CÂMARA DA VILA REAL DO CUIABÁ E SUAS RELAÇÕES COM OS “DESCLASSIFICADOS” DA MINERAÇÃO NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XVIII (1727-1748)

July 27, 2017 | Autor: Bruno Bio Augusto | Categoria: História do Brasil, Brasil, Administração Pública, América Portuguesa
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1 CÂMARA DA VILA REAL DO CUIABÁ E SUAS RELAÇÕES COM OS “DESCLASSIFICADOS” DA MINERAÇÃO NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XVIII (1727-1748) BRUNO CEZAR BIO AUGUSTO1 RESUMO Este trabalho visa estudar as formas de organização do sistema colonial que possibilitaram ao reino de Portugal administrar a América Portuguesa durante o século XVIII no Extremo-Oeste da Capitânia Geral de São Paulo, em especial no norte de Mato Grosso, analisando a administração local da Vila Real do Cuiabá, na representação da câmara municipal e sua interação com os pobres livres. Ao trabalhar com documentos oficiais, como os 'Documentos Interessantes' e as Correspondências oficiais dos capitães generais no século XVIII, o texto objetiva tecer uma história 'a contrapelo', ou seja, uma história que desvende o lugar ocupado pelos pobres livres em Cuiabá e sua relação com os 'homens bons'. Deseja-se indagar as brechas constituídas por esses pobres livres pelas ruas, vendas, prostíbulos, entre outros lugares de produção da vida, do trabalho e da cultura. Palavras-chave: Capitânia Geral; Administração; Pobres Livres; Trabalho.

ABSTRACT Abstract This work aims to study the ways of organization of the colonial system that enable to the kingdom of Portugal administer the Portuguese America during the century XVIII, in the far west of the captaincy general of São Paulo, in special in the north of Mato Grosso, analyzing the local administration of Vila Real of Cuiabá, in the representation of the municipal camera and your interaction with the free poors. When working with official documents, like the “Interesting Documents” and the officials correspondence of the general 1

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, graduando em História – CPTL. Pesquisa financiada pela o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), sob orientação da Profa. Dra. Maria Celma Borges.

2 captains in the century XVIII, the text aims to weave a history against the grain, by the way, a history that unlock the busy place for the free poors in Cuiabá and your relationship with the “good mans”. One wishes to inquire the gaps compound by this free poors in the streets, sales, brothels, between others places of production of life, of the work and of the culture. Keyword: Capitânia Geral; Administration; Free Poor; Work.

INTRODUÇÃO A historiografia brasileira mais recente, como por exemplo, Bicalho, Gouvêa e Fragoso (2006)2 - organizadores de uma célebre coletânea de textos que discutirá questões de relações entre Portugal e seu império ultramar -, contribui para entendermos as redes de negociações mercantis e a sociedade numa época marcada pela figura máxima do monarca alicerçada no sistema escravista negreiro. Estudos de Consentino (2011) nos mostram uma autonomia administrativa colonial perante a Coroa portuguesa, refletindo numa ‘pluricontinentalidade’ entre Portugal e seu Império. Nestes arranjos de poderes podemos notar, por meio do autor, duas formas de governança: uma vertente que nos faz deparar com os magistrados da realeza e a legitimidade do comando régio, e outra no sentido da administração local, permitindo as elites inseridas na sociedade colonial assumir o comando: Entendemos que esta monarquia pluricontinental tinha por base uma ordem institucional polissinodal, com normas e procedimentos de natureza jurisdicional e estrutura orgânica que tinha como seu fundamento social o ordenamento corporativo da sociedade. (2011, p.73)

Importante ressaltarmos que o termo “corporativo” aqui empregado não cabe ao período analisado pelo autor, abrangendo o século XVI, XVII e XVIII. Consentino observa que, longe de cometermos um anacronismo, as corporações em questão remontam a Idade 2

FRAGOSO, J.; BICALHO M. F.; GOUVÊA, M. F. (orgs) O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (século XVI – XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

3 Média, chamadas corporações de ofícios, momento em que se tem a figura do grão mestre e os trabalhadores respeitando a suas diretrizes (COSENTINO, 2011). Para analisar a pluricontinentalidade do Antigo Regime, Cosentino faz uso da sociologia de Durkheim, com a organicidade mediando o esqueleto da sociedade, sendo o rei a cabeça do Império e seus ministros os braços e mãos régias da sociedade: Nesse sentido, fazer justiça e manter intacta a ordem social constituía as obrigações dos reis e em direito dos diversos organismos que formavam o reino, segundo a expectativa dos vassalos quanto ao rei e sua forma de governar. (CONSENTINO, 2011 p.74)

