CAMPANHA DA ETIÓPIA 1541-1543.pdf

May 22, 2017 | Autor: Luis Costa e Sousa | Categoria: Military History, Art History
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Campanha da Etiópia – 1541-1543

400 Portugueses em Socorro do Preste João

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BATALHAS

PORTUGAL

Luis Costa e Sousa

CAMPANHA DA ETIÓPIA 1541-1543

400 Portugueses em socorro do Preste João

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21-02-2008

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Título Campanha da Etiópia, 1541 – 1543. 400 Portugueses em socorro do Preste João Copyright ©2008, Luís Costa e Sousa e Tribuna da História – Edição de Livros e Revistas, Lda. Rua Pinheiro Chagas, 27 – r/c 1050-175 Lisboa Telefone : 21 315 04 38 Fax : 21 315 54 58 Correio electrónico: [email protected] Proibida a reprodução, no todo ou em parte, por qualquer meio, sem autorização do Editor. Imagens da capa: Estevão da Gama, vice-rei da Índia, retratto inserido no Lyvro de Plantaformas das Fortalezas da Índia, de Manuel Godinho de Herédia (Ministério da Defesa Nacional);..., no Roteiro do Mar Roxo de D. João de Castro (Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra); soldado do montante, gravura de Deghouy sobre desenho de Philipoteaux, inserta na Histoire de l’Armée Française et de tous les Régiments… (Paris, 1847-1858). Imagem da guarda: Pormenor do Planisfério de Cantino, 1502 (Biblioteca Estense, Modena, Itália) Editor Pedro de Avillez Paginação O Portal da História Capa Nuno Silva Revisão Manuel Amaral Impressão e acabamento: Acabado de imprimir em Dezembro de 2008 Depósito legal: ISBN: 978-972-8799-

Índice

Nota prévia .................................................................................................................... 2 1. O Rosto da Batalha ................................................................................................. 2 2. A Etiópia e o mar vermelho no século XVI ..................................................... 2 O cerco de Diu de 1515 3. O Preste João e o Reino Cristão da Etiópia .................................................... 2 3.1 Geografia ............................................................................................................... 2 3.2 A civilização de Aksum ....................................................................................... 2 3.3 O confronto com o Islão .................................................................................... 2 3.4 As Embaixadas portuguesas ao Preste . ............................................................ 2 A viagem de Pêro da Covilhã . .............................................................................. 2 O emissário etíope Mateus .................................................................................... 2 A embaixada de Duarte Galvão ........................................................................... 2 3.5 “El-Rei de Zeila”, Ahmad bin Ibrahim el-Ghazi ............................................ 2 Batalha de Shembera-Kuré (quarta feira, 11 de Março 1529) .......................... 2 Batalha de Antuquia (Fevereiro de 1531) ............................................................ 2 Batalha de Amba Sel (28 de Outubro 1531) ....................................................... 2 4. A expedição á Etiópia ............................................................................................ 2 4.1 As forças em confronto ...................................................................................... 2 A arte militar portuguesa de quinhentos ............................................................. 2 Equipamento ....................................................................................................... 2 Táctica ................................................................................................................... 2 As forças etíopes ..................................................................................................... 2 Táctica ................................................................................................................... 2 As forças de Adal .................................................................................................... 2 Equipamento ....................................................................................................... 2 Táctica ................................................................................................................... 2 O aparelho militar otomano .................................................................................. 2 4.2 Os Generais . ......................................................................................................... 2 Cristóvão da Gama ................................................................................................. 2 Ahmad bin Ibrahim el-Ghazi (Ahmad Gran) ..................................................... 2 4.3 A campanha de 1541-43 ...................................................................................... 2 2 Fevereiro 1541: O assalto a Amba Sanayt . ...................................................... 2 As batalhas dos “campos de Iartafe” ................................................................... 2 2 a 4 Abril de 1542: A primeira batalha dos “campos de Iarte” . .................... 2 A troca de desafios ................................................................................................. 2 9 Abril 1542: A segunda batalha dos “campos de Iarte” .................................. 2 Final de Agosto 1541: Tomada da “colina dos judeus” .................................... 2 28 de Agosto 1542: Batalha de Ofla .................................................................... 2 Epílogo: A batalha de Wayna Daga (21 de Fevereiro 1543) . ........................... 2 5. Conclusão .................................................................................................................. 2 Notas ............................................................................................................................... 2 Glossário ......................................................................................................................... 2 Bibliografia .................................................................................................................... 2 Índíce Remissivo .......................................................................................................... 2

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Nota Prévia

Tábua das portas do Estreito no Roteiro do Mar Roxo de D. João de Castro. Depois de estabelecido o primeiro contacto formal entre portugueses e abexins, os navios lusitanos fizeram várias outras incursões pelo “Mar Roxo”. Foi no decurso de um destes cruzeiros que teve início a notável campanha liderada pelo filho mais novo de Vasco da Gama. (Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra).

Foi em 1992 que tomei contacto com a crónica de Miguel de Castanhoso que descreve a intensa expedição à Abissínia comandada pelo filho mais novo de Vasco da Gama. Na altura, encontrava-me a recolher material sobre as campanhas militares terrestres portuguesas de quinhentos, na esperança de conhecer outras expedições de envergadura para além das conquistas e cercos no Oriente, da infeliz campanha marroquina de 1578, ou das derrotas durante a invasão castelhana de 1580-89. É salutar que hoje exista a consciência de que os confrontos terrestres portugueses quinhentistas apresentam um contexto muito mais rico do que até há bem pouco tempo se pretendia. E a campanha da Etiópia ocupa um lugar privilegiado. Logo às primeiras páginas da crónica de Castanhoso, o leitor menos avisado é colhido de surpresa. Uma expedição militar portuguesa internando-se pelo interior da Etiópia durante dois anos? A surpresa do leitor aumenta ao verificar que eram apenas quatrocentos soldados comandados por Cristóvão da Gama, irmão mais novo do então governador Estêvão da Gama. Improvisada no contexto do fracassado cruzeiro ao Mar Vermelho de 1541 – que não deixa de ser também um feito de envergadura – este pequeno grupo de portugueses levou a cabo uma missão que hoje nos pareceria impossível. Tratou-se de restaurar um reino que havia sido praticamente varrido por sucessivas campanhas militares lideradas por um dos mais notáveis generais muçulmanos que surgiu na região – o imam Ahmad bin Ibrahim el-Ghazi. A expedição à Etiópia é uma verdadeira pérola na história portuguesa. Sem outra causa directa para além da resposta ao súbito pedido de ajuda do imperador Galawedos da Abissínia um contingente de soldados ínfimo, evidentemente sujeito às paixões e interesses daqueles que o integravam, impediu objectivamente o desmoronar de um dos reinos cristãos mais antigos e misteriosos de sempre, o reino do preste João das Índias. Apesar da morte brutal do seu capitão-mor, estes portugueses – alguns feridos e aleijados e mancos – ainda quiseram estar na primeira linha da batalha que levou ao termo da ocupação islâmica. É pois uma saga de indivíduos de envergadura excepcional, cuja conduta inverteu o curso dos acontecimentos na Abissínia em meados do século XVI. Não é possível compreender o alcance da expedição liderada por Cristóvão da Gama em 1541-43 sem fazer referência ao processo que levou os portugueses a estabelecer contacto com o reino do Preste João das Índias. Assim, uma parte substancial deste livro foi dedicada a traçar toda esta envolvente que abarca inúmeras problemáticas, das quais o confronto de interesses com a Turquia otomana constitui um marco fundamental.

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A descrição que se faz da campanha de 1541-43 segue de perto o fio da História das cousas que o mui esforçado capitão Cristóvão da Gama fez nos reinos do preste João com quatrocentos portugueses que consigo levou. Este texto tem, necessariamente, que servir de base a qualquer estudo detalhado sobre os acontecimentos protagonizados pelo pequeno contingente português em terras do Preste João. Daí a utilização de numerosos extractos do texto de Miguel de Castanhoso, em redor dos quais se construiu uma narrativa, o mais aproximada possível à posição do autor como testemunha ocular dos acontecimentos.

Trajes Abexins e Árabes. Os trajes abexins apresentam várias semelhanças com a forma de vestir dos otomanos, nomeadamente o uso de “camisas compridas com mangas esteritas”. “Trajes dos abexins da Terra do Preste João, os quais em vez do baptismo costumam queimar umas marcas na cara” (à direita) e “marinheiros árabes, que os portugueses deixam governar os seus navios, onde na maioria das vezes também vivem com as mulheres” gravura inserida na obra Itinerário, viagem ou navegação para as Índias Orientais ou Portuguesas, de Jan Huygen van Linschoten, de 1596.

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1. O Rosto da Batalha

Ataque a uma fortaleza. Grande parte das operações militares quinhentistas consistiu em cercos a posições fortificadas. A campanha liderada por Cristóvão da Gama iniciou-se com o assalto a Amba Sanayt, também este um lugar fortificado, um tipo de operação militar que os portugueses levavam a cabo com frequência e elevado grau de sucesso. “Descerco da Fortaleza de Diu”, primeiro pano da tapeçaria dos Sucessos e Triunfos de D. João de Castro na Índia, 15551560 (Kuntshistorisches Museum, Viena).

Tinha amanhecido havia pouco tempo sobre o planalto de Amba Sanayt quando soou o som estridente duma trombeta. E logo de seguida desencadeou-se o inferno. Primeiro dois enormes estrondos quase simultâneos provocados pelo disparo dos canhões, para se seguirem outros seis a curto intervalo entre si. Ainda não haviam terminado de disparar as peças de artilharia, tocou o tambor e ouviu-se a chamada dos oficiais, “arma, arma”. Logo de seguida cerca de cem portugueses arremetiam furiosamente na direcção da estreita vereda que os havia de levar ao topo da serra. Apesar de protegidos com os capacetes e couraças, tombou um dos portugueses, atingido pela chuva de flechas e pedras lançadas de cima. Mas a presença do capitão-mor gritando “Santiago, a eles”, e a bandeira real junto com os homens da frente, imprimiu novo alento aos atacantes. Mais mouros surgiam entretanto nas abas da serra com a intenção de ripostar, mas já se ouviam os primeiros estampidos dos mosquetes que logo os atingiam, ou então eram impiedosamente varridos pelos canhões que disparavam a uma velocidade vertiginosa graças à retrocarga com que estavam munidos. Antes dos defensores se aperceberem do que se passava, caía sobre eles uma chuva de ferro, ao mesmo tempo que os portugueses investiam ferozmente sobre as primeiras defesas. João Bermudes não podia deixar de sentir uma certa vaidade em fazer parte deste grupo de homens, que agora tentava realizar o que ontem todos diziam ser impossível. Isto apesar da revolta que sentia por considerar que o seu afastamento da liderança da expedição se devia ao facto do comandante da frota, D. Estevão da Gama, ter dado preferência ao seu irmão mais novo Cristóvão. Ele, João Bermudes, que havia ficado na Abissínia desde a embaixada de D. Rodrigo de Lima e conhecia aquela corte abissínia como se de família se tratasse, que tinha sido feito patriarca pelo próprio Preste, e por ele enviado a Roma e Portugal como embaixador? Mas, afinal, quem pode manda, e os pergaminhos de família do capitão da frota e governador da Índia haviam pesado na balança. Porém, o filho mais novo do falecido almirante Vasco da Gama desempenhava bem o seu papel. Prudente, havia preparado cuidadosamente a campanha nos meses de inactividade forçada, e afinal parecia muito saber das coisas da nova milícia. Havia que reconhecer que a manobra da véspera tinha surpreendido todos, até ele, João Bermudes, que uma vez mais, não havia sido informado que se preparava uma acção de exploração ao campo inimigo. E, ao fazer avançar parte das suas forças, os mouros caíram no erro de revelar as posições. Para mais, aligeiraram depois a vigilância, julgando ter feito recuar os inimigos. Como os próprios abissínios também o julgaram.

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Junto da tenda da rainha Sabla Wengel, já se respirava o fumo acre dos disparos, e não parava o ribombar da artilharia e o troar dos disparos das espingardas. Ao longe, viam-se cair alguns dos defensores do alto da serra, e os portugueses já se encontravam junto às estreitas veredas que os levariam ao topo, sem sofrerem perdas de maior – apenas um ou dois haviam caído. Quem diria? Quando na véspera o capitão português lhes afiançava que no dia seguinte entregaria a serra à rainha, levantaram-se vozes, perguntando se não tinham sido eles rechaçados essa tarde, como haviam eles de entregar a amba no dia seguinte? Pretendiam eles ser homens enviados por Deus1?

Exército em marcha. Coluna militar em movimento, com os soldados atiradores na frente, seguidos dos estandartes e músicos. O pequeno exército português apresentaria certamente, grande semelhança com os tipos militares representados nesta gravura que lhe é contemporânea. Pormenor de uma das tapeçarias sobre a Conquista de Tunes, desenhadas por Jan Cornelius Vermeyen, em meados do séc. 16 (Museus do Escorial, Madrid).

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O Índico ocidental no século XVI

tUrQUia

PérSia Suez

ormuz

Cairo

Rota habitual das “naus de Meca” que íam para a Índia

ÍNDia Meca

arÁBia Diu Mar Da arÁBia

Goa

Socotorá Cochim aBiSSÍNia

Rota habitual das “naus de Meca” que íam para Malaca

Melinde Mombaça

Quíloa

Moçambique

oCEaNo ÍNDiCo

MoNoMotaPa

Sofala

São LoUrENço (Madagascar)

CEiLão

MaLDivaS

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2. A Etiópia e o mar vermelho no século XVI Depois do regresso de Vasco da Gama a Portugal, a nova armada de Pedro Álvares Cabral chegou por sua vez a Calicute em Setembro de 1500, depois de uma viagem acidentada, mas que ficou marcada pelo desembarque dos portugueses na costa do Brasil. A passagem de Cabral pelo oriente dá o mote para o que será o futuro da presença lusitana nestas paragens, onde se misturaram o mercantilismo com a intervenção militar. Um misto de encontros de culturas e desencontros de interesses, onde a força militar exerceu o seu papel, marcando o início efectivo da imposição da presença portuguesa pela força das armas. Depois da recepção hostil à armada de João da Nova de 1501, a segunda viagem de Vasco da Gama, tivesse ou não objectivos punitivos, será o exemplo de uma atitude mais agressiva dos portugueses. Estes novos protagonistas vão, naturalmente, alterar todo o equilíbrio existente e forçar a entrada em cena, no teatro de operações do Índico, de novos protagonistas – primeiro os mamelucos do Cairo, depois os turcos otomanos. Não entrando inicialmente em força por dentro do Mar Vermelho – o mar roxo, segundo os portugueses – zona que directamente afectava o Egipto mameluco, não subsistem ainda assim quaisquer dúvidas de que a entrada dos portugueses na teia do tráfico da especiaria vai, de uma forma ou outra e com maior ou menor grau, reflectir-se nos dividendos comerciais – e monetários! – que esta potência islâmica daí retirava. Embora não pareça evidente que nos primeiros anos a presença dos portugueses no Índico se apresentasse como uma ameaça séria, em breve se formalizou uma resposta. Quando finalmente o sultão do Cairo reage coligado com o sultanato de Guzerate e com o reino de Calicute, encontrará os portugueses prontos, solidamente implantados nas fortalezas entretanto edificadas, e com o apoio de uma frota moderna. Deste confronto inicial resultaram as batalhas navais de Chaul (1508) e Diu (1509), que permitiram consolidar a presença lusitana no Oriente. Contudo, a maior ameaça ao mar islâmico que era então o Mar Vermelho estava ainda para acontecer no ano seguinte, pela mão do capitão-mor Afonso de Albuquerque. No rescaldo da destruição da frota na batalha de Diu, o sultão do Cairo deu a breve trecho início à construção de novas embarcações de guerra. Encontrando-se a par destes preparativos, graças a uma bem gerida rede de informadores, Albuquerque tentou por diversas vezes a destruição da frota, objectivo que considerava primordial.

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Logo no seu primeiro ano em funções, rumou ao Mar Vermelho com o objectivo de alcançar o Suez, onde estavam a ser construídas as embarcações inimigas, mas foi distraído do seu objectivo inicial por ter dado prioridade à conquista de Goa. No ano seguinte o mesmo sucedeu, desta vez por entender proceder à ocupação da cidade de Malaca. Finalmente, em Março de 1513 entrou no mar roxo à cabeça de uma frota substancial. Contudo, a primeira fase das operações, o assalto a Adém, saldou-se por um fracasso, e os ventos contrários impediram qualquer progresso para lá da ilha do Kamaran (Camarão). O fracasso dos portugueses deu tempo para o sultão do Cairo continuar com os preparativos e terminar a construção da frota, que finalmente largou do Suez em 1515, seguindo na direcção de Judá. Seria objectivo principal apenas a consolidação do poder do sultão do Cairo sobre o Mar Vermelho, defendendo-o contra futuras incursões dos portugueses, sem qualquer ambição – pelo menos imediata – de estender a sua influência para lá do cabo Guardafui. A anterior expedição a Diu poder-nos-á levar a supor que os mamelucos não tivessem desistido de outra expedição ao Oriente. Em todo o caso, vários factores impediram o sucesso desta operação, e a frota acabou por ficar fundeada em Judá.

O cerco de Diu de 1515 Um dos factores que contribuiu para o fracasso da iniciativa militar do sultão do Cairo iria pesar no futuro, e consistiu no agravar da tensão entre mamelucos, a grande potência no Mar Vermelho, e os otomanos, que haviam iniciado uma progressiva ascensão desde a tomada de Constantinopla em 1453. A expansão dos otomanos, que os tornou nos grandes campeões do Islão, acabou por colocá-los em confronto com o Egipto mameluco. A campanha militar que culminou com a ocupação do Egipto em 1517, demonstrou uma superioridade militar incontestável dos turcos. E este movimento na direcção do Mar Vermelho incutiu um carácter imperial ao estado otomano, estabelecendo finalmente uma ligação ao mundo oceânico2. Como vemos, sucediam-se as operações militares de um e outro lado, embora sem qualquer resultado decisivo. Em Fevereiro de 1517, já com Lopo Soares em substituição de Albuquerque, os portugueses tentaram de novo a destruição dos navios muçulmanos. Embora agora a tarefa parecesse bem mais exequível pela proximidade da frota inimiga, que se encontrava fundeada em Judá, os portugueses falharam uma vez mais o seu objectivo. E em 1520, o novo governador da Índia, Diogo Lopes de Sequeira, tentou novamente o que o seu antecessor não havia conseguido, mas as operações foram de novo mal sucedidas.

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Embora redundando em fracasso, estas sucessivas operações militares de envergadura, junto com a presença das armadas portugueses de patrulha ao estreito de Bab el Mandeb3, acabaram por ter um impacto negativo na navegação comercial através do Mar Vermelho. Embora hoje em dia se discuta qual a verdadeira amplitude deste bloqueio4, a verdade é que a navegação livre dos muçulmanos desde o Índico para o Mar Vermelho se encontrava de alguma forma ameaçada. Nos anos seguintes à vitória sobre os mamelucos, os otomanos, novos senhores do Egipto desde meados de 1517, não dispunham ainda de poder suficiente para impedir a entrada dos portugueses pelo Mar Vermelho dentro, por esporádica que fosse. E podemos pensar que, sendo de algum modo recém-chegados à região, não se apercebessem de todas as movimentações de forças que aí ocorriam. O resultado, porém, foi no sentido de não continuar o processo ofensivo dos seus antecessores mamelucos. Da mesma forma, os portugueses não evidenciavam a potência militar necessária para cumprir os objectivos traçados por Albuquerque – construir fortalezas em Massuá e Adém, que lhes serviriam de base para efectuar incursões regulares com o objectivo de destruir as frotas islâmicas no Suez, ou onde quer que estivessem fundeadas. No entanto, desde 1527 que chegavam entretanto apelos de ajuda vindos da Índia muçulmana e, juntos com um relatório datado de 1525, no qual se aconselhava vivamente a encetar uma postura ofensiva, revela que círculos próximos do sultão otomano entendiam que os portugueses constituíam uma séria ameaça ao comércio no Mar Vermelho. Ainda nesse mesmo ano de 1525 é enviada uma expedição a Adém, que talvez tenha servido como ensaio a uma intervenção mais musculada e duradoura. Em 1532 e 1536 surgem novos apelos dos poderes muçulmanos do continente indiano, desta vez de Bahadur Sha de Guzerate, solicitando o apoio militar da Porta5. Assim, depois da bem sucedida campanha contra a Pérsia que durou de 1533 a 1536, os otomanos parecem finalmente resolvidos a organizar uma intervenção, desta vez mobilizando toda a sua potência militar disponível. A expedição saiu do Suez em Junho de 1538 e apesar das mensagens conciliatórias aos emires locais, sempre avessos a intervenções externas, o cruzeiro tornou-se num itinerário de extorsões e violências, cuja notícia chegou rapidamente aos ouvidos aterrorizados daqueles que antes haviam solicitado a intervenção otomana. E desta forma ficou desde logo comprometido o êxito da expedição para lá do Mar Vermelho, pelo menos no que respeita a uma eventual colaboração com os governantes indianos. Ou talvez o principal objectivo da manobra fosse a imposição da autoridade dos Otomanos

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apenas numa região alargada até ao estreito, onde a incursão ao Índico teria Os franges segundo o padre Francisco Álvares um papel tão secundário, de forma que o comandante da frota não teria investido Porque muitas vezes digo franges, quero dizer que, quando Lopo Soares, Capitão-Mor e Governador que foi da Índia, toda a sua vontade no cumprimento deschegou a Judá com grossa frota, em a qual eu também fui, te objectivo. que estavam na dita ilha de Judá sessenta homens cristãos Em todo o caso, há que considerar que cativos dos turcos. Estes cristãos eram de muitas nações os processos de planeamento estratégico (…) estes são os franges, e os mais são genoveses, dois da época se alteravam em função de nucatalães, um de Chios, outro biscainho, outro alemão (…) e a nós também nos chamam franges, e a toda a outra gente merosas variáveis, uma das quais – quiçá branca8. a mais importante – a acção dos diversos grupos de influência integrados nas entourages dos governantes. No caso dos otomanos, parece ter então aflorado “no círculo restrito dos Pachas da Porta”6 um importante grupo de pressão, no qual terá desempenhado papel de relevo o grão-vizir Ibrahim Pacha. Este havia ocupado o cargo de governador do Egipto durante o ano de 1525 e, certamente conhecedor das movimentações na região, seria por isso sensível a uma demonstração de força que permitisse aí estabelecer, de vez, a autoridade otomana. Logo em Judá o comandante da frota, Hadim Suleyman Pacha, mandou torturar o governador local e a família. E chegado a Adém, fez enforcar Amir ben Daud junto com o seu wazzir, na verga grande do navio almirante7, para de seguida soltar a turba dos soldados na pilhagem à cidade. Deixou depois uma guarnição sustentando o novo governador turco. A frota entrou então no Índico, dirigindo-se a Diu com a intenção de lhe pôr cerco, que contudo resultou em completo fracasso. Talvez a perspectiva de um confronto com uma eventual esquadra portuguesa de socorro tenha desempenhado um papel dissuasor. De facto, a frota otomana consistia maioritariamente em navios de remo, que face a barcos oceânicos, mais rápidos e melhor artilhados, não teria grandes possibilidades de êxito. O regresso da expedição ao Mar Vermelho fez-se nos finais de 1538, e lançou o pânico entre os habitantes da região, que recearam a repetição das violências antes cometidas; o medo era plenamente justificado, como se encarregou de o demonstrar Suleyman Pacha. De facto, os otomanos fizeram cair metodicamente todos os governadores Defesa de Diu suspeitos de hostilidade, eliminando-os e colocando em seu lugar homens Iluminura do Sucesso da sua inteira confiança. E para além das inequívocas instruções superiores do Segundo Cerco de Diu de Jerónimo Corte que trazia Hadim Suleyman Pacha, a forma implacável como o comandante Real, 1574 (Arquivo otomano executou as ordens parece indicar uma certa frustração perante o Nacional da Torre do desaire sofrido frente aos franges em Diu. Tombo, Lisboa).

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A máquina militar dos turcos. Um exército otomano em marcha (gravura do séc. 16).

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Chegados a Zebid, depois de morto o governador, a cidade foi anexada ficando aí estacionada uma guarnição acompanhada de alguns navios. Aportando depois em Judá, Hadim dirigiu-se a Meca onde impôs uma série de medidas restritivas, mostrando assim aos poderes locais que pretendia assumir o controlo. O resultado desta campanha não foi assim, desastroso, uma vez que os turcos firmaram definitivamente a sua autoridade a todo o Mar Vermelho, nomeadamente ao Iémen. Os resultados enquadraram-se perfeitamente dentro das intenções do sultão, que ambicionava recuperar Istambul como centro comercial da especiaria, à semelhança da Constantinopla Bizantina de outrora. Até porque a facilidade com que a armada havia chegado à fortaleza de Diu, um dos pontos estratégicos do dispositivo defensivo português, deixava transparecer que estes não dispunham de meios suficientes para impedir outras incursões dos muçulmanos9. Contudo, os portugueses tentaram uma reacção em força, no sentido de eliminar a ameaça da frota turca baseada no Suez. Porém, este esforço seria em vão. A eventual destruição da frota seria sempre uma acção pontual, porque sem bases no Mar Vermelho – recordemos que nenhuma das posições pretendidas por Albuquerque no mar Vermelho havia sido concretizada; a começar pela cidade de Adém, na entrada do estreito de Bab el Mandeb, que se encontrava agora solidamente nas mãos dos turcos. Ainda assim, a expedição, cuja preparação havia começado a ser estudada pelo governador D. Garcia de Noronha, foi posta em prática pelo seu sucessor D. Estêvão da Gama, o filho mais velho de Vasco de Gama. E era uma poderosa armada que saiu de Goa a 31 de Dezembro de 1540 mas que, uma vez mais, falhou o seu objectivo. A frota demorou-se no cruzeiro pelo mar roxo e, quando chegou ao Suez a 27 de Abril de 1541, não lhe foi possível ultrapassar a defesa que entretanto havia sido preparada. De regresso, a armada aportou em Massuá a 22 de Maio, onde havia chegado um emissário do Preste João – o imperador Cláudio – com um pedido de ajuda contra os invasores muçulmanos de Adal. E assim, embora não cumprindo o seu objectivo principal, a armada de D. Estêvão da Gama desempenhou um papel crucial na história da Etiópia, como iremos ver.

