Caminhos da política: redes familiares, profissionais e partidárias na produção dos dirigentes da educação

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Almeida, A.M.F. & Bittencourt, A. (2013), Formação das elites brasileiras – estratégias educativas e globalizações. São Paulo: Hucitec. Pp. 213-247. [Seção: Modalidades de apropriação de conhecimento e competências no mundo globalizado]

Caminhos da política: redes familiares, profissionais e partidárias na produção dos dirigentes da educação1 Ana Maria F. Almeida Agueda Bernardete Bittencourt As reformas que provocaram a sistematização do ensino em termos nacionais a partir dos anos de 1930, assim como as que impuseram sua reorganização ao longo dos anos de 1990 são melhor entendidas quando vistas, pelo menos em parte, como resultado das lutas e acomodações que resultam da competição pela entrada de novas frações dos grupos dominantes nas posições de poder centrais, dando ensejo ao surgimento de reformadores de vários calibres e pretensões e ajudando a explicar tanto o desenrolar quanto os resultados das lutas em que se engajaram. Nas disputas que cercaram esses movimentos, as conexões espaciais de longa distância (Cooper, 2001), através ou no interior das fronteiras nacionais, têm sido instrumentais para impulsionar as carreiras daqueles que tiveram sucesso em entrar no circuito fechado dos especialistas atuantes na criação e/ou na renovação das instituições do estado no domínio da educação escolar2. O exame da trajetória social de Anísio Teixeira e Paulo Renato Souza é, nesse aspecto, instrutivo. O primeiro, cuja carreira se estendeu dos anos de 1920 até o final dos anos 1960, é apresentado na historiografia brasileira como um dos mais importantes personagens dos confrontos que acompanharam a construção do sistema nacional de ensino, um processo que se desenvolveu ao longo de todo esse período. O segundo, cuja carreira se iniciou no final dos anos 1960, foi ministro da educação entre 1995 e 2002 durante os dois governos Fernando Henrique Cardoso, período em que uma série de reformas permitiu ampliar e, em certos casos, transformar o controle do estado sobre educação escolar. As duas carreiras apresentam algumas similaridades. Tanto uma quanto a outra se iniciaram em famílias com inserção prévia na política e desenvolveram-se por meio de associação com grupos políticos já estabelecidos, mesmo quando isso implicou ou exigiu conversões drásticas das trajetórias políticas ou intelectuais dos dois indivíduos em foco. Além disso, aglutinaram em torno de si indivíduos com menos recursos para a luta 1

Versões anteriores desse trabalho foram apresentadas no Seminário Temático Grupos Dirigentes e Estruturas de Poder na 34ª. Reunião da ANPOCS em outubro de 2009 e no Séminaire Anthropologie Politique du Brésil, dirigido por Afranio Garcia e Vassili Rivron na École des Hautes Études en Sciences Sociales em janeiro de 2010. Agradecemos aos participantes desses encontros pelos comentários, especialmente a Afranio Garcia, Mario Grynszpan, Miguel Pablo Serna Forcheri, Christian Baudelot, Monique de Saint Martin, Roberto Grün e Ana Paula Hey. Agradecemos especialmente a Odaci Coradini pela ajuda na localização de fontes e a Letícia Canêdo tanto pela sugestão para que perseguíssemos essa comparação, quanto por inúmeras sugestões e críticas. As inadequações remanescentes são, claro, de nossa responsabilidade. 2 Para uma discussão sobre “o caráter operatório dos laços sociais no universo político contemporâneo”, ver Canêdo (2002a) e também Garcia (2004).

Almeida, A.M.F. & Bittencourt, A. (2013), Formação das elites brasileiras – estratégias educativas e globalizações. São Paulo: Hucitec. Pp. 213-247. política, com os quais estabeleceram relações de dependência de maior ou menor duração, compondo grupos de seguidores e fiéis escudeiros capazes de sustentar e se bater por propostas e projetos que pavimentaram sua trajetória política. Por fim, chegaram a altas posições no comando da educação nacional. De que maneira tudo isso nos ajuda a compreender o lugar que ocuparam nas lutas políticas em torno da educação escolar? Para explorar essa questão, mobilizamos dois eixos analíticos principais. Inicialmente, inspiradas pelos trabalhos de Bourdieu (2000) e, principalmente pela operacionalização de suas hipóteses na discussão sobre a militância proposta por Johanna Siméant (2001), examinamos as condições objetivas e subjetivas em que se deu a socialização dos dois indivíduos, focalizando principalmente as redes familiares e de sociabilidade em que estiveram inseridos e por onde puderam transitar. Relacionando suas trajetórias pessoais com a história social do seu grupo familiar, buscamos compreender a pulsão que demonstraram em investir na política e em fazer dela seu meio de vida principal3. Em seguida, procuramos compreender como essas disposições puderam se traduzir numa ação efetiva de aproximação com o mundo da política e como lograram chegar a posições tão altas nesse campo. Trabalhamos, nesse eixo, com a ideia de processo, pensando a entrada na política como “uma atividade social e dinâmica” (Fillieule, 2001, p. 200). Nessa perspectiva, a entrada na política não é vista como um desdobramento automático de disposições individuais construídas ao longo da socialização, mas como o resultado, nunca definitivo, dos encontros, das interações, da participação em redes de relações de vários tipos – inclusive afetivas. A noção de campo político forjada por Pierre Bourdieu (2000) dirige essa dimensão da análise, permitindo conceituar o espaço social historicamente definido, isto é, concretizado em normas, modos de fazer, modos de pensar compartilhados em que se desenvolvem tais interações, concebidas como relações de aliança e concorrência. A partir daí podemos compreender como se dá, num determinado momento do tempo, a ação política coletivamente articulada4. Linhagens políticas familiares: continuidades e rupturas Anísio Teixeira, como Paulo Renato, entrou na vida pública em seus estados de origem – Bahia, para Anísio Teixeira, Rio Grande do Sul, para Paulo Renato – como 3

Para uma discussão mais detalhada dessas hipóteses, ver Tomizaki (2010). Para uma série de artigos que abordam diferentes dimensões dessa questão, remetemos os leitores ao dossiê “Educação e Política: novas configurações nas práticas de militância”, organizado por essa autora e publicado na revista Pro-posições, 20 (02). 4 Esse artigo apresenta resultados preliminares de dois projetos de pesquisa desenvolvidos concomitantemente e ainda em andamento. Um deles, sob a responsabilidade de Agueda Bernadete Bittencourt, trata da relação entre as viagens de Anísio Teixeira ao estrangeiro e a difusão de conhecimentos no campo político nacional. O outro, sob a responsabilidade de Ana Maria F. Almeida, discute as condições de recepção da teoria do capital humano no Brasil e as implicações disso sobre a política educacional. Ambos os projetos inserem-se na pesquisa coletiva Circulação Internacional e Formação dos Quadros Dirigentes Brasileiros, coordenada por Letícia Bicalho Canêdo e apoiada pela Fapesp.