Trazendo esses debates para o objeto de análise, nos deparamos com a Vila Real do Cuiabá, no século XVIII, localizada no Extremo-Oeste da América Portuguesa, na até então jurisdição da Capitania-Geral de São Paulo, objetivando estudar a administração colonial a partir dessa localidade. Desbravando o Extremo-Oeste da América lusa Como salienta John Monteiro (1994), o centro da América do Sul já havia sido percorrido por pessoas responsáveis pelo comércio de mão de obra indígena escrava no século XVII. O território do centro oeste tinha sua importância na busca por ameríndios para o trabalho escravo desde esse período, mas apenas em 1716 começa a sua colonização. Nessa época, no início do século XVIII, deu-se a descoberta de minas auríferas, surgindo centros urbanos em ambientes rurais (OLIVEIRA, 2008). Ao indagarmos sobre o papel da Câmara da Vila Real do Cuiabá e sua relação com os magistrados, as considerações de Oliveira dão indícios de que: "Ao nível local, a câmara, instituição imperial portuguesa, intermediava relações institucionais entre o local, o colonial e o metropolitano”. (OLIVEIRA, 2008, p.45) Em Jesus (2011), um diferencial nas vilas da Capitania de Mato Grosso para o resto da Colônia é que suas Câmaras Municipais, além de oficiais da coroa portuguesa, também foram compostas por comerciantes, mineradores, oficiais mecânicos, proprietários de engenhos e de lavras. Os cargos de vereador e de juízes ordinários eram eleitos pelos “homens bons” da vila

4 por meio do sistema de pelouros, em que se elaborava uma lista com nomes de figuras ilustres locais, e dessa lista sorteavam os próximos governantes e altos cargos que iriam ocupar a administração pública durante dois anos ou conforme combinado pela câmara. O século XVIII mostra um período decisório do Antigo Regime português em relação à administração da América colonial, pois em um sistema de governança onde a política ultrapassava os interesses econômicos, já não se aplicaria o modo absolutista monárquico ao cenário de comércio com a Metrópole (SOUZA, 2009). Esse cenário contracenava também com as comunicações demoradas, contexto em que se acentuava a autonomia que se tornava decisiva para os governantes locais: O sistema de poder por delegação jurisdicional no Antigo Sistema Colonial, com sobreposição de funções e comunicação demorada com os órgãos decisórios centrais no Ultramar, era fonte de permanentes atritos e arbitrariedades entre as autoridades coloniais. (CANAVARROS, 2004 p.143)

Os estatutos municipais se tornaram uma forma de minimizar a deficiência da Coroa Portuguesa em atentar para as demandas das vilas na Colônia. Por se tratar de vilas e cidades distantes dos centros decisórios na América portuguesa e pelo modo de comunicação ser lento, as Câmaras Municipais obtiveram uma autonomia significativa para criar suas leis e seus decretos (JESUS, 2011), como mostraremos a seguir, em carta oficial do Ouvidor Geral Dr. João Gonçalves Pereira ao Governado Geral se referindo a arrecadação do quinto das novas minas encontradas e o não cumprimento de lei [...] E porq.’ estes Paulistas só cuidão em novos descubrim.tos p.ª viverem a seu gosto, livres das justiças, e vendo q.’ os seguem no d.º descubrim.to, hirão fazendo outro em p.tes remotas a que se não possa hir pella grande distancia, e destes novos descubrim.tos rezultarão os prejuizos que S. Mag.e ponderou na ley de 8 de Fevr.º do anno de 1730, razão porque os prohibio; parece-me justo q.’ se o d.º descubrimen.to não der conveniencia, mande V. Ex.ª ordem p.ª q.’ todas as pessoas q.’ nelle estiverem se recolhão a estas minas, e havendo conveniencia se faça exame nas terras q.’ mais convier habitarem-se p.ª extração do ouro. (DIHSP v.XLI, 1895 p.340)

Ainda averiguando esta correspondência, há algumas linhas interessantes sobre um sujeito chamado Thomé Gouvêa, a quem o governador nomeou Fiscal de Capacitação, que respondia processo por três crimes, sendo um deles quando atuava como Juiz Ordinário.

