Camilo Pessanha e o Fin-de-Siecle

May 22, 2017 | Autor: P. Cabrini Jr. | Categoria: Simbolism, Paul Verlaine, Camilo Pessanha
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X SEL – Seminário de Estudos Literários UNESP – Campus de Assis ISSN: 2179-4871 www.assis.unesp.br/sel [email protected]

CAMILO PESSANHA E O FIN-DE-SIÉCLE

Paulo de Tarso Cabrini Júnior (Doutorando – UNESP/Assis – CAPES) RESUMO: A proposta desta comunicação é lembrar o poeta português Camilo Pessanha (1867-1926) em suas relações com três personagens da história literária francesa: Paul Verlaine (1844-1896), Arthur Rimbaud (1854-1891) e Stéphane Mallarmé (1842-1898). A sua ligação com esses três ícones do fin-desiécle europeu se dá, não somente por aspectos formais, identificados em sua obra poética ou ensaística, mas, também, pelo trabalho empreendido por Pessanha no sentido de fazer de sua vida uma verdadeira “obra de arte” decadente. PALAVRAS-CHAVE: Simbolismo; influência; Camilo Pessanha; poesia francesa.

Camilo Pessanha é um poeta bastante polêmico. E essa polêmica se deve a uma vida desregrada passada quase que inteiramente na colônia portuguesa de Macau, na China. Muito dessa polêmica, porém, é fruto de exageros propagados, tanto pelo próprio poeta, quanto por seus adversários. Uma reabilitação de Camilo Pessanha começou a tomar forma, na década de 1980, e ganhou uma grande legitimidade, na década de 1990, principalmente em razão dos esforços empreendidos por Paulo Franchetti, professor da Unicamp, e autor de uma importante edição crítica do único livro publicado, em vida, por Pessanha: a Clepsydra, de 1920. No entanto, ainda permanece, a esvair-se, a imagem de Pessanha como poeta desregrado, professor relapso, misantropo, misógino, opiômano e, enfim, “suicida”. Vejamos com mais cuidado a construção desta “lenda” simbolista, ou, para empregar um termo mais apropriado: desta lenda fin-de-siécle. Pessanha nasceu em Coimbra, em 1867, filho de um estudante de Direito e de uma empregada doméstica. A diferença social entre seus pais jamais foi dirimida pelo casamento civil, gerando uma situação bastante humilhante, que certamente marcou a psicologia do futuro poeta, embora o fato tenha sido continuamente exagerado, ou acentuado, pela crítica. Pessanha, em nenhuma circunstância, pareceu odiar o pai, por ter negado à sua mãe a

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dignidade do casamento, ou a si e a seus irmãos o reconhecimento da paternidade – o que só ocorreu, no caso do poeta, aos 17 anos de idade, por ocasião de sua entrada na Universidade de Coimbra. O pai – também, um “filho natural” da família Pessanha – era juiz de Direito, que, em começo de carreira, via-se obrigado a constantes transferências, transformando a família em algo sem raízes, pois estas só se criam pela longa permanência num lugar. O fato também deve ter contribuído grandemente para a construção da psicologia de Pessanha, embora também tenha sido um fato exagerado pela crítica – assim como certa paralisia no olho, da qual o poeta nunca se queixou, em nenhum de seus escritos... Em 1894, Pessanha parte para Macau, na China, onde assumiria as aulas de Filosofia, no recém-criado Liceu daquela cidade. A crítica, sempre pelo viés biográfico, viu nessa viagem (e nesse “exílio”) uma reação ao pedido de casamento, negado por Ana de Castro Osório, irmã de seu melhor amigo, Alberto Osório de Castro. Uma cena “romântica” estava, assim, preparada: Camilo Pessanha interna-se nos “confins” da Terra, em razão de um amor não correspondido... E torna-se misantropo, por força desse mesmo “amor” malogrado... Acontece que, de acordo com Paulo Franchetti, essa viagem teve motivos muito mais financeiros do que de qualquer outra ordem: Pessanha simplesmente não via meios de ganhar a vida em Portugal como advogado de província – profissão que tentou exercer, por algum tempo. E, certamente, não via com muita satisfação o fato de permanecer em Portugal, tendo as vistas alargadas pelo horizonte colonial que se descobria então... Dono de um temperamento ferino, consta que teve muitos desafetos, mas, talvez, seja muito exagerado dizer que fosse misantropo, já que teve, também, amigos fiéis. Vivendo com uma mulher chinesa, de quem teve um único filho, não reconheceu civilmente nenhuma das duas ligações, repetindo a “maldição” de sua família. Mas, ainda assim, nada consta que corrobore a sua fama de misoginia... Várias excentricidades, ainda, constam a respeito do professor Pessanha, em depoimentos de colegas e alunos, mas, nada que o faça detestável a quem não o tenha conhecido pessoalmente: ler, por exemplo, que o professor levava, constantemente, o seu cachorro, o Arminho, às aulas, e que o mesmo ficava aos pés da mesa, não é propriamente uma coisa antipática; muito pelo contrário: depõe a favor de um “à vontade” que Pessanha sentia em seu novo “lar” – embora essa palavra jamais tenha sido usada por Pessanha para se referir a Macau... Ler que o professor, constantemente, perdia-se nos horários, atrasando-se ou avançando o tempo das aulas de outros professores, comentando assuntos que tomavam dias e meses, sem cuidar da cronologia necessária às suas exposições,