Almeida, A.M.F. & Bittencourt, A. (2013), Formação das elites brasileiras – estratégias educativas e globalizações. São Paulo: Hucitec. Pp. 213-247. herdeiros de projetos políticos desenvolvidos por suas famílias5. Além disso, ambos depararam-se na juventude com conjunturas de crise política nacional, cujo impacto sobre suas carreiras foi duplo. Por um lado, a crise gera uma politização mais ampla das relações sociais, acelerando os processos de formação dos jovens pretendentes e intensificando suas primeiras experiências políticas. Por outro lado, seu desfecho força a mudança de rumos dos seus projetos políticos, fechando possibilidades de transmissão até então imaginadas como possíveis e levando à busca de outros espaços de atuação. Anísio Teixeira nasceu em 1900. Era o oitavo filho do médico Deocleciano Pires Teixeira. Descendente de um capitão mor, sua família pertencia a uma camada social dominante, ainda que marcada pela instabilidade de seus negócios que se concentravam, sobretudo, na mineração e no comércio de diamantes. Foram seus casamentos sucessivos com três irmãs, herdeiras de vasta extensão de terra localizada no vale do rio São Francisco, que lhes permitiram alcançar a segurança necessária para seguir os aleatórios caminhos da política regional, “transformando-se em [...] prestigioso chefe político, figura quase legendária de respeitado líder sertanejo, de sólida fé republicana, no melhor estilo patriarcalista” (Lima, 1978, p. 16). Seu pai foi, assim, presidente do Conselho Municipal de Caetité, cidade localizada na Micro-Região da Serra Geral, Chapada Diamantina, zona de transição entre o planalto e a depressão do São Francisco que no passado já se firmara como “importante ponto de pouso e passagem aos que seguiam para a região do São Francisco e de Minas Gerais” (Aguiar, 2008: 1), onde vivia com a família. Foi também deputado provincial nas fileiras do Partido Liberal no final do Império. No início do período republicano, chegou a ser eleito senador estadual. Desse local, Deocleciano reparava as alianças políticas que se partiam nas lutas de família do sertão e nas disputas pelo poder com as regiões produtoras de açúcar e com o comércio litorâneo da grande Salvador (Lima, 1978). Os dez filhos de Deocleciano foram educados conforme as necessidades impostas ao mesmo tempo por essa engrenagem política e pela tradição de família de mineradores, marcada, desde gerações anteriores, pela passagem pelo mundo internacional e por universidades estrangeiras. Com exceção de Anísio, que se formou bacharel em direito, os demais formaram-se engenheiros, um deles com especialização em universidade americana. Um dos irmãos foi deputado estadual. Outro foi Secretário da Agricultura e da Aviação e lecionou Estatística, Economia Política e Análise Econômica, na Faculdade de Ciências Econômicas da Bahia (Pang, 1979; Lima, 1978). Quanto às suas quatro filhas, elas deram a contribuição feminina esperada para garantir os investimentos políticos da família. Apenas uma se casou. Outra dedicou sua vida ao projeto educacional do irmão. De Salvador, apoiava as iniciativas de âmbito nacional e internacional de Anísio, recebendo seus visitantes estrangeiros e operacionalizando convênios nacionais e internacionais na Bahia. As outras duas ficaram encarregadas de 5

Como fonte de informações sobre Anísio Teixeira foram utilizados os documentos constantes no arquivo do CPDOC/FGV e da Biblioteca Virtual Anísio Teixeira. Sobre Paulo Renato, foram utilizados documentos conservados no Arquivo Setorial da Universidade Estadual de Campinas e na Associação de Docentes de Unicamp, na Câmara dos Vereadores de Porto Alegre, na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, em memórias e depoimentos do próprio e de colegas e/ou contemporâneos publicados em meios acadêmicos e jornalísticos, além de informações encontradas no Dicionário Histórico Biográfico do CPDOC e nas obras que publicou como autor ou colaborador. Todos os documentos e publicações estão arrolados ao final do artigo.

Almeida, A.M.F. & Bittencourt, A. (2013), Formação das elites brasileiras – estratégias educativas e globalizações. São Paulo: Hucitec. Pp. 213-247. cuidar das obras sociais associadas ao nome da família, uma delas tendo passado anos em um convento católico. Outros membros da família já haviam ocupado importantes postos políticos. Antonio de Souza Spínola, avô de Anísio Teixeira, foi representante de seu distrito na Assembleia Provincial e no Parlamento Monárquico. Cesar Zama, primo de Anísio, foi deputado por 24 anos na Assembleia Nacional do Império e deputado constituinte da República. Estudou até os 15 anos em colégios jesuítas. Primeiro no Colégio São Luís em Caetité, depois interno no Colégio Antônio Vieira em Salvador. Da passagem por esse último adveio-lhe o interesse pela carreira religiosa, sonho que acalentou, mesmo durante o período que passou no Rio de Janeiro cursando direito na Universidade do Brasil por decisão do pai, que se opunha ao seu desejo e o queria distante da influência dos jesuítas do colégio. Foi nesse ambiente, portanto, que se deu sua educação. Bacharel, renunciou ao projeto de ordenação e retornou à Bahia almejando uma indicação para promotor público, passo inicial de uma carreira política. Anísio encontrava-se, assim, parte do grupo de jovens amigos, filhos de famílias tradicionais da elite baiana, de que se aproximara durante os anos de internato e que, também tendo concluído seus cursos de direito, davam seus primeiros passos na política6. Vários deles estavam associados ao governador Góes Calmon, recém-empossado, que havia composto um governo conhecido pela juventude de seus membros e pelo mote da reforma. Um deles, particularmente, Hermes de Lima, havia sido nomeado chefe do gabinete civil do novo governador e apressou-se a apresentar o amigo, entregando ao governador alguns artigos que Anísio publicara no jornal de sua cidade. Como resultado, Anísio é convidado, para sua própria surpresa e dos seus familiares, para o cargo de Diretor de Instrução Pública. Ainda que em dúvida sobre o significado desse posto para suas pretensões de carreira política, ele resolve aceitar o convite. Em carta a um de seus irmãos demonstrava, aos 24 anos, estar convencido da sua posição e o seu destino: [...] “ahi no sertão, você, por certo, já sentiu a absoluta necessidade de ser político. Assumir a responsabilidade de dirigir e orientar essa população sertaneja primitiva e pobre que ahí viceja, é a primeira inspiração de qualquer homem de cultura e de caracter, que pretende exercer no sertão a sua actividade. Nesse ponto, a abstenção é um crime [...] Superiores de facto, sejamos também superiores de direito, pelo espírito, pelo desprendimento, pela coragem”. (APMC. Acervo Particular da Família de Dr. Deocleciano Pires Teixeira, Grupo: Filhos de Dr. Deocleciano Pires Teixeira, Série Correspondências Diversas, 1924, caixa 01, maço 01 apud Aguiar (2008: 7-8).

Como veremos a seguir, será também de maneira inesperada que Paulo Renato vai adentrar os caminhos da educação. Ainda que mediada por um projeto político familiar, sua socialização política tem um forte componente partidário a que parecem se subordinar os laços de família. Nascido em 1945, foi criado em Porto Alegre. Estudou, como Anísio Teixeira, no colégio 6

Ver Canedo (2002 e 1993) para uma discussão sobre os usos da escola e da educação superior para obtenção das competências e habilidades úteis para o exercício da política e para a formação das redes de poder instrumentais para a sobrevivência no espaço político. Ver também Carvalho (2007).