5 Segundo o Ouvidor Geral, João Gonçalves Pereira, Thomé Gouvêa, caso fosse inocentado, deveria permanecer no cargo de Fiscal: Thomé de Gouvêa, a quem V. Ex.ª nomêa p.ª Fiscal da capacitação, tãobem o acho com três crimes, hum lhe rezultou da devaça geral da corr.am do anno de 1731 por erros q.’ se diz cometeo servindo de Juiz Ordinr.º nesta Villa [...] e dou a V. Ex.ª estas notícias p.ª q.’ proca o q.’ entender q.’ eu não tenho mais empenho que acetar e servir com bons off.es, e porq.’ Entendo terá bom livraamennto parece-me justo o conserve V. Ex.ª por.’ He bom Fiscal (DIHSP v.XLI, 1895 p.342)

Não somente os grandes nomes constituem a história, sendo importante entendermos as minorias, que, em nosso entender, são aquelas que compõem as maiorias, mas que são negligenciadas pela história dos “grandes”. Analisando os sujeitos da história nos defrontamos com personagens do “não dito” nos relatórios régios. São figuras muitas vezes esquecidas pelas abordagens tradicionais do campo histórico, mas que tem suma importância para além dos grandes nomes (CERTEAU, 1982). Temos nos quitandeiros e quitandeiras a imagem do pequeno comerciante, responsável pela subsistência alimentícia dos locais auríferos, fazendo o uso do roçado local para o seu sustento, todavia convivendo com o elemento da fome que rondava as minas auríferas. (LINHARES, 1979). As leis locais que regiam o trabalho na região do Cuiabá, em uma análise comparativa com outras localidades auríferas do mesmo período, se respaldam em igual patamar de exigências para a composição da força de trabalho, qual seja: a de escravos como mão-de-obra trabalhadora fixa e a do pobre livre sujeitado a um emprego de trabalho sazonal, para suprir a necessidade de trabalho não atendida pelos escravos. Conforme Souza (2004), o pobre livre ocupou funções que os escravos não puderam ocupar ou não seria vantajoso que ocupassem. Esta autora ao discorrer sobre as camadas não elitizadas e que eram vistas como os desclassificados auríferos, chamando a atenção para o papel do “vadio” nesse cenário, observa: Elemento vomitado por um sistema que simultaneamente o criava e o deixava sem razão de ser, vadio poderia se tornar o pequeno proprietário que não conseguia se manter à sombra do senhor de engenho; o artesão que não encontrava meio propício para o exercício de sua profissão; o mulato que não desejava mourejar ao lado do negro (SOUZA, 2004, p.95).

6 A autora ao referir-se ao termo de desclassificados e marginalizados observa que o primeiro é ambíguo, remetendo a classificação e a desclassificação, tendo ainda uma interpretação temporal e cultural que possibilita a sociedade desclassificar, o que sai do seu padrão. Já o termo marginalizado faz com que o indivíduo seja visto como algo separado do contexto histórico, geralmente sem a participação direta nesse contexto, imputando-lhe assim uma “invisibilidade”: Outro ponto favorável ao emprego do conceito de desclassificação social como adequado ao tratamento da realidade colonial é o fato da sociedade de então apresentar-se definida em termos estamentais, ou seja, de status, de honra (o que remete a classificação) e de, ao mesmo tempo, atravessar um processo de constituição de classe (o que remete a desclassificação) (SOUZA, 2004, p.25).