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A Etiópia, o mar vermelho e o Corno de África, no século XVI Judá

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oceano Índico

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3. O Preste João e o Reino Cristão da Etiópia 3.1 Geografia A Etiópia insere-se numa região de contrastes geográficos, de onde se destaca um maciço montanhoso central, fundamentalmente constituído por dois planaltos separados pelo grande vale do Rift, que corta o país sensivelmente a meio, na direcção nordeste-sudoeste. Vários rios atravessam os planaltos; o mais importante destes é o Nilo Azul, que nasce no lago Tana, situado a norte. O acidentado de grande parte do território dificultou desde sempre as comunicações entre regiões, sobretudo nas épocas das chuvas, tornando virtualmente impossível qualquer deslocação em determinadas zonas. Para o padre Francisco Álvares as escarpas do rio Muger, em particular, deixaram-lhe uma profunda impressão, e perto do lago Tana encontram-se as cascatas do Nilo, que jorram de uma altura de quase 40 metros. E o Rãs Dejen, onde os portugueses se terão refugiado em 1542, situado nas montanhas do Simien, é um dos pontos mais elevados de toda a Etiópia com mais de 4.200 metros de altitude. Destes contrastes na topografia resultou a perpetuação de diferentes identidades culturais, linguísticas e religiosas em determinadas zonas, defendidas por uma geografia agreste. No caso do cristianismo, este manteve uma forte presença na região do Tigrai, como o demonstra a mais de uma centena de igrejas ainda existentes na região, e muitas delas desconhecidas até há bem pouco tempo; permitiu ainda, a sua sobrevivência em face ao Islão militante de Ahmad Gran, como mais à frente veremos. Outro acidente geográfico importante encontra-se a leste, uma grande planície semi-desértica que consiste numa das áreas de cota mais baixa de toda a África, a depressão de Danakil, que nos seus extremos nordeste e sudeste tem o porto de Massuá e a cidade de Zeila, respectivamente. Foi este o deserto que Pêro da Covilhã atravessou em 1493. As chuvas ocorrem em duas estações distintas, a primeira entre Fevereiro e Abril, durante a qual ocorre um precipitação fraca. A maior pluviosidade tem lugar em meados de Junho, estendendo-se até meados de Setembro.

3.2 A civilização de Aksum São os persas que, no século III depois de Cristo, referem a existência do Reino dos Aksumitas, considerado como um dos maiores impérios na altura, a

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par com o Império Romano e a própria Babilónia. Ocupava um território situado na actual Eritreia cujas fronteiras, limitadas por diversos acidentes geográficos, se estendia até ao Mar Vermelho. A capital Aksum situava-se no planalto do Tigre, a mais de 2000 metros de altitude. Esta civilização construiu-se, muito provavelmente, sobre uma cultura mais antiga relativamente obscura, com ligações a um reino denominado Daamat e com o vale do Nilo, como se pode comprovar por exemplares de cerâmica, ou nos obeliscos existentes em Aksum, que nos remetem para uma analogia formal directa com os obeliscos egípcios. Em 1 d.C. da era cristã um mercador de Alexandria nomeava o povo chamado aksumita. Este povo havia de alcançar grande prosperidade nos primeiros três séculos da era cristã, alargando progressivamente a sua influência a novos territórios. Estes estendiam-se à outra margem do Mar Vermelho, o que demonstra que os abissínios se encontravam plenamente envolvidos no florescente comércio que ali tinha lugar. Os contactos que assim se estabelecem com o Egipto copta terão consequências de peso para a posterior história da Etiópia; nos finais do século IV, reinando então o imperador Ezana, foi introduzido finalmente o cristianismo, depois do primeiro concílio de Niceia, que teve lugar a 20 de Maio de 325 d.C. Estabeleceu-se assim uma forte ligação com a igreja Egípcia, que marcou as várias comunidades monásticas, algumas das quais ainda hoje subsistem, e pertencia ao patriarca de Alexandria, a última palavra na nomeação dos clérigos da igreja local. E no século XVI, era ainda ao Cairo, ao Patriarca de Alexandria que aí estava”10 a quem os abissínios recorriam para escolher o Abuna, o bispo no topo da hierarquia da igreja da Etiópia. Também Bizâncio exerceu forte influência na Etiópia sobretudo a partir do século VI, promovendo uma expansão territorial que mais tarde levará ao choque com os persas, e que trouxe o declínio do reino de Aksum. E o advento do Islão, que rapidamente se expandiu entre o século VI ao século VII, acelerou este declínio e alterou o “status quo” existente, afastando dos abissínios o controlo do Mar Vermelho e todo o comércio que aí se praticava.

Obelisco do rei Ezana A ligação entre a Abissínia e o vale do Nilo. Obelisco do séc. IV d.C., erigido em Axum.

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3.3 O confronto com o Islão Isolado do mundo exterior, o reino cristão da Etiópia parecia confrontado com o seu fim, embora paradoxalmente o isolamento a que foram votados terá sido responsável pela sua sobrevivência. Confinado a uma área geograficamente difícil, que compreende as terras altas donde saem números rios que correm para o Nilo e Mar Vermelho, este reino teve nos acidentes geográficos um meio de resistir ao seu desaparecimento. A partir da segunda metade do século IX parece desenhar-se um período de renascimento, uma vez que reaparecem contactos com os territórios vizinhos. Ao mesmo tempo, é perceptível um movimento para Sul, em virtude da pressão exercida pelos muçulmanos. No século X, são os Fatímidas do Egipto que procuram controlar o Mar Vermelho, que entretanto havia readquirido a sua importância como via de comércio com o Oriente. A partir deste século, a cidade de Zeila desempenhou importante papel, senão fundamental, na propagação do Islão para o interior. A tentativa de influenciar o patriarca de Alexandria na escolha dos bispos destinados à Abissínia, ilustra a progressão da influência islâmica para o interior, cuja presença que se consolida com a formação definitiva do sultanato de Shoa, provavelmente em princípios do século XII. Cercados de povos hostis, os cristãos da abissínia congregaram-se em torno da Igreja Cristã, solidamente implantada desde a sua chegada a solo etíope. Ao mesmo tempo, o isolamento do mundo conferiu um cunho próprio ao cristianismo etíope, fortemente enraizado no Antigo Testamento, que desempenhará no futuro um papel crucial como símbolo de unidade nacional. Nos séculos XII-XIII, a dinastia Zgawe procurou reestabelecer os laços com o Egipto e a Terra Santa. E é curioso notar que, na mesma altura em que os A rainha de Sabá e o rei Salomão reinos cristãos da terra santa sofrem uma “Como ouvindo dizer a Rainha Sabá as grandes obras ricas progressiva e irresistível contracção, Saque Salomão tinha principiadas em Jerusalém, determinou ladino acolhe os peregrinos etíopes que de as ir ver, e carregou certos camelos de ouro para dar acorrem em cada vez maior número a Jeás obras (…) estando em Jerusalém houve Salomão parte rusalém. com ela, e emprenhou dum filho, e esteve rm Jerusalém Em 10 de Agosto de 127011 chegou até que pariu, e depois que põde caminhar deixou o filho e foi-se às suas terras (…) e cresceu seu filho até à uma nova dinastia ao poder, depois de idade de dezassete anos (…) Salomão mandou então mui derrubar o último representante Zgawe. honradamente, dando-lhe os oficiais que na casa dum rei É conhecida pela designação de salomópode haver (como em seu lugar direi), e mais lhe deu para nica, uma vez que o novo rei, Yekuno que descanse no caminho à terra do Gazan, que é na terra 12 Amàlak (1270-85), proclamava a sua desdo Egipto, e vez seu caminho até ás terras de sua mãe” cendência directa do rei Salomão, além de

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uma ligação directa com a antiga casa real Aksumita, que havia sido destronada pela dinastia Zgawe. A lenda acrescenta que o filho de Salomão e da Rainha de Sabá, Menilek, visitou mais tarde o seu pai em Jerusalém de onde trouxe a arca da aliança. Fundou uma dinastia que havia de governar a Abissínia por mais de 3.000 anos, cujo último descendente foi o imperador Haile Sellassié, deposto a 12 de Setembro de 1974. Com os reis da dinastia salomónica, o centro do império deslocou-se em direcção do sul, para as regiões de Amara e Shoa. Neste contexto, a cidade de Zeila adquire uma enorme importância para os cristãos Etíopes como rota de acesso à costa, o que provoca uma crescente interferência na política das províncias muçulmanas. Será esta uma das principais causas que levou ao despoletar do conflito que se encontrava latente entre cristãos e muçulmanos. A partir de 1332, Amda Sion I (1314-1344) moveu a guerra com o objectivo de submeter os principados muçulmanos ao poder central dos príncipes etíopes. Esta expansão forçou a separação dos principados em dois grandes partidos, um defendendo a coexistência com o império cristão, outro profundamente empenhado num movimento de resistência armada. Este último bloco, liderado por dois irmãos Haqedin II e depois Se’adedin, reagrupou os muçulmanos no planalto de Harar, através do qual se encontravam as princi-

Igreja de São Jorge (Beta Giorgis). Igreja monolítica edificada em inícios do século XIII, a última das onze situadas no complexo religioso de Lalibela.

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pais rotas comerciais provenientes da cidade de Zeila, e que ficou conhecido entre os cristãos como o reino de Adal. Escolheram como capital a cidade de Dakkar, embora em 1520 tenha sido transferida para Harar, um pouco mais a norte, na sequência de lutas internas. Com a morte do irmão, Se’adedin iniciou, por volta do último quartel de trezentos, teve lugar uma violenta campanha militar contra as fronteiras leste do império cristão. O confronto final com o imperador Dawit I ou David (1380-1420) ocorreu a partir de finais do século XIV até ao princípio do século XV, e levou à morte de Se’adedin em 1403. Porém, a sua morte não apagou o enorme prestígio que entretanto havia alcançado em virtude da sua bem sucedida ofensiva inicial. Os sucessores de David I tentaram ainda a ocupação permanente do planalto de Harar, confrontando-se com os vários sucessores de Se’adedin – Sabredin (1409-18), Mansur (1418-25), Jemaldin (1425-32). Temos como testemunho desta luta violenta, a morte de Theodoros (1412-13) e Yishaq (1413-30) no decurso das sucessivas campanhas travadas contra os seus inimigos. Finalmente, Zara-Ya’qob (1434-68), através de um exercício de poder centralizador, pacificou as fronteiras durante cerca de 14 anos, embora sem conseguir recuperar a área do planalto de Harar. O reino do Preste João abarcava então uma área que consistia em todo o Noroeste da actual Etiópia, incorporando ainda partes do Sudão. Foram anexadas algumas zonas costeiras do Mar Vermelho à custa do sultanato de Adal, como a cidade de Massuá e mesmo a própria cidade de Zeila, e o reino estendeu-se para sul até ao moderno Quénia. Aparentemente estabilizadas as fronteiras, em breve surgiria um novo adversário que iria mudar por completo o mapa do império.

3.4 As embaixadas portuguesas ao Preste João Uma antiga tradição pretendia que um poderoso rei cristão governava vastos territórios no Oriente. Na Europa durante o século XIV tomava-se conhecimento que este reino se situava na Etiópia, cujos contornos deviam abarcar uma região algures em África. De facto, um certo franciscano francês que havia viajado para Oriente relatava a existência de um imperador denominado Preste João na Etiópia; quase pela mesma altura chegavam a Aragão embaixadores deste rei cristão, oriundos da Abissínia. Por volta de meados do século XV, os contactos com o Preste João avolumaram-se, tendo delegados da igreja etíope assistido ao concílio de Ferrara, que teve lugar em 1442. Os primeiros contactos com Portugal parecem ter tido lugar em 1452, conforme prova um documento da chancelaria de Afonso V datado de 1456 relativo a despesas com a estadia de um homem natural da

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abissínia chamado Jorge13, que provavelGovernantes da Abissínia mente havia integrado, em 1450, uma misO Rei Salomão são enviada ao papa Nicolau V. Contudo, A civilização de Aksum foram as viagens de exploração pela costa O período Medieval (dinastia Zgawe) de África que colocaram os portugueses Início da dinastia Salomónica no caminho da provável localização desEskender te reino, que até então havia permanecido Amda Seyon II Naód como que uma miragem no imaginário Ba’eda Maryam dos reinos cristãos do Ocidente. Lebna Dengel (David) Indicações mais precisas surgiram na Galawdweos (Cláudio) mesma altura em que Diogo Cão efectuava a sua segunda viagem. Em 1486 regressava João Afonso de Aveiro da exploração ao golfo da Guiné. No decurso desta viagem havia entrado em contacto com o reino do Benim, que dependia de “hum rey o mais poderoso daquelas partes, a quem eles chamavam o Ogané”14. Com João Afonso viajava um “embaixador del-rei de Beni”15, que segundo João de Barros havia declarado o seguinte: “Ao oriente del-rei de beni, per vinte luas de andadura (…) que poderiam ser até duzentas e cinquenta léguas das nossas, havia um rei, o mais poderoso daquelas partes, a que eles chamavam Ogané (…) lhes enviava uma cruz do mesmo latão, pêra trazer ao pescoço como cousa religiosa e santa, de feição das que trazem os Comendadores da Ordem de S. João”. Embora hoje não se identifique este potentado com o Preste João, os portugueses assim o não entenderam na altura. De facto, os indícios que então surgiam, determinando a existência de uma autoridade que abarcava vastos territórios incluindo o reino do Benim, onde se venerava uma relíquia com a forma da cruz, foram suficientes para estabelecer uma associação directa com o lendário reino cristão. Confrontando esta informação com a cartografia disponível, fruto do levantamento sistemático que vinha sendo efectuado desde há décadas – não esqueçamos que, neste mesmo ano, Bartolomeu Dias partiu para a viagem que o levou a dobrar o cabo da Boa Esperança – concluiu-se que este reino se deveria situar cerca de duzentas e cinquenta léguas a sul do Egipto. Em 1486, frei António de Lisboa e Pedro Montaroio foram enviados por terra ao reino do preste João. Alcançaram Jerusalém, onde se sabia chegar peregrinos provenientes das “terras do Preste João”. A missão foi um fracasso, uma vez que os dois emissários deram meia volta, não se atrevendo a con-

974-932 a.C. 300 a.C.-1000 d.C. 1137-1270 1270 1478-94 1494 1494-1508 1508-40 1508-40 1540-59

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tinuar “dizendo que a estas terras não podiam ir se não soubessem aravia”16. Ficou claro que seria necessário encontrar homens com outra envergadura para levarem a bom termo semelhante empresa. Para realizar este perigoso e delicado projecto, procuram-se não só homens de inteira confiança do rei, mas sobretudo de alguém fluente na língua árabe e experimentado no convívio com os muçulmanos.

A viagem de Pêro da Covilhã Logo no ano seguinte, portanto em 1487, Pêro da Covilhã e Afonso de Paiva são escolhidos por D. João II para duas missões precisas. Pretendia-se estabelecer contacto com o mítico Preste João, e ao mesmo tempo identificar o ponto de origem das especiarias que fluíam a Veneza, através de Alexandria e Cairo. Os dois homens partiram de Santarém a 7 de Maio de 1487. Levavam uma carta copiada de um mapa-mundi por vários especialistas doutos na matéria – “o licenciado Calçadilha que é Bispo de Viseu, e o doutor Mestre Rodrigo, morador às Pedras Negras, e o doutor Mestre Moisés, a este tempo judeu” – onde certamente deveriam cartografar os dois roteiros específicos que se propunham trilhar. Um deveria mostrar o caminho a percorrer até ao reino cristão da Abissínia; no outro deveria constar o percurso desde o ponto de origem das especiarias até Veneza, onde chegava finalmente o precioso fluxo. Para as despesas de viagem, foi-lhes entregue a soma de 400 cruzados “da arca das despesas da horta de Almeirim”, ao que se juntava um crédito que havia de ser concedido por certo “Bartolomeu, florentino” ao chegarem a Valença. Os dois companheiros continuaram o seu caminho até e, já em Barcelona, transferiram o crédito para a cidade de Nápoles, onde chegaram numa quartafeira 24 de Junho, no dia de S. João. Em Nápoles, os filhos de Cosmo Medicis providenciaram o embarque dos portugueses para a ilha de Rodes, nesta altura ainda nas mãos dos cavaleiros de S. João da Ordem do Hospital; seria perdida para os turcos otomanos alguns anos mais tarde, no início de 1523, depois de um cerco que durou cerca de seis meses18. Os dois companheiros alojaram-se na casa daqueles que seriam os únicos portugueses residentes, frei Gonçalo e frei Fernando. Até aí o caminho havia sido favorável, mas a viagem tinha decorrido por terras de cristãos. A verdadeira prova ia agora começar. O tempo que demoraram em Rodes, onde certamente prepararam a fase seguinte da sua viagem, estudando um disfarce credível que lhes permitisse internarem-se com êxito por terras do Islão. Disfarçaram-se de mercadores, aproveitando o domínio da língua árabe que Pêro da Covilhã possuía. Comprada grande quantidade de mel, que lhes serviria de mercadoria com que

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Pêro da Covilhã Nascido em 1460 era natural, como o seu nome indica, da vila da Covilhã. Com a idade de 6 anos serviu o Duque de Medina Sidónia D. Afonso de Guzman, residindo durante alguns anos no seu feudo de Sevilha. Com o início da guerra entre Portugal e Castela por ocasião da crise sucessória ao trono castelhano, Pêro da Covilhã regressou a Portugal em companhia do irmão do duque, D. João de Guzman. Então com cerca de 15 anos, entrou para o serviço de Afonso V como “moço de esporas”, sendo rapidamente elevado à condição de escudeiro do rei. Nesta condição, participou na guerra que culminou em 1576 com a batalha do Toro, na qual esteve presente “de cavalo e lança”, o que reflecte o estatuto adquirido. Era certamente um homem de confiança do rei, uma vez que o acompanhou na embaixada a Luís XI, no decurso das movimentações diplomáticas efectuadas enquanto durou a guerra. Com a morte de D. Afonso V em 1481, manteve-se próximo do herdeiro da coroa, D. João II, como escudeiro da guarda do príncipe. E na sequência da turbulência política no início do reinado, Pêro da Covilhã pôde demonstrar a sua dedicação. Foi enviado a Castela “para saber quais eram os fidalgos que se deitavam lá”17, na prática devia prevenir o rei de eventuais conjuras por parte dos fidalgos portugueses exilados no outro lado da fronteira. Manteve, assim, a plena confiança do novo rei. E assim o provam as missões que lhe foram destinadas, logo que voltou de Castela. Foi enviado ao Norte de África encarregado de “fazer pazes com o rei de Tremezém”. Voltou ao Norte de África para resgatar as ossadas do infante santo, tendo cumprido esta nova missão fazendo reféns personalidades importantes de forma a trocá-los pelos restos de D. Fernando, irmão do infante D. Henrique. Acompanhava Pêro da Covilhã nesta jornada ao Norte de África um certo Pêro Afonso, natural de Tomar. Com a ajuda deste, e ao mesmo tempo que tratava do resgate do corpo do infante santo, pretendia realizar a compra de cavalos para o Duque de Beja, o futuro rei D. Manuel I. e foi certamente no decurso destas viagens à Berberia que terá aprendido a falar fluentemente o árabe, o que lhe valeu a nomeação para a sua derradeira missão, que lhe valeu o exílio forçado.

Afonso de Paiva Natural de Castelo Branco, pertenceria a uma família das ilhas Canárias, conforme refere Gaspar Correia.

justificar o disfarce adoptado, embarcaram para Alexandria na nau de um certo Bartolomeu de Paredes. Em Alexandria sucumbiram a febres, e os dois companheiros estiveram perto da morte; para cúmulo, a carga com que viajavam foi apreendida pelo intendente local. Contudo, restabelecidos foram devidamente indemnizados pelas autoridades e, ultrapassado este transe e na posse de nova mercadoria, dirigiram-se para o Cairo.

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Chegados ao Cairo, integraram-se na caravana de um grupo de magrebinos oriundos de Fez e Tlemecen, e dirigiram-se ao Toro, onde embarcaram com destino a Adém. A primeira paragem efectuou-se em Suaquen, chegando ao seu destino no verão de 1488. Era a época das monções e, por isso, havia que embarcar o mais depressa possível rumo ao Índico de forma a aproveitar a estação favorável. Os dois companheiros separam-se então, cumprindo as instruções do rei. Pêro da Covilhã embarcou para Calicute, enquanto Afonso de Paiva se dirigiu para a Etiópia, atravessando o estreito. Acordaram reunir-se daí a um certo tempo, ignorando que era a última vez que se encontravam. Como vemos, os dois exploradores tinham plena consciência da importância estratégica da cidade de Adém, nó fundamental que permitia o acesso a África e ao Oceano Índico. De Afonso de Paiva apenas se sabe que voltou ao Cairo, conforme acordado com o companheiro, onde morreu. Quanto a Pêro da Covilhã, levou cerca de um ano a completar o seu périplo pelo Índico. Saiu de Adém com destino a Cananor, passando a Calicute e depois a Goa. Perto do final de 1489, aproveitando a monção, iniciou a viagem de volta ao Cairo. Embarcou para Sofala, seguiu para Madagáscar, e depois navegou com destino a Ormuz, de onde voltou para Adém. Chegado a Toro, refez o percurso por terra até ao Cairo onde chegou em finais de 1490, ou princípio de 1491. No Cairo teve conhecimento da morte do seu companheiro de viagem por intermédio de dois Judeus, rabi Abraão natural de Beja e José, um sapateiro nascido em Lamego19. Estes dois homens, haviam sido enviados por D. João II, e transmitiram-lhe a vontade do monarca de estabelecer contacto com o preste João, caso tal ainda não tivesse tido lugar. Embora com a possibilidade de voltar a Portugal, uma vez que havia cumprido plenamente a sua missão, Pêro da Covilhã decidiu seguir as determinações de D. João II sem saber, contudo, que não mais regressaria ao seu país natal. Escreveu ao rei, dando conta das suas diligências por carta que enviou por intermédio de José de Lamego, e embarcou com Abraão de Beja com destino a Adém. As suas informações completaram, por certo, as que já havia trazido Bartolomeu Dias, confirmando a possibilidade de navegar desde Portugal à costa oriental de África. Isto para além da certeza de que a navegação pelo Índico com destino à Índia não seria difícil, em particular até Calicute, que era identificado como um importante centro do tráfico comercial. De facto, no decurso do périplo pelo mar da Índia, Pero da Covilhã tinha aqui “descuberto a canela e a pimenta (…) o cravo vinha de fora, mas que tudo ali se haveria”. Deixou o seu novo companheiro em Ormuz com a missiva para o rei de

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Portugal, tal como aquele o desejava, uma vez que havia assegurado ao soberano português que não voltaria a Portugal sem primeiro ter visto, com os seus próprios olhos esta cidade, chave da entrada no golfo Pérsico. A segunda parte do périplo de Pêro da Covilhã em nada fica a dever ao que este aventureiro já havia conseguido, até pelo facto de a sua entrada na Etiópia se ter feito pelo caminho mais difícil. Uma vez mais, Pêro da Covilhã dispôs-se a cumprir a sua nova missão, demonstrando o à-vontade com que se deslocava por terras hostis para cristãos. Seguiu para Judá, depois Meca – terá sido o primeiro cristão a visitar o local onde se encontra o corpo de Maomé – em seguida Medina e, finalmente, o monte Sinai. Chegado ao Toro tornou a embarcar com destino à cidade de Zeila, já na costa ocidental do Mar Vermelho, de onde iniciou uma marcha de 450 quilómetros através de um deserto inóspito – a depressão Danakil. Finalmente chegou, em finais de 149320 à cidade de Ankober, onde se encontrava a corte do imperador Eskender. Pêro da Covilhã ainda terá ensaiado a viagem de regresso. Contudo, a situação política na Abissínia passava por grande turbulência. O governador da província de Amara havia-se revoltado, e o Negus Nagash foi morto numa emboscada em 7 de Maio de 1494. Seguiu-se um período de violentos confrontos contra os revoltosos, durante o qual foram proclamados imperador primeiro um filho de Eskender, que morreu a 26 de Outubro do mesmo ano, sendo então escolhido para sucessor um irmão de Eskender, Naód. O novo imperador impediu definitivamente o regresso de Pero da Covilhã, oferecendo-lhe no entanto o governo de um território limitado a norte pelo reino de Amara, e Shoa pelo Sul21. Com a morte de Naód em 30 de Julho de 1508, ficou regente a sua viúva, embora o poder fosse de facto exercido por Eleni, a enteada do novo imperador Lebna Dengel – David – ainda incapaz de governar por ser demasiado novo. Com Helena, a posição de Pero da Covilhã foi reforçada. De facto, o português teve a seu cargo dirigir a execução do altar de Martula Mariam, igreja situada nos domínios daquela que seria conhecida pelos portugueses como a “rainha Helena”. Este período foi crucial na definição do rumo que haviam de tomar, mais tarde, os acontecimentos. De facto, o reino cristão passou por uma situação idêntica à do império cristão do Oriente; cercado de reinos e vizinhos hostis, conseguiu manter o essencial das suas fronteiras actuando a coberto de uma diplomacia hábil, muitas vezes obrigada a negociar directamente com os seu inimigos, como foi o caso de uma embaixada enviada em 1516 ao penúltimo sultão Mameluco. O reino cristão da Etiópia encontrava-se, uma vez mais, em posição extre-

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mamente fragilizada depois de virtualmente perdido o acesso ao Mar Vermelho, pelo Leste. A iriam surgir os turcos Otomanos, que em 1517 ocupariam o Egipto depois de destroçarem a dinastia dos sultões Mamelucos do Egipto. E vão ser estes que em breve revitalizarão o combate contra os cristãos, fornecendo armamento moderno e soldados adestrados nas novas formas de combater aos seus correligionários na região. Assim reforçado, será o sultanato de Adal que em breve concretizará a maior ameaça ao reino do Preste João.