Almeida, A.M.F. & Bittencourt, A. (2013), Formação das elites brasileiras – estratégias educativas e globalizações. São Paulo: Hucitec. Pp. 213-247. que os jesuítas mantinham na cidade, onde foram escolarizadas várias lideranças do movimento estudantil atuantes na década de 1960 (Reis, 2007, Coradini, 1998)7. Seu pai era advogado. Foi delegado de polícia e, em 1963, aos 50 anos, foi eleito vereador pelo PTB (Klockner, 2007)8. Em 1965, o aguçamento dos confrontos entre o PTB gaúcho e o regime militar provocou a destituição do prefeito eleito, também do PTB, e ele, como presidente da câmara, assumiu por alguns meses a prefeitura. Paulo Renato foi seu oficial de gabinete. Era o seu primeiro cargo público. Tinha 20 anos e cursava Ciências Econômicas na UFRGS. Em 1966, com o advento do bipartidarismo provocado pelo AI-2 e com os rearranjos partidários daí decorrentes, foi criado o MDB local. Como mostra Maria Izabel Noll (1995), a nova configuração partidária manteve a clivagem histórica no Rio Grande do Sul entre o PTB, representante da forte herança trabalhista no estado, que se aloja no MDB, e os outros partidos, PSD, UDN, PL, que se reúnem na ARENA9. Acompanhando o pai, Paulo Renato filiou-se pela primeira vez a um partido político – o MDB. Nesse mesmo ano, ao mesmo tempo em que o pai toma posse como deputado, ele se torna secretário da bancada do partido na Assembleia Legislativa Estadual, depois de uma rápida passagem pela assessoria de planejamento do governo estadual (DHB). Nesse período, que Paulo Renato classificará mais tarde como de “protomilitância” (Souza, 1986: 13), marcado pela conjuntura particularmente conturbada dos anos que se seguiram ao golpe militar, a Faculdade de Ciências Econômicas abrigava um diretório percebido por ativistas do movimento estudantil como “o mais bem organizado do Rio Grande do Sul” (Boletim Informativo Poli/USP apud Müller, 2010: 66). Ativo nos debates e nas disputas em torno da reforma universitária que agitavam vários campi universitários brasileiros, esse diretório agregou membros do Movimento Universidade Crítica, engajados na reação ao chamado “Decreto Aragão”, de 1966, que tornou “mais estrita e rigorosa a escolha para os cargos dirigentes das entidades estudantis (Cunha, 2009: 188)10. Também nesse período, particularmente entre 1965 e 1968, deu-se a aproximação entre os ativistas do movimento estudantil universitário ligados à Faculdade de Filosofia e à Faculdade de Ciências Econômicas e os professores da USP. Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, previamente engajado em trabalho de campo no Rio Grande do Sul para a pesquisa que resultou no livro Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional, ainda mantinha laços com o estado, como indica a sua participação na Semana de Sociologia da UFRGS em 1968 (Reis, 2001). Como conta Benício Schmidt:

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Para melhor acessar as minuciosas e eficazes operações de transmissão de habilidades, competências e conhecimentos necessários para a ocupação de posições dirigentes empreendidas por colégios onde se escolarizam os grupos dominantes e, entre esses, os colégios católicos, ver, para o caso brasileiro, Monteiro (2010), Almeida (2009), Perosa (2009). 8 Faltam-nos aqui informações mais detalhadas sobre a família de Paulo Renato, uma lacuna nos documentos até então localizados e na literatura que trata da política educacional levada a efeito pelo exministro recentemente desaparecido. Isso nos impede de apontar com maior precisão o modo de constituição de uma libido política nesse caso e acentua o caráter preliminar da discussão que apresentamos nesse artigo. 9 Ver também Reis (2001), especialmente a “Introdução”. 10 Para maiores detalhes sobre esse movimento, ver Müller (2010).

Almeida, A.M.F. & Bittencourt, A. (2013), Formação das elites brasileiras – estratégias educativas e globalizações. São Paulo: Hucitec. Pp. 213-247. “Estreitamos nossas relações políticas e acadêmicas com Florestan Fernandes, Octavio Ianni, Gabriel Cohn, Fernando Henrique Cardoso e muitos outros, em encontros semiclandestinos. Neste momento, as ciências sociais gaúchas estavam muito conectadas, já, a São Paulo. Todos nos imaginávamos fazendo pós-graduação na USP. Daí as muitas viagens que fazíamos a São Paulo, para entrevistas e aconselhamentos, com os nomes acima citados, entre outros. Muito sacrifício e muitas horas em ônibus em estradas sofríveis. (...) São Paulo parecia ser um destino de todos nós. Éramos muito próximos aos professores da USP. Muitos dos nossos tornaram-se “paulistas”, a partir desta ambientação e aproximação (Paulo Renato Souza, Plínio Dentzien, Mariza Correa, Evelina Dagnino, Brasilio Sallum, Geraldo Muller e outros)” (Bastos et al., 2006: 142).

Com a criação do CEBRAP em 1969, esses contatos assumiram novas feições. Os professores afastados da universidade pelo regime militar participaram de diversos encontros e discussões promovidos por estudantes ligados ao MDB em Porto Alegre e contribuíram para a criação do Instituto de Estudos Políticos, Econômicos e Sociais (IEPES) do MDB que se tornaria um importante espaço de aglutinação e formação de jovens militantes no início dos anos de 1970 (Reis, 2001). A aproximação, ainda nos anos 1960, entre Fernando Henrique Cardoso e Pedro Simon, a mais importante liderança estadual do partido no momento, o “cacique”, o “grande papa”, nos termos evocados pelos jovens militantes da época entrevistados posteriormente por Eliana Reis (2001)11, teria sido realizada por esses estudantes, entre eles Paulo Renato (Timm, 2010). Além do CEBRAP, os estudantes envolvidos nas disputas políticas encontravam nos trabalhos de economistas ligados à CEPAL, como Celso Furtado e, na nova geração, Maria da Conceição Tavares, elementos para se alinharem às posições de esquerda, pelo menos tal como esses alinhamentos estavam definidos desde os debates entre “monetaristas” e “estruturalistas” nos anos 195012. Como explica Maria da Conceição Tavares: “Os meus professores na Universidade do Brasil só estavam interessados em inflação, equilíbrio, estabilização e davam as explicações convencionais. Aí vêm os cepalinos e dizem: ‘Nós não vemos assim, nós somos estruturalistas, é preciso se preocupar com o desenvolvimento.’ (...) A CEPAL serviu também para me dar uma preocupação nova sobre o que é a formação histórica, a evolução histórica, o papel dos agentes econômicos em uma sociedade, como é que se desenvolve, portanto, uma perspectiva estrutural histórica” (Tavares, 2009).

Em 1968, Paulo Renato participou do XXIII Curso Intensivo de Treinamento em Problemas do Desenvolvimento Econômico, da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), ministrado em Porto Alegre. Como mostra Love (2005), os cursos da Cepal organizavam-se em torno de “conceitos econômicos e técnicas básicas, acompanhados pela doutrina estruturalista” (p. 118). Associada a outras instituições, esses cursos “treinaram e doutrinaram funcionários latino-americanos de nível médio em bancos centrais, ministérios de desenvolvimento e de finanças e professores

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Sobre a carreira de Pedro Simon e o MDB, ver Gril (2004). Ver em Loureiro (1997) uma apresentação documentada das oposições que vão constituir o campo dos economistas brasileiros no século XX. Sobre o debate mencionado, ver especialmente o capítulo 1. 12

Almeida, A.M.F. & Bittencourt, A. (2013), Formação das elites brasileiras – estratégias educativas e globalizações. São Paulo: Hucitec. Pp. 213-247. universitários” (p. 120)13. Embora alguns cursos estivessem sediados em Santiago, como veremos mais à frente, iniciativas locais foram desenvolvidas em grande número. Apenas no Brasil foram instalados oito centros organizadores de cursos entre 1963 e 1969 (Love, 2005). O curso seguido por Paulo Renato havia sido organizado pelo escritório brasileiro do convênio BNDE-CEPAL14. Contava entre os professores com a própria Maria da Conceição Tavares, Carlos Lessa e Antônio Barros de Castro, todos formados em economia na Universidade do Brasil. “O Centro CEPAL-BNDE fazia treinamento (...) em todas as agências de desenvolvimento do país. Treinava inclusive jovens estagiários. (...) Com o golpe, a relação ficou precária. (...) A essa altura o [Roberto] Campos era ministro do Planejamento e já estava convencido que nós éramos ‘meio perversos’, porque estávamos ‘fazendo a cabeça dos meninos’, segundo ele (Tavares, 2009).