Em carta oficial do então governador Rodrigo Cezar de Menezes, encontramos a utilidade desses “vadios desclassificados” nas aberturas de caminhos por terra ao Cuiabá: Reg.º de hum Bando*, p.ª se abrir o caminho p.ª as minas do Cuyabá em direitura pelo Certão. “Rodrigo Cezar de Menezes, etc.- Por ser conv.te ao real serviço de S. Mag.te q’. D.s g.e, e os moradores desta capp.nia abrirse o caminho p.lo certão p.ª as novas minas do Cuyabá, p.ª ficar mais facil a todos o hirem, e virem com cavalos, e cargas com mais comodidade de q’. atê agora experimentão pelos rios onde se navega assim a reso.to da dilação como do risco, seccos, e correntezas do d.º Rio, e tendo consideração a todas estas rezões pello grande deszejo, q’ tenho de procurar adiantar todas as utilidades dos moradores desta capp.nia e q’ ella seja a sorte q quiser abrir o d.º cam.º, pode vir fallarme, ou apresentarme petição em q’ declare o quer abrir, e as conveniências que se lhe hão de fazer, respeitando o trabalho, e despeza q’ hade ter no d.º caminho, por q’ se hade fazer o ajuste com aquella pessoa, q’ se entender o fará logo, e pedir os prêmios, e honras, q’forem iguaes a serviço q’ hade fazer, e toda a pessoa q’ quiser fazer este serviço a S. Mg. De apresentarâ a sua petição na Secretr.ª deste Governo até 24 do mez q’ vem, p.ª eu tomar sobre este particular o expediente q’ for mais conveniente ao real serviço e p.ª q’ chegue a noticia de todos mandey lançar este bando, q’ se publicará na praça desta cid.e, e ruas p.aes dela, e depois do reg.do na Secretr.ª deste Governo se fixará no corpo da guarda. Dado nesta cid.e de São Paulo aos 23 de Novr.º de 1721 – O Secretr.º do Govr.º Gervasio Leyte Rebello a fez. – Rodrigo Cezar de Menezes, - Tambem se mandou lançar na Villa de Santos, e nas de Outú e Sorocava.” (DIHSP v.XLI, 1895 p.14-5)

A presença feminina nas minas poderia se dar no papel de acompanhar os respectivos maridos e filhos, como sugere a fonte setecentista: “[...] Todos os indivíduos desta expedição trabalharão pelos seus officios em tudo para o augmento da povoação, e bem do Estado; e

7 portanto poderão levar suas mulheres, filhos e escravos para estabelecerem-se” (DIHSP, 1913, p.88). Entretanto, como se depreende da mesma fonte, as minas atraíram diferente público à busca de riquezas, e, na região do Cuiabá, se estabeleceram locais que ficariam conhecidos como destinados para os “prazeres”, ao serem compostos por mulheres “da vida” que atendiam as necessidades dos homens (CANAVARROS, 2004). Ainda nos “Documentos Interessantes para a história de São Paulo”, encontramos um trecho escrito pelo então Governador-Geral, Rodrigo César de Menezes, no século XVIII, proibindo a ida para o Cuyabá de “mulheres de má procedência”: R.° Cezar de Menezes, etc. – Por me constar q’ p.ª a v.a de Outú passão algúas mulheres mal procedidas brancas,bastardas, e mulatas forras, com o intento de hirem p.a novas Minas do Cuyabâ, de q’ se seguem graves consoquencias, mui prejudiciaes ao serviço de Deus, e de S. Mag.de, pellas perturbações q’ costumão cauzar, assim no caminho, como em semelhantes descobrimentos, pellas dissenções, e desconfianças, q’ por seu resp.to se devem recear pella experiência ter mostrado o prejuizo q’ da sua assistencia ha de rezultar, e ser m.to conveniente evitar semelhantes dezordens: Ordeno, e mando, q’ nenhúa pessoa de qualquer estado, e condição q’ seja, possa levar em sua companhia, p.ª as ditas minas nenhûa mulher branca de suspeita bastarda, ou Mulata forra, debaixo da pena de pagarem por cada húa q’ levarem ou lhe for achada em sua companhia, trezentos mil r.s p.ª a faz.ª real e de terem quatro mezes de prizão na fortaleza da barra g.de da V.ª de S.tos, e qualquer das sobre ditas q’ assim forem achadas, hirão degradadas p.ª a nova colônia do Sacramento, e p.ª q’ chegue a noticia de todos, e não possão allegar ignorancia, mandei lançar este bando q’ se publicarâ nesta cidade, e depois de reg.do nos L.os da Secretr.ª deste Govr.° se publicarâ nas V.as de Outû, e Sorocaba, e se registarâ nos L.os das d.as Camaras e se fixarâ na V.ª de Outû. Dado nesta Cid.e de S. Paulo aos 2 de Julho de 1723. – O Secretr.° Gervasio Leyte Rebello o fes. – R.° Cezar de Menezes. (DIHSP, 1913 p.111)

Dentre os pobres livres, homens e mulheres, incluem-se as “mulheres de vida fácil” que nos interessa trabalhar, ao visarmos apreender os diversos olhares que a sociedade aurífera do extremo oeste tecia face a esses personagens e suas práticas, a fim de controlar e disciplinar este espaço. A análise dos “Códigos de Postura”, elaborados pela Câmara Municipal de Cuiabá, pode nos apresentar uma reflexão quanto à vontade de se fazer ali nas regiões do Cuiabá uma sociedade de cunho “organizado e correto” para os patrões éticos e morais vigentes na primeira metade do século XVIII. Uma sociedade hierarquizada e excludente em que os pobres livres estariam em uma situação alijada do poder e enrijecida pela ordem.