O emissário etíope Mateus Em 1508 haviam chegado á corte Abissínia dois homens, muito provavelmente enviados por Tristão da Cunha, o que juntamente com presença de Pero da Covilhã na Etiópia, acabaram por decidir a rainha Helena a, por sua vez, enviar um emissário a estes cristãos que então se aventuravam por esta região. Emissário porque a rainha, sem força militar preponderante procurava explorar, à maneira bizantina, várias frentes diplomáticas. A discrição era fundamental para estas “manobras de bastidores”, e para tal um mercador arménio muçulmano com cerca de 50 anos foi escolhido para desempenhar esta missão, que envolvia uma longa viagem por territórios hostis a cristãos. O arménio, que se chamava Abrahan, adoptou o nome cristão Mateus e foi enviado, presume-se que oficiosamente, ao rei de Portugal. Com o objectivo de lhe conferir força diplomática, era portador de uma missiva onde constavam os nomes dos dois portugueses recém-chegados à corte etíope. E é muito possível que, na redacção do texto, se encontre a mão de Pero da Covilhã, pela influência de que então gozava junto da Rainha. A acompanhar esta mensagem, juntava-se um fragmento supostamente da “vera cruz”, “feita em redondo, com hũa argola de prata, que era do lenho da Cruz em que nosso senhor Jeses Cristo padeceo mortepor nos salvar, mettida em hũa caixeta douro cõ sua fechadura e chave”22. Mateus embarcou numa nau na cidade portuária de Zeila, com um nobre etíope identificado pelo nome de Jacome, os frades Marcos e Mateus, cinco criados, e “duas moças de bom parecer”23 – uma das quais seria sua mulher; a esta comitiva juntaram-se depois outras pessoas, no decurso da viagem. Chegados a Dabaul, foram todos presos, e a sua libertação foi apenas conseguida por intervenção directa de Afonso de Albuquerque, que enviou Garcia de Sousa com alguns capitães de confiança, que perante a ameaça prontamente libertaram todos “sem lhe falecer huma agulheta”, nas palavras do capitão-mor. Embarcado numa fusta com destino a Cananor, Mateus havia de seguir, depois, para Portugal numa nau, capitaneada por Bernardim Freire. Este e Fran-

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cisco Pereira, a quem se lhes juntou depois um certo Pestana, encontravam-se desavindos com Afonso de Albuquerque. Procurando todos os pretextos para denegrir a imagem do capitão-mor, maltrataram o emissário da rainha Helena, lançando a suspeita de que Mateus não seria mais do que um espião. E assim, sujeitaram o arménio a toda a espécie de ultrajes enquanto invernaram em Moçambique, na esperança de o desencorajarem, surdos quanto ao verdadeiro alcance da missão que incumbia à sua vítima. Chegadas as naus a Lisboa em Fevereiro de 1514, e avisado D. Manuel do tratamento injurioso a que o emissário havia sido sujeito, ordenou que os capitães das duas naus fossem presos. Recebeu depois Mateus a 27 de Fevereiro como verdadeiro embaixador, que no dia seguinte visitou a rainha, e o príncipe com os irmãos. Três dias depois, o monarca recebeu oficialmente a carta do imperador da Etiópia, junto com o presente. E em Abril do mesmo ano D. Manuel dava conta desta embaixada ao rei de Castela, ao Doge de Veneza e ao papa Leão X.

A embaixada de Duarte Galvão

Frontispício da Verdadeira informação das terras do reste João. A gravura da obra do padre Francisco Álvares representa, talvez, D. Rodrigo de Lima, sucessor de Duarte Galvão na direcção da embaixada, seguido do seu alferes montado com a bandeira das quinas.

Durante o mais de um ano que Mateus permaneceu em Portugal, procurouse confirmar as informações do arménio. No final, D. Manuel decidiu-se pela continuidade das relações que então parecia terem-se iniciado. Para isso, autorizou o retorno do emissário à Etiópia. Incumbiu Duarte Galvão como embaixador, integrado numa comitiva onde viajariam o padre Francisco Álvares de Coimbra, tendo como escrivão Lopo de Villalobos, Lourenço de Cosmo, a cujo cargo estava entregue o destinado ao negus, e mais “vinte homens de serviço muy sabidos em todolas artes das armas, e musicos de tangeres e fallas, e todolos officios mecânicos”. A comitiva foi integrada na armada destinada à Índia com o novo governador, Lopo Soares de Albergaria. Os navios saíram no início de Abril de 1515 e, durante a viagem cresceram as dissenções e acusações entre os membros da embaixada. A 19 de Outubro de 1516, em Cananor, o novo governador fez redigir um documento com os testemunhos dos intervenientes, de onde sobressai o profundo desentendimento que existia entre os membros da comitiva. Ainda assim, a embaixada acabou por sair de Goa a 8 de Fevereiro de 1517, transportada numa frota aparatosa comandada pelo novo governador Lopo Soares de Albergaria. Esta era constituída por 10 naus uma das quais a famosa Stª Catarina do Monte Sinai com cerca de 800 tonéis24, sem contar com navios mais pequenos como “galés, fustas, bergantins e caravelas”, e tinha como guarnição 1650 portugueses e 1200 malabares, entre criados,

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tripulantes e remadores. O seu principal objectivo era destruir a armada Duarte Galvão turca que se encontrava ancorada no Desempenhou missões da mais alta importância junto do porto de Judá. papa Júlio II, do imperador Maximiliano e Luís XII de França, no sentido de forjar uma aliança dos principais Chegados ao seu objectivo, e apesar reis cristãos contra os turcos. Autor da Crónica de D. Afonso de toda a sua força, os portugueses Henriques, era reputado no domínio das letras. Compôs não conseguiram destruir os navios um documento no qual expunha aquilo que podemos turcos fundeados, fazendo meia-volconsiderar como programa da missão que lhe foi atribuída e ta. Ainda assaltaram a cidade de Zeila que apresenta, em muitos aspectos, semelhanças com o que Albuquerque defendia – investida combinada entre Portugal mas, no caminho de regresso, os nae a Abissínia pelo Mar Vermelho por um lado, enquanto a vios dispersaram-se, ficando separado segunda garra da tenaz se deveria exercer pelo Mediterrâneo. o emissário Etíope Mateus do embaiO objectivo seria, nem mais nem menos, a reocupação de xador português Duarte Galvão. NesJerusalém. ta situação, nenhum dos dois conseguiu desembarcar em terras etíopes. E assim, a armada – ou o que dela restava – voltou à Índia sem que fosse cumprido qualquer dos objectivos pretendidos. Em 1518 chegou á Índia um novo governador, Digo Lopes de Sequeira, E em 1520 Mateus é de novo embarcado numa armada, junto com o padre Álvares, com destino ao Mar Vermelho. Encontravam-se os dois em Cochim, e nesta altura, o prestígio do emissário encontrava-se em franco descrédito. Contudo, ao chegar a 7 de Abril a Massuá, a situação sofreu um novo e radical novo volte face. Quando o Governador desembarcou, é visitado por uma importante comitiva liderada por um abexim vindo do porto de Arquico, seguido por numerosos eclesiásticos de um mosteiro vizinho da localidade de Bizan; alguns dias depois chegou o próprio governador da província norte25, o Bahr Nagâsh. Todos eles mostraram deferência e respeito pelo arménio e, no final, esta foi a altura em que se estabeleceu um contacto definitivo entre os portugueses e os abissínios cristãos. Definitivo porque, finalmente, o Preste João deixava de ser um reino de localização duvidosa, passando a ocupar um lugar geográfico concreto. Diogo Lopes de Sequeira, evidenciando uma iniciativa que havia faltado por completo ao seu antecessor, improvisou imediatamente uma embaixada ao negus, nomeando D. Rodrigo de Lima para a chefiar a comitiva. Contudo seria o Padre Francisco Álvares “a alma da embaixada e o seu cronista”, nas palavras do conde de Ficalho26. Tratou ainda de enviar um presente e deixar instruções – um “regimento” – a D. Rodrigo de Lima, definindo as missões da expedição com notável bom senso. Os portugueses deveriam, em primeiro lugar, respeitar os locais, não deixando de observar a força militar dos etíopes, a natureza do cristianismo que professavam, a existência de mercadorias e

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mercados a explorar, as relações políticas com os reinos da região, registar a geografia da região. Organizada a expedição, fizeram-se ao caminho segunda-feira 30 de Abril de 1520. Depois de 3 dias de caminhada, desviaram-se na direcção do mosteiro de Bizan; ainda não haviam ali chegado e já tinham adoecido vários dos membros da comitiva, incluindo o próprio Mateus que morreria a 23 de Maio, num povoado já perto do mosteiro de Bizan O infeliz emissário foi aí sepultado, razão pela qual apenas a 15 de Junho se pôs a comitiva novamente ao caminho, e a 17 atingiram um planalto, onde permaneceram até 28. Já em plena estação das chuvas, deixaram este local e atravessaram com dificuldade o rio Marab a 29. Novamente se alojaram alguns dias num convento, de onde depois partiram a 13 de Agosto. Acamparam depois entre 1 e 2 de Setembro perto de um curso de água, no sul da província do Tigrai. No dia seguinte partiram, chegando terça-feira 4 a uma igreja, talvez Mariam Korkor27, uma entre as mais de cem que se concentram na região do Tigrai. Deixaram os camelos onde se transportava a bagagem, uma vez que o caminho voltava a ser difícil. Para vencer esta nova etapa usaram mulas e bois de carga, mais apropriados a caminhos de montanha. Depois de lhes ser negado abrigo numa povoação a meio caminho, foram ter a outro povoado28 onde ficaram todo o Sábado e Domingo (nos dias 8 e 9). Durante o caminho foram apedrejados pelos habitantes locais, para depois serem recebidos pelo “ras” – governador – da província de Angote29. Vencidos diversos cursos de água, passaram ao largo do complexo de Lalibela, que Francisco Álvares mais tarde visitou durante os seis anos que permaneceu na Abissínia. Seguiram por uma ribeira até à serra de Amba Sel e, descendo por esta, foram ter a um lago – talvez o Haiq – onde acamparam. Entre a serra de Amba Sel e o lago Haiq, “se acaba o reino de Angote e começa o reino de Amara” 30. A coluna seguiu caminho, agora em Amara, até chegar a 26 de Setembro á imponente igreja de Maqana Selasié. Continuaram a jornada através província; a 30 de Setembro chegaram ás imediações das “mais bravas serras e fossas fundas descentes aos abismos, as mais que homens nunca viram”. Depois de nos dias seguintes atravessarem sucessivamente um par de subsidiários do Nilo azul e uma povoação31 situada numa pequena elevação. Já na província de Shoa, na quarta-feira 3 de Outubro acamparam perto igreja de Debra Libanos. Finalmente, no dia 10 de Outubro chegaram às imediações do rio Muger, onde se encontrava então o acampamento de David, o “Preste João”. Assim, iniciada a viagem a 30 de Abril, só a 10 de Outubro haviam conseguido alcançar o seu objectivo, chegando ao término de uma extenuante jornada de mais de 900 km.

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Se haviam finalmente chegado ao seu destino, a comitiva apenas foi recebida passados 10 dias, a 20 de Outubro. O rei etíope contava então com cerca de 20 anos, e o pedido de auxílio enviado pela rainha Helena havia sido ultrapassado pelos acontecimentos. Alguns anos antes havia dirigido pessoalmente uma expedição contra o rei de Adal, derrotando os inimigos para de seguida devastar o território de Adal, na mesma altura em que o anterior governador da Índia, Lopo Soares, arrasava o porto de Zeila. Alguns mal-entendidos e atitudes pouco diplomáticas por parte dos visitantes, não contribuíram para uma rápida aceitação destes na corte abissínia. O presente enviado parece também ter estado no centro de alguma da má vontade manifestada.

Os dois presentes O presente enviado por D. Manuel ao imperador da Abissínia era de uma invulgar sumptuosidade, uma afirmação do poder e riqueza do monarca português – tão comum na época! – da qual temos outro exemplo na embaixada enviada ao papa Leão X, em 1514. Ao seu congénere etíope, o rei português oferecia objectos de mobiliário, tapeçarias, várias peças de armaria, objectos destinados ao culto, diversos exemplares de obras religiosas e instrumentos musicais. Esta oferta, que segundo o Conde de Ficalho daria para encher todo um museu, perdeu-se provavelmente por incúria, desbaratado em Cochim por Lopo Soares32, ou devido ao próprio clima que destruiu muitos dos objectos. Era de todo impossível repetir semelhante conjunto de peças, pelo que o presente improvisado por Diogo Lopes de Sequeira em nada se podia comparar com o original, como nos relata Francisco Álvares: “E o que agora lhe levávamos era assaz pobre (…) e estas são as peças que levávamos ao Preste João; primeiramente uma espada rica, um rico punhal, quatro panos de armar, umas ricas couraças e um capacete e dois berços, quatro câmaras e certos pelouros, dois barris de pólvora e um mapa-mundi e uns órgãos” Apenas a 19 de Novembro foram autorizados nove portugueses a avistar-se com o Negus Nagash; entre estes encontrava-se o padre Francisco Álvares. Foi durante o mês de Dezembro que Pêro da Covilhã se juntou à corte abissínia, depois desta se dirigir para norte. Chegado ao seu destino antes do Natal, celebrou-o com os compatriotas.

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Anjos. Pintados no tecto da igreja Debre Berhan Selassie em Gondar.

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A primeira missa de natal católica na Abissínia O conde de Ficalho dá-nos um retrato destas curiosas “matinas de Natal celebradas nas campinas de etiópia” – Celebradas numa tenda que havia pertencido ao “cherif de Mekka”, e que havia sido capturada no decurso da anterior campanha do negus contra o sultanato de Adal: “Improvisadas pelo padre Alvares, pois não possuíam os livros próprios; acompanhadas e cantadas pelo organista Manuel de Mares, o pintor Lazaro de Andrade, o physico mestre João, o escrivão João Escolar” aos quais se juntaram um catalão chamado Nicolau, e mestre Pedro genovês”. 33 Este quadro, autêntica reunião ecuménica entre as igrejas cristãs oriental e romana, completou-se com a figura do negus, que muito agradado com as “prosas, hymnos, e os bocados de cantochão” havia mandado colocar a sua tenda junto da igreja improvisada, “ficou alli toda a noite, com a mulher, a velha rainha Helena, e com os grandes dignatários da corte”. A embaixada abandonou a corte em data incerta, mas que terá tido lugar, provavelmente, em meados de Fevereiro de 1521. O negus não quis nomear qualquer embaixador em virtude das desavenças que entretanto surgiram entre D. Rodrigo de Lima e Jorge Abreu; foi, contudo, escrita uma carta a D. Manuel em cuja redacção colaboraram o Padre Francisco Álvares e Pêro da Covilhã.

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Na altura a corte etíope encontrava-se na região de Amara, e na viagem da comitiva apenas os acompanhou Pêro da Covilhã. Este não tencionava voltar a Portugal, mas entregou ao cuidado de D. Rodrigo de Lima um dos seus filhos com 23 anos, munido de um dote de vinte onças de ouro, para entregar ao seu irmão34; não chegou ao seu destino, tendo morrido a caminho de Goa. Deambularam durante longo tempo pelo território, até que a 15 de Abril de 1523 receberam uma missiva de D. Luís de Meneses, que se encontrava em Massuá. Nelas dava conta da morte de D. Manuel, e ainda que esperaria por eles até 15 de Abril – ou seja, até ao dia em que recebiam a carta! Falharam, por isso, o embarque na armada de D. Luís de Meneses, que partiu sem eles nesse mesmo ano de 1523. Novamente na corte abissínia, a notícia do falecimento de D. Manuel foi muito sentida, tendo sido dado ordens para exibir vários sinais de pesar. David ainda decidiu enviar novas missivas, desta vez a D. João III – a quem enviava um presente – e ao papa. Decidiu também nomear um embaixador abissínio. Foi escolhido Saga Zaâb, um frade que havia privado com a comitiva durante sua a estadia, e que por isso havia de estar habituado ao convívio com os portugueses. Na primavera de 1526 os portugueses encontravam-se em Debaroa, na esperança de receber notícias de alguma armada enviada da Índia. Foi necessário esperarem dois anos, para em 28 de Abril de 1526 embarcarem em nova armada constituída por duas caravelas e três galés reais, comandada por Heitor da Silveira; a armada entrou na barra do Tejo a 24 de Julho de 1527. Apenas em 1532 D. João III decidiu enviar a Roma o padre Francisco Alvares, acompanhado pelo sobrinho do rei, D. Martinho de Portugal, na qualidade de embaixador. Foram recebidos pelo papa Clemente VII a 29 de Janeiro de 1533, e uma vez mais Francisco Álvares ia ficar retido, sem que o papa despachasse as missivas do Preste João. As razões para estas delongas tiveram que ver com a incredulidade do papa face aos negócios do Preste João, e aos manejos de D. Martinho de Portugal fruto da sua ambição pessoal. E tal foi a demora que o papa Clemente VII deu lugar a Paulo II, e o próprio Francisco acabou por falecer também em Roma, o que terá ocorrido entre os anos de 1536 a 1540. Antes da sua morte ainda pôs por escrito, a pedido de Damião de Góis, a doutrina da igreja ortodoxa da Abissínia, que o humanista português traduziu par o latim com o nome de Fides, Religio, Moresque Aethiopum, publicada em 1540, talvez pouco depois da morte do arménio35. Enquanto o padre Francisco Álvares se dirigia a Roma com as cartas do imperador David, o embaixador Saga Zaâb ficou em Lisboa. A sua situação não foi pacífica, fruto da implantação da inquisição em Portugal, que avaliou com todo o vigor da contra-reforma a especificidade da igreja etíope. Na mesma

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altura em que se lutava contra os protestantes, os etíopes foram, na prática, colocados em situação idêntica, também eles considerados como hereges.

3.5 “El-Rei de Zeila”, Ahmad bin Ibrahim el-Ghazi O sucessor de Zara-Ya’qob, Ba’da-Maryam (1468-78), procedeu a uma popular descentralização do aparelho governativo abissínio, o que teve como principal efeito de longo prazo não só o aligeiramento do controle militar das fronteiras, mas também a divisão interna da sociedade em diversos grupos de pressão. Depois da sua morte, foi nomeado sucessor o seu filho de 6 anos Eskender (1578-94). Durante os seus anos de reinado nominal, enquanto em seu lugar governava um conselho de regentes, a corte etíope foi objecto de inúmeras divergências e intrigas, que fracturaram irremediavelmente o poder central. A principal consequência foi, naturalmente, o declínio militar. Já no final do reino de seu pai, os exércitos cristãos haviam sofrido desastrosos reveses militares, e quanto Eskender tentou encetar uma reacção contra o sultanato de Adal, o resultado não foi diferente, saldando-se por mais uma derrota. Com a morte de Eskender, as fracturas praticadas na sociedade etíope vieram dramaticamente ao de cima. Dois partidos surgiram apoiando dois candidatos diferentes ao trono. Um defendia para sucessor Amda Sion II, filho do falecido rei com 6 anos de idade; outro aglutinava-se em torno de Naód, o irmão mais novo de Eskender com 20 anos de idade, que acabou por prevalecer, ocupando o trono entre 1494-1508. Curiosamente, do lado do emirato de Adal continuavam a coexistir duas visões sobre o modo de relacionamento com o império cristão. De um lado, o rei Muhammad (1488-1518) advogava uma coexistência pacífica; no outro extremo encontrava-se a facção liderada pelo general Mahfũz – Francisco Álvares trata-o por Mafude – que procurava a expansão à custa da fronteira leste do império cristão. A facilidade com que Mafude somou êxitos militares sobre os seus inimigos enfraquecidos pelas divisões internas deu, como seria de esperar, enorme força ao seu partido. Este consolidou uma forte legitimidade religiosa, pelos contactos estabelecidos com o imã de Meca que teria mesmo oferecido a Mafude uma tenda “de brocadilho e veludo de Meca”. Curiosamente, nesta mesma tenda mais tarde será celebrada pelos portugueses – depois de devidamente consagrada – a primeira missa de rito católico em terras da Etiópia. Quanto ao imperador Naód, este acabou por perder a vida em campanha como outros dos seus antecessores, defendendo a província de Ifat; corria então o ano de 1508.

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As incursões árabes de 1529 a 1531 Mar vErMELHo tiGrai

DaMBia

Lago tana amba Sel GoJaM

aMara

28 outubro 1531 antuquia Fevereiro 1531

3 Novembro 1531 Novembro 1531 16 Julho 1531 FatEGar

DaKar

Shembera-Kuré DaMot

DaWaro

BaLi

Eixos dos ataques muçulmanos

Os principais eixos dos ataques muçulmanos contra o território cristão. O primeiro eixo, seguindo as incursões de Mafude no início do século, entrou sobretudo pelo noroeste da Abissínia. A partir de 1530, os ataques são dirigidos a norte tendo como objectivo a província do Tigrai – o berço da civilização aksumita ‑ e levaram ao quase desaparecimento do reino cristão da Abissínia.

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Como já vimos, o imperador David II havia liderado uma expedição contra Adal, talvez em Julho de 1517, durante a qual derrotou o exército inimigo na província de Fategar. Como refere Francisco Álvares, a presença de David à frente das suas tropas levou Mafude a sugerir ao rei Muhammad a fuga do campo de batalha. A razão de ser para a atitude do emir, poderá prender-se mais com o prestígio que lhe seria conferido defrontar-se com o negus, e não tanto preocupar-se com o bem-estar de Muhammad. E assim, estando os exércitos frente a frente, Mafude desafiou um cavaleiro cristão a bater-se consigo, em combate singular. Ofereceu-se para tal um monge chamado Gabra Endreyas, que acabou por matar Mafude depois de um duelo renhido. Em consequência da morte deste autêntico campeão do Islão militante, assistiu-se a um abrandamento das hostilidades durante um período de cerca de dez anos; contudo, os muçulmanos iriam reagir, e de uma forma devastadora. Com Muhammad assassinado pouco depois da morte de Mafude, sucederam-se diversos pretendentes que ocuparam o trono por curtos períodos de tempo, a maior parte das vezes não ultrapassando alguns meses. A partir de 1526 os muçulmanos reagruparam-se em torno do partido de Mafude, liderados por Ahmad bin Ibrahim al-Ghazi. – o granhe nas crónicas portuguesas – casado com a filha do prestigiado general. Depois de assassinar o sultão Abu Bakr, o granhe governou sem contestação o sultanato até à sua morte, em 1543. Procedeu à actualização do exército através da importação de armamento moderno e contratação de mercenários turcos, movendo uma guerra sem tréguas contra a Abissínia, que colocou o reino cristão à beira do fim. Corria o ano de 1526 Ahmad Gran quando encetou o primeiro ataque de grande envergadura contra os cristãos na província de Dawaro, que embora rendendo um vasto espólio, sofreu baixas substanciais durante o seu regresso a Adal. Nos anos de 1526-7, Ahmad ordenou que todas as cidades de Adal deixassem de pagar o tributo, o que desencadeou a reacção do imperador. No ano seguinte David enviou o seu cunhado Degalhan, comandante do exército e que ocupava o posto de governador da província de Bali, numa série de raids que embora inicialmente bem sucedidos terminaram em completo desastre. Este infeliz desfecho das campanhas de retaliação teve um profundo impacto nos cristãos, que assumiram desde aí uma postura defensiva.

Batalha de Sembera-Kure (quarta feira, 11 de Março 1529) Aproveitando a intimidação a que os seus inimigos se encontravam votados, o granhe multiplicou os ataques e devastações, aumentando assim a confiança das tropas que liderava. Tomando partido deste momentum, invadiu finalmente

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a Etiopia em 1529 com um poderoso exército, que incluía um contingente de 200 soldados armados com mosquetes. O primeiro encontro deu-se na entrada da cidade de Badeque, e o curso dos acontecimentos não foi favorável aos invasores. Um braço do rio Awash corria então perto da povoação. Ao chegar ao local, e julgando que não se encontravam inimigos nas imediações, os muçulmanos prepararam-se para atravessar o curso de água. O exército dividiu-se em dois corpos, com o wazzir Adoli na vanguarda no comando de uma guarda avançada, que se dirigiu na direcção de Badeque, com a intenção de ultrapassar o obstáculo. Na verdade os cristãos encontravam-se emboscados perto do local, na expectativa de que o inimigo tomasse a iniciativa. Contudo, discutia-se qual a melhor forma de defrontar o inimigo – se aguardar que estes entrassem na cidade e atacá-los dentro da povoação, se adoptar uma postura ofensiva. Um dos comandantes abissínios, Robel governador de Tigrai, decidiu-se finalmente por ir ao encontro do exército adversário, ao que foi seguido pelos seus companheiros. Os muçulmanos, embora surpreendidos por ver cristãos tomar posição na sua frente atacam, fazendo recuar as tropas abissínias da ala direita. A investida é, contudo, feita de forma desordenada, e os atacantes acabaram por recuar, para serem de imediato perseguidos pelo rio dentro. No centro do dispositivo, Ahmad Gran esboçou rapidamente um contra-ataque, enviando uma coluna comandada por um certo Mattan pela direita, e pela esquerda Adoli – que entretanto havia regressado da frente – com um corpo de archeiros somalis. Estes dois grupos deviam defender dois vaus existentes de maneira a impedir o cerco das forças. Foi este movimento que impediu um desastre completo, embora os combates se tenham prolongado até o cair da noite. Grande parte das tropas debandou entretanto, de forma que o granhe foi obrigado a efectuar uma retirada geral, reagrupando-se a cerca de 80km para sudeste da actual cidade de Adis Abeba, na província de Fategar. Chegado a um local chamado Agamge36, aguardou pela chegada dos adversários. A batalha decisiva teve lugar nas margens do rio Semarma. O imperador David tinha-se entretanto reunido às restantes tropas. O ataque dos muçulmanos tinha sido previsto, e para lhe fazer face havia sido mobilizado um numeroso exército, talvez com cerca de 1.600 cavalos e 20.000 peões37. Quanto a Ahmad Gran, este deveria ter à sua disposição um contingente com 560 cavalos e 12.000 soldados de infantaria. Uma primeira escaramuça teve lugar com um contingente de 3.000 archeiros que tentavam reunir-se com as forças de David, durante a qual estes foram completamente desbaratados ao confundir o campo dos muçulmanos com as linhas dos abissínios.

Capacete mameluco do século XV. A armaria proveniente do Cairo seria, com grande probabilidade, utilizada em toda a região por muçulmanos e cristãos (Furusiyya Art Foundation).

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Tendo conhecimento da chegada de um grande exército cristão, as tropas do granhe retiraram para leste, na direcção de Sembera-Kure. Iniciada a batalha, os soldados do imperador cristão registaram um primeiro sucesso, fazendo retirar as duas alas inimigas com o destroço dos somalis na ala esquerda. Enquanto os cristãos empenhavam mais e mais tropas na luta do lado oposto, terão talvez desguarnecido o contingente no centro. O exército da Ahmad Gran concentrou a resistência em torno do imam, provavelmente apoiados pelo contingente de mosqueteiros, e rechaçaram os inimigos que sofreram, segundo o cronista Arab Faquih) 10.000 baixas38, incluindo grande número de comandantes cristãos. Os muçulmanos também perderam um número substancial de homens, cerca de 5.000. Esta derrota de enormes proporções impediu o recrutamento futuro de outro grande exército, quebrando assim a resistência a curto prazo dos abissínios. E após retirar durante alguns meses para recompletar os efectivos, o granhe voltou à ofensiva ainda no mesmo ano de 1529, lançando ataques no sudeste da Etiópia sobre as províncias de Dawaro e Bali, raids que se estenderam pelo ano seguinte.