O convênio CEPAL-BNDE foi rompido em 1968 e substituído pelo CEPALIPEA. Maria da Conceição Tavares se transferiu para o Chile ao final desse mesmo ano. O acirramento dos embates com o regime militar leva à cassação de Renato Souza em 1969. Seu filho deixa o Brasil nesse mesmo ano para fazer um mestrado no Programa de Estudos Latinoamericanos para Graduados, na Escola de Economia da Universidade do Chile. Conhecido por Escolatina, esse programa havia sido montado pelos economistas da Cepal e gozava de um grande prestígio junto à esquerda brasileira e sul americana. Em entrevista, ele explicou que fora atraído pela concepção de economia, pelas discussões sobre “a problemática do subdesenvolvimento, a problemática do atraso econômico, a falácia de um modelo desenvolvimentista” (Souza, 1984). Como se vê, confrontados a situações de crise, tanto Anísio Teixeira quanto Paulo Renato se vêm levados a reorientar seus planos. Nos dois casos, o resultado é uma flexão na trajetória que os força a posições um tanto inferiores às que pareciam destinados. O primeiro se vê titular de uma diretoria sem muito valor, o segundo vê alongar-se a sua escolarização. Resta, portanto, explicar como, a partir desse início nada promissor, os dois conseguem desenvolver carreiras que os levam a altas posições da política nacional. Como veremos a seguir, a passagem pelo estrangeiro foi um recurso importante nesse processo. Circulação internacional e construção de redes nacionais Viktor Karady (1998, 2008) na Europa e José Murilo de Carvalho (2007) no Brasil, entre outros, já mostraram que a circulação internacional das elites letradas não é um fenômeno recente nem exclusivo deste ou daquele país. Eles mostraram também que 13

Entre os instrutores encontravam-se, de acordo com Love (2005), economistas como Anibal Pinto, Jorge Ahumada, Antonio Barros de Castro, Maria da Conceição Tavares, Carlos Lessa, Leopoldo Solis, and Osvaldo Sunkel, sociólogos e politicólogos como Fernando Henrique Cardoso, Torcuato di Tella, Rodolfo Stavenhagen, Aldo Solari e Francisco Weffort. 14 Esse convênio havia sido estabelecido, em 1953, por instância de Roberto Campos, “para estudar a aplicação à economia brasileira dos métodos de planejamento estrutural preconizados pela Cepal” (Biderman et al. 2006: 15). Seus efeitos sobre a conformação da economia como profissão de Estado foram bem estudados por Loureiro (1998).

Almeida, A.M.F. & Bittencourt, A. (2013), Formação das elites brasileiras – estratégias educativas e globalizações. São Paulo: Hucitec. Pp. 213-247. as diferenças em termos das instituições em que elas se formam e dos países a que pertencem essas instituições podem ser articuladas às diferenças de concepção das lutas nas quais essas elites se engajam nos seus países de origem. A análise das modalidades de acesso ao internacional dos indivíduos em foco revela que nos diferentes períodos estudados, cinco vetores operacionalizam com mais frequência uma estadia no estrangeiro: os investimentos diretos das famílias, na forma tanto de recursos econômicos quanto de preparação anterior (na aprendizagem de uma língua estrangeira, por exemplo), a Igreja Católica, o Estado Brasileiro, as instituições dos países centrais (universidades, fundações filantrópicas, etc.) e, por fim, as agências multilaterais do pós-guerra. Entre 1925 e 1929, Anísio passou três vezes pelo estrangeiro utilizando quatro das cinco possibilidades (Bittencourt, 2009). Ele entra no circuito UNESCO nos anos de 1940. Paulo Renato, por sua vez, insere-se, ainda no Rio Grande do Sul, no círculo das instituições multilaterais do pós-guerra. Nos dois casos, um dos principais resultados dos périplos empreendidos foi o desenvolvimento de habilidades e competências que lhes permitiram construir laços fundamentais para a posterior participação na política nacional. Circuito norte-americano e laços baianos – o caso de Anísio Teixeira O estudo dos diários de viagem de Anísio Teixeira permite acessar com bastante precisão alguns dos efeitos de suas três viagens de juventude – uma para a Europa (Italia, França, Bélgica, Espanha e Portugal, circuito católico por excelência), duas outras para os Estados Unidos – sobre a constituição de sua carreira posterior como especialista em educação escolar. Elas lhe permitiram, por um lado, acumular conhecimentos de primeira mão sobre o sistema de ensino dos países “mais avançados” e sobre os debates que cercavam seu funcionamento: “Do lado técnico, eu ganhei evidentemente alguns conhecimentos novos. Do lado da formação geral, eu aumentei meu patrimônio cultural (...). O ensino primário francês é um modelo (...). Enquanto os países vizinhos se agitam na mais febril das atividades pedagógicas, o velho e sábio organismo do ensino primário francês espera pacientemente as conclusões definitivas. Seu espírito de conservação a excessiva complexidade da máquina escolar garantem a esse organismo um vigor e uma segurança excepcional” (Teixeira, Diário, 1926). “Eu, com sete diferentes cursos, estou lutando como posso para dar conta da matéria. Quero obter facilidades para trabalhar para aí. Continuo no propósito de escrever um text-book de educação. Que me diz? E ainda organizar um plano de ensino normal.” (Pereira Guimarães, 1982, carta 11/10/1928)

No entanto, tão importante quanto a apropriação de conhecimentos e o ingresso no espaço internacional obtidos por meio das viagens é o acesso que essas lhe propiciam a pessoas que se encontravam ou se encontrariam mais tarde em condições de participar da renovação institucional que teve lugar com a ascensão de Vargas. Esses efeitos são evidentes nas viagens aos Estados Unidos principalmente no período em que desenvolve seus estudos na Columbia University, entre 1928 e 1929, e torna-se amigo de Monteiro Lobato, à época Adido Comercial do Brasil em Nova York. Esse encontro - mediado por

Almeida, A.M.F. & Bittencourt, A. (2013), Formação das elites brasileiras – estratégias educativas e globalizações. São Paulo: Hucitec. Pp. 213-247. Otávio Mangabeira, político baiano ex-Ministro do Exterior - será fundamental para a aproximação de Anísio Teixeira a políticos e intelectuais paulistas De volta à Bahia, Anísio Teixeira vê frustrado, em decorrência da ascensão de Getúlio Vargas, o projeto, que é também de sua família, de apresentar sua candidatura a deputado federal. Com o futuro político bloqueado no estado natal, só lhe resta dirigir-se à capital federal, onde conta com alianças familiares e com a rede de relações de amizade que construiu no estrangeiro. Seus estudos acumulados em instituições estrangeiras consideradas de excelência lhe valeriam uma posição privilegiada na concorrência com outros indivíduos de formação local, garantindo-lhe a posse de competências susceptíveis de lhe assegurarem um lugar conveniente nos planos do novo governo. Sua rede de relações define o lugar alcançado por Anísio nos seus primeiros anos na capital federal. Estabelece um vínculo promissor com Fernando de Azevedo por meio da recomendação de Monteiro Lobato, que escreve: “Fernando. Ao receber esta, para! (...) Solta o pessoal da sala e atende o apresentado, pois ele é o nosso grande Anísio Teixeira, a inteligência mais brilhante e o maior coração que já encontrei nestes últimos anos de minha vida.” (Carta de Monteiro Lobato, apresentando Anísio Teixeira a Fernando de Azevedo, 1929).