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é construir, do mesmo modo, a imagem de um professor à vontade em sua profissão – ainda que tais atitudes não sejam, de nenhum modo, aconselháveis. Dizer, portanto, que Camilo Pessanha tenha sido um professor “relapso” é um exagero que pode facilmente ser combatido pelos depoimentos de ex-alunos, todos corroborando a idéia de um professor realmente admirável. Enfim, os exemplos poderiam seguir indefinidamente. É certo dizer, com Franchetti, que havia em Pessanha uma vontade de construir imagens de si mesmo à maneira decadentista, o que se nota, principalmente, pelas fotografias que nos deixou. Em muitas delas aparece como digno professor e juiz de direito. Em outras, porém, veste-se como dândi. Há algumas, mesmo, em que aparece como um próprio “performático” do Decadentismo. E outras em que surge “fantasiado” de mandarim chinês; mas, nada há que se compare ao verdadeiro “teatro” das fotos tiradas na Chácara do Leitão, em 1921: nessas fotos, Camilo Pessanha aparece em andrajos, semelhante a um mendigo, acompanhado de seus cães, e exprimindo um sorriso de satisfação com a blague, ou querendo comunicar, com esse sorriso, algo de misterioso, como uma Mona Lisa moderna: que “personagem”, afinal, seria esse “mendigo”?... Um filósofo chinês?... Um monge mendicante?... Poeta “exilado”, numa praia deserta?... Um Robinson Crusoe, talvez?... Pessanha contribuía, e muito, para a construção de seu “mito” decadentista. É tarefa dos investigadores separar o fingimento da verdade, ou, já que o fingimento e a verdade são por demais indissociáveis, é nossa tarefa distinguir os aspectos da realidade. Isso evitará que caiamos em partidarismos e em leituras muito parciais de sua biografia e, por que não dizer, de sua obra poética. Em um poema de 1895, Pessanha insere uma epígrafe de Verlaine: “Il pleure dans mon coeur / Comme il pleure sur la ville.” O poema em questão é aquele freqüentemente intitulado “Água morrente”. Isso não bastaria para apontar uma influência do poeta francês sobre sua obra – quando muito, sobre um único poema. Na verdade, a influência de Verlaine sobre Pessanha é muito maior, tendo sido estudada, já, por pesquisadores como Maria de Lourdes Belchior e Jacinto do Prado Coelho (v. Referências Bibliográficas). Haveria, porém, uma influência verlaineana no fato de Pessanha propagar uma imagem escandalosa de si mesmo? Talvez. Haveria, talvez, uma “vontade” a mover seus críticos mais ferozes na direção de uma comparação “biográfica” entre Pessanha e Verlaine? Isso é bem possível. Por bem ou por mal, teria havido, com muita probabilidade, essa vontade de aproximar o poeta português do poeta francês. Por bem ou por mal, repetimos.