8 Oliveira (2011) apresenta em um texto relacionado à ascensão social do Antigo Regime, como se desenhava um sistema marcado pelo alicerce escravista que possibilitava, por meio de mercês e honrarias, a mobilidade interna e uma moderada ascendência de classe entre senhores de engenho, comerciantes e religiosos, pois o cerne social ainda era mantido: [...] por se tratar de uma sociedade profundamente hierarquizada e contendo traços de distinção do Antigo Regime, esta mobilidade era profundamente conservadora, pois, ao selecionar os que poderiam ascender e aqueles que não poderiam, estabelecia um processo de diferenciação e conflitos dentro do próprio segmento de setores subalternizados pelo sistema escravista (OLIVEIRA, 2011, p.65).

É nesta possibilidade de ascensão que os migrantes que detinham um mínimo de cabedal moviam-se até os fluxos de ouro do século XVIII, em busca de riqueza e compras de títulos. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Em um cenário de riqueza e ostentação de honrarias, o extremo-oeste luso torna-se, no começo do século XVIII, um atrativo aos habitantes da colônia. A migração interna em busca de focos auríferos faz chegar à Vila Real do Cuyabá um montante significativo de trabalhadores livres, escravos e/ou alforriados. Nesta agitação do ouro, abrem-se novos caminhos de acesso ao Cuyabá, por terra ou por água, e a tributação régia se intensifica no comércio de produtos que por essas veredas passam. Devido à longa distância de Vila Real do Cuyabá com os centros administrativos da Colônia Portuguesa e da Metrópole, o local se torna palco de uma peculiar característica: os grupos locais tomam partido da administração do ouro, substituindo os oficiais régios na administração do poder público. Podemos enxergar nos documentos estudados que as diligências da monarquia tentam ocupar os cargos da Câmara Municipal e suas redes administrativas por magistrados letrados, mas isso não ocorre nas primeiras décadas do século XVIII, mantendo o cenário do poder nas mãos da elite local.

9 Contrastando com este cenário de brigas pela gestão pública, encontramos os excluídos destes cargos, que não se encaixam na elite financeira e nem na fidalguia. Chamados de “pobres livres”, estes indivíduos rodeiam as margens do rio Cuyabá e os seus arraiais e vilas, tentando sustentar suas famílias, fosse pelo seu pequeno negócio, através do roçado, do comércio subalterno, da prostituição ou mesmo da venda de sua mão de obra para os grandes fazendeiros ou mineradores.

REFERÊNCIAS CANAVARROS, O. O poder metropolitano em Cuiabá (1722 – 1752). Cuiabá: Ed. UFMT, 2004. CERTEAU, M. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1982. CONSENTINO, F. C. Monarquia pluricontinental, o governo sinodal e os governadoresgerais do Estado do Brasil. In: GUEDES, R. (org.) Dinâmica Imperial no Antigo Regime português: escravidão, governos, fronteiras, poderes e legados. Rio de Janeiro: Mauad X, 2011. JESUS, Nauk Maria de. O governo local na fronteira oeste: A rivalidade entre Cuiabá e Vila Bela no século XVIII. Editora UFGD, 2011. LINHARES, M. Y. L. História do abastecimento: uma problemática em questão (15301918). Brasília: Binagri, 1979. MONTEIRO, J. Negros da Terra: Índios e Bandeirantes Nas Origens de São Paulo. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. OLIVEIRA, T.K. Jogos Monetários na fronteira do Império Português - produção e comércio no centro da América do Sul (1716 - 1750). Revista Territórios e Fronteiras v.1, n.2, juldez 2008. SOUZA, L. M. Formas provisórias de existência: a vida cotidiana nos caminhos, nas fronteiras e nas fortificações. In: NOVAIS, F A.; SOUZA, L. M. (orgs) História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América Portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

10 SOUZA, L. M. Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no século XVIII. Rio de Janeiro: Graal, 4ª ed., 2004. SOUZA, L. M. Política e administração colonial: problemas e perspectivas. In: SOUZA, L. M.; FURTADO, J.F; BICALHO, M. F. (orgs.). O Governo dos Povos. São Paulo: Alameda, 2009.

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