Obtém um cargo de professor na Escola Normal do Rio de Janeiro, onde lecionavam notáveis personalidades da época. Por meio de Fernando de Azevedo, reencontra Afrânio Peixoto, afilhado de sua mãe, médico e escritor já célebre, que o apresenta a Venâncio Filho, presidente da Associação Brasileira de Educação — ABE — e a Pedro Ernesto, político ligado ao movimento tenentista (1922-1934), colaborador da Aliança Nacional Libertadora – ANL —, indicado pelo governo revolucionário e interventor do Distrito Federal. Themístocles Cavalcanti — ex-colega de turma na Faculdade de Direito (1920/1922), amigo do Ministro Francisco Campos – sugere seu nome para participar da reorganização do Ensino Secundário. Afrânio Peixoto e Pedro Ernesto passaram pela Faculdade de Medicina da Bahia onde provavelmente estiveram com membros da família de Anísio Teixeira que ali estudaram na mesma época, como foi o caso do deputado César Zama ou o próprio Deocleciano Teixeira, pai de Anísio. São provavelmente essas conexões que ajudam a explicar porque, em 1931, Anísio Teixeira foi convidado para a Diretoria da Instrução Pública do Distrito Federal, e estabelece vínculos com o movimento da Escola Nova reunido em torno da defesa de uma escola laica, pública, gratuita e obrigatória. (Paim, 1982). Primeiro no Ministério de Educação, com Francisco Campos, e em seguida como Diretor de Instrução Pública da capital federal, ele tem oportunidade de demonstrar sua familiaridade com o individualismo americano e com as instituições democráticas, como se pode verificar no livro que escreveu em 1934 (Schwartzman et al., 1982). Além disso, ele se mostra propenso a incorporar as novas competências adquiridas nas viagens ao primeiro mundo ao projeto de educação que imagina para o país (Chagas, 2000). Durante quatro anos na Educação do Distrito Federal, com o apoio de Pedro Ernesto, Anísio Teixeira encontrou as condições para dar início ao seu programa de construção nacional. Destacou-se como um dos mais dedicados debatedores do capítulo

Almeida, A.M.F. & Bittencourt, A. (2013), Formação das elites brasileiras – estratégias educativas e globalizações. São Paulo: Hucitec. Pp. 213-247. da Educação na Constituição de 1934, enfrentando notáveis confrontos políticos como ele mesmo declara em outra carta a Fernando de Azevedo, quando admite que “o capítulo da Constituinte contém o máximo que podia, no momento, triunfar entre nós” (Vidal, 2000, p. 27). Por outro lado tratava de fazer funcionar no Distrito Federal o laboratório do sistema nacional de educação, reformando a escola em todos os níveis. A culminância de seu projeto de organização política com base na competência técnica foi a criação da Universidade do Distrito Federal — UDF —, acreditando, que a universidade pública poderia vir a ser uma coordenação intelectual que irradiasse o conhecimento humano entre diferentes camadas da sociedade. Tratava-se, assim, de uma universidade para a formação de quadros para o estado e de professores para as escolas públicas. A pesquisa deveria servir à máquina pública e ao ensino. Esse projeto estava apoiado sobre contratações de intelectuais brasileiros com formação técnica semelhante à do próprio Anísio Teixeira, vindos de estados periféricos como é o caso da Bahia e de Pernambuco e não ligados às famílias de posses já instaladas na capital federal. Na lista de professores brasileiros, destacavam-se: Candido Portinari, Delgado de Carvalho, Gilberto Freyre, Heitor Villa-Lobos, Heloísa Alberto Torres, Josué de Castro, Sérgio Buarque de Holanda. Muitos destes reapareceram nos projetos da CAPES e INEP, nos anos cinquenta. Professores estrangeiros foram escolhidos na Sorbonne, no Collège de France e em Strasbourg, por Afrânio Peixoto. Anísio Teixeira, embora seduzido pelo progresso e industrialismo americano e convencido de que nesse modelo político e econômico estava a solução para os problemas brasileiros, não conseguiu escapar da competição com a experiência da Universidade de São Paulo e do prestígio da cultura europeia entre os quadros políticos e intelectuais dos anos 193015. O modelo americano só será difundido amplamente no Pós Guerra. No primeiro ano de funcionamento da Universidade, os movimentos insurrecionais que irromperam em novembro de 1935, no Rio de Janeiro, foram rapidamente identificados com um levante comunista pelo governo Vargas e contribuíram para uma forte radicalização ideológica. O setor mais conservador da Igreja Católica reunido no Centro Dom Vital, descontente com os avanços da laicização do ensino alcançada pelos escolanovistas na Constituição de 1934, acusou Anísio Teixeira de laços com o levante. Diante da possibilidade concreta de ser levado à prisão, como acabou acontecendo com Pedro Ernesto, e sentindo que a oposição à sua pessoa agravava a situação do governador do DF, Anísio Teixeira deixa o cargo e o Rio de Janeiro, auto exilando-se no interior da Bahia, onde se dedicou aos negócios da família como importador e exportador de minérios e máquinas, à espera de mudanças no quadro político nacional. Trata-se, no entanto de um exílio muito particular, pois permanece em contato com o mundo intelectual, realizando traduções de obras literárias, de história e de educação, convertendo-se em peça importante no espaço editorial brasileiro. Consolidase, assim, como uma notável inteligência no cenário nacional e como interlocutor de importantes intelectuais norte-americanos e ingleses. Viu seu exílio interrompido quando, foi convidado, por um desses intelectuais para atuar como conselheiro de educação superior da recém criada UNESCO (Viana Filho, 1990).

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Ver, sobre isso, a discussão proposta por Schwartzman et al. (2000), especialmente o capítulo 7.

Almeida, A.M.F. & Bittencourt, A. (2013), Formação das elites brasileiras – estratégias educativas e globalizações. São Paulo: Hucitec. Pp. 213-247. Anísio, entretanto, não se afasta de seus aliados da Bahia. Depois de nove meses em viagens por distintos países, retorna ao Brasil para se tornar Secretário de Educação e Saúde da Bahia, no governo de Otávio Mangabeira, aliado de longa data. Nesse período, foi autor do anteprojeto sobre educação da Constituição Baiana que organizou, por um lado, conselhos municipais de educação em todo o Estado e, por outro, o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, experiência pioneira de educação integral para jovens. São dispositivos que, mais tarde, serviram de modelo ao sistema educacional instalado em Brasília. Durante o segundo governo Vargas, o Ministério da Educação e Saúde foi mantido como espaço de acomodação das forças políticas aliadas, como o indica a alta rotatividade de ministros. Anísio Teixeira volta à cena nacional com a ascensão do grupo de políticos baianos ligados a Otávio Mangabeira. Três desses políticos se sucederam no comando do Ministério. O primeiro foi o jurista Ernesto Simões da Silva Freitas Filho, formado pela Faculdade de Direito da Bahia, fundador do jornal A Tarde, órgão renovador da imprensa local. Deputado federal antes da revolução de 1930, exilado na Europa durante o primeiro governo Vargas, entre 1938-1942, apoiou no seu estado o interventor indicado por Getúlio Vargas, Landulfo Alves16. Ernesto Simões organizou sua equipe com aliados e correligionários advindos de sua base política regional. Foi substituído mais tarde pelos também baianos Antônio Balbino de Carvalho Filho, um político ligado ao grupo de Otávio Mangabeira, e mais tarde por Edgar Rego Santos, médico e acadêmico, conhecido por ter organizado a Universidade da Bahia, da qual foi reitor por um longo período17. Além desses, Rômulo de Almeida, também político baiano, torna-se o organizador da Assessoria Econômica da Presidência da República (Mariani, 1992), peça–chave do projeto de desenvolvimento nacional dos anos 1950, no qual se inserem a política científica e tecnológica, a criação da CAPES e o projeto para a universidade brasileira e seus programas de pós-graduação. Essa composição no poder nacional alça Anísio Teixeira ao comando da Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, assumindo a secretaria geral e tratando de compor uma estrutura mínima para o funcionamento da Comissão, que acabou por se organizar sobre o tripé composto pelo secretário geral, um diretor executivo - o médico baiano - Almir de Castro -, e um diretor de programas - o engenheiro civil, também baiano, Adroaldo Junqueira Ayres. Esses poucos nomes encarregados de executar o programa inicial de trabalho mostram a unidade de um sólido grupo de executivos originários das famílias de posse da Bahia, exibindo lealdades asseguradas por décadas de amizade e por uma certa unidade de visão, construídas ao longo da passagem por colégios de elite, por universidades de prestígio e pelos estágios em universidades estrangeiras, especialmente norte americanas. Já em março de 1952, o INEP foi designado órgão executor das políticas da CAPES e Anísio Teixeira nomeado seu diretor. A partir dessa data, todos os projetos relativos à criação, expansão e integração do sistema nacional de educação mesmo que negociados, ou financiados, através da CAPES são executados no interior desse órgão. Além disso, Anísio Teixeira dedicou-se à criação de uma forte estrutura de apoio técnico aos distintos setores da educação nacional, organizada de forma descentralizada. 16 17

Fonte: Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro pós 1930. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2001. Fonte: Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro pós 1930. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2001.