Batalha de Antuquia (Fevereiro de 1531) Mantendo a intensa pressão sobre um inimigo que vinha sendo sucessivamente batido no campo de batalha, Ahmad Gran retomou a ofensiva, pelo terceiro ano consecutivo. Desta vez, o imam parece decidido a proceder à destruição definitiva dos cristãos. O exército com que iniciava a campanha compreendia contingentes árabes oriundos de Mahra e, mais importante, contava com mercenários turcos, talvez janízaros, contratados ao pacha do Iémen. Estes soldados, talvez oriundos da cidade de Zabid, encontravam-se equipados com mosquetes e artilharia, aramas até então inexistente entre os abissínios. O granhe atacou a sul pela provínicia de Dawaro e, depois de esmagar resis-

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tências isoladas, atravessou o rio Awash para investir sobre o grande planalto de Shoa, sempre em perseguição do imperador. A cerca de 90 quilómetros a sul do lago Haiq, no extremo do maciço montanhoso etíope, teve lugar a batalha de Antukyah. O efectivo dos dois exércitos era idêntico – 10.000 homens de infantaria e 500 cavalos para 10.000 peões e 600 cavaleiros dos cristãos, que eram comandados pelo general Eslamu. O confronto iniciou-se com uma série de escaramuças, cujo resultado se manteve indeciso até que um ataque ao flanco direito dos muçulmanos chegou perto do centro onde se encontrava Ahmad Gran. Este ordenou então que fosse desdobrada a artilharia na frente do exército, na força de 7 peças manejadas por turcos bem versados no seu ofício; de tal forma que logo ao fogo da primeira peça, o projéctil fendeu uma oliveira que se encontrava no meio da primeira linha adversária. Apesar de dispostos cuidadosamente, aproveitando os acidentes de terreno, os cristãos não estavam habituados a este armamento e, de acordo com um cronista europeu, não sabiam como tratar os ferimentos causados pelas balas dos mosquetes. Aterrorizados pelo estrondo, potência de fogo e precisão do tiro, terão debandado de imediato, antes mesmo do assalto dos muçulmanos. Na batalha de Antuquia foi o incomparável poder de fogo dos muçulmanos que fez a diferença, forçando a rápida debandada das tropas do imperador O resultado directo desta vitória deixou todo o rico planalto de Shoa à mercê do inimigo. Contudo, tendo também sofrido numerosas baixas, Ahmad Gran reorganiza as suas forças com um exército levantado sobretudo á custa de guerreiros Somalis. Renovada a ofensiva, Eslamu será morto em combate, e as tropas do granhe espalharam-se pela região para oeste até aos primeiros afluentes do Nilo azul. Procederam então a uma metódica destruição dos principais centros urbanos e religiosos, como o mosteiro de Debra Libanos, o que levou à conversão de muitos milhares de abissínios ao Islão. Em resposta, David procurou, sobretudo, dificultar o progresso dos invasores para norte. Estacionou vários contingentes nas passagens existentes no difícil complexo montanhoso entre Amara – coração do império cristão desde o início da dinastia salomónica – e o Norte da Shoa. Depois de uma árdua campanha a sul, Ahmad alterou novamente o centro de gravidade da ofensiva para o Norte, onde se irá novamente confrontar directamente com o negus numa batalha decisiva.

Batalha de Amba Sel (28 de Outubro 1531) O caminho pelas difíceis passagens de montanha da região de Amara, foi feito à custa de um estratagema que lhe permitisse aproximar-se sem ser no-

Soldado abexim. A legenda original da imagem descreve-o como “Abixim que habita no estreito de Meca, da banda da Eiópia (Códice português da Biblioteca Casanatense, Roma).

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tado. Destacou a cavalaria, que devia progredir paralelamente ao contingente apeado, que o granhe, rodeado por outras que comandava pessoalmente. Organizou ainda uma guarda avançada com cerca de 30 cavalos e 50 peões. Estes soldados vestiram-se como cristãos, o que não seria difícil, uma vez que no decurso da campanha haviam certamente capturado armas e armaduras em quantidade suficiente. Este facto, por si só, havia de lhes conferir um aspecto idêntico aos seus inimigos, e foi desta maneira que evitaram uma emboscada montada pelo general Deghallan. Chegaram assim às imediações do campo cristão, avistando ao longe o pavilhão vermelho do imperador David II, que se erguia com os seus «60 cúbitos de largo e 50 cubitos de altura», no meio de uma vastidão de tendas brancas mais pequenas.

O confronto teve lugar perto do rio Walaqa. Na frente do exército do negus encontrava-se o grosso do exército constituído por soldados de infantaria equipados com os tradicionais escudos de couro brancos. Atrás deles encontrava-se David, guardado por 400 cavalos pesados. Os cristãos foram surpreendidos com a presença do inimigo, e tiveram logo lugar algumas deserções para o campo contrário. E a primeira investida, executada de improviso pelo corpo de cavalaria, que terá atacado de flanco, fez logo retirar os cristãos. Estes reagruparam-se em torno do imperador, enquanto os adversários procediam de igual modo. Quanto aos muçulmanos, procederam de igual modo, aguardando a chegada do grosso das tropas; foram então colocadas as peças de artilharia que traziam consigo em frente da infantaria, com a cavalaria atrás. Reiniciados os combates, certamente precedidos pelo fogo da artilharia e mosquetes, foi necessária uma hora para romper o dispositivo dos cristãos, que sofreram mais uma decisiva derrota. David conseguiu ainda fugir para a fortaleza-prisão de Amba Gesen, em Amara. As forças muçulmanas desdobraram-se por toda a região, espalhando o terror e a destruição entre as comunidades religiosas. Foram saqueados ou destruídos os templos centenários um por um, embora Amba Gesen tenha resistido ao cerco das forças inimigas nesse ano de 1531. Continuando para norte pela região de Amara, os muçulmanos chegaram, ao lago Haiq. Decorria o mês de Novembro e, á vista do mosteiro de Estifanos que se erguia numa ilha isolada do lago, decidiram proceder ao seu assalto. Com esse objectivo, os artífices dos contingentes de tropas oriundos de regiões ribeirinhas do Magrebe e Mahra39 iniciaram a construção de barcaças que permitisse lançar o assalto à ilha. E tal foi o terror do patriarca, em face destes preparativos, que este ofereceu e rendição em troca do tesouro da igreja, o que foi aceite pelo imam a 3 de Dezembro de 1531. De Shoa o imperador retirou para a região de Damot a oeste, enquanto as

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restantes forças cristãs opunham a montante do rio Awash uma desesperada resistência ao avanço do exército de Ahmad, impedindo uma perseguição que consumasse a captura ou morte do negus. Não obstante, por volta de 1532, as regiões de Amara e Lasta encontravam-se definitivamente submetidas ao poder dos muçulmanos. Em 1535 foi a vez de o imam lançar incursões ao Tigrai, destruindo os mosteiros de Bankwal, Lagaso, Dabra Karbe, e muitos outros, saqueando depois Aksum e estabelecendo finalmente ligação a norte, com os muçulmanos de Taka e Kassala. Em 1535-36 Ahmad Gran atacou a região de Gojjam, subindo para a região de Dambya, e nesta progressão saqueou a igreja Gannata Iyasus, situada na ilha de Galila do lago Tana. Uma vez mais, destacaram-se os artífices árabes, que sob a supervisão de Ahmad bin-Suleiman al-Mahri – que, como o nome indica, era natural de Mhari, no sul da Arábia – construíram as barcaças que permitiram o assalto às cerca de 30 ilhas espalhadas pela área do lago. Na província do Tigrai também foi saqueada e reduzida a cinzas a igreja de Santa Maria do Sião, mais tarde reconstruída pelo sucessor de Dawitt II, o seu filho Cláudio. Porém, o imperador escapou ileso, refugiando-se nas regiões do Tigrai, Lasta e Agaw Wag, que se lhe mantiveram leais. Daqui desencadeou uma guerra de desgaste multiplicando os ataques pontuais, impedindo que os muçulmanos conseguissem a consolidação das suas conquistas. A 21 de Junho de 1535 é morto numa emboscada o vizir Adoli, um importante comandante. A pressão dos muçulmanos continuou a fazer-se sentir e, a 7 de Abril de 1537, o filho mais velho de David foi morto em Zara, na região do Wag. Contudo, a nova postura de âmbito estratégico parece ter obtido algum resultado; de facto, em 1539, o granhe terá tentado estabelecer a paz com base num casamento com a sua filha, proposta contudo recusada pelo imperador. Talvez como represália a esta recusa outro filho de David, Menas, foi enviado como oferta ao governador otomano do Iémen, depois de capturado a 19de Maio 1539. Esgotado pelas reveses militares, e certamente amargurado pelos últimos acontecimentos o imperador David II morrerá pouco mais de um ano depois, refugiado no mosteiro de Debre Damo, a 2 de Setembro de 154040. Antes da sua morte, contudo, tomou uma decisão crucial que iria inverter o curso dos acontecimentos.

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4. A expedição à Etiópia Enquanto o embaixador etíope Saga Zaâb se encontrava retido em Lisboa e o padre Francisco Álvares em Roma, na Etiópia reaparece em cena o Mestre João, que havia integrado a embaixada de D. Rodrigo de Lima. Como vimos, mestre João desempenhava as funções de médico – físico – e este facto garantiu-lhe um importante ascendente entre os abexins, de tal forma que se introduziu, sem grande dificuldade, no séquito do negus. A situação militar na Etiópia deteriorava-se rapidamente em desfavor de David, que finalmente decide pedir auxílio aos portugueses. Podemos deduzir que o imperador estava convencido que um embaixador cristão poderia, com mais facilidade, congregar as boas vontades dos portugueses. Assim, no ano de 1635 terá nomeado Mestre João patriarca da Etiópia, que adoptou o nome de João Bermudes, o que podemos ver como uma tentativa de facilitar a organização de uma expedição de auxílio. A sua missão consistia, em primeiro lugar, em dirigir-se a Roma apresentar obediência ao papa, num gesto que poderá significar uma tentativa de emprestar crédito ao emissário. Para tal, Bermudes tomou a direcção do Cairo, encetando uma viagem atribulada, durante a qual terá passado por diversas aventuras; segundo ele próprio relata, foi feito prisioneiro dos turcos, para se escapar de seguida e chegar a Jerusalém e depois, finalmente, a Roma. Continuou depois para Portugal, encontrando-se com D. João III em Évora, o que terá sucedido por meados ou finais de 1537. Aqui deveria reunir-se a Saga Zaâb, concluir a embaixada e trazer o auxílio pretendido. A sua ida para a Índia ficou adiada, não só por entrar em conflito com o antigo embaixador abissínio, mas principalmente por ter adoecido gravemente. Assim, apenas embarcou para a Índia no ano de 1538, com a armada de Pedro Lopes de Sousa. Durante a sua estada na Índia, tentou organizar o auxílio pretendido pelo imperador abissínio. Aproveitando a saída da armada de D. Cristóvão da Gama, embarcou certamente na esperança de contactar algum emissário abissínio. Assim, é plausível supormos que, aproveitando a aguada da esquadra em Massuá, Bermudes conseguisse obter notícias sobre a situação militar na Etiópia cristã. Estevão da Gama, vice-rei da Índia, retratto inserido no Lyvro de Plantaformas das Fortalezas da Índia, de Manuel Godinho de Herédia (Ministério da Defesa Nacional)

4.1 As forças em confronto A arte militar portuguesa de quinhentos É lugar-comum afirmar a desactualização da arte militar em Portugal durante quinhentos, pelo menos no que respeita á sua vertente da guerra terrestre.

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E isto ao contrário do que sucedia com o poder naval onde, para além da precoce introdução generalizada de artilharia embarcada, Portugal parece ter sido pioneiro na “invenção” do primeiro tipo de embarcação destinada primordialmente à guerra naval41. Também por volta dos anos 40 assistimos à aplicação dos modelos mais recentes no campo da arquitectura militar, de que temos o exemplo mais completo na cidade fortificada de Mazagão, construída de raiz segundo projecto de um dos principais engenheiros militares ao serviço de Carlos V, Benedetto de Ravena. Assim, a guerra terrestre parece constituir o parente pobre deste tríptico – guerra naval, arte militar terrestre e arquitectura militar. Esta é uma situação a que a historiografia militar se tem conformado, justificando a falta de actualização de formas de guerra à moderna – tanto nas suas vertentes teórica, como prática – com a ausência de conflitos terrestres no continente europeu. Contudo, uma análise aprofundada pode revelar que tal imagem está, senão longe da realidade, encontrar-se-á talvez a meio caminho. Do ponto de vista institucional, várias tentativas houve durante a centúria de quinhentos, no sentido da adopção de instrumentos legislativos procurando a reorganização da força militar terrestre do reino. As «ordenanças manuelinas», publicadas no ano de 1508, embora procedendo apenas à reorganização da guarda pessoal do rei, têm um alcance bem mais vasto do que o efectivo das cem lanças desta guarda. De facto, os soldados foram divididos por cinco capitanias, o que nos indica que se pretendia introduzir uma orgânica de enquadramento das tropas. Além disso, os capitães foram nomeados dado a sua experiência na guerra moderna que então se praticava na Europa, «pessoas que são vindas de Itália»42 como referido no texto do diploma. Também na Índia, o governo de Afonso de Albuquerque foi acompanhado pela introdução de uma nova estrutura militar desde pelo menos 1510. É nesta altura que vemos pela primeira vez referência ao emprego, em batalha, de gente organizada em unidades, cuja estrutura orgânica incluía oficiais que conheciam bem a arte militar moderna. A partir de 1512 foram introduzidos os piques na Índia, arma entretanto vulgarizada desde as guerras entre os cantões suíços e o reino de Borgonha. Ao mesmo tempo, os soldados eram pela primeira vez sujeitos a um adestramento regular, «os piqueiros ordenados com seus piques em suíça»43, e os atiradores armados com arcabuzes «praticando o tiro na barreira aos domingos»44.

Ponta de pique português

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Capacete português

No início, as influências que transpiram para Portugal – e restantes países da Europa – são oriundas do norte, onde desde o último quartel de quatrocentos os suíços alteravam radicalmente o carácter da guerra, introduzindo no panorama militar uma formação de combate há muito caída em desuso – a falange macedónica oriunda da cultura grega. Progressivamente, serão os castelhanos a assumir uma posição central no desenvolvimento de novos dispositivos tácticos, fruto do seu envolvimento nas guerras em Itália. Assim, não será estranho encontrarmos na orgânica de Albuquerque elementos da ordenanza espanhola. De facto, Albuquerque fixa a existência de oficiais que deveriam enquadrar os soldados de escalão mais baixo, designados como “cabos de esquadra”. E também podemos detectar a presença de oficiais superiores experientes na guerra moderna – «capitães que sabiam do mester, que já servirão em Itália» – isto para além de outros soldados também considerados na orgânica das companhias castelhanas, como sejam as bandeiras, tambores, etc. Apesar da existência de legislação definindo uma orgânica rígida para as unidades militares de base, esta normativa estava bem longe de ser aplicada, mas não só em Portugal, como também noutros países que seguiriam mais de perto a arte militar recente. Não existindo um sistema de recrutamento regular, os efectivos eram objecto de enormes flutuações. Para além do mais, a teoria militar encontrava-se em constante mutação, e quase que podemos observar tantas propostas diferentes, quanto autores da prolifica produção de tratados militares no século XVI.

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A campanha liderada por Cristóvão da Gama surge na continuidade de todo este processo. Assim, parece claro que os esforços de introdução de novas práticas militares em sintonia com a evolução que se registava no continente europeu, não caíram no esquecimento. E o caso da campanha da Etiópia, parece confirmar esta suposição. O contingente comandado pelo filho mais novo de Vasco da Gama consistia em cerca de quatrocentos soldados, divididos em unidades subsidiárias comandadas por um capitão, cada uma com cinquenta homens. Não existindo na altura uma orgânica rígida, ou melhor, universalmente adoptada para o efectivo das unidades militares, este é um total múltiplo do efectivo das esquadras45 que integravam as companhias de ordenança espanholas. O tratadista português Isidoro de Almeida refere, no seu texto de 1573, esquadras de cinquenta e vinte e cinco homens, não mostrando preferência por qualquer delas. Cada uma destas capitanias levaria consigo uma bandeira – guiões de damasco azul e branco, com cruzes vermelhas – vincando a autonomia destes agrupamentos. O guião real, uma bandeira de damasco carmesim e branco, com a Cruz de Cristo nela46, viajava junto com os soldados do capitão-mor Cristóvão da Gama. O pequeno exército português revela dominar vários aspectos da arte militar moderna, manobrando numa formação corrente na primeira metade de quinhentos, o «caracol», em demonstração militar perante a comitiva real etíope. Em batalha, adopta dispositivos defensivos com recurso a fortificações de campo temporárias, onde podemos mesmo detectar grandes semelhanças com os dispositivos de combate adoptados por Gonçalo de Córdova durante as guerras em Itália, em Ravena (1511), e Bicocca (1522), embora numa escala mais reduzida. Estas fortificações de campo temporárias eram defendidas por soldados espingardeiros, artilharia, e ainda por um corpo de cavalaria, que embora com um efectivo limitado desempenhou um papel fundamental no decurso das operações. Cabe ainda referir a vertente teórica da arte militar portuguesa. Para além das pistas que apontam no sentido do conhecimento da prática militar mais actual, deparamo-nos com a existência de componente teórica, corporizado num texto habitualmente descurado pela historiografia militar portuguesa: o Regimento de Guerra de Martim Afonso de Melo. Apesar de este tratado não se ocupar com as inúmeras referências clássicas presentes em grande parte dos textos da época, o autor do Regimento de Guerra não deixa, ainda assim, de revelar a influência de autores da antiguidade. De facto, o seu trabalho evidencia uma estrutura em tudo semelhante ao texto de Vegécio, que como se sabe já era lido em épocas anteriores. Revela ainda a influência de Maquiavel, por via da reprodução de esquemas gráficos retira-

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Exército em marcha. Pormenor da 3ª tapeçaria – Os Casados de Goa – dos Sucessos e Triunfos de D. João de Castro na Índia, 1555-1560 (Kuntshistorisches Museum, Viena).

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dos da primeira tradução castelhana do autor italiano, o que nos indica que a actualização da prática militar se faria, eventualmente, através da escola militar dos castelhanos. Sublinhando um carácter prático que se encontra presente na maioria dos textos técnicos, e na própria atitude dos portugueses de quinhentos, o autor propõe modelos extraídos da experiência adquirida na guerra no Norte de África e Índia: “Mas nós, que não pelejamos, senão com gente desarmada, pouca força nos basta de piques, e temos necessidade de mais arcabuzes, para com eles ofendermos o inimigo de mais longe, e por isso dou mais arcabuzes às companhias, que piques, segundo meu juízo”47

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À semelhança do que havia preconizado Martim Afonso de Melo algumas décadas antes, Diego García de Palácio seguirá na sua obra de 1583 este modelo teórico, estabelecendo um contraponto entre a arte militar praticada na Europa e a experiência que os castelhanos adquiriram nas campanhas militares na América, onde era normal o emprego de pequenos contingentes de tropas desde o tempo de Cortez e Pizarro.

Equipamento O contingente português contava, como vimos, com 400 soldados, que “levavam armas dobradas”48, o que significa que traziam dois tipos de armas com que se poderiam equipar, mosquetes e piques. O facto de estes homens se encontrarem habilitados a combater com duas armas, indiscriminadamente, indica estarmos na presença de soldados práticos. Não devemos, porém, tomar esta situação como um caso atípico, uma vez que a especialização de um soldado no manejo de determinada arma não é um dado adquirido para o século XVI. A introdução das armas de fogo veio obviar uma situação indesejável, que então surgia com o aumento no efectivo dos exércitos quinhentistas – o treino do crescente número dos soldados necessários ao campo de batalha moderno. Um aspecto crucial tem sido apenas esporadicamente referido como intimamente ligado à introdução das armas de fogo. Tratase do facto das novas armas necessitarem de um treino menos exigente, sobretudo no que respeita ao tempo necessário para apreender os rudimentos do disparo. Assim, uma mais-valia de peso associada ao arcabuz, não se prendia apenas com uma eventual maior eficácia da arma. Por exemplo, na Inglaterra quinhentista ainda se usava o arco tradicional britânico – o longbow de origem galesa – cujo serviço desde o século XIII terá sido um dos responsáveis directos pela supremacia dos ingleses durante a guerra dos 100 anos. Durante a segunda metade do século XVI, com a necessidade de introduzir as novidades militares praticadas no continente Europeu, a utilização do arco galês pelas milícias foi acompanhada por aceso debate, onde se esgrimiram as suas vantagens e desvantagens militares. A principal razão que advogou a sua retirada do serviço militar foi, precisamente, a obrigatoriedade do archeiro necessitar de um treino evolutivo, iniciado desde muito cedo. E por esta palavra “cedo”, entendiam-se anos, em vez dos poucos meses necessários para um domínio efectivo do arcabuz. Para a campanha militar portuguesa de 1578 em Marrocos, por exemplo, os soldados levantados pelas ordenanças de D. Sebastião adquiriram o domínio

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Soldado português e o seu criado Os escravos que acompanhavam os portugueses em batalha, os criados descritos em inúmeras relações da época, tinham um importante papel nos combates, quer carregando ou recuperando as armas, ou mesmo apoiando os portugueses nas investidas. Pormenor da 9ª tapeçaria – Repouso junto ao Pagode d Mrdor – dos Sucessos e Triunfos de D. João de Castro na Índia, 1555-1560 (Kuntshistorisches Museum, Viena).

das armas de fogo em cerca de dois meses49. Um veterano da batalha50 refere a credível prestação destes soldados da ordenança, num encontro que teve lugar na véspera da batalha de Alcácer Quibir, quando fizeram gorar uma investida à retaguarda da coluna. E no dia da batalha foram também os atiradores das ordenanças que, «jogando a mosquetaria com maravilhosa presteza”51 impediram a entrada dos adversários pela retaguarda, mantendo assim acesa a resistência desde as dez da manhã até às quatro ou cinco da tarde. Os portugueses utilizaram desde cedo os novos tipos de armamento que entretanto surgiam. Dos mosquetes, que só a partir de meados do século se generalizaram nos campos de batalha da Europa, temos notícia da sua primeira utilização no Oriente, no ano de 1512 onde Gaspar Correia menciona os

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soldados portugueses disparando muitos espingardões e espingardas que este ano vieram do Reino52. Os mosquetes eram armas muito úteis pelo alcance superior ao do arcabuz e maior poder de penetração, mas sendo mais pesados pela maior dimensão do cano, o seu manejo tornava-se mais difícil. Necessitavam de um apoio suplementar, que era dado por uma forquilha desenhada para facilitar o disparo da arma. Durante a campanha da Etiópia, o contingente levava consigo cem mosquetes, que funcionaram como peças de artilharia ligeira, estabelecendo a ligação entre as peças mais pesadas, e o curto alcance dos arcabuzes. Outra arma de uso generalizado entre as forças portuguesas, eram as chamadas alcanzias de pólvora. Temos sobeja notícia deste tipo de armamento sobretudo em situação de guerra naval, onde os soldados lançavam as alcanzias ou panelas de pólvora como arma de arremesso, à semelhança de granadas de mão, arremessando-as sobre os navios contrários. Porém, também se empregavam no combate em terra, sobretudo em situações de cerco. A protecção individual dos soldados deveria de ser algo variável, sujeita ao que cada um podia adquirir. Ainda assim, é de crer que os soldados deste pequeno contingente de 400 homens haviam de se encontrar razoavelmente apetrechados. A protecção da cabeça devia ser quase universal, enquanto as couraças podiam ter uma distribuição relativamente corrente entre os soldados, sobretudo as couras de lãminas, que sendo uma peça mais ligeira devia gozar de maior popularidade. As cotas de malha também se deveriam encontrar com alguma frequência, até pela eventual captura aos inimigos.

Táctica O grande comandante da época, o duque de Alba, defendia que os melhores soldados eram aqueles que demonstravam maior iniciativa e destreza no manejo das armas, vocacionados por isso para a “pequena guerra”, isto é, aqueles encontros entre pequeno número de tropas. Os grandes movimentos corporativos, as manobras de grande número de soldados poderiam, segundo Farnese, podiam ser executadas por quaisquer soldados com um mínimo de treino. Os chamados presídios de África desempenharam, como já foi sobejamente explanado por numerosos autores, um papel crucial no adestramento dos soldados. Aliás, durante o século XVI o treino das tropas não tinha o carácter sistemático que se observa em épocas posteriores. O termo soldado prático assume um significado objectivo – é na prática da profissão das armas que o soldado apreende o seu ofício. Durante as marchas, por exemplo, os soldados eram adestrados nos movimentos colectivos em “formação ordenada”. Quando da sua primeira jornada ao Norte de África

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Arcabuzeiros representados no terceiro pano da “Entrada Triunfal de D. João de Castro nos Sucessos e Triunfos de D. João de Castro na Índia (Kuntshistorisches Museum, Viena).

no ano de 1574, D. Sebastião pretendeu que o contingente “se exercitasse nesta guerra, e do exercício dela sairiam Capitães e soldados experimentados com que melhor se pudesse prosseguir e fazer ao diante»53. Assim, apesar de a actividade militar nas praças de Norte de África ou no Oriente manter a continuidade da forma medieval de fazer a guerra, não deixa de constituir um teatro de guerra particularmente favorável a um tipo de operações que havia de formar uma elite militar que hoje se designa por soldado veterano – “o soldado prático”.