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Nos Poèmes saturniens, de Verlaine (1866), lemos as peças “Uma dália” e “Crepúsculo da tarde mística”, que tanto nos lembram a “dália” de Camilo Pessanha, no soneto “Foi um dia de inúteis agonias”. Começamos a sair dessa aproximação “biográfica” que não leva a nada, e vamos para a poesia, que é o que nos interessa. O clima despertado pelo poema “Em surdina”, das Fêtes galantes (1869), lembra o “Se andava no jardim”, de Camilo Pessanha. “E no sempre igual”, de Romances sans paroles (1874), é um poema que nos lembra todo o clima de “Branco e vermelho”, de Pessanha: E no sempre igual Tédio do deserto O nevoeiro incerto Luz como o areal. [...]

“A hora do pastor”, dos Poèmes saturniens, lembra o “Fonógrafo”, de Pessanha, e as “Arietas esquecidas”, do Romances sans paroles, lembra “Crepuscular”. “As conchas”, de Fêtes galantes, e o “Voto final”, de La bonne chanson (1870), lembram o soneto “Esvelta surge!”. “Sub urbe”, de Poèmes saturniens, remete-nos ao “Violoncelo”, de Pessanha. Mas, de todos os seus poemas, aqueles que mais parecem provir de Verlaine são os sonetos “Quando se erguerão as seteiras”, “Floriram por engano as rosas bravas”, “Depois da luta e depois da conquista” e “Desce em folhedos tenros a colina”. Vejamos, primeiramente, “Quando se erguerão as seteiras”: o poema ecoa nas seguintes peças de Verlaine: “Sub urbe” (já citado), “Voando, agora, vai, canção...” e, principalmente, em “Ah! Uma Santa em sua auréola...” (de A boa canção, 1870). Une Sainte en son auréole, Une Châtelaine en sa tour, Tout ce que contient la parole Humaine de grâce et d'amour; La note d'or que fait entendre Un cor dans le lointain des bois, Mariée à la fierté tendre Des nobles Dames d'autrefois ; Avec cela le charme insigne D'un frais sourire triomphant Éclos dans des candeurs de cygne Et des rougeurs de femme-enfant ;

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Des aspects nacrés, blancs et roses, Un doux accord patricien : Je vois, j'entends toutes ces choses Dans son nom Carlovingien.

Em “Desce em folhedos tenros a colina”, temos uma “influência” dos poemas de Verlaine: “Voando, agora, vai, canção...”, “Em seu vestido gris”, “E bem antes de partires” (todos de A boa canção). Em “Depois da luta e depois da conquista”, notamos o eco de “Sub urbe” e “Será por tarde” (também de A boa canção, 1870). E, em “Floriram por engano as rosas bravas”, temos o eco de “Será por tarde”, “A despeito dos maus...” (A boa canção) e “Colóquio sentimental” (das Fêtes galantes). Donde concluímos que o livro de Verlaine onde mais se ouve ressoar a “voz” de Camilo Pessanha é La bonne chanson, de 1870, embora o poema que mais apareça “ecoado” em Pessanha seja “Sub urbe”, dos Poèmes saturniens. Cabe ao estudante interessado averiguar e rechaçar, se for o caso, os apontamentos que imprimimos aqui. Seria desconsideração com o leitor poupar-lhe o prazer de procurar e descobrir, por si mesmo, a procedência do que afirmamos. Terá o prazer de descobrir, por exemplo, que a “desarticulação sintática”, que muitos críticos atribuem ao contato de Camilo Pessanha com a poesia chinesa, pode muito bem ser atribuível ao Verlaine das “Paysages belges”. E concluirá, talvez, conosco, que ambas as influências devem ter se juntado a outras, a fim de produzir, no psiquismo de Pessanha, a novidade formal de sua poesia. Vejamos agora, como essa poesia se articula em relação a uma outra influência, embora menos provável: a de Stéphane Mallarmé. O que nos moveu a procurar essa influência, em primeiro lugar, foi a grande atenção dada por Camilo Pessanha aos aspectos visuais do poema, tais como a ortografia e a disposição gráfica das peças. Poemas como “Se andava no jardim” e a versão de 1920 para o poema “Quando se erguerão as seteiras”, sugerem algo que Verlaine não antecipou: o papel das marcas gráficas na construção da poesia. Em ambos os poemas, Pessanha se utiliza da pontuação para construir verdadeiras estrofes de silêncio, ou de expectação, que, uma vez pensadas no contexto da declamação, adquirem um sentido muito profundo. De onde lhe terá vindo a idéia de construir, ou de incorporar esses espaços “em branco”?... Estamos longe de sugerir que Camilo Pessanha tenha lido Mallarmé... Mas, não deixa de ser curioso folhear os poemas do francês e descobrir semelhanças com os do português. Senão, vejamos.