Almeida, A.M.F. & Bittencourt, A. (2013), Formação das elites brasileiras – estratégias educativas e globalizações. São Paulo: Hucitec. Pp. 213-247. Contava, para concretizar esse projeto, com a cooperação internacional oferecida pelos técnicos da UNESCO e da Universidade de Columbia, mais uma vez utilizando essas alianças para melhor se posicionar na competição nacional. Funda, assim, em 1955, com Darcy Ribeiro, o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais – CBPE – organizado numa rede de centros regionais, implantados no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco, Bahia e Rio Grande do Sul. Vinculado ao INEP, o CBPE representou uma nova via para a rearticulação do grupo de que havia se constituído nos anos 1930 em torno do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova18 e da Universidade do Distrito Federal – UDF, o que estava sendo barrado, no INEP, pelas disputas com os antigos funcionários. Diz Darcy Ribeiro que a ambição do projeto era forçar as universidades brasileiras a assumir responsabilidades no campo educacional, na mesma proporção em que o faziam com respeito à medicina e à engenharia (Ribeiro, 1995: 33-36). Anísio Teixeira, cada vez mais consagrado como a grande liderança da educação, ao retornar da 1ª Conferência Internacional de Pesquisa Educacional nos Estados Unidos dá início ao Programa de Assistência Brasileiro-Americana ao Ensino Elementar (PABAEE), financiado pelo governo americano. O movimento pela educação se espalha, impulsionado pela euforia desenvolvimentista, atinge os intelectuais e cientistas de distintas disciplinas, médicos e físicos entre eles, e projeta Anísio Teixeira, levando-o a assumir, em 1955, a presidência da SBPC, maior associação de cientistas e intelectuais do país. Tamanha evidência na mídia e as alianças com intelectuais de esquerda no combate ao projeto conhecido como substitutivo Lacerda para a LDB – um projeto de lei articulado sob a liderança do Senador da Guanabara com a ala conservadora da Igreja Católica19 – além da notória importação do modelo educacional americano, país sabidamente protestante, levou um grupo de bispos a lançar o Memorial dos Bispos Gaúchos que acusa o diretor do INEP de comunista, extremista, defensor do monopólio do estado sobre a educação e de uma escola pública única. Culmina com o pedido ao Presidente da República do imediato afastamento do diretor do INEP20. Nesse contexto, um artigo publicado por Darcy Ribeiro e Almir de Castro em nome da Anísio Teixeira (10 coisas que eu sou contra e 10 coisas que sou a favor) provoca uma grande polêmica pública. Cerca de setenta editoriais de apoio ao educador são publicados em todo o Brasil e outros tantos são publicados em apoio à posição dos 18

Fernando de Azevedo e a USP em São Paulo, Mario Casassanta e Abgar Renault com a Universidade de Minas Gerais, no Rio de Janeiro, Gilberto Freyre e a Universidade de Pernambuco, Eloah Ribeiro Kunz e a Universidade do Rio Grande do Sul, além de Darcy Ribeiro e a Universidade do Brasil com o Museu Nacional, Carmem Spínola Teixeira e o Centro Educacional Carneiro Ribeiro na Bahia. Ver sobre esse assunto o estudo de Libânia Nacif Xavier (1999). 19 O projeto apresentado por Carlos Lacerda em 1958 definia a educação “como um direito da família”, cabendo ao Estado “oferecer recursos para que a família possa desobrigar-se do encargo da educação”. Isso desafiava diretamente posição assumida no projeto original (que tramitava desde 1948), que dava ao poder público a responsabilidade por “instituir escolas de todos o graus, garantindo a gratuidade imediata do ensino primário e estendendo-a posteriormente a todos os graus, inclusive à escola privada” (Saviani, 1997: 19). 20 A existência de um núcleo de oposição a Anísio Teixeira composto por setores conservadores da Igreja Católica é um vetor importante na sua carreira, produzindo inflexões como a que acontece com relação ao projeto UDF e, depois, com o golpe de estado de 1964. Esse elemento, sem dúvida crucial para essa análise não será discutido nesse trabalho.

Almeida, A.M.F. & Bittencourt, A. (2013), Formação das elites brasileiras – estratégias educativas e globalizações. São Paulo: Hucitec. Pp. 213-247. bispos católicos21. O episódio incita também os intelectuais a lançarem mão de sua mais eficiente arma de combate, os manifestos. Quatorze professores da USP assinam o documento Trabalhar pela escola pública não é propor política da escola única e o divulgam nos principais jornais do país22. O auge das manifestações foi marcado pelo lançamento do Manifesto dos educadores: mais uma vez convocados (janeiro de 1959) quando Anísio Teixeira exercia, além dos cargos públicos na CAPES, INEP e CBPE, a presidência da SBPC - escrito por Fernando de Azevedo e assinado por centenas de intelectuais, educadores e cientistas brasileiros. O documento retoma as ideias do Manifesto dos Pioneiros de 1932 e rebate uma a uma as acusações dos bispos gaúchos. Leva a assinatura de eminentes educadores, intelectuais, políticos e cientistas como: Cesar Lattes, Florestan Fernandes, Julio de Mesquita Filho, Leite Lopes, Sérgio Buarque de Holanda, Paulo Duarte, e mesmo do jovem sociólogo Fernando Henrique Cardoso, entre outros. Essa exposição configura a mais completa consagração pública do educador brasileiro, que permanece nos postos dirigentes da educação nacional até o Golpe Militar de 1964. O circuito Cepal em São Paulo – o caso de Paulo Renato Quarenta anos depois, Paulo Renato segue um percurso diferente, centrado na América Latina, mas que lhe rende lucros políticos semelhantes. Ingressa na Escuela de Estudios Económicos Latinoamericanos, conhecida por Escolatina, um programa de estudos de pós-graduação desenvolvido na Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da Universidade do Chile, tendo apresentado sua dissertação de mestrado em 1970. Como argumenta Fernanda Beigel (2009), pouco se reflete sobre as implicações da “emergência do Chile como centro de internacionalização” (p. 321). Isso tem impedido uma melhor compreensão dos princípios que regeram a renovação de quadros universitários e políticos brasileiros no momento da redemocratização na década de 1980, sobretudo se considerarmos a importância dos cursos pós-graduados desenvolvidos nesse país durante os anos 1970 para as frações das classes médias brasileiras cujas aspirações intelectuais e políticas foram confrontadas ao golpe militar na década de 1960. O acirramento da guerra fria, sublinha Verónica Montecinos (2009), fez com que “cruzados anticomunistas focalizassem o Chile, assim como propagandistas de reformas de diferentes orientações – democratas cristãos, social democratas, socialistas – assim como várias versões dos defensores da revolução social” (p. 143). No período que antecede o golpe de 1973, o Chile era de fato o ponto de imbricação das esquerdas latinoamericanas. “O interesse despertado pelo processo de transformação estrutural da 21