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Do efectivo embarcado na armada de Estêvão da Gama, o corpo destacado para a campanha da Abissínia devia ser constituído por uma selecção destes soldados veteranos. A facilidade com manobram no terreno, indica que os seus homens possuíam um elevado grau de adestramento. Segundo descreve Castanhoso, à chegada da rainha Sabla Wengel ao acampamento português, os soldados exibiram-se numa série de evoluções, passando de uma formação maciça “mui bem concertados” com que fizeram “salva duas vezes com toda a artilharia e espingardaria” para, de seguida, abrirem a formatura dividindo-se em “duas fileiras, ficando-nos a rainha no meio”54. Para além disso, os soldados às ordens de Cristóvão da Gama estavam adestrados tanto no uso de armas de fogo como armas brancas – os “piques” ou as espadas. Não era caso inédito, e os portugueses faziam-se acompanhar de auxiliares, que transportavam uma ou outra arma. Nas campanhas no Oriente podemos observar os soldados portugueses manejando com igual perícia o arcabuz ou a espada – “derão Santiago nos mouros com uma surriada de espingardas, e as largando a seus escravos, com as lanças entraram com os mouros” 55. Outro aspecto interessante prende-se com a formatura do exército em marcha. Com o exército em movimento. Habitualmente descurado, este aspecto dá-nos pistas sobre a índole do comandante, e o conhecimento que este terá relativamente ao seu mester. No caso da coluna de Cristóvão da Gama, estamos inequivocamente perante um comandante cauteloso, que preparou cuidadosamente toda a sua campanha.

Pontas de azagaias De fabrico indiano, séculos XVII-XVIII (Furusiyya Art Foundation).

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Acha de guerra etíope (Furusiyya Art Foundation).

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De facto, enquanto esperava pela estação favorável o comandante português tratou de construir um trem de carros de transporte que apoiasse a marcha dos soldados por um território que se sabia ser hostil. Foram construídos vinte e quatro destes carros, alguns deles com funções específicas. Uns eram destinados ao transporte dos canhões, enquanto outros foram munidos de grades – uma espécie de escaparates – onde se colocavam os mosquetes. Outros carros levavam as próprias armaduras individuais dos soldados, uma vez que em marcha era hábito os homens encontrarem-se desarmados, isto é, sem qualquer peça de armadura que lhes dificultasse a marcha enquanto caminhavam. Com a presença dos carros, pretendia-se não só reforçar a defesa da coluna progressão, mas também “para fazer nosso arraial forte”56. Seria interessante detectar outros casos semelhantes na história militar portuguesa de quinhentos, até porque na guerra naval se sabe a extrema importância dos carpinteiros na reparação e reforço das defesas dos navios, como ocorreu no cerco de Cochim em 1504. A utilização de carros na defesa de um dispositivo de combate está documentada em época posterior, num alardo57 preparado para o rei D. Sebastião que teve lugar em Faro no ano de 1573. Os soldados que se encontravam na parada dispostos em formação ordenada, tinham pelas “ilhargas do esquadrão, da banda de fora, trazia berços em carretas”58. Este monarca, que se interessava profundamente por todas as questões relacionadas e, neste contexto, teve a seu cargo o desenho de carros preparados para servirem de transporte, protecção e eventualmente aparelhos de cerco. Como escreveu o embaixador castelhano, estes apetrechos eram “um tipo de

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carretas, ciertas máquinas que sirvan de carros y de trincheas”59, e foram, de facto, utilizados ena batalha de 4 de Agosto. Disso nos dá conta uma testemunho ocular dos combates, nada menos que o médico pessoal do xarife Abd al-Malik, referindo que los Cristianos, viendose perdidos, hizieron reparos com los carros que traian60.

As forças etíopes O exército dos abissínios cristãos consistia de contingentes de infantaria e cavalaria. Numa atitude tipicamente medieval, os cavaleiros eram considerados a arma mais prestigiada, onde militavam os membros mais elevados da hierarquia social. A cavalaria pesada usava armaduras de cota de malha, as faixas dos anéis dispostos em filas apertadas61. Francisco Álvares descreve-os como “saias de malha com mangas compridas e muito apertadas ao corpo”62. Francisco Álvares também descreve alguns dos etíopes a cavalo usando muito boas couraças das nossas, o que pode indicar a a proveniência destas peças de armadura vindas do Egipto ou mesmo da Turquia ou Pérsia. Nos casos em que a protecção do combatente era mais completa, apenas ficavam os olhos à vista, com um capacete metálico em forma de ovo de avestruz63 sobre a cabeça. Muitas vezes o cronista se refere aos cristãos como bizantinos, e talvez o aspecto destes cavaleiros tivesse alguma semelhança. A principal arma da cavalaria etíope parece ter sido a azagaia, donde os exemplares mais procurados seriam provenientes da índia. Os cavaleiros melhor equipados tinham ainda armamento pessoal, certamente destinado ao combate corpo-a-corpo, que consistia em achas de guerra de origem mameluca ou otomana. O efectivo montado devia consistir parte substancial dos exércitos. No raid de 1527 a Adal, por exemplo, o general Dengalhan levou consigo cerca de seiscentos cavalos. A infantaria desempenhava, ainda assim, um papel importante, até porque as condições geográficas em diversos locais da Etiópia favoreciam o combate apeado, principalmente em situações em que havia de sustentar um cerco. Estes soldados dividiam-se em dois tipos principais, de acordo com a função no campo de batalha. Os guerreiros destinados ao combate próximo usavam escudos brancos feitos de couro, o que parece indicar que poderiam ter como arma a lança ou espada. A principal arma de arremesso dos abissínios era um arco comprido, cujas flechas eram por vezes embebidas nua substância tóxica, e a sua utilização foi registada pelo padre Francisco Álvares, que lhes chamou setas ervadas. O povo Maia, em particular, tinha uma temível reputação no uso destas flechas

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Tipos de cavaleiros etíopes. A figura central está montada num cavalo protegido com uma espécie de armadura. “Nove guerreiros santos”, gravura incerta no manuscrito Ta’amra Maryam, do século XVIII.

ervadas. Na batalha de Sembera Kure estiveram presentes cerca de 3.000 destes archeiros que actuaram separados do grosso do exército, numa posição destinada a emboscar as forças inimigas. Vincando um carácter algo arcaico, ainda era possível encontrar entre as forças etíopes a funda, uma arma então considerada de pouca utilidade no campo de batalha moderno. Dispersos pela frente do exército, a sua prestação em combate não oferecia grande crédito entre os seus inimigos de Adal, como nos dá disso conta o cronista das campanhas de Ahmad Gran. Os fundibulários eram dispostos na frente do exército, uma prática seguida noutros exércitos mais antigos, numa repetição de práticas militares com várias centenas – senão milhares – de anos. A par com um aspecto mais arcaico, a influência dos turcos parece inegável, os homens mais abastados usavam barretes redondos – touquinhas vermelhas

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Armadura mameluca. Realizada em malha e placas, séc. XV (Furusiyya Art Foundation).

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com grandes pontas64 – fabricados por alfaiates turcos, vermelhos ou dourados. Por volta do século XVI também o vestuário de corte consistia numas “camisas compridas até o chão, e em cima marlotas aquarteladas de seda de suas cores até ao chão”65. Estas camisas compridas tinham depois mangas estreitas que Manuel de Almeida em 162866 refere como imitando a moda da corte otomana. Os chefes militares de província adoptariam um vestuário mais tradicional. Castanhoso descreve a indumentária do Bahr Nagash – o Barnagais – “senhor desta terra, vinha a pé, despido da cintura para cima, com uma pele de leão ou tigre em cima dos ombros, à maneira de vestidura de clérigo, com o braço direito fora”67

Táctica Os dispositivos tácticos utilizados pelos abissínios não diferem de uma disposição de tipo medieval, que compreendia um corpo central flanqueado por duas ala. Este corpo poderia ser depois desdobrado por duas ou três linhas, dependendo do efectivo disponível. Era um dispositivo que remonta à própria antiguidade, e numa forma simplificada teve ampla divulgação na época medieval. Os portugueses adoptaram-no em 14 de Agosto 1385 na batalha de Aljubarrota e, apesar da sua antiguidade, continuará na prática militar por muito tempo, como na batalha de Alcácer Quibir (4 de Agosto 1578), e ainda se encontrará em vigor no século seguinte. Nas guerras de independência que tiveram lugar depois da restauração de 1540, podemos encontrar o desdobramento das forças portuguesas num esquema tripartido, em profundidade. Contudo, por esta altura, o escalonamento dos soldados por 2 linhas já era o dispositivo mais utilizado, designado pela teoria militar da época por ordem dobrada68. Em Badeque, o contingente etíope parece ter sido desdobrado em apenas dois corpos. O imperador David II procedia ao levantamento de tropas pelo reino, pelo que estes soldados deveriam constituir uma força de retardamento, à qual se juntaria depois o negus com o grosso do exército. Alguns dias depois do encontro de Badeque teve lugar a batalha de Sembera -Kure. O exército que entretanto havia sido reunido foi o maior de toda a campanha, e a sua derrota impediu que o recrutamento voltasse a atingir níveis tão elevados. O dispositivo táctico adoptado reflecte, sem qualquer dúvida, o enorme efectivo que se concentrou. Os soldados foram distribuídos por sete batalhas, que por sua vez se desdobraram em três linhas, com as respectivas alas de cavalaria.

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As forças de Adal Equipamento

Mouro a cavalo, descrito como “Jente parsia do reyno de Ormuz: mouros” numa gravura indo-portuguesa, 1548 (Biblioteca Casanatense, Roma).

A cavalaria tinha um componente importante de choque na forma de cavaleiros com armadura montados em cavalos bardados69. A armadura consistia, por certo, em cotas de malha simples, mas não devemos descartar a possibilidade de também se utilizarem armaduras compósitas de tipo mameluco ou otomano, sobretudo no caso de se tratar de chefes militares importantes. Durante a guerra civil que se seguiu à morte de Mohammad em 1518, Ahmad bin Ibraim el-Ghazi apercebeu-se da importância do interior da Somália como fonte de recrutamento fundamental, e o exército de Adal passou integrar estes homens aguerridos. Os cavaleiros somalis ao serviço de Adal usavam arco e flecha70, o que permite estabelecer um paralelo com as tradições militares dos mamelucos, sabendo que estes cultivavam a destreza com esta arma. De facto, os mamelucos aperfeiçoaram ao extremo a arte do tiro; era suposto um archeiro acertar no alvo a mais de 70 metros de distância, e disparar três flechas em cada segundo e meio71. Assim, terá sido através destes guerreiros que se transmitiu para o sultanato de Adal a arte militar do Egipto – como veremos o próprio Ahmad Gran era, com grande probabilidade, um somali. Tal como entre outros povos islamizados – e europeus –, os cavalos de batalha eram sujeitos a um treino específico para o combate, e por isso só eram montados quando em batalha; os cavaleiros seguiam montados em mulas72. A infantaria parece desempenhar um papel residual, e os soldados apeados de maior valia eram integrados na guarda pessoal de Ahmad Gran, que compreendia 50 cavalos e 200 soldados veteranos armados com espadas e escudos indianos. Contudo, em situações defensivas, a infantaria teria um maior relevo, como sucedeu no ataque português a Amba Sanayt em 1541, onde se encontravam 1.500 frecheiros e adargueiros73. Os adargueiros referidos por Castanhoso, parecem sugerir que a principal arma da infantaria seria a espada e o escudo, ao contrário da cavalaria, que parece ter preferido a lança. Para além das espadas, uma parte considerável das tropas apeadas tinha como arma principal o arco, e um número residual estaria equipado, à semelhança dos seus inimigos abissínios, com fundas. Entre os muçulmanos, o arco era uma arma prestigiada, e podemos supor que o número de archeiros e adargueiros seria semelhante. Os mercenários eram uma importante componente dos exércitos de Adal. De regiões afastadas, como o magrebe vinham tropas, provavelmente archeiros,

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oriundos da região montanhosa do Rif74. Outros soldados eram recrutados noutras regiões da Arábia, mas de todos eles foram os turcos aqueles que desempenharam um papel crucial ao longo das campanhas do granhe contra os abissínios. Equipados com mosquetes e artilharia, apoiados por um pequeno corpo de cavalos, os mercenários turcos oriundos de Zebid foram instrumentais nas batalhas mais decisivas. Quando presentes entre as fileiras de Adal, a vitória parecia estar garantida.

Táctica Em movimento, o exército poderia ir dividido em três batalhas, um corpo central flanqueado por duas alas com o comandante supremo no meio. Em batalha, o dispositivo adoptado é simples, um corpo central flanqueado por duas alas, onde o flanco direito era concedido aos chefes mais prestigiados e experientes, enquanto o general se encontrava no centro. Esta era a ordem de batalha básica seguida pelos mamelucos. Se associarmos a suposta elevada proporção de archeiros nas fileiras dos exércitos de Adal, podemos identificar outra componente do dispositivo táctico mameluco, a barragem de setas75. Um aspecto interessante referido pelo cronista das campanhas do granhe, é a referência ao chamado modo de combater dos árabes, que em situações decisivas – ou mesmo desesperadas – o comandante supremo mandava erguer a sua tenda como sinal de que a resistência deveria ser levada até ao fim76. Curiosamente, um outro extraordinário comandante muçulmano, o sádida Abd al-Malik, procedeu da mesma forma em Khandoq er Rihan (1576), a batalha decisiva que o legitimou como soberano do Magrebe ocidental. Os efectivos do exército do sultanato de Adal parecem situar-se, na fase mais favorável, pelos 12.000 homens a pé e cerca de 500 cavalos. Na batalha de Sembera-Kure(1529) eram 12.000 soldados de infantaria e 560 cavaleiros, 200 destes cavalos pesados. Para a batalha de Antuquia (1531), o granhe levou 500 cavalos e 12.000 soldados de infantaria.

O aparelho militar otomano Embora integrados em pequeno número, os mosqueteiros turcos oriundos do Iémen desempenharam absolutamente desproporcionado em relação ao seu efectivo, decidindo inequivocamente os combates em favor dos muçulmanos. E por isso mesmo, vale a pena referir as características destes soldados e do sistema militar que esteve por detrás das vitórias fulminantes dos exércitos do sultanato de Adal. O aparelho militar Otomano compreendia dois sistemas de recrutamento

Soldados regulares otomanos. Capitão de Janízeros e soldado turco de Argel. A indumentária era idêntica a outros turcos noutras partes do império da Sublime Porta.

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diferenciados, que correspondiam a dois tipos de tropas. O primeiro sistema, o Kapi Kulu77, consistia nas tropas regulares, pagas, que formavam então os regimentos de soldados directamente dependentes do Sultão78. O segundo sistema tinha um carácter feudal, e era constituído pelos cavaleiros que recebiam um determinado montante por parte do estado, o timar, e que em troca prestavam serviço militar em tempo de guerra, fornecendo um contigente de tropas para esse efeito. O corpo Kapi Kulu, tinha como fonte de recrutamento a população não-muçulmana, como seja Cristãos dos territórios sob controlo otomano e prisioneiros de guerra. Estes homens, submetidos a um treino intenso e exigente79, ocupavam lugar como cavalaria de elite, os sipahi80 da Porta (por referência à Sublime Porta), ou então integrando o famoso corpo de infantaria, conhecido como Janízeros. O corpo Kapikulu ainda compreendia os técnicos da artilharia e engenharia militar, muitas vezes europeus renegados ou mercenários. A infantaria assume progressivamente um papel com maior relevo, ao contrário do que acontecia no passado81, de tal forma que são os soldados regulares – os janízeros – que mais impressionam os observadores ocidentais82. Estes soldados, sujeitos a um treino intenso e prolongado, são organizados em unidades que, em termos de orgânica, se encontram decididamente à fren-

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te dos exércitos da época, conferindo-lhes grande coesão e espírito de corpo. Também as armas de fogo com que estavam equipados conferiam aos janízeros uma superioridade importante sobre os seus congéneres europeus. Comparando com os arcabuzes utilizados pelos cristãos, os mosquetes otomanos lançam grande pelouro de muito maior compridão que os nossos, por onde fazem maior chegada83. As balas eram mais pesadas – “são escopetas grandes como mosquetes e que tiram onça e meia de bala...”, e como o observador indica, apenas os mosquetes europeus se lhes podiam comparar tanto em alcance como em poder de fogo84. Esta observação foi confirmada pelos portugueses em Alcácer Quibir, onde esteve um contingente de turcos oriundos da cidade de Argel, onde alguns modelos chegavam mesmo a disparar uma bala com 80 gramas de peso85. O lugar central que os janízeros ocupam na ordem de batalha reflecte, pois, um novo protagonismo das tropas apeadas no exército otomano, curiosamente em paralelo com aquilo que também se passa com os exércitos europeus do século XVI. Outros soldados podiam ser disponibilizados, como os timariots86, tropas feudais, com origem nos estados vassalos, que formavam os grandes corpos de cavalaria, ou ainda os Azap e Akinci, constituídos por soldados irregulares oriundos das diversas províncias do império. De todas estas tropas, aquelas que serviram com o granhe seriam janízeros estacionados no Iémen, que havia sido recentemente integrado na esfera da autoridade da Porta. Á semelhança da cidade de Argel, onde também se fazia sentir a autoridade dos otomanos, estacionava um contingente de janízeros que prestava serviço pelos diversos teatros de operações do Mediterrâneo. E por ordem do próprio grão turco, um contingente destes soldados havia de defrontar os portugueses em Alcácer Quibir, cerca de quarenta anos depois. Podemos supor que, dado a importância estratégica do Iémen, a situação será comparável com a cidade de Argel. Como se sabe, desde a expedição de Desde com tropas escolhidas aquarteladas na região, nomeadamente na cidade de Zebid, onde Hadim Suleyman Pacha havia deixado estacionados cerca de 500 soldados turcos e cinco navios87. Com efeito, a generalidade dos cronistas referem esta cidade do Iémen como o local de proveniência do contingente equipado com armas de fogo, que serviu no exército do granhe.

D. Cristóvão da Gama, litografia com base num desenho de António dos Santos Dias, publicado na Collecção de memórias relativas às façanhas dos potuguezes na India..., Lisboa, 1840.

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4.2 Os Generais Cristóvão da Gama Nascido no ano de 1516, Cristóvão da Gama era o quarto filho de Vasco da Gama e de D. Catarina de Ataíde. Em 1532 embarcou para a Índia na frota de Pedro Vaz do Amaral, e ao voltar a Portugal em 1535 foi feito fidalgo da Casa Real e nomeado capitão-mor de Malaca, como recompensa da bravura demonstrada em várias operações militares. Voltou então para o Oriente em 1538 com a armada de D. Garcia de Noronha em 1538 para ocupar a sua capitania, e efectuou diversas campanhas sob a direcção deste e do seu irmão, D. Estêvão da Gama, quando sucedeu como governador. A sua presença na expedição naval ao Mar Vermelho foi o corolário da sua ilustre carreira militar, que atingiu o seu ponto alto quando lhe foi atribuído o comando da expedição de socorro ao imperador da Abissínia Cláudio II. Morreu em 1542, após ter sido feito prisioneiro na Abissínia, no decurso da campanha militar que liderou contra Ahmad bin Ibrahim el-Ghazi, que governava então o sultanato de Adal.

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Ahmad bin Ibrahim el-Ghazi (Ahmad Gran) Ahmad bin Ibrahim al-Ghazi terá nascido perto da cidade de Zeila, e a tradição local refere como seus progenitores uma mulher muçulmana e um eclesiatico cristão. O seu pai, contudo, poderá ter sido Ibrahim bin Ahmad da tribo dos Beja, que ocupou primeiro o cargo de governador da cidade de Hubat – que juntamente com Za’ka, foi uma das principais bases de apoio de Ahmad. Mais tarde assumiu, durante três meses, o lugar de governador do Sultanato de Adal. Ahmad bin Ibrahim usava a mão esquerda quer na escrita, quer a combater, razão porque ficou pelo nome de Ahmed Gran (esquerdino), e entre os portugueses como o granhe ou “canhoto”. De carácter extrovertido e com uma personalidade vincada e dominadora, profundamente imbuído de um islamismo militante, o Granhe viu as suas qualidades de liderança reconhecidas pelo imam Mafude de Zeila. Este, que como já vimos se encontrava empenhado numa resistência agressiva contra os cristãos da abissínia, procurou estabelecer as bases de uma aliança sólida entre os dois, oferecendo a sua filha, Del Wambara em casamento. Enquanto esteve ao serviço de Mafude, o seu pai foi assassinado pelo sultão de Zeila, Abu Bakhr; este facto não será esquecido pelo Granhe, que mais tarde lhe destinou a mesma sorte. A morte de Mafude, no decurso da campanha militar levada a cabo por David in 1517 lançou o sultanato de Adal numa mortífera guerra civil, que durou Lenda do nascimento de Ahmad Gran vários anos. Foi, contudo, no decurso Adal e Harrar enviavam anualmente um tributo ao imperador das sangrentas lutas sucessórias que, da Etiópia, 700 mulas brancas, 50 peças de ouro, 30 tapetes, auto intitulando-se imam, unificou o 1.300 tapeçarias, 1.000 bois, 3.000 cabras e carneiros. Por sultanato debaixo da sua pessoa. Junocasião e uma das entregas, uma mulher chamada Shemshia tando sob o seu comando as forças acompanhava a caravana que havia partido de Harrar com destino ao mosteiro Debre Libanos. Ghegado ao mosteiro do seu sogro, Ahmad Gran assegurou quis a sorte que esta mulher se cruzasse com um jovem o controlo de Harar, capital do govermonge, que a seduziu. Na pressa de voltar para a oração, o no do sultanato de Adal, depois de ter monge levou, por engano, o chapéu de Shemshia, e os seus morto o último dos pretendentes o companheiros, ao constatarem que o monge havia dormido sultão Abu Bakr. com uma muçulmana, espancaram-no até á morte. Quanto á futura mãe, de volta a Harrar deu à luz um rapaz ao qual Considerado como oriundo da etnia chamou Ahmad, e que era constantemente ridicularizado por Somali, a principal fonte para a históse não lhe conhecer o pai. Segundo a lenda, esta seria a razão ria das conquistas do Granhe é, no endo profundo ódio que o granhe votou a todos os cristãos, em tanto, omissa quanto às suas origens particular aos eclesiásticos. étnicas. Uma das razões para este fac-

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Capacete otomano do século XVI. As armas dos otomanos eram uma referência em todo o mundo muçulmano, e capacetes como este seriam certamente utilizados por oficiais do exército de Ahmad Gran (Furusiyya Art Foundation).

to, poderá prender-se com o facto de os guerreiros Somalis terem desertado ou abandonado o exército em situações cruciais, uma das quais frente aos cristãos na batalha de Sembera-Kure. Contudo, alguns dos seus parentes estão identificados, de uma forma ou outra, com a etnia Somali. O irmão Muhamad bin Ibrahim e o cunhado com o mesmo nome seriam todos de origem Somali; já o mesmo não acontecia com a sua irmã Fardusa, que no entanto era casada com Mattan, também ele um chefe de etnia somali; e, por fim, o seu sobrinho Amir Nur ibn Mujahid era, também ele, um Somali da triboMarehan Darod.

4.3 A campanha de 1541-43 Desembarcados em Massuá, “chegou um capitão do Preste João, de nome Barnagais”; era o Bahr Negash, governador da província do Tigrai. Este homem era portador de uma mensagem onde o imperador Cláudio, que havia

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A campanha dirigida por D. Cristóvão da Gama, de 1541 a 1543

MAR VERMELHO MAÇUÁ RIO

MAR

EB

BIZAN

DEBAROA

RIO TAC

Adua Aksum

AZ

É

WOGERA

Debra Damo Amba Sahaty 2 Fevereiro 1541 ANTALO Iartafe (campos de Iarte) 29 Abril 1542 Beilul

Ras Dejen Agosto 1541

amhara dembea

21 Fevereiro 1543 Waima dega

Wofla 28 Agosto 1543

ANGOTE

lago tana

Debra Libanos Mugen

Itinerário D. Cristóvão da Gama (1541-1542) Itinerário de Galwdewos (1543 Os itinerários do imperador Cláudio e de D. Cristóvão da Gama em 1541-43.