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Em “Apparition”, Mallarmé termina dizendo “laissant toujours de ses mains mal fermées / Neiger de blancs bouquets d´étoiles parfumées”, o que nos remete ao soneto “Floriram por engano as rosas bravas”. “Renouveau” lembra “Crepuscular”, de Pessanha, ainda que a expressão “hiver lucide”, em “L´hiver, saison de l´art serein, l´hiver lucide”, nos remeta ao soneto “Foi um dia de inúteis agonias”. “Une negrésse”, com seu verso “Pâle et rouge comme un coquillage marin”, leva-nos a “Esvelta surge!”, de Pessanha, ainda que o tema da “concha” seja relativamente comum, na poesia do fim-de-século... No mais, a complexidade vocabular de Mallarmé, e a sua complexidade sintática, estão mais próximas de Pessanha do que os poemas de Verlaine, mais diretos, digamos assim, com a exceção das “Paysages belges”. Os títulos referentes à música (Chanson bas, “petit air”, ...) também nos levam a Pessanha, bem como a “glacialidade” mallarmeana, que ecoa em praticamente todos os sonetos do poeta português. Poderíamos dizer que “Tristesse d´été” e “L´azur” lembram, respectivamente, “Esvelta surge!” e “Branco e vermelho”. Mas nenhuma dessas semelhanças se compara àquela encontrada entre o poema “Quando se erguerão as seteiras” e os dois poemas de Mallarmé, “Placet futile” e “Les fênetres”. A fim de visualizarmos essas semelhanças, imprimimos as peças em questão: Quando se erguerão as setteiras, Outra vez, do castello em ruina, E haverá gritos e bandeiras Na fria aragem matutina? Se ouvírá tocar a rebate Sobre a planicie abandonada? E sahiremos ao combate De cota e elmo e a longa espada? Quando iremos, tristes e sérios, Nas prolixas e vãs contendas, Soltando juras, improperios, Pelas divisas e legendas? E voltaremos, os antigos E purissimos lidadores, (Quantos trabalhos e perigos!) Quasi mortos e vencedores? ............. .............

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E quando, ó Dôce Infanta Real, Nos sorrirás do belveder? —Magra figura de vitral, Por quem nós fomos combater... (Placet futile) Princesse! à jalouser le destin d'une Hébé Qui point sur cette tasse au baiser de vos lèvres; J'use mes feux mais n'ai rang discret que d'abbé Et ne figurerai même nu sur le Sèvres. Comme je ne suis pas ton bichon embarbé Ni la pastille ni du rouge, ni jeux mièvres Et que sur moi je sens ton regard clos tombé Blonde dont les coiffeurs divins sont des orfèvres! Nommez-nous... toi de qui tant de ris framboisés Se joignent en troupeau d'agneaux apprivoisés Chez tous broutant les voeux et bêlant aux délires, Nommez-nous... pour qu'Amour ailé d'un éventail M'y peigne flûte aux doigts endormant ce bercail, Princesse, nommez-nous berger de vos sourires. (Les fênetres) Las du triste hôpital, et de l’encens fétide Qui monte en la blancheur banale des rideaux Vers le grand crucifix ennuyé du mur vide, Le moribond surnois y redresse un vieux dos, Se traîne et va, moins pour chauffer sa pourriture Que pour voir du soleil sur les pierres, coller Les poils blancs et les os de la maigre figure Aux fenêtres qu’un beau rayon clair veut hâler, Et la bouche, fiévreuse et d’azur bleu vorace, Telle, jeune, elle alla respirer son trésor, Une peau virginale et de jadis ! encrasse D’un long baiser amer les tièdes carreaux d’or. Ivre, il vit, oubliant l’horreur des saintes huiles, Les tisanes, l’horloge et le lit infligé, La toux ; et quand le soir saigne parmi les tuiles, Son œil, à l’horizon de lumière gorgé, Voit des galères d’or, belles comme des cygnes, Sur un fleuve de pourpre et de parfums dormir En berçant l’éclair fauve et riche de leurs lignes Dans un grand nonchaloir chargé de souvenir !