Um bom exemplo é a enquete realizada no Rio de Janeiro publicada no artigo: Gustavo Corção e outros. “Pais e governo pensam no problema do ensino em termos totalitários”. O Globo. Rio de Janeiro, 13 mar. 1958. Localização do documento: FGV/CPDOC - Arquivo Anísio Teixeira - ATj61 22 Assinaram o documento: Fernando de Azevedo, Lourival Gomes Machado, Florestan Fernandes, J. Cruz Costa, Egon Schaden, Fernando Henrique Cardoso, Marialice Foracchi, Gilda de Mello e Souza, Antonio Candido de Mello e Souza, Octávio Ianni, Paula Beiguelman, Gioconda Mussolini, Lívio Teixeira, Maria Isaura Pereira Queiroz, Renato Jardim Moreira, Dante Moreira Leite e Joel Martins. Cf. CORREIO DA MANHÃ. Trabalhar pela escola pública não é propor política da escola única. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 16 abr. 1958. Localização do documento: Fundação Getúlio Vargas/CPDOC - Arquivo Anísio Teixeira - ATj61

Almeida, A.M.F. & Bittencourt, A. (2013), Formação das elites brasileiras – estratégias educativas e globalizações. São Paulo: Hucitec. Pp. 213-247. sociedade chilena empreendido pelo governo democrático atraíram ao país muitos dos mais bem formados jovens da América Latina” (Sunkel, 2006: 3) em muitos casos em rota de fuga dos regimes repressivos que se instalaram em diferentes países da região. Os inúmeros centros de pesquisa que se instalaram em Santiago no período articulados ao sistema universitário nacional faziam do país um destino ímpar para os jovens militantes que, ao lado de uma formação pós-graduada, tomavam o Chile como laboratório de ideias a serem implementadas em seus próprios países. Tratava-se, como descreve José Serra, do “centro intelectual da região” (Serra, entrevista a Guido Mantega, 2006). Ou, como conta um professor que atuou na Flacso durante a década de 1970, “numa cidade pequena como era Santiago, todos estávamos em contato intelectual, mas também em contato físico, porque estávamos próximos uns dos outros e a Santiago chegavam grupos de latinoamericanos, ou melhor, enxurradas de latinoamericanos que queriam ver a experiência chilena de perto ou que queriam participar desses cursos e especializar-se (Bagú 2005 apud Beigel 2009). Nesse contexto, como explica Sunkel (2006), “a Cepal era fundamental, porque foi o lugar alternativo na América Latina para os latinoamericanos. Fundada em 1948, desenvolveu-se fortemente nos anos 1950, incorporando como tema fundamental, em meados dessa década, a integração latinoamericana. Com [a produção de] estudos de caso, abriu-se muito [trabalho de] campo em países da América Latina. Com os cursos [de treinamento] converteu-se num centro de formação de redes de comunicação para economistas latinoamericanos” (Sunkel, 2006). Três instituições foram particularmente agregadoras dos estudantes de esquerda: a Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales (FLACSO), criada em 1957, a Escuela de Graduados en Economía (Escolatina), criada em 1956 com ajuda substancial da Fundação Rockefeller (Beigel, 2009), ambas associadas à Universidade do Chile, e o Centro de Estudios Socioeconómicos (CESO) (Sunkel, 2006). Elas se opunham aos investimentos que a economia norte-americana via a Universidade de Chicago, também com forte apoio das grandes fundações filantrópicas como Ford e Rockefeller (Puryear, 1994), fazia no mesmo período na Universidade Católica. Como relata Verónica Montecinos (2009), entre 1968 e 1969, “Eduardo Boeninger, diretor da Faculdad de Económia dirigiu uma reforma curricular de amplas proporções que tornou a Escolatina uma alternativa atraente à pós-graduação nos Estados Unidos para os estudantes de esquerda. Esses eram escolhidos em meio aos candidatos mais capazes, por meio de um processo de seleção muito bem gerido. Professores viajavam para diferentes países da região para testar e entrevistar os candidatos”. Importante “plataforma do sistema de cooperação internacional”, como nota Beigel (2009: 321), o Chile abrigava ainda o escritório regional da FAO, da UNESCO, da OIT, entre outras agências23. Daí se compreende a possibilidade de Paulo Renato, após o mestrado, ter expandido sua atuação para tantas outras agências. Tornou-se professorassistente da Escola de Ciência Política e Administração da FLACSO entre 1969 e 1970. Entre 1970 a 1971 foi economista da Divisão de Desenvolvimento Econômico da CEPAL. Transferiu-se para o PREALC em 1971, quando a cooperação técnica se torna a 23

Não é fácil explicar que condições permitiram ao Chile, entre outros países talvez melhor posicionados em várias dimensões, assumir essa função. Na impossibilidade de resumir o sugestivo argumento que vem sendo desenvolvido por Fernanda Beigel sobre a questão, remetemos os leitores a seus trabalhos mais recentes (2010a,b).

Almeida, A.M.F. & Bittencourt, A. (2013), Formação das elites brasileiras – estratégias educativas e globalizações. São Paulo: Hucitec. Pp. 213-247. principal atividade da agência, chegando a assumir o cargo de diretor associado, entre 1975 e 1977. Desenvolveu ali uma série de trabalhos sobre diferentes países da América Latina e instituiu um programa de cooperação com os Estados Unidos que lhe permitiu passar três meses em Yale com bolsa da Fundação Ford (Souza, 1986). Além de assegurar as competências técnicas que lhe permitiram iniciar uma carreira universitária depois do seu retorno ao Brasil e, a partir daí, sustentar seu pleito de ingressar em postos de estado com a autoridade de especialista, a passagem pelo Chile lhe garantiu a construção de vínculos estreitos com jovens brasileiros exilados ou em fuga aos quais ele pode oferecer uma ajuda real no momento do golpe de Pinochet em função da sua condição de funcionário da OIT, detentor de um passaporte diplomático. Numa entrevista de 2009, Paulo Renato menciona as incontáveis visitas que fez, acompanhado por sua esposa, a José Serra, na época em que este se encontrava exilado na Embaixada da Itália em Santiago. “A época era dura. Durante as visitas, todos os sábados, nós tocávamos violão. Isso amenizava a situação daqueles que se encontravam bloqueados dentro de uma embaixada, sem poder colocar os pés na rua. Essa época consolidou minha amizade por Serra que continua forte, ainda hoje.” (Entrevista concedida à Revista Isto É Gente, 2009)