Zabid

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sucedido a David II, pedia a ajuda dos portugueses na luta contra o Granhe. Convocado um conselho de oficiais, ficou acordado prestar o socorro aos abissínios. Foi para isso organizado um contingente com mais de quatrocentos soldados, “muito bem armados e mui luzidos”, e para a chefia desta expedição, “mui cobiçada de todos os capitães”, foi escolhido o irmão do capitãomor da armada, D. Cristóvão da Gama. Na tarde de sábado dia 9 de Junho de 1541, a expedição saiu de Massuá. A coluna contava um trem de artilharia com oito peças ligeiras, dois berços e seis meios-berços89, provavelmente com sistema de retrocarga90. Toda a impedimenta, juntamente com as munições da artilharia, e mantimentos destinados aos soldados, ia carregada “em camelos e mulas que o Barnagais consigo trouxe”91. A coluna seguia a pé, “e D. Cristóvão com todos ia a pé porque não havia encavalgaduras para todos”; o comandante da expedição dava, assim, o exemplo aos seus homens, “para que trabalhassem dobrado sem o sentir”. Pensavam conseguir água essa noite; chegados à noite junto dos poços – certamente indicados pelos guias locais – verificou-se que a água era salobra. O calor do dia seguinte era demasiado, pelo que reiniciaram a marcha pela noite, acampando junto a outros nos quais foi possível beberem homens e animais. Segundo Miguel de Castanhoso, seguiram desta forma durante seis dias, sem encontrarem água, e por caminhos extremamente ásperos, de tal maneira que muitas vezes houve que carregar a bagagem às costas, e as peças de artilharia a braços. No sexto dia apresentou-se um derradeiro e formidável obstáculo, “uma serra tão alta, que desde que amanheceu até horas de véspera”92, ao fim da tarde, portanto. Chegados ao topo, a coluna ficou alojada num mosteiro, a recuperar forças. Aí encontraram “grandes campinas e terra mui chã e fria, e de muitos bons ares e águas mui claras e boas”93. Fizeram-se ao caminho, e três dias depois chegaram à cidade que dava o nome à serra – Debarwa, ou Debaroa, para usar o termo aportuguesado. Daqui dirigiram-se a outro mosteiro parcialmente destruído, mas ainda assim “lavrado de colunas e cantaria”, onde os abexins continuavam celebravam o culto no “altar armado à maneira de uma pobre ermida coberta de palha, porque não se atreviam a mais, com medo dos mouros”. No dia seguinte D. Cristóvão da Gama reuniu o governador da região, que junto com “dous capitães abexins que a este tempo estavam já com nós outros” o informaram da situação do reino. A presença destes dois capitães indica que o desembarque das tropas portuguesas já havia induzido alguns a retomar o partido de Claudio. Foi informado que, por ser Inverno, não era a altura propícia para iniciar uma campanha militar. Quanto ao Preste João,

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este havia sido batido a 24 de Abril “havia dous meses” por um emir do granhe, Garad Emar, na batalha de Sahart, procurando refúgio “bem trezentas léguas dali dali donde ele estava, em umas serranias”, na região de Shoa. Todavia, a rainha viúva do pai de Cláudio encontrava-se perto dali, refugiada no mosteiro de Debra Damo onde, no ano anterior, o imperador David II havia falecido. Assim, Cristóvão da Gama decidiu estabelecer com ela o primeiro contacto, escrevendo-lhe a informá-la da presença de soldados portugueses no território, “em serviço de seu filho e seu”, solicitando que se deslocasse ao acampamento português, onde entendia ser a sua presença necessária “porque desta maneira seria mais obedecida, e nós outros mais providos”. Decidido quanto aos passos a seguir na campanha, Cristóvão da Gama tratou de organizar as suas tropas. Para tal “fez alardo da sua gente”, provavelmente no dia seguinte à conferência com os chefes etíopes, estabeleceu uma ordenança. Dividiu o efectivo em capitanias, cada com cinquenta homens. Os soldados destas capitanias poderiam usar tanto as armas de fogo – os arcabuzes – como as armas brancas – os piques. Organizou ainda uma guarda para acompanhar a rainha, “com cinquenta soldados todos arcabuzeiros” e mantendo um corpo de reserva sob as suas ordens directas: Capitania de Manuel da Cunha Capitania de João da Fonseca Capitania de Onofre de Abreu Capitania de Francisco de Abreu Capitania de Francisco Velho Guarda da rainha Miguel de Castanhoso D. Cristóvão da Gama

50 soldados 50 soldados 50 soldados 50 soldados 50 soldados 50 soldados arcabuzeiros 100 soldados

Na capitania de Cristóvão da Gama era alferes abandeirado Luís Rodrigues de Carvalho, “a quem Dom Cristóvão deu cargo da bandeira real”. Na manhã seguinte, enviou as capitanias de Manuel da Cunha e Francisco Velho, chegando ao seu destino na tarde desse mesmo dia. O refúgio da rainha Sabla Wengel não era outro senão o mosteiro de Debra Damo situado numa serra que Castanhoso descreve como “a mais forte que há nesta terra”: “a serra por baixo é toda quadrada e talhada, tão alta duas vezes quanto a mais alta torre que há em Portugal (…) e não se pode esconder nenhuma gente ao pé dela que não sejam vistos dos de cima”

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Esta fortíssima posição defensiva, autêntico ninho de águias, havia funcionado como prisão antes de ver transferida esta função para outro local, o mosteiro de Amba Gesen onde se encontraria então acampado o filho de Sabla Wengel, o imperador Cláudio. O refúgio da rainha havia sido escolhido ainda em tempo do seu marido o imperador David II, e destinava--se, por certo, a dificultar a captura – e consequente destruição – de todos os elementos da família real. Ahmad Gran já havia tentado tomar o local, desistindo passado quase um ano de cerco. De facto, era impossível fazer cair o mosteiro pela sede ou fome, como nos diz Castanhoso: “Esta serra tem por cima um quarto de légua em roda, a qual tem duas cisternas mui grandes, onde se recolhe muita água no Inverno, e tanta que bem abasta e sobeja para todos os que nela moram, que poderão ser quinhentas pessoas (…) e na própria serra semeiam mantimentos de trigo e cevada, milho e outras sementes, que são favas, lentilhas e grãos (…) e trazem nela cabras e galinhas, e há muitas colmeias” Também o assalto se apresentava tarefa quase impossível pela inexistência de acessos viáveis, “nem tem nenhuma entrada senão esta, que é um caminho estreito à maneira de caracol; assim, qualquer ataque pareceria destinado ao fracasso, até porque este pobre caminho terminava num “passo onde se não pode mais subir, por não haver caminho”” O acesso ao mosteiro era feito por intermédio de uma porta situada num plano superior, mais de dois metros acima de uma vereda mal acabada, que servia de caminho aos visitantes. Para entrar no templo, era necessário esperar que os guardas da porta fizessem descer “umas correias de couro muito fortes e em elas atado um grande cesto”, para onde deveriam entrar. Foi assim que Manuel da Cunha e Francisco Velho “subiram a cada um por si no dito cesto”, para depois serem recebidos pela rainha, que manifestou logo intenção de os acompanhar, “chorando de prazer de quão grande mercê Deus lhe fazia em As vigias dos acampamentos segundo Isidoro de Almeida tirar daquela serra, que tantos anos havia que nela estava encerrada”. Nos lugares de Africa, & onde os portugueses costumam militar, partem as noites em três terços. O primeiro Fizeram-se ao caminho logo na manhã chamam da prima: o segundo da modorra: ao terceiro seguinte, seguindo a rainha e toda uma chamam da lua94. Almeida refere que se alterou este comitiva transportados em mulas “com costume quando a milícia começou a corromper-se e os suas mulheres e servidores, que seriam as soldados serem mais mimosos mulheres trinta e os servidores cinquenta”,

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escoltada pelos cem soldados portugueses. Chegou ao acampamento de Cristóvão da Gama pela parte da tarde, onde foi recebida com grande aparato militar, retirando-se de seguida para as tendas que entretanto haviam sido preparadas. Dois dias passaram até D. Cristóvão se deslocar para conferenciar com a viúva de Lebna Dengel, “para se informar dela do que havia de fazer”. O capitão português levou consigo todos os soldados armados com piques que, uma vez mais, se exibiram em parada perante a comitiva etíope. Castanhoso refere que os soldados se apresentaram “todos em ordenança, com picas, diante da tenda da rainha e fizemos suíça duas vezes com nosso caracol cerrado e aberto”. Esta demonstração teria por objectivo deixar claras as capacidades militares dos portugueses, não só à rainha, com também aos chefes abissínios, passar a mensagem de que, daí para a frente, os cristãos poderiam contar com uma força competente, capaz de fazer frente a um inimigo até então praticamente invencível. Passou-se o Inverno neste local, não descurando a vigilância do acampamento, “armados aos quartos”. A importância da defesa dos acampamentos não se esgotava na construção de fortificações provisórias. A colocação de sentinelas era crucial, não só como forma de proporcionar um alerta precoce, permitindo a organização da defesa. Era quase norma os manuais militares – em particular as obras de cariz mais pragmático, e aqui devem enquadrar-se os primeiros textos portugueses – referirem a forma de montar a guarda, nomeadamente discriminando certas regras, quase universais, a observar na colocação das sentinelas: “Deve o caporal advertir, sendo a esquadra de arcabuzeiros, quando na guardia onde lhe tocar estar com a esquadra, aja de ter fogo de noite e de dia, de lenha ou carvão, sempre aceso, de que a estar provido, pêra quando sendo necessário num instante, se acenda as cordas dos arcabuzes. Não deve consentir que os soldados da sua esquadra, na guardia estejam desarmados, mas de contínuo todos durmam com as armas. E deve dar ordem, que o terço da esquadra, este em armas, sempre em pé, vigilante.” O cuidado dos portugueses foi recompensado com a captura de dois espiões disfarçados, “vestidos como abexins”. Depois de arrancadas informações sobre “onde os mouros estavam, e quantos eram”, foram executados como exemplo para os restantes abexins, que “ficaram mui espantados, tanto mais que não quis mais nenhum pôr-se neste perigo”95. Os portugueses aproveitaram o tempo para preparar a futura campanha. Uma das medidas tomadas foi a construção de carros com dupla função,

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Cavaleiro do séc. XVI. Quadro de Gregório Lopes, c. 1539-1541 (Igreja de S. João Baptista. Tomar).

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“para levar artilharia e munições, e para fazer nosso arraial forte por onde fôssemos”. A utilização de carros para protecção da formatura dos exércitos era uma prática comum, que teve o seu ponto alto nas cruzadas na primeira metade do século XV contra os hussitas. A tratadísitica quinhentista preconizava procedimentos idênticos, como seja defender os flancos das colunas em marcha com as carroças de transporte – a carriagem, na nomenclatura da época – construídas ou não propositadamente com esse fim. A carriagem foi minuciosamente preparada por Cristóvão da Gama, destinando oito carros ao transporte das oito peças de artilharia, que incluíam dois berços grandes e seis meios berços. Outros onze carros levavam “onze grades (…) onde iam cem mosquetes”; cinco deviam levar as munições, perfazendo todos um total de vinte e quatro carros, cuja tracção era feita por gado recolhido “com licença e mandado da rainha (…) em uns lugares que andavam perto do nosso arraial” “muitas vacas e bois, os quais amansámos para que levassem os carros”. No fim do Inverno Etíope, o exército encontrava-se a postos para iniciar a campanha. Reunidos cerca de duzentos abexins que seguiam como auxiliares que “ajudavam a levar o fato e a carriagem”, os portugueses abandonaram o acampamento no dia 15 de Dezembro de 1541. O pequeno exército marchava segundo um rigoroso dispositivo, fruto não só do escasso efectivo que favorecia um enquadramento mais próximo dos soldados, mas também pelo cuidado que Cristóvão da Gama demonstra na organização da coluna. A coluna trazia os “muitos bois de carga, em que vinha todo o serviço do arraial” no meio, com os carros em volta como protecção. Os portugueses revezavam-se todos os dias, cem soldados destinados a ajudar os auxiliares abexins, “a mais gente ia armada dando-lhes guarda”. O nosso cronista Miguel de Castanhoso seguia na cauda da coluna com a sua capitania de soldados arcabuzeiros em guarda da rainha, “com os morrões acesos e armados”, prontos assim para qualquer eventualidade. O capitão-mor “cada dia duas vezes corria todo o arraial”, enquanto na frente seguiam “três ou quatro abexins todos a cavalo descobrindo o campo, afora outras espias que a rainha mandava diante para saber novas dos mouros”. Assim marcharam ao longo de oito dias, durante os quais a coluna foi engrossando com gente que entretanto se lhe juntava. No dia 23 o exército fez alto numa serra, onde passaram o natal. Celebrado este feriado, a coluna pôs-se novamente a caminho, seguindo durante dois dias por caminhos cada vez mais difíceis, ao cabo dos quais depararam “uma serra mui alta e tão comprida que cerca todos aqueles campos”. Os abexins julgaram este novo e formidável obstáculo intransponível às carroças. Foi necessário os portugueses desmantelarem os carros para, peça, por peça, transportarem toda

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a bagagem às costas, com Cristóvão da Gama a dar o exemplo. Foram necessários três dias de marcha forçada e esgotante, para finalmente chegarem “a uma cidade que de fora parecia mui bem com todas as janelas e paredes brancas como neve ”; no ponto mais alto desta serra, erguia-se então uma ermida. Seguiram durante dois dias por este planalto, até chegarem “a um senhorio que se chama o Agame”. Aqui estiveram até 6 de Janeiro, dia de reis, durante os quais se a rainha recebeu a submissão da maioria da população desta região, entre os quais se encontrava o irmão do seu antigo governador, que entretanto se havia convertido ao Islão. A 7 de Janeiro os portugueses saíram na direcção de Amba Sanayt96, ponto forte que o granhe havia conquistado com o auxílio de um estratagema que já havia usado noutras ocasiões. Disfarçados de mercadores os soldados de Ahmad montaram um mercado, onde atraíram os habitantes locais. Aproveitando a confusão, infiltraram-se “com mostra de se quererem aposentar nela como mercadores” e, de imprevisto, e “senhoraram-se dela” 97. No fim de Janeiro, talvez no dia 31, chegaram às imediações de Amba Sanayt depois de uma aproximação extremamente cautelosa, durante a qual a coluna não fez “mais que duas ou três léguas por dia”. Sabendo que a serra se encontrava nas mãos dos muçulmanos, e não querendo “deixar atrás cousa que lhe fizesse dano”, Cristóvão da Gama decidiu-se pela tomada desta fortíssima posição, que Miguel de Castanhoso descreve como “mui forte, a qual é toda redonda e mui alta; e havia nela só três passos de muita resistência”. Como em tantos outros lugares altos da Abissínia, no topo da serra existia “uma fonte de mui singular água e tanta que rega a serra toda”, o que garantia à população a sua sobrevivência em situações de cerco. Junto à fonte encontrava-se a Igreja de Enda Maryam Wuqro, que havia sido consagrada como mesquita depois da ocupação do local pelos muçulmanos.

2 Fevereiro 1541: O assalto a Amba Sanayt A decisão de atacar deixou os abissínios consternados que os acompanhavam, e que em vão tentaram demover o português do seu propósito. A Rainha pedia a Cristóvão da Gama que esperasse que o seu filho Cláudio se lhes juntasse, vindo de Shoa. E também os capitães abissínios, conhecedores das dificuldades do assalto, sobretudo com tão magro efectivo, aconselhavam os portugueses a “que caminhassem e se ajuntassem com o Preste, e que então podia cometer tudo, porque menos era pelejar com doze mil homens no campo e desbaratá-los que entrar nesta serra”. Deviam lembrar-se que, durante vários anos, a própria rainha se havia refugiado num local semelhante, uma serra – amba – que por ser praticamente

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inacessível, havia permitido escapar incólume às tentativas de captura por parte do “granhe”. Cristóvão da Gama não se deixou convencer pelos argumentos apresentados pelos Abissínios, julgando que qualquer hesitação da sua parte seria uma prova de fraqueza. Tendo em consideração a lealdade ainda frouxa de todos os que entretanto se haviam juntado à rainha, um combate bem sucedido contra os muçulmanos – até então praticamente invencíveis – havia de cimentar a reputação dos soldados portugueses. Erguido o “arraial” no primeiro dia de Fevereiro, informou-se sobre a configuração do local, e reconhecido o terreno, verificou que existiam três “passos” – acessos – “de muita resistência” separados uns dos outros a “um tiro de espingarda”, talvez cerca de e 200 metros. Durante a manhã, Cristóvão da Gama agrupou os seus homens por três corpos distintos, cada um encarregue de atacar por um dos três passos que levavam ao topo da serra. Repartiu os seus capitães por cada um destes corpos da seguinte forma: Capitania de Francisco Velho Capitania de Manuel da Cunha Três peças de artilharia

50 soldados 50 soldados meios-berços

Capitania de Manuel da Fonseca Capitania de Francisco de Abreu Três peças de artilharia

50 soldados 50 soldados meios-berços

Cristóvão da Gama Duas peças de artilharia

cerca de 200 soldados Berços

Deixou ainda alguns soldados de guarda à rainha, onde ficou também o governador Bahr Nagash com os seus homens. Assim, o ataque iria ser desferido apenas pelos soldados portugueses. O assalto foi cuidadosamente preparado. Numa primeira fase, Cristóvão da Gama fez sondar as defesas, “para saber por onde havia de cometer com as espingardas e por onde faria mais dano a artilharia”. Pretendia, assim, tirar o melhor partido possível da sua vantagem no tocante às armas de fogo, que o inimigo não possuía, e ainda “fazer gastar suas munições e almazéns”. Não querendo perder mais tempo, foi ainda na tarde do mesmo dia que “mandou chegar a artilharia muito perto”, o que desencadeou uma resposta enérgica mas ingénua por parte dos defensores. Como relata Miguel de Castanhoso, que acompanhou de perto esta movimentação, “como nos

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Armadura etíope. Pormenor de um mural na igreja Debra Warq, possivelmente do século XVIII.

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cegámos mais perto, foi tanta a pedrada e frechadas que não era cousa de crer, que deixavam cair os penedos pela serra abaixo que nos faziam mui grande medo e dano”. Esta chuva de projécteis certamente que deixou claro quais os pontos onde se encontravam os muçulmanos. E assim identificados os alvos “como Dom Cristóvão viu o que queria, retirou-se para fora”, satisfeito ainda por ver dispendidas numerosas munições pelos adversários. Tão eficaz foi esta manobra exploratória, que os defensores julgaram ter feito abortar um assalto em regra, “parecendo-lhe que os não podíamos entrar”, em virtude da autêntica chuva cerrada de projécteis com que haviam respondido à movimentação das tropas do adversário. Assim iludidos, “foi o seu prazer tão grande que toda a noite fizeram grandes alaridos com muitas trombetas e atabales”. A própria rainha pareceu não ter ficado convencida pelas explicações de Cristóvão da Gama, que lhe afirmou que o verdadeiro ataque ainda não tinha tido lugar, “e que pela manhã veria S. A. como os portugueses pelejavam e para quanto eram”. Ainda assim, o comandante português não quis tomar qualquer risco e chegada a noite, apesar de o ruído das celebrações dos muçulmanos ser ouvido no “arraial” dos cristãos, estes não descuraram a vigilância: “E esta noite passamos em grande vigia, assi no nosso arraial como nos passos, porque não se nos fossem os mouros, porque tínhamos grande suspeita disto”. No dia seguinte, 2 de Fevereiro de 1542, os portugueses rezaram uma missa campal perante um crucifixo e, depois de absolvidos por um patriarca etíope, ”começámos de nos pôr em ordem”. Ordenado o campo com os soldados repartidos nos três corpos – provavelmente ordenados em igual número de “esquadrões” – “fomo-nos para a serra, cada um para seu passo”. Cristóvão da Gama havia reservado para si o passo mais “fragoso e forte, e mais perigoso”. Castanhoso, que se encontrava com os soldados da capitania do filho de Vasco da Gama, deixou-nos uma descrição elucidativa do local do ataque:

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“Parece de fora que é impossível poder-se tomar porque nenhuma maneira tem de caminho senão tudo pedra solta e tudo descoberto por cima”. Apenas mais à frente, depois de uma progressão que deveria efectuar-se por um caminho extremamente difícil, os assaltantes podiam usufruir de alguma protecção, “onde faz um releixo”, isto é, sob uma saliência. Contudo, para aceder ao topo, que era defendido por outro “capitão com outros quinhentos homens”, ainda era necessário superar outro obstáculo. Havia que trepar por uma parede de pedra com “quatro braças” de altura, para cuja escalada não existia outra ajuda para além de “uns buracos feitos ao picão”. Ocupando as posições que lhes haviam sido atribuídas, depois de colocados os canhões em posição de acordo com o reconhecimento feito na véspera, os portugueses aguardaram a ordem de iniciar o assalto. Equipados com arcabuzes, as armas a postos “com os morrões acesos para os tiros”, os soldados aguardaram o sinal que havia de marcar o início do ataque, provavelmente o fogo das peças de artilharia. Vendo as tropas em posição, depois de construído o dispositivo no terreno, Cristóvão da Gama deu o sinal combinado, talvez tocando as trombetas que trazia. O assalto foi desencadeado simultaneamente pelos três passos, os canhões disparando sobre os pontos marcados de véspera, o que facilitava enormemente a pontaria98. A coberto desta barragem, os assaltantes chegaram sem grandes perdas à entrada dos passos, uma vez que os mouros “não ousavam chegar tão a miúdo sobre a serra”99. Na posição principal, vendo dois soldados mortalmente atingidos, D. Cristóvão forçou a marcha e “cometeu mui rijo a subida, pondo em balança tudo”, chegando rapidamente ao pé da entrada do passo onde, pela proximidade da serra, encontraram um abrigo provisório. Progredindo pela estreita vereda pedregosa, por duas vezes foram rebatidos “estando quase subidos”; mas a fuzilaria certeira dos arcabuzes que levavam, junto com o exemplo do comandante “que mostrou este dia o grande ânimo que tinha ” levou a resistência e rápidamente os portugueses chegaram ao topo da serra. Os defensores precipitaram-se em fuga, e de tal maneira “que o capitão deles não teve tempo para cavalgar a cavalo”. Este ainda conseguiu recolher algund dos fugitivos, “animando-os e fazendo-os chegar”, ou seja, fazerem face aos inimigos. Porém, o ímpeto dos portugueses era irresistível, fazendoos recuar novamente em desordem. Nos outros dois passos, os combates desenrolaram-se de forma idêntica. Manuel da Cunha e Francisco Coelho levaram os inimigos de vencida, embora

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enfrentando a resistência dos defensores em duas passagens cruciais onde perderam a vida dois homens, com ferimentos para muitos outros. Numa última passagem antes do cimo, os muçulmanos decidiram esperar a chegada dos assaltantes, que haviam de finalizar exaustos a sua progressão, devido à subida. Assim, os defensores preparam-se cerrando fileiras, “todos juntos e o capitão deles a cavalo com outros três mouros ”. Vendo os seus adversários a postos, os portugueses arremetem impetuosamente, “misturandose todos com muitas lançadas e cutiladas”, num corpo-a-corpo sangrento. Neste transe, o nosso cronista relata que “o capitão deste passo dos mouros pelejou como valente cavaleiro”, pondo rápidamente fora de combate dois portugueses. O primeiro foi trespassado por “um zarguncho comprido que trazia” outro com uma cutilada desferida pelo seu terçado, “que lhe meteu grão parte do seu capacete pela cabeça” deixando-o por terra, inanimado. Foi de seguida abatido por três companheiros que, vendo “a destruição que este mouro fazia”, arremeteram “juntos para ele e mataram-no”. Também os soldados de João da Fonseca e Francisco de Abreu tomavam posição, levada de vencida a oposição, com a perda de dois homens. Assim empurrados pelos assaltantes, os defensores, “recolhendo-se uns para os outros”, ficaram em completa desordem. Foram surpreendidos pela presença dos companheiros na sua retaguarda, e “os que fugiam de Dom Cristóvão davam em os de Manuel da Cunha e dos outros capitães, metendo-se todos em as espadas dos nossos”. Os muros encontravam-se, assim, completamente cercados pelos portugueses que rapidamente afluíam ao topo da serra; “ficaram em a rede”, para usar as palavras de Castanhoso, “onde não escapou nenhum”. Os defensores foram completamente exterminados, “alguns mouros que se esconderam nas casas foram mortos por mãos dos abexins”. Outros, lançando-se do alto na esperança de escapar à chacina, “faziam-se em pedaços” pela encosta abaixo. As baixas dos portugueses foram substanciais, oito mortos e mais de cinquenta feridos, uma percentagem elevada para o efectivo lançado em combate, e atesta a dificuldade do assalto a Amba Sanayt. Foram sepultados na antiga igreja novamente consagrada pelo patriarca “e pelos padres que com nós outros vinham”. No dia seguinte, 3 de Fevereiro de 1542, foi celebrada a primeira missa nesta igreja, agora chamada Nossa Senhora da Vitória. Nos despojos dos combates foram recuperados dezanove montadas, entre as quais nove cavalos, “fora outras muitas, que seriam oitenta ou noventa mulas”. Mas mais importante, foi o enorme prestígio alcançado pelos portugueses, que inculcou nos abissínios uma quase ilimitada confiança nas capacidades militares dos seus aliados. A rainha Sabla Wengel, “informada dos seus da verdade, dizia que verdadeiramente éramos homens enviados por Deus, e que

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já nenhuma cousa lhe parecia impossível a nós outros”. Quanto aos habitantes da região, pareceram ficar dispostos a acolher a autoridade do imperador, e em breve visitavam o acampamento onde deixavam “todos os mantimentos e cousas necessárias”. Passou-se o mês de Fevereiro a recuperar da batalha, tratando os feridos. Entretanto, antes do final do mês, chegaram ao acampamento dois habitantes locais que acompanhavam outros dois portugueses. Estes haviam sido enviados por Manuel de Vasconcelos, que se encontrava ancorado em Massuà como capitão-mor de cinco navios. Deve ter sido grande a alegria de Cristóvão da Gama, ao saber que havia sido o seu irmão que mandava esta armada no intuito de saber novas da expedição. Imediatamente ordenou a Francisco Velho que, com quarenta homens montados em”mulas muito andadoras”, levasse várias missivas entre as quais um pedido de reforço de “pólvora dos navios e cousas necessárias para a guerra”.

As batalhas dos “campos de Iarte” Enquanto esperavam pelo retorno de Francisco Velho, foi decidido mudar o acampamento para “uns campos que eram mui abastados de mantimentos”. Este local, que Castanhoso designa por Iarte, deveria situar-se entre o lago Ashanye, e uma serra denominada Alagi (Amba Alagi)100. A coluna saíu no dia 26 ou 27 de Fevereiro e, dois dias depois cruzou-se com um emissário do imperador. Este instava com D. Cristóvão para juntar a ele, uma vez que se sabia da presença do Granhe na região à frente de um numeroso exército, “e seria grande perigo pelejar com ele só”101. De facto, Ahmad bin Ibrahim el-Ghazi havia passado todo o Inverno acampado em Derasghie e, ao saber da presença dos portugueses, tomou um caminho que lhe permitisse interceptá-los rapidamente, antes que se juntassem com as forças do imperador. Forçando a marcha os portugueses encontraram-se de seguida com “o capitão da terra a pedir perdão e misericórdia à rainha”. Este havia-se submetido aos muçulmanos mas, arrependido, disponibilizava agora uma preciosa ajuda à coluna. Para além de oferecer a D. Cristóvão “quatro cavalos muito bons”, alertava para a proximidade do exército muçulmano, que procurava os portugueses, e “não tardaria muitos dias que se não ajuntasse com o nosso arraial”. Propunha-se ainda enviar imediatamente espias, “para saber o que passava entre os mouros”. Cristóvão da Gama não pretendia combater sozinho o exército inimigo, por isso abrandou o ritmo da marcha na esperança de dar tempo a Cláudio para fazer a junção das duas forças. Porém, dois dias depois, os espias enviados a reconhecer o campo adversário trouxeram a notícia de que “el-rei de Zeila102

Estandartes na segunda tapeçaria “Entrada Triunfal de D. João de Castro na cidade de Goa em 22 de Abril de 1547”, dos Sucessos e Triunfos de D. João de Castro na Índia, realizada em Bruxelas entre 1555-1560 (Kuntshistorisches Museum, Viena).

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vinha perto e que não tardaria até outro dia que não fosse com nós outros”103; por outras palavras, os portugueses apenas podiam contar consigo mesmos. O comandante português estava perante um dilema. Os seus quatrocentos portugueses não lhe pareciam forças suficientes para enfrentar o Granhe, ainda que dispusesse de algumas centenas – quiçá uns escassos milhares – de abissínios. O valor militar destes era duvidoso sem sombra de dúvida, sobretudo em face de um exército inimigo claramente superior, como era o caso. Contudo, não era possível evitar o inimigo, pelas consequências práticas da perda de prestígio daí decorrente, como a falta de mantimentos para os soldados e eventual quebra da frágil lealdade entretanto demonstrada; “e muito maior perigo era aventurar-se à fome e a não ter crédito a pelejar com os mouros, porque a vitória estava em as mãos de Deus”. Convencido de que não era possível evitar o confronto, continuou a marcha. A coluna seguia com dois exploradores a cavalo “que na dianteira andavam descobrindo o campo” para, no caso de ser avistado o exército contrário, rapidamente se poderia descobrir um local que permitisse tirar o melhor partido possível das forças de que dispunha.