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Ainsi, pris du dégoût de l’homme à l’âme dure Vautré dans le bonheur, où ses seuls appétits Mangent, et qui s’entête à chercher cette ordure Pour l’offrir à la femme allaitant ses petits, Je fuis et je m’accroche à toutes les croisées D’où l’on tourne l’épaule à la vie, et, béni, Dans leur verre, lavé d’éternelles rosées, Que dore le matin chaste de l’Infini Je me mire et me vois ange ! et je meurs, et j’aime — Que la vitre soit l’art, soit la mysticité — À renaître, portant mon rêve en diadème, Au ciel antérieur où fleurit la Beauté ! Mais, hélas ! Ici-bas est maître : sa hantise Vient m’écœurer parfois jusqu’en cet abri sûr, Et le vomissement impur de la Bêtise Me force à me boucher le nez devant l’azur. Est-il moyen, ô Moi qui connais l’amertume, D’enfoncer le cristal par le monstre insulté Et de m’enfuir, avec mes deux ailes sans plume — Au risque de tomber pendant l’éternité ?

Isso sem dizer que a “magra figura de vitral” (ou a “maigre figure”, de “Les fênetres”) também está presente em “Sainte”, um dos poemas mais admirados de Mallarmé. À la fenêtre recelant Le santal vieux qui se dédore De sa viole étincelant Jadis avec flûte ou mandore, Est la Sainte pâle, étalant Le livre vieux qui se déplie Du Magnificat ruisselant Jadis selon vêpre et complie : À ce vitrage d’ostensoir Que frôle une harpe par l’Ange Formée avec son vol du soir Pour la délicate phalange Du doigt que, sans le vieux santal Ni le vieux livre, elle balance Sur le plumage instrumental, Musicienne du silence.

Nossa breve comunicação não poderia deixar de lado um outro ícone do fin-de-sécle europeu, com o qual Camilo Pessanha mantém uma certa afinidade. E uma afinidade, em certa

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medida, involuntária. Trata-se de Arthur Rimbaud, o poeta que, depois de implodir a poesia ocidental, tratou de refugiar-se na vida prática, afastando-se de tudo o que pudesse dizer respeito à literatura. Entre os livros que tinha em sua biblioteca, que, hoje, sabemos espoliada, e cujos restos permanecem guardados, em Macau, Camilo Pessanha possuía, pelo menos, um exemplar de Rimbaud, confirmadamente (v. PESSANHA, 2004, p. 202-30). A influência de Rimbaud, porém, não se reflete propriamente na poesia, mas em suas fotografias. Naquelas fotografias de um “exilado”, de um “retirado” da vida ocidental, no lado poseur de Camilo Pessanha, Poseur de Rimbaud, nas fotografias da Chácara do Leitão. Poseur de um “suicida social”, como o poeta francês, em roupas rústicas, fotografado numa rústica Abissínia. Terminamos a nossa comunicação e surge um problema, de que gostaríamos de tratar, a fim de preencher o espaço que ainda nos é destinado a escrever. Gostaríamos de tratar da questão da “influência”, tão citada no corpo deste texto, e que merece, ou requer, algumas considerações. A “influência” de que tratamos não se refere propriamente à influência de um homem vivo sobre outro homem vivo, mas, também, à influência de um mesmo espírito, que paira, freqüentemente, sobre os homens, e que move, muitas vezes, expressões semelhantes, de pessoas absolutamente distintas. Assim, a influência de Verlaine sobre Pessanha, talvez, possa ser mais tácita, respeitante a uma relação homem a homem. Entretanto, uma influência mallarmeana, por menos documentada, pode ser atribuível ao mesmo “espírito”, tratando-se de uma comunicação recebida por duas pessoas distintas. Um espírito de época, talvez, como diriam os alemães. O mesmo “espírito” que faz evocar, nos versos de “Imagens que passais pela retina” (“Flexão casual de meus dedos incertos”) o piano de Débussy, que Camilo Pessanha, possivelmente, jamais terá ouvido.

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