Enquanto isso, gestava-se no Brasil a instituição que abrigaria os economistas cepalinos no seu retorno – o Departamento de Economia e Estudos Econômicos da Unicamp. O departamento criado em 1967 tem na sua origem o secretário da educação do governo Faria Lima, Fausto de Castilho, egresso de um curso da Cepal como seu chefe de gabinete, Luiz Gonzaga Belluzo. Convidado por Zeferino Vaz a organizar a área de humanas da nova universidade, Castilho coloca os professores da seção paulista do curso no comando da operação, assim como recupera outros que estão no Rio de Janeiro (Lévy, 2006). Ao longo da década de 1970, o departamento vai se firmar como “a alternativa” (Tavares, 2006) à economia mainstream, contribuindo para reproduzir no Brasil as clivagens operatórias no Chile. Ao final deste período acolhe os cepalinos repatriados José Serra, que finalizara seu doutorado em Cornell, e Paulo Renato. A esses juntam-se Maria da Conceição Tavares, Carlos Lessa e Antônio Barros de Castro. Paulo Renato insere-se também no núcleo duro do MDB paulista ligado a Montoro. Torna-se consultor junto à Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap) do estado de São Paulo e junto à empresa Hidrobrasileira S.A., cujo proprietário era o futuro ministro Sérgio Mota, antigo militante da AP nos anos 1960 e, nesse período, coordenador da campanha de Fernando Henrique ao Senado, pelo MDB. Continuou ainda prestando serviços ao PREALC e à Cepal. Defendeu sua tese de doutorado na própria Unicamp em 1980, sob a orientação de Luiz Gonzaga Belluzzo, sobre A determinação dos salários e do emprego em economias atrasadas, ao mesmo tempo em que multiplicava suas atividades em várias frentes. Entre 1980 e 1982 foi presidente da Associação dos Professores da Unicamp (ADUNICAMP), participando do movimento por melhores salários que opunha os professores a Paulo Maluf. Quando os confrontos internos em torno da escolha do sucessor do reitor Plínio Alves de Morais culminaram na nomeação, pelo governador, de interventores no Conselho Diretor da Universidade, os “economistas da Unicamp”,

Almeida, A.M.F. & Bittencourt, A. (2013), Formação das elites brasileiras – estratégias educativas e globalizações. São Paulo: Hucitec. Pp. 213-247. agindo em bloco desempenharam um papel crucial para o selamento do acordo que levou José Aristodemo Pinotti à reitoria. O arranjo resultou na ida de vários desses economistas para postos importantes da gestão universitária e, em 1986, à eleição de Paulo Renato como sucessor de Pinotti. Paralelamente, ele havia se tornado, em 1980, superintendente da empresa Estudos e Projetos de Coque e Álcool da Madeira S.A. (Coalbra), dirigida por Sérgio Mota, em São Paulo e, em 1981, consultor da CEPAL e do Centro de Estudos Transnacionais (CET) da ONU, no Chile. Sua vinculação ao grupo que se consolida em torno de Franco Montoro se aprofunda nesse início de década e Paulo Renato participa da montagem do plano de governo deste apresentado durante a campanha eleitoral para o governo do estado de São Paulo (Souza, 2001). Com a eleição de Montoro em 1982, acumulou os cargos de assessor técnico de gabinete da Secretaria de Economia e Planejamento, assumida por José Serra, e chefe da Coordenadoria de Planejamento e Avaliação da mesma secretaria. Entre 1981 e 1983 foi também presidente da Fundação Pedroso Horta paulista, órgão de estudos políticos do PMDB. Em 1984, passou a acumular as funções de consultor de pesquisa no influente Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (DIEESE) e diretor-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo (Prodesp). Ainda naquele ano deixou esses cargos para assumir a Secretaria de Educação (Souza, 2000), onde permaneceria até o final do mandato, em 1986, quando foi indicado reitor da Universidade Estadual de Campinas. Em 1991, logo após o final do seu mandato como reitor, assumiu a Gerência de Operações do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em Washington, cargo que ocuparia pelos quatro anos seguintes, tendo servido também como Vice-Presidente Executivo interino ao longo do ano de 1993. Suas relações com o núcleo duro do PSBD continuam e ele se torna um dos coordenadores do programa de governo da candidatura Fernando Henrique Cardoso em 1994 e em 1998. Com a eleição deste para a Presidência da República, Paulo Renato assume o Ministério da Educação. Considerações finais O exame das trajetórias de dois protagonistas do espaço da política educacional é instrutivo com respeito a alguns aspectos. Ao identificar as redes a que os indivíduos em foco se vincularam, ele permite, em primeiro lugar, apontar o sentido coletivo dos empreendimentos políticos e as múltiplas determinações de que são tributários os percursos individuais. Mais especificamente, podemos ver em ação dois modos de acumulação de recursos no espaço político. Um primeiro, de que Anísio Teixeira é exemplo, mais embasado nas redes familiares e nos grupos políticos regionais a que essas davam acesso; e outro, expresso pela trajetória de Paulo Renato, ancorado em redes profissionais e no partido político. Se isso indica uma transformação durável e generalizável no campo da política, outros estudos poderão responder. Em segundo lugar, na medida em que supõe o inventário das alianças que os indivíduos estabeleceram, das oposições e confrontos com que lidaram, o estudo das trajetórias oferece um princípio de inteligibilidade dos seus pontos de inflexão, aqueles

Almeida, A.M.F. & Bittencourt, A. (2013), Formação das elites brasileiras – estratégias educativas e globalizações. São Paulo: Hucitec. Pp. 213-247. momentos marcados por conversões e reconversões de sentido da prática profissional e da atuação política. Com isso, evita-se o tratamento idealizado e abstrato da prática política ou a sua redução a imperativos externos aos indivíduos que, se são certamente princípios explicativos pertinentes, não oferecem todas as chaves necessárias para sua inteligibilidade. Por outro lado, o risco de se estudar o campo do poder a partir do exame das trajetórias individuais está em não se levar em conta o peso que processos mais amplos e de maior profundidade histórica podem ter sobre a configuração de percursos sociais específicos. Procuramos nos defender disso por meio do estudo do enquadramento institucional da circulação que empreenderam e da inscrição de suas disputas no quadro mais geral das transformações do campo do poder. Para melhor estabelecer esse ponto, talvez seja útil situar a diferença entre os percursos dos dois indivíduos focalizados no quadro das transformações nos usos da educação como objeto de políticas públicas, que passa de instrumento de construção da nação nos anos de 1930 e 1940, a instrumento de desenvolvimento econômico. No primeiro momento, a própria ideia de um sistema nacional de ensino está em gestação, assim como a própria ideia de escolarização generalizada. Responde-se às exigências da gestão com conhecimentos e habilidades jurídicos e pedagógicos para os quais Anísio Teixeira prepara-se eximiamente. A situação é completamente outra quando Paulo Renato se afirma como protagonista da educação nacional. Um documento elaborado no início do governo Fernando Henrique Cardoso, afirma que “é na escola que estão os problemas e é na escola que está a solução” (Brasil, 1995: 4). O sistema nacional de ensino está construído e a nação, assim como seus dirigentes, está convencida de que a educação deve ser tratada como uma política social fundamental. Sua gestão pode então ser apresentada como um problema organizacional, para o qual a ciência econômica parece ter a resposta mais correta. Com as políticas sociais tornando-se questão de Estado nos anos 1980 e 1990, a formulação e gestão dos programas educacionais passam a exigir um tipo de competência técnica que torne possível a interlocução com os organismos internacionais como, aliás, acontece com a Saúde e com a Assistência Social. Em que pese a diferença entre os períodos, a participação nos circuitos internacionais de circulação de saberes de estado foi fundamental para a construção de uma e outra competência. Referências Aguiar, Leiva Azevedo (2008), “A fina flor: elite e poder em Caetité (1920 -1940)”, Anais do Encontro Estadual de História – ANPUH-BA. Obtido em 13/07/2011 in: http://www.uesb.br/anpuhba/anais_eletronicos/Lielva%20Azevedo%20Aguiar.pdf Almeida, Ana Maria F. (2009), As escolas dos dirigentes paulistas, Belo Horizonte: Argvmentvm. Almeida, Ana Maria F. (2008), “O assalto à educação pelos economistas”, Tempo Social, vol.20, n.1, pp. 163-178. Bastos, Elide Rugai (2006), Conversas com Sociólogos Brasileiros, entrevistas por Elide Rugai Bastos, Fernando Abrúcio, Maria Rita Loureiro, José Marcio Rego. São Paulo: Editora 34. Beigel, Fernanda (2009), “La Flacso chilena y la regionalización de las ciencias sociales en América Latina (1957-1973)”, Revista Mexicana de Sociología 71 (2): 319-349.

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