2 a 4 Abril de 1542: A primeira batalha dos “campos de Iarte” No sábado 1 de Abril de 1541, chegaram ao campo português os dois “espias” que seguiam na frente, trazendo a notícia de que o exército do Granhe se encontrava muito perto, apenas à distância de uma légua. Descoberto o inimigo “logo assentámos nosso arraial” nesse mesmo dia, no cimo de uma pequena eminência do terreno “sobre um outeiro que ali havia”. O nosso cronista não adianta dados positivos sobre a forma objectiva do acampamento. No entanto, o facto de Castanhoso referir que para maior segurança da rainha “a metemos em meio do arraial”, parece indicar que o campo foi “posto por ordem e concertado” segundo uma configuração regular, provavelmente com forma poligonal. Encontrava-se reforçado por estâncias, posições fixas fortificadas feitas certamente com recurso aos carros que haviam sido preparados para este efeito. Atrás destas posições os soldados encontravam alguma protecção dos projécteis inimigos. Construído o campo, foi decidido ali esperar a chegada do exército contrário. A noite foi passada em “grande vigia com muito cuidado”. Ao amanhecer, foram avistados “cinco mouros de cavalo que vinham a descobrir o campo”. Estes subiram por outra colina, não muito longe da posição dos portugueses e, segundo nos relata Castanhoso, “quando nos descobriram, voltaram as costas”. Logo a seguir, Cristóvão de Gama enviou por seu lado “dous soldados,

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em muito bons cavalos” ao cimo da mesma colina onde haviam sido vistos os cinco exploradores inimigos, “para Ao wazzir Nũr foi entregue um estandarte branco, enquanto ao emir Husain al-Gãturi foi confiado um estandarte vermeque descobrissem se era grande o arlho104. Noutra ocasião, foi o estandarte branco foi entregue ao raial dos inimigos, e em que parte o wazzir Adoli, o estandarte vermelho ao seu cunhado Mattan assentavam”. Os exploradores regresbin Utman bin Kaled, e outro estandarte encarnado e amarelo saram a informar que os soldados muao wazzir Nũr bin Ibrahim”. O estandarte pessoal do granhe çulmanos “cobriam os campos” e que era branco com uma bordadura encarnada e um crescente, em torno do qual se inseriam várias citações do Corão, outras citase encontravam já nas imediações do ções do Corão encontravam-se distribuídas por quatro linhas outeiro de onde regressavam. de texto, no meio da bandeira. Segundo Miguel de Castanhoso, Algum tempo depois os portugueeram três os estandartes pessoais de Ahmad Gran, três bandeises avistaram pela primeira vez o seu ras grandes, as duas brancas com luas vermelhas, e uma verme105 antagonista. Ahmad Ibrahim al-Ghazi lha com lua branca, as quais andavam sempre com ele . aparecia, finalmente, no topo da mesma colina, qual actor principal de uma bem ensaiada coreografia. Vinha acompanhado por trezentos cavaleiros, provavelmente da sua guarda pessoal e trazia três bandeiras “duas brancas com luas vermelhas, e uma vermelha com luas brancas”. Imóvel no cimo deste ponto alto “dali nos esteve olhando”, enquanto o numeroso exército – que compreendia mais de uma dezena de milhar de homens, segundo a estimativa avançada por Castanhoso – descia colina abaixo, pela frente da posição onde se encontrava o imam. Completamente cercados, isolados do contingente dos abissínios que se mantinha a uma distância prudente, os portugueses não se intimidaram pela “vozearia” provocada pelas “trombetas e atabales e alaridos”. Analisaram friamente a situação, concluindo que “parecia que era muita mais gente e de maior feito de armas”. Com efeito, a dimensão do exército adversário encobria uma desvantagem decisiva em relação ao pequeno contingente de portugueses no que concerne às armas de fogo. A estimativa de Castanhoso aponta para os seguintes números: As bandeiras de Ahmad Gran

Infantaria 15.000 homens, “todos frecheiros e adargueiros” Cavalaria 1.500 cavalos, dos quais 300 da guarda pessoal do Granhe 200 turcos mercenários arcabuzeiros, “de que eles faziam grande conta” Quanto aos portugueses, dispunham de quase o dobro das armas de fogo – perto de quatrocentos, em vista das baixas já sofridas. Quanto às oito peças de artilharia, não parece ter existido contrapartida no exército contrário. Se os

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Esquema A Ordem de batalha no dia 4 de Abril de 1542

Corpo principal do exército de Adal

mosqueteiros turcos

carros com peças de artilharia

capitania

capitania

Rainha ea bagagem

bandeira real

capitania

capitania

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muçulmanos estavam habituados a enfrentar adversários sem o recurso das armas modernas, a situação era, agora, completamente diversa. Os soldados portugueses haviam sido seleccionados do corpo veterano que seguia na frota, destros no manuseamento das armas de fogo, como o haviam demonstrado durante o assalto a Amba Sanayt. Eventualmente, Ahmad terá feito idêntica leitura da situação, até porque certamente teria conhecimento da forma como os portugueses se haviam apoderado daquele ponto forte. Assim, não tomou qualquer iniciativa durante o dia, enquanto no campo cristão a noite foi de vigília – “estivemos aparelhados e armados, e com alcanzias de pólvora nas mãos e morrões acesos para os tiros”. Para melhor iludir os sitiantes, faziam fogo “de quando em quando”, de forma que os muçulmanos julgavam estar perante uma força de efectivo muito superior ao que, de facto, estava presente. E como mais tarde os portugueses souberam “por abexins que com eles andavam”, pareceu aos muçulmanos que os seus adversários eram muito mais numerosos, porque “o nosso arraial parecia de fora muito temeroso, assi por causa dos tiros que tirávamos, como pelas muitas mechas acesas que tínhamos”. Na manhã do dia 2 de Abril, foram trocados mensageiros com os respectivos desafios. O granhe ainda tentou facilitar a retirada da força expedicionária portuguesa, permitindo a Cristóvão da Gama “que se tornasse a sua terra, que ele o segurava que lhe não fosse feito mal algum”. O português respondeu em tom de desafio, provocando o antagonista na esperança que este desencadeasse um ataque, situação mais favorável para o dispositivo montado pelos defensores.

A troca de desafios

A princípio, Ahmad bin Ibrahim al-Ghazi tentou mostrar-se algo conciliador, tecendo na missiva enviada quase elogio aos portugueses: Se espantava muito como tinha tão grande ousadia, com tão pouco poder parecer diante dele. Embora de seguida afirmasse que o capitão-mor português bem parecia ser moço como se dizia, mantinha um discurso dual, através do qual procurava sondar a índole do seu adversário, levantando para isso a dúvida sobre a lealdade dos abissínios, que o não haviam informado da realidade: Que bem era sem experiência, pois que vinha tão enganado que não lhe punha culpa, senão à gente da terra que sabia a verdade dele Talvez na mensagem do granhe seja possível descortinar algum incómodo, sabendo como se haviam revelado cruciais as armas de fogo em particular a artilharia, de que não dispunha. Ou então, ao contrário, o seu tom conciliador

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é fruto da confiança depositada num exército com um invejável registo de vitórias com mais de uma década. A resposta do comandante português revela o seu estado de espírito. Depois de desmerecer a qualidade dos soldados muçulmanos e afirmar a superioridade dos cristãos, enviou “umas tenazes pequenas de fazer sobrancelhas e um espelho mui grande, fazendo dele mulher”, num gesto de clara provocação que lhe rendeu o ódio do granhe. Como general experimentado que era, o granhe não se deixou levar pela provocação, decidido como estava a fazer render a posição inimiga sem recorrer a uma batalha campal. Assim, “não fez mais esse dia que ternos assi” enviando, no dia seguinte, os mercenários turcos – os únicos que no seu exército se encontravam em condições de enfrentar os portugueses de igual para igual – flagelar as posições contrárias. Habituados a combater com armas de fogo, estes soldados ergueram “umas paredinhas de pedra ensossa” destinadas a servir de trincheiras; a partir destas posições iniciaram uma nutrida troca de tiros com os portugueses. Avaliando a situação, D. Cristóvão decidiu desalojar os turcos da sua posição. Atribuiu a missão a Manuel da Cunha e Onofre de Abreu, que com sessenta soldados investiram sobre a trincheira dos turcos. Apoiados pelo fogo da artilharia, facilmente desalojaram os inimigos, que ainda foram perseguidos por alguns cavaleiros portugueses. Verificando o sucesso da acção, o comandante português “mandou tocar uma trombeta a recolher”. No final, foram feridos alguns destes cavaleiros, mas os turcos deixaram quatro mortos e alguns outros feridos no campo. Conforme relata o nosso cronista, “nisto se passou o dia”, sem que o granhe desenvolvesse outra acção de envergadura. Era patente que os muçulmanos não desejavam o confronto aberto preferindo, como se suspeitava, fazer render a posição pela fome. Assim, chegando a noite, Cristóvão da Gama decidiu “ dar ao outro dia pela manhã a batalha”. Na madrugada da quarta-feira 4 de Abril de 1542, sem que o inimigo se apercebesse da intenção dos portugueses, estes começaram a “aparelhar o campo”. A formatura não diferia muito da que havia sido adoptada para marchar. Assim, equiparam-se os carros com as peças de artilharia disponíveis, que deviam seguir na frente; “cada capitão com sua gente de parte de fora”, e no meio “a rainha com as suas mulheres e carriagem”. Atrás encontrava-se a bandeira real com a respectiva guarda, fechando assim um dispositivo em forma de crescente invertido, “de maneira que íamos todos feitos um arco”. Posto o campo em marcha, Cristóvão da Gama corria ao longo da formatura acompanhado por cerca de uma dezena de cavaleiros, “concertando a gente”, mantendo assim a coesão das tropas. Este movimento inesperado dos

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portugueses colheu de surpresa os seus inimigos que, fiados na sua desproporcionada superioridade numérica rejubilaram, e “foi tão grande a grita e o som das trombetas e atabales que parecia que se fundia o mundo, mostrando muita alegria, parecendo-lhes que nos tinham já na rede”. Chegados à distância conveniente, os portugueses iniciaram o combate. Em primeiro lugar com a artilharia, depois com os mosquetes, depois com os arcabuzes – sempre longe do alcance dos archeiros inimigos – os muçulmanos foram dizimados pelo fogo dos adversários, “de tal forma que fazíamos o campo franco por onde íamos”. Tacticamente, este combate apresenta alguma semelhança com os encontros navais que os portugueses então travavam, procurando o confronto à distância contra um adversário numericamente superior, por meio de um nutrido fogo de artilharia. Na frente do exército inimigo estavam os mosqueteiros turcos, e foi aqui que os combates se intensificaram. Cristóvão da Gama, vendo a reacção dos atiradores inimigos, “fez estar a gente queda, que não pelejassem senão com artiilharia”. Sem possibilidade de responder aos canhões, os turcos tentaram aproximar-se, para fazerem uso efectivo das suas armas. O granhe apercebeuse que ali se desenrolava o combate crucial do encontro, e “se veio a nós outros com quinhentos de cavalo, com as três bandeiras que sempre o acompanhavam”, encorajando os soldados turcos. Não o conseguiram, contudo, porque os artilheiros portugueses “atiravam tão depressa que os de cavalo não podiam chegar a nós outros, porque os cavalos se espantavam do fogo”. E durante toda a manhã prosseguiram as intensas trocas de tiros. Em determinada altura, Manuel da Cunha investiu sobre cem mosqueteiros turcos, “porque se chegavam muito a nós”. Os turcos, embora tenham sofrido baixas substanciais, “apegaram do guião e mataram o alferes e com outros três portugueses”; quanto ao capitão português, recolheu-se à sua posição “ferido de uma espingardada na perna”. Pouco depois, por volta do meio-dia, Dom Cristóvão foi também atingido numa perna, “parecendo-nos a nós que levávamos o pior da batalha”; porém, rapidamente os acontecimentos se inverteram por completo. No campo oposto, decorria uma situação idêntica, com os muçulmanos a hesitar perante a resistência oferecida. Sentindo as suas tropas vacilar, Ahmad Gran empenha-se na refrega e, “metido no mais perigoso da batalha, animando os seus”, é detectado pelos portugueses que imediatamente fazem fogo sobre ele. Pedro de Sá106 encontrar-se-ia entre os soldados mais adiantados e, mais exímio ou afortunado (ou ambas as coisas), atingiu o granhe numa perna “de tal maneira que lhe passaram o cavalo de parte a parte”107, o que indica que o disparo foi efectuado a curta distância. Caído no chão, ficou “el-Rei muito mal ferido”, certamente por se encontrar preso debaixo do cavalo. Os homens que o acompanhavam com os estan-

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dartes aperceberam-se do perigo que corria e, perdendo todo o sangue-frio, “abaixaram as três bandeiras por três vezes, que é sinal de recolher, tomandoo em os braços, se retiraram fora”. Já vacilantes em face dos inimigos, os muçulmanos foram tomados de pânico na perspectiva da morte do seu carismático comandante. Ao contrário, vendo os portugueses que o granhe havia sido atingido, redobraram de esforço, e “demos Santiago neles, com os abexins que em nossa companhia andavam, que seriam duzentos”. Na perseguição foram chacinados quase cem mouros, dos quais quarenta turcos, e “quatro capitães dos principais de el-Rei de Zeila”. Depois de seguirem os fugitivos por mais de meia légua, o comandante português ordenou que voltassem à posição inicial, com receio de um contraataque da cavalaria contrária. De facto, não dispondo de um efectivo de cavalaria significativo e cansados por várias horas de combate ininterrupto, a prudência ditava que se procedesse ao rescaldo da batalha. Foram feridos mais de cinquenta portugueses, e mortos onze, que depois de recolhidos se enterraram no campo de batalha. Logo D. Cristóvão determinou montar novo alojamento numa “serra que ali perto estava, onde havia muita água”. Para lá se levaram os feridos, que a própria rainha “em pessoa, com suas damas e mulheres de serviço”, tratava numa tenda armada para o efeito. Fortificados neste novo local, dedicaram o tempo a cuidar dos feridos e a retemperar forças. Durante os quatro dias que aqui permaneceram, D. Cristóvão exerceu as funções de físico, “por o cirurgião que com nós ia estar ferido em a mão direita”. Miguel de Castanhoso refere que só depois de tratar dos seus soldados é que D. Cristóvão cuidou de si próprio. Ao fim deste tempo, refeitos dos combates a maioria dos soldados, “vendo Dom Cristóvão que tardavam e que os seus inimigos neste tempo se podiam refazer de gente” decidiu, uma vez mais, tomar a iniciativa.

9 Abril 1542: A segunda batalha dos “campos de Iarte” Na noite de 8, foi enviado um emissário “que andasse de dia e de noite” ao encontro dos companheiros que se encontravam em Massuá, “para que viessem mui depressa, que ele esperava em Deus que com sua chegada se acabaria a conquista”. Ao amanhecer do dia seguinte, domingo 9 de Abril de 1542, depois de feita uma “confissão geral” e absolvidos os soldados, o exército pôs-se em marcha. A formatura não parece ter diferido daquela adoptada na batalha anterior, que tão bons resultados havia dado: “a artilharia posta em seu lugar, e a rainha com suas damas postas no meio”.

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Esquema B A segunda batalha dos campos de Iarte, 9 de Abril de 1542

Corpo principal do exército de Adal

mosqueteiros turcos local de contacto

carroças artilhadas e 100 mosqueteiros

capitania

capitania

Rainha ea bagagem

capitania

capitania

bandeira real 1 - Mantendo o dispositivo da véspera, os portugueses avançaram decididamente sobre o campo inimigo. Chegados à distância de tiro, dispararam uma carga fulgurante com os mosquetes e artilharia, fazendo recuar as primeiras linhas dos muçulmanos. 2 - Em vão os adversários se tentavam aproximar, fulminados à distância pelo fogo dos portugueses. As peças de artilharia disparavam a uma elevada cxadência, graças ao sistema de retrocarga. Um ataque de 100 turcos foi rechaçado por Manuel da Cunha. Por volta do meio-dia, Cristóvão da Gama foi atingido numa perna e pareceu então que a desproporção de efectivos poderia jogar a favor dos muçulmanos. Porém, estes já vacilavam em face da resistência oferecida pelos portugueses, o que levou Ahmad “Gran” às primeiras linhas do exército, exortando os soldados a empenharem- na refrega. 3 - Detectado por um dos portugueses, foi imediatamente alvejado a curta distância. Um tiro trespassou o cavalo do Granhe, que terá ficado preso debaixo da montada. Em face do perigo que corria a vida do Imam, os soldados que o acompanhavam baixaram as bandeiras três vezes em sinal de retirada. Perseguidos pelos cristãos, a retirada rapidamente se transformou em debandada.

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No campo do granhe, também não se havia deixado nada ao acaso. De facto, o imam havia convocado os seus capitães, que andavam dispersos pelo território embora. Porém, a rapidez com que os portugueses agiram evitou a concentração de todas as tropas inimigas, evitando que tivessem de enfrentar uma ainda maior desproporção de forças. E de facto, segundo nos relata Castanhoso, nesse dia 9 de Abril apenas “era chegado um capitão de el-Rei, com quinhentos de cavalo e três mil homens de pé”. Vendo os inimigos avançar, os mouros aproximaram-se por sua vez. O contingente que entretanto se havia juntado “foi o primeiro que nos cometeu”. Com o seu comandante na frente dos quinhentos cavalos, estes investiram furiosamente dando o exemplo aos restantes, que também carregaram sobre o pequeno reduto inimigo. Foi o fogo dos canhões dos portugueses que, uma vez mais, salvou a situação quebrando o ímpeto dos assaltantes que, “com medo da nossa artilharia que lhes matava muitos, não nos romperam”. Morreram na investida “o capitão108 com quatro ou cinco mouros”109, que apesar de escaparem à mortífera fuzilaria foram empalar-se nos piques dos soldados portugueses. Também os atiradores turcos sobreviventes da primeira batalha progrediam, ameaçando alvejar os artilheiros portugueses. Foram enviados contra estes os poucos portugueses montados, em número de oito, “que os fizeram retirar para trás mui longe, ficando no campo muitos mortos e feridos”. Neste transe, Cristóvão da Gama percorria todo o campo encorajando os soldados quando “se pôs fogo por desastre em uma pouca de pólvora”, morrendo na explosão dois portugueses ficando feridos outros oito. Apesar da aflição sentida entre os defensores, estes continuaram a disparar sem parar, “assim com artilharia, como com as espingardas”. Contudo, este acidente colheu de surpresa os assaltantes, “porque foi tanto o medo em os cavalos”, que se puseram em fuga, arrastando consigo para longe os cavaleiros. Batidos em toda a linha, as investidas dos muçulmanos começaram a perder o vigor, e com a retirada dos turcos “conheceu Dom Cristóvão que iam enfraquecendo”. Foi esta a altura escolhida para desferir o contra ataque e, segundo Castanhoso “demos neles com grande ímpeto, de tal maneira que os levámos pelo campo”. Por algum tempo, as primeiras linhas adversárias pareceram absorver o choque, mas não era possível resistir à violência da arremetida dos portugueses, e não foi preciso esperar muito para os muçulmanos não demoraram muito “se porem em fugida”. Apesar de exaustos os portugueses ainda correram mais de meia légua em perseguição dos fugitivos, que “com a pressa que levavam não curavam das suas tendas, nem arraial, o qual despojo todo recolhemos”. Por se deslocar numa liteira, o granhe terá escapado por pouco. Na confusão

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Campo de batalha de Iarte. A região nas imediações da povoação de Antalo, perto do local onde teve lugar a batalha.

da fuga perdeu parte da sua guarda pessoal e só terá evitado a morte ou a captura pela quase ausência de cavalaria entre os portugueses. Não temos uma estimativa que seja das baixas sofridas pelos muçulmanos, apenas se relata que ficaram “os campos cheios de mortos” para além de muitos feridos, dos quais “lhes morreu muita gente” durante o caminho. Quanto aos portugueses perderam catorze soldados, mortos durante a batalha, e mais de sessenta sofreram ferimentos “de que morreram quatro ou cinco”. O local não era propício para “assentar arraial”, e D. Cristóvão conferenciou com a rainha e os seus conselheiros que o aconselharam a estabelecer o acampamento “ao longo de uma ribeira que estava dali perto”, onde os feridos podiam gozar da frescura do local. Puseram-se em marcha e, pouco depois, chegaram “à vista da ribeira” onde depararam com os seus adversários de há pouco que haviam tido a mesma ideia. Vendo os seus antagonistas, “puseram-se em fugida”, o Granhe invectivando os portugueses, rosnando amargamente “não me querem deixar estes frades”110. Dois dias depois ainda Cristóvão da Gama se encontrava no acampamento junto da ribeira, quando se avistaram os portugueses que haviam sido enviados a Massuá. Não tinham contactado com qualquer navio português, por o porto se encontrar guardado por galés turcas. A decepção destes homens que agora chegavam aumentou quando tomaram conhecimento da derrota do granhe, lamentando-se “por não se acharem nas batalhas” com os companheiros. Ainda assim, nem tudo eram más notícias. Com os quarenta portugueses vinham quarenta cavaleiros e quinhentos soldados de infantaria abexins co-

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Transporte de carros com bagagem, o que os contemporâneos chamavam de “carriagem com fato”, no terceiro pano da “Entrada Triunfal de D. João de Castro”, dos Sucessos e Triunfos de D. João de Castro na Índia (Kuntshistorisches Museum, Viena).

mandados pelo Bahr Nagash que foram, naturalmente, muito bem recebidos. Entretanto, Ahmad Gran encontrava-se numa situação difícil, “porque a gente da terra, vendo-o desbaratado, não queria obedecer nem dar mantimentos”. Decidiu retirar para Zabul e acampou numa serra que Castanhoso designa por “Mangadafo”111, onde se fortificou. Daqui procurou reconstituir seu exército, enviando destacamentos pela região reunir mantimentos, se necessário pela força. Contudo, o prestígio do granhe havia sido fortemente abalado, depois de duas derrotas consecutivas; os abissínios resistiam agora energicamente, e de cada grupo enviado em “razzia” aos campos vizinhos “cada vez tornavam menos para o arraial”112 Impossibilitado de conseguir mantimentos na região, ciente de que os inimigos ganhavam força de dia para dia, decidiu enviar depois emissários ao pacha otomano da cidade de Zebid no Iémen com pedidos de auxílio. Assegurando “que era vassalo do grão turco”, enviou “muito ouro e prata e jóias”, e a resposta dos otomanos não tardou. Chegou “na saída do Inverno, sem serem sentidos nem sabermos de nada”, provavelmente no dia 27 de Agosto, na forma de mil mosqueteiros, que se juntaram aos menos de duzentos que o imam ainda tinha consigo. Recebeu também dez peças de artilharia – “bombardas de campo” – e ainda “trinta turcos de cavalo de estribeiras douradas e cavalos ferrados”, fora um contingente de “muitos arábios, que lhe mandou outro senhor arábio seu amigo”.

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Por seu lado, os portugueses não se mantiveram inactivos. Enviados os feridos mais graves com o governador da província do Tigrai para uma serra afastada, Cristóvão da Gama deu início à perseguição dos inimigos. A marcha foi muito trabalhosa uma vez que havia chegado a estação das chuvas, dificultando a progressão da coluna. Chegados perto da serra onde se encontrava o reduto inimigo, decidiram assentar acampamento em Ofla113, “outra serra que estava à vista desta”114, perto do lago Ashenge. Passaram aqui o Inverno com grande “abastança, porque a terra é muito fértil”. Os habitantes mostraram muito boa vontade para com os portugueses, providenciando tudo aquilo de que necessitavam. A este facto não terá sido alheio o prestígio adquirido com as três vitórias obtidas, e a presença da rainha Sabla Wengel no acampamento cristão. Consciente da necessidade de estabelecer contacto o mais depressa possível com as forças do imperador, o comandante português “determinou de mandar um homem ao Preste João”. O emissário escolhido chamava-se Aires Dias e “sabia muito bem a língua”, uma vez que havia integrado a embaixada de D. Rodrigo de Lima. Conseguiu chegar ao acampamento dos abissínios – em Gindabret, ou Shoa – onde foi recebido com grande regozijo pelo imperador Cláudio.

Final de Agosto 1542: Tomada da “colina dos judeus” Na sequência da actividade militar que vinha desenvolvendo, Cristovão da Gama foi informado da existência de um ponto estratégico “por onde o Preste havia de passar por força”. Este local, uma serra que se situava nas montanhas Simien115, encontrava-se nas mãos dos mouros. Porém, o “capitão dela, que era judeu”116 havia fugido depois da ocupação muçulmana. Agora, sabendo da presença dos portugueses na região, propunha a Cristóvão da Gama reocupar esta posição estratégica, assegurando que os seus inimigos não dispunham de uma guarnição numerosa, apenas cerca de quatrocentos homens. O plano envolvia uma aproximação furtiva por um caminho só dele conhecido, e que permitiria aos assaltantes chegar ao topo da serra sem serem detectados. Acrescentava ainda que “nela achariam muitos cavalos e muito bons que na serra se criavam”. Convencido pelos argumentos do judeu, em particular no respeitante à possibilidade de dotar as forças com um corpo de cavalaria significativo, Cristóvão da Gama decidiu arriscar a sua sorte. Para isso, “determinou de ir ele em pessoa”, informado que foi pelo judeu que lhe bastaria um efectivo reduzido, embora integrando tropas escolhidas, para levar a bom termo o assalto.

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Esquema C Assalto à colina do Judeu, finais de Agosto de 1542 3 - Chegados ao topo da serra, os portugueses procederam da forma habitual. Depois da uma vigorosa “carga de aecabuzeiros”, lançaram um furioso assalto. D. Cristóvão lançou-se sobre o capitão inimigo, trespassando-o com a lança, o que provocouy a debandada geral dos inimigos. Foram então completamente chacinados pelos portugueses que seguiam atrás do seu capitão-mor. Nenhum muçulmano sobreviveu, muitos deles mortos pelos próprios habitantes locais. Cristróvão da Gama 8 cavalos 40 soldados Manuel da Cunha 30 arcabuzeiros

João da Fonseca 30 arcabuzeiros

2 - Ainda não haviam chegado ao topo quando foram detectados pelos muçulmanos, que se prepararam para o combate. Os portugueses foram divididos em três esquadrões

A “serra do judeu”, com cerca de “doze léguas em roda” segundo Diogo do Couto, é identificada, com grande probabilidade com o Ras Dejen, o ponto mais alto da actual Etiópia situado a mais de 4.000 metros de altitude nos montes Simien.

