneros, formatos, estilos, épocas. O foco acaba sendo os filmes mais recentes, mas também sobre espaço para os clássicos. Não penso em um público específico quando escrevo, acredito que qualquer pessoa pode acompanhar o blog sem problemas e gosto de pensar que minha crítica é uma visão bastante pessoal e mais uma opinião no universo de críticas de posições sobre aquele filme. ANDRÉ BOMFIM – O que há de melhor e o que há de pior em ter a internet como suporte? AMANDA AOUAD – O melhor é a liberdade de expressão. Sendo a minha própria editora, posso escolher minha pauta, construir meu repertório e buscar meus próprios desafios. Discuto muitas ideias com Ari Cabral que é co-fundador do site, mas a decisão final em relação ao conteúdo é minha, já que ele cuida mais da parte de marketing e redes sociais. O pior é a falta de credibilidade que ainda existe em relação a essa plataforma. Muita gente não vê sites e blogs como um trabalho sério, colocando todos em um mesmo patamar. Assim, é sempre mais difícil o reconhecimento e as negociações são mais complicadas. JOÃO PAULO BARRETO – A fugacidade e a distração ocasionada por ela é um dos aspectos negativos. Utilizar o Facebook ou o Twitter como ferramentas de divulgação tem suas vantagens, certo, mas o número de curtidas nem sempre significa o número de leitores. Ter a internet como suporte de divulgação tem em seu aspecto positivo o fato de que o crítico não se percebe sozinho nesse campo de atuação. A troca de opiniões é o que mais importa nesse caso. RAFAEL CARVALHO – O melhor é facilidade para se encontrar e ter acesso aos conteúdos. Se eu te digo que eu escrevo no Moviola Digital, é só você jogar isso no Google que ele te leva para o blog. Além do mais, a internet é meio de produção e também de divulgação

do seu próprio trabalho. Assim que eu posto algo no blog, eu já reproduzo automaticamente nas redes sociais e ali mesmo eu tenho contato com as pessoas que poderão ir para o blog. É um processo de interatividade muito interessante. O lado negativo é mesmo a proliferação de conteúdos que muitas vezes se perdem nesse mar de opiniões e discursos. ANDRÉ BOMFIM – Qual o post mais popular do seu blog até hoje? AMANDA AOUAD – Analisando todos os quatro anos de existência, é engraçado que os dois posts mais populares não sejam uma crítica, ambos estão muito próximos em visualização, quase 50 mil para cada. O primeiro é uma matéria sobre o ator Ryan Gosling, falando sobre a quantidade de bons personagens que ele tinha feito entre 2011 e 2012. E o outro é sobre o casal Carl e Ellie, personagens do filme Up, Altas Aventuras. Fiz uma análise da história de amor dos dois, demonstrada no início do filme, que é uma das coisas mais bonitas que já vi no cinema. Apenas o terceiro post mais popular é uma crítica, do filme Bruna Surfistinha. JOÃO PAULO BARRETO – Como baiano, tento valorizar o cinema produzido em minha terra. Escrevi um texto acerca de O Homem que não dormia, de Edgard Navarro, que, apesar de não ter tido muitos acessos, recebeu um comentário positivo do professor e crítico André Setaro. Isso acabou chegando ao ator Bertrand Duarte, um dos protagonistas do longa, que compartilhou nos comentários do blog sua opinião acerca de minha visão do filme. Ao escrever que busco valorizar o cinema baiano, não quero parecer protecionista ou indulgente. No entanto, li certas críticas acerca do filme do Navarro que me pareceram seguir justamente o caminho que citei anteriormente como o errado. Foram textos que se concentravam apenas na estética carnal do longa, mas que deixavam de lado seus aspectos psicológicos. Claro, há espectadores que não vão encarar com muita naturalidade uma cena de masturbação, mas se alguém se propõe a se autointitular crítico de cinema, seu papel é buscar entender as razões para o cineasta inserir tal sequência no longa e não se ater a ela de modo a condenar todo o filme. Tais pessoas acabaram por deixar de lado aspectos riquíssimos da personalidade dos personagens, o que é uma pena, uma vez que é nisso que reside o brilhantismo do filme do Navarro. Curiosamente, os mesmo colegas de profissão de Salvador não viram problemas algum em Anticristo, de Lars Von Trier, filme que eu adoro, faço questão de frisar RAFAEL OLIVEIRA – Meu post mais popular é sobre o filme pernambucano Baixio das Bestas, mas não sei exatamente por quê. Talvez pela polêmica que o filme suscita ao abordar o submundo do sexo e violência.

André Bomfim é especialista em Análise de Cinema e TV e mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas - FACOM/UFBA. [email protected].

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