1 - Chegados ao sopé da serra, os portugueses seguiram por uma vereda discreta guiados pelo antigo capitão judeu, eliminando alguns guardas que encontraram pelo caminho.

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Preocupado com a possibilidade de desguarnecer o acampamento, “porque não parecesse a el-Rei de Zeila que o descercava e tornava para trás”, decidiu sair rumo ao objectivo com a maior discrição possível, a coberto da escuridão. Assim, talvez a 25 de Agosto, “se partiu à meia-noite e fez seu caminho mui secretamente”, levando os capitães Manuel da Cunha e João Fonseca com as respectivas capitanias. Chegaram ao rio Takeze que atravessaram em “almadias” – jangadas – construídas com “”madeira e rama” atada a uns “couros cheios de vento” que traziam previamente preparados para esse fim. Vencido diligentemente este obstáculo natural tinham agora o objectivo à vista, e “começaram a subir a serra sem ser sentidos” que Miguel de Castanhoso descreve como sendo “mui forte, porque não tem mais que dous passos”. Ainda não haviam chegado ao topo quando foram descobertos pelos defensores, totalizando “três mil homens de pé e quatrocentos de cavalo”, que imediatamente se prepararam para resistir ao assalto. Cristóvão da Gama dividiu a força em três esquadrões, “Manuel da Cunha de uma parte com trinta espingardeiros” e, no lado oposto, “João da Fonseca com outros trinta”. No centro seguia a bandeira real com quarenta soldados, com o comandante a liderar com oito cavaleiros, que deram sinal para o ataque arremetendo impetuosamente contra os adversários. O ataque terá sido efectuado apenas por um dos passos, não só pelo efectivo reduzido, mas também por não haver tempo de rodear a posição. Apesar de pouco numerosos, a investida dos cavaleiros portugueses na frente foi fulminante. Cristóvão da Gama carregou na direcção do líder inimigo “que se chamava Cide Amede” e logo o trespassou com a lança; seguindo o seu exemplo, os restantes cavaleiros portugueses “também derrubaram os seus com quem se encontraram”, de forma que rapidamente puseram em fuga os restantes inimigos. Atrás deles, “os de pé eram já juntos” e, depois de desferirem uma violenta carga de fuzilaria com os seus arcabuzes investiram sobre as linhas inimigas, “matando e derrubando em os mouros ”. Embora de grande intensidade, o assalto foi de curta duração. De facto, os muçulmanos “como viram o seu capitão morto e que não tinham de quem haver vergonha nem quem os mandasse, puseram-se de fugida”, sendo chacinados impiedosamente, “de maneira que escaparam muito poucos”. Aparentemente, os portugueses não sofreram qualquer baixa, o que confirmará a violência e curta duração do combate. Logo de seguida, Cristóvão da Gama entregou a defesa da posição ao capitão judeu, pedindo-lhe que informasse o imperador do sucedido. E como receava ausentar-se por mais tempo, deixou trinta homens com a tarefa mais demorada de recolher e levar os cavalos para o acampamento de Ofla.

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Os receios de Cristóvão da Gama eram plenamente justificados. Uma vez chegado ao acampamento apercebeu-se de que o granhe havia recebido reforços. E a forma como tomou conhecimento deste facto não deixava sombra de dúvida quanto à gravidade da situação; na noite em que finalmente entrou no arraial, foi saudado por duas salvas de centenas de arcabuzeiros turcos, que “vieram para a falda da serra e assentaram seu arraial bem perto do nosso”. Consciente de que a chegada deste contingente de soldados equipados com armas modernas significava a anulação da única vantagem dos portugueses, o capitão-mor reuniu o conselho, “e assentaram que até o outro dia não pelejassem até que viessem os cavalos”. Esperava-se os soldados incumbidos da recolha das montadas não demorassem mais que dois dias e, no caso de os inimigos acometerem a posição antes da sua chegada, seria possível resistir “porque o nosso arraial estava alguma cousa forte com as tranqueiras que tínhamos feitas no Inverno”. Parecia ser uma decisão prudente e acertada, mas não levava em linha de conta que o Granhe agora possuía, também ele, peças de artilharia. Cristóvão da Gama preparou o melhor que pôde o encontro para o dia seguinte, enviando logo um emissário aos soldados que haviam ficado encarregues de recolher os cavalos instando para que “andassem quanto pudesssem”. E porque “lhe parecia que haviam de dar logo batalha” tratou de vigiar os mouros, mantendo os soldados preparados para qualquer eventualidade. As circunstâncias não pareciam favoráveis, mas desde o início da campanha que os portugueses haviam levado de vencida todas as dificuldades, por isso o filho mais novo de Vasco da Gama estava, apesar de tudo, confiante.

28 de Agosto 1542: Batalha de Ofla117 O dia amanhecia quando “se chegou o mouro com todo o seu poder a nós outros”, com mais de mil mercenários turcos mosqueteiros “postos em ordem de nos combater, com toda a sua artilharia diante”118. Os portugueses ocupariam uma posição defensiva encostada ao contraforte da serra, enquanto o acampamento principal se deveria ocupar o topo da colina, nas imediações de um pequeno bosque. Esta disposição é avançada por Bermudes, que embora não seja uma testemunha de confiança – o seu relato apresenta inúmeras incongruências – não parece desprovido de lógica. De facto, a encosta da serra não era um obstáculo fácil de ultrapassar, e o auto proclamado patriarca avança que o capitão-mor destacou dez soldados para defender cada um dos três passos que davam acesso ao arraial. Na posição em baixo encontrava-se o pequeno exército de portugueses,

1 - A batalha começa com o fogo da artilharia. Ao mesmo tempo, os mosqueteiros avançam até perto das posições dos portugueses. Apesar de alvejados por estes, constroem um muro atrás do qual se abrigam. Tem então início uma troca de tiros entre os dois adversários. 2 - Vendo que a troca de tiros não lhes é favorável, os portugueses decidem tomar a iniciativa. Os soldados de uma tranqueira arrentam contra os inimigos, retirando de seguida sob a cobertura do fogo das outras posições. Embora bem sucedidos nestes ataques parciais, os portugueses não impedem que as suas posições sejam batidas pelo fogo da artilharia de campo.

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Esquema d Batalha de Ofla, 28 de Agosto de 1542 Exército de Adal

muro de pedra

capitania capitania capitania

capitania

Acampamento principal Legenda artilharia em posição fortificada Contigente etíope Tranqueira 3- Com as fortificações em risco de serem destruídas pelas bombardas de grande calibre dos turcos, o capitão português intensifica os ataques às linhas inimigas. A companhia de Onofre de Abreu ataca os turcos, imediatamente seguida pela capitania de Francisco de Abreu, em apoio. Porém, ao ver o irmão atingido, Francisco de Abreu arremete irreflectidamente. É morto por um tiro, e as duas capitanias retiram desordenadamente sob a pressão dos turcos. 4 - Cristóvão da Gama ainda reage à situação com sangue frio. à frente da sua companhia, com a capitania de Manuel da Cunha em apoio, carregou sobre os turcos. Batidos, os turcos retiram pelo campo perseguidos pelos portugueses. Mas o cansaço destes, e a ausência de cavalos, imoediu a consumação da vitória. E ao voltar à sua posição inicial, D. Cristóvão, é por sua vez ferido com gravidade no braço direito. Assaltada por todos os lados, a posição dos portugueses ainda resistirá até à tarde. Finalmente, a explosão do paiol põe fim aos combates.

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cujo efectivo não ultrapassaria em muito os trezentos homens, alojados num dispositivo reforçado com tranqueiras. Junto com os portugueses encontravam-se alguns Abissínios. Cada capitania devia ocupar um reduto especialmente construído, e dispunha para equipar os seus soldados de piques e arcabuzes. Podemos supor que as peças de artilharia disponíveis encontrar-se-iam repartidas por estas estâncias reforçando o poder de fogo dos defensores119, á semelhança do dispositivo castelhano na batalha de Bicocca. Quando aos abexins recolhiam-se entre as defesas, embora não seja possível precisar o papel que desempenharam durante a batalha que se seguiu120. Não fossem os dez canhões de campanha que Ahmad Gran agora dispunha, talvez os portugueses pudessem manter-se na sua posição, combatendo o inimigo à distância. Porém, cedo perceberam que “as tranqueiras do nosso arraial não eram tão fortes que se pudessem defender a tão grande poder”, sobretudo era impossível resistir indefinidamente ao “tiro grosso” das “dez bombardas de campo” 121. Assim, Cristóvão da Gama “determinou de sair a eles e dar-lhes Santiago muitas vezes, tornando-se a recolher”. A cobrir a sua retirada, o comandante de outra estância devia acometer os mouros por sua vez. Os portugueses aguardaram pela primeira oportunidade, que não tardou a surgir, e logo o capitão-mor arremeteu “com cinquenta soldados de lanças e arcabuzes, contra obra de cem turcos”. A investida dos portugueses foi, como sempre, fulminante e fez retirar os inimigos. No entanto, como os portugueses se encontravam a pé não foram tão rápidos na manobra como seria de desejar, e sofreram quatro mortos e os restantes foram feridos com maior ou menor gravidade; um destes feridos foi o próprio Cristóvão da Gama, atingido numa perna com um tiro de espingarda. Noutra estância, o capitão Manuel da Cunha procedeu de igual maneira, investindo furiosamente os turcos dos quais “matou e feriu muitos”, para depois de retirar também sofrendo outros quatro mortos e vários feridos. E a situação repetiu-se “com os outros capitães das estâncias”, que atacavam com sucesso os inimigos, mas iam sofrendo um incomportável desgaste para o magro efectivo de que os portugueses dispunham. A rainha encontrava-se refugiada num edifício no topo da serra “chorando por ver-se em tal estado”, mas com os feridos apinhados pelo interior da casa, Sabla Wengel não deixava de ajudar estes homens, e “ela mesma e suas mulheres lhes estavam atando as feridas”. A completar este quadro aflitivo, a casa era repetidamente atingida por “muitos pelouros dos tiros que atiravam os turcos”, que lhe feriram duas das suas companheiras. Pelo meio-dia, a batalha atingiu o seu momento crítico. Desesperado com

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o desgaste que os seus homens vinham sofrendo, Cristóvão da Gama tentou uma manobra diferente. Decidiu enviar de novo outra capitania ao assalto dos turcos, “porque eram os que mais se chegavam a nós”, sabendo que residia neles a principal força do exército contrário. Mas em vez de esperar o regresso dos primeiros portugueses, determinou “que fosse nas suas costas” outra capitania que, enquanto os companheiros retiravam, investisse logo sobre os turcos, “porque não tivessem tanto lugar de fazer tanto dano”. Era um lance audacioso. Encarregou Francisco de Abreu de efectuar esta surtida, mandando “a seu irmão Onofre de Abreu que fosse nas costas” em apoio próximo. A investida dos homens de Francisco de Abreu foi bem sucedida no início, “matando e ferindo” muitos dos inimigos; porém, no momento em que se preparava para dar início à retirada, o capitão foi atingido caindo logo morto. Ao presenciar que os turcos se preparavam para recolher o cadáver do seu irmão, Onofre de Abreu arremeteu de cabeça perdida na tentativa de resgatar o corpo, sem esperar que os companheiros iniciassem a retirada. E como um infortúnio parece nunca vir só, ao tomar “o irmão nos braços para o recolher”, foi por sua vez atingido mortalmente por outro tiro de arcabuz; “e assi ficaram ambos no campo”. Privados da liderança e sem apoio a proteger a retirada, os soldados “se recolheram com assaz trabalho”, pressionados pelos adversários que se juntaram na perseguição. A situação tornou-se verdadeiramente aflitiva, porque atrás dos soldados em fuga “carregava aqui a maior força dos mouros”, correndo-se o risco de perder todos estes homens e ser assim forçada a linha defensiva pelos mouros que os perseguiam de muito perto. O capitão-mor não perdeu a serenidade, e “vendo que lhe matavam a maior parte dos seus, ajuntou a mais gente que pode à bandeira real”. Pretendia executar a manobra que os dois infortunados irmãos não haviam conseguido levar a bom termo; e assim, antes de atacar, “deixou dito a Manuel da Cunha que, quando se recolhesse, desse ele com os seus nos contrários”. O golpe de audácia do comandante português quase resultou. A investida levou de vencida os inimigos pelo campo fora; “os levámos como carneiros” segundo relata Castanhoso, acrescentando ainda “que se tivéramos os cavalos que digo atrás, a vitória era nossa”. Mas o que acabou por suceder foi que os portugueses internarem-se “tanto Adémtro pelo campo que lhe foi muito trabalhos retirar-se”. Cristóvão da Gama foi gravemente atingido no braço por um disparo, e apenas a intervenção de Manuel da Cunha salvou a situação, permitindo que os companheiros se recolhessem. Daí para a frente, a situação foi-se deteriorando progressivamente. Em breve, outros dois capitães tombaram, João da Fonseca “depois de ter saído

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duas ou três vezes” da sua posição acometendo os inimigos, e da mesma maneira morreu Francisco Velho. Mas Cristóvão da Gama não desarmava, “esforçando a gente e fazendo-os chegar ás estâncias” . Já devia ser pela tarde, depois do meio-dia, e a pouca gente que ainda guarnecia as posições era insuficiente para resistir aos assaltos dos muçulmanos. Ainda assim, foram repelidos dois ataques que haviam penetrado no perímetro interior do dispositivo defensivo. Os poucos portugueses que ainda combatiam encontravam-se esgotados, e já não havia “quem acudisse à bandeira real ”. E começaram as primeiras deserções, o patriarca Bermudes dando o primeiro exemplo de peso, que segundo o nosso cronista “cavalgou em uma mula e acolheu-se por uma serra que às nossas costas estava”. D. Cristóvão ainda conseguiu evitar que a rainha fizesse o mesmo, sabendo que com a sua fuga, grande parte dos portugueses abandonariam o campo de batalha. Mas o fim era inevitável, até porque “já neste tempo já os turcos eram muitos deles dentro das tranqueiras”; de facto, pouco tempo depois os sobreviventes começaram a fugir “pela serra acima”. Primeiro apenas alguns soldados dispersos tentaram a sua sorte, finalmente acabaram por convencer Cristóvão da Gama que ainda pretendeu acabar com a vida na refrega, mas que acabou também ele por encetar a fuga. No campo que os defensores procuravam abandonar, preparava-se um final dramático. Os primeiros muçulmanos iam chegando à casa que havia sido ocupada pela rainha Sabla Wengel, e que agora estava convertida em hospital improvisado. Vendo os seus inimigos á sua mercê, os vencedores “começaram de fazer gazua”, isto é, passar à espada todos os que ainda se encontravam vivos. Na casa encontrava-se também armazenada a pólvora, “porque Dom Cristóvão tinha a pólvora em casa da rainha, que era a mais estanque. Um dos portugueses, vendo a sorte que o esperava, decidiu “morrer e vigar-se deles (…) como por os turcos não se lograssem da pólvora”. Sem que os inimigos dessem conta dele, ocupados que estavam a trespassar os feridos, rastejou na direcção do paiol e, “com um morrão aceso na mão, que aí estava, e, chegando onde estava a pólvora, pôs-lhe fogo”. A casa voou pelos ares, para logo de seguida se transformar num enorme braseiro, “sem que ficassem nem uns nem outros”. E assim terminou a batalha. Embora sofrendo uma derrota completa, nem todos os defensores foram mortos ou feitos prisioneiros. Como já vimos, vendo a situação irremediavelmente perdida, muitos portugueses haviam fugido do acampamento, a maior parte sozinhos ou em pequenos grupos dispersos. No maior destes magotes seguia Sabla Wengel, com “obra de trinta portugueses e algumas criadas da rainha, com bem poucas das suas damas”, e onde seguia também o nosso

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Campo de Batalha de Ofla. A região nas imediações da povoação de Ch’elema Dur, perto do local onde teve lugar a batalha de Ofla. Em segundo plano encontra-se, talvez, o planalto onde se encontrava o acampamento cristão.

cronista, “muito ferido no braço esquerdo, de um tiro de arcabuz”. Tal como Castanhoso, grande parte dos fugitivos levava ferimentos de maior ou menor gravidade, que apesar de atrasar o grosso da coluna, ainda mantinham distância dos inimigos que os tentavam alcançar. De facto, “a gente de cavalo não nos podiam seguir tão ligeiramente”, pois a aspereza dos caminhos da serra não era favorável aos cavalos inimigos que iam no seu encalço. E aligeirados por não levarem armas ou armaduras, os fugitivos conseguiram distanciar-se, embora dos perseguidores, aqueles que seguiam apeados “ás frechadas e pedradas mataram muitos dos nossos que não podiam andar”; finalmente, com o entardecer, os muçulmanos começaram a abandonar a perseguição. Quanto a Cristóvão da Gama, por se encontrar com vários ferimentos um deles na perna “o fizeram recolher em cima de uma mula”, e tomaram outro caminho com mais “catorze portugueses, os que menos feridos estavam”. Se o grupo onde seguia a rainha seguia no sentido noroeste, na direcção da serra do judeu122 situada no no maciço do Simien, o capitão português dirigia-se Debre Damo ou Massuá. Caminhando toda a noite, seguiram por um vale coberto de arvoredo, onde descansaram um pouco. De manhã retomaram a caminhada pelo vale até uma pequena nascente, e fizeram desmontar o capitão-mor, que por essa altura se encontraria certamente debilitado pelos ferimentos. Aqui ficaram algum tempo, dedicados a tratar do ferido, o que fizeram depois morta a mula para retirar a gordura que aplicaram nos ferimentos. Não sabiam, porém, que um grupo de “doze turcos de pé e vinte mouros de cavalo”123 seguia no seu encal-

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ço e enquanto cuidavam do ferido, uma mulher que os tinha avistado guiava os seus perseguidores ao local onde se encontravam. Foram completamente surpreendidos pelos turcos, e apenas um dos portugueses conseguiu escapar, que mais tarde relatou aos companheiros os pormenores da captura. Escoltado pelos seus captores que o humilharam durante o caminho de volta, avizinhava-se uma dura provação para o filho mais novo de Vasco da Gama. Chegado ao acampamento de onde havia fugido no dia anterior, foi levado à presença do granhe. O mouro submeteu D. Cristóvão da Gama a uma série de flagelos e humilhações, dando largas ao ódio que sentia por estes cristãos que haviam ousado pôr em causa a sua autoridade. E embora mortificado ao contemplar as cabeças decepadas de oitenta portugueses, o português sofreu estoicamente todos os suplícios; no fim, “tornaram-no à tenda de el-Rei, o qual cm sua própria mão lhe cortou a cabeça, não havendo por satisfeito de lha mandar cortar”. Todos estes acontecimentos foram depois relatados por um português que “fugiu do arraial dos mouros, o qual nos deu conta do martírio de D. Cristóvão e da sua morte”. Com o desbarato dos portugueses, e a morte do seu capitão, Ahmad Gran ficou absolutamente convencido de que havia readquirido o controlo da situação. Aproveitando o descontentamento dos turcos pela morte de Cristóvão da Gama – que tencionavam levar consigo como oferta ao pacha otomano – o granhe deixou-os partir com doze dos catorze homens que acompanhavam o capitão português124 “e com a cabeça de Dom Cristóvão”. Ficaram ainda outros duzentos, “porque lhos mandava o grão-turco dar pelas páreas”, que assim representava um alívio para o encargo monetário dispendido com a contratação dos mercenários. E o fim dos três dias de permanência no campo de batalha que a tradição impunha ao vencedor, Ahmad bin Ibrahim retirou para Emfraz, perto do lagoTana. Talvez dois dias depois da batalha, o grupo de portugueses que se encontrava com a rainha alcançou uma serra de onde logo foram enviados espias a recolher outros sobreviventes. No dia seguinte chegavam os trinta portugueses com os cavalos tomados na surtida efectuada antes da batalha de Wofla, e nos dias que se seguiram foram chegando outros fugitivos, entre os quais os dois que haviam presenciado a captura e morte de Cristóvão de Gama. No final, os portugueses que aqui se concentraram somaram cerca de cem homens, mas não eram os únicos; os espias traziam a notícia de que outros haviam sido recolhidos pelo governador do Tigrai. Foi decidido prosseguir na direcção da serra do judeu, com o objectivo de aí juntar as forças com o Preste; e passados cerca de dez dias aí chegava o imperador Cláudio, porém acompanhado de muito pouca gente, “tão pouca que, se Dom Cristóvão não tomara a serra, impossível fora ajuntar-nos com ele”125.

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Finalmente reunidos os portugueses com o Preste João na serra do judeu, que D. Cristóvão da Gama havia tomado, acordaram em levantar um novo exército. A recente derrota dos portugueses tinha a vantagem marginal de incutir uma enorme confiança nos muçulmanos; de facto, desbaratados os seus inimigos mais temidos, julgavam não ser possível encontrar outros adversários em condições de lhes disputar a supremacia adquirida. Contudo, a fama de Cristóvão da Gama tinha-se espalhado por toda a região, lançando um novo dado na balança. E com o granhe longe, nenhum dos capitães que havia deixado “com gente para tornar a tomar posse da terra que tinha perdida” conseguiu suplantar o prestígio adquirido pelo capitão português. O imperador apercebeu-se deste facto e manteve-se acampado na serra do judeu até ao início do ano de 1543 “para ajuntar gente, porque cada dia se vinham para ele”. No início de Janeiro as tropas reunidas já somavam um efectivo razoável com “oito mil homens de pé e quinhentos de cavalo”. Durante este lapso de tempo os portugueses trataram de recompor a sua força militar. Na sua maior parte os homens encontravam-se recuperados dos ferimentos, e agora impunha-se rearmá-los. Em primeiro lugar, procuraram contactar com o grupo de fugitivos acolhidos pelo Bahr Nagash, o governador do Tigrai. As notícias não foram animadoras, uma vez que a estes “lhes pareceu que todos seríamos já mortos”, e assim haviam-se dirigido a Massuá “para, se aí estivessem algumas fustas nossas, embarcar-se nelas para a Índia”. Longe de ficarem desanimados, os companheiros procuraram desembaraçar-se da melhor forma possível. Reuniram todas as armas que Cristóvão da Gama havia armazenado no local depois da conquista da serra, “aquelas que trazia de sobejo” com a bagagem da expedição. Também não tinham pólvora, mas descobrindo que no local do acampamento existia muito salitre e enxofre, trataram de a fabricar, “porque um homem que Dom Cristóvão levava para a fazer quis Nosso Senhor que se salvasse com nós outros”. E assim, no início de Fevereiro o exército cristão encontrava-se preparado para de novo dar batalha a Ahmad Gran, agora com os portugueses finalmente juntos com os abissínios.

Epílogo: A batalha de Waina Daga (21 de Fevereiro 1543) O exército saiu do acampamento no “dia de Entrudo, a seis dias de Fevereiro 1543, com oito mil homens de pé, frecheiros e adargueiros, e quinhentos de cavalo, todos boa gente e luzida”. Quanto aos portugueses, na perspectiva de enfrentar o granhe nenhum quis ficar para trás, e “iam alguns feridos e aleijados e mancos, os quais não quiseram ficar por achar-se a voltas coda

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vingança, ou morrer em a demanda”. Marchavam “levando diante a bandeira da Santa Misericórdia126, e não quiseram escolher outro chefe que não o Preste João, por respeito ao seu antigo capitão-mor Cristóvão da Gama. A coluna marchou até à região de Wogera, onde se encontrava um capitão de Ahmad Gran, Sayid Mehmed127 com “trezentos de cavalo e dous mil de pé”128 sob as suas ordens. Os cristãos não hesitaram, e na madrugada seguinte – que seria do dia 13 de Fevereiro – atacaram os inimigos. Na frente, a liderar o ataque, encontrar-se-iam 50 portugueses a cavalo e a sua investida, talvez por inesperada, logo “pôs os mouros me fugida, matando ao capitão com muitos outros”. Pelos prisioneiros, ficaram a saber que o granhe se encontrava na região de Dambia, onde havia passado calmamente os últimos meses desde a sua vitória sobre os portugueses, “com sua mulher e filhos junto do lago onde o rio Nilo nasce”. Este não era mais que o lago Tana, e “seriam dali a cinco dias de caminho”. Sabendo agora para onde se dirigir, a coluna retomou a marcha “até chegar à vista dos mouros”. Este foram completamente surpreendidos não só pela presença do exército do imperador, mas sobretudo ao tomar conhecimento de que o imperador Cláudio trazia um contingente dos portugueses, que alguns meses atrás julgavam encontrarem-se definitivamente fora de combate. Depois de erguido o acampamento, foi reunido um conselho de guerra; “e porque tínhamos novas dos portugueses que estavam em Massuá que não acharam embarcação e que já sabiam de nós”, os presentes foram de opinião que se deveria esperar por este reforço imprevisto. Esta meia centena de homens seria um reforço precioso, sabendo todos que “cinquenta portugueses em aquela terra é maior socorro que mil naturais”. Quanto aos seus adversários “aparelharam-se o melhor que puderam”, tendo em consideração que não esperavam ter de enfrentar as forças combinadas dos Abissínios e portugueses, algo que Ahmad Gran havia sempre receado. E os dias passaram-se em escaramuças, nas quais os portugueses se evidenciaram. Agora com um efectivo de sessenta cavaleiros, uma vez que todas as montadas disponíveis lhes eram entregues, sentiam-se como peixe na água num tipo de guerra que em muito se assemelhava ao dia-a-dia das fortalezas da Índia. E nestes combates também se destacavam alguns abissínios, em particular um importante general de Cláudio chamado Azmach Keflo129, casado com uma prima, meia-irmã do imperador. Entretanto, o granhe meditava na sua situação. Para ele, a vitória residia na possibilidade de fragmentar as forças contrárias, e como os portugueses possuíam fortíssimo espírito de corpo, entendeu que o objectivo imediato seria atacar o moral dos abissínios. Decidiu armar uma emboscada ao general Azmach na qual envolveu os exímios atiradores turcos; esta resultou em pleno,

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Esquema E Batalha de Waina Dega, 21 de Fevereiro de 1543

7.000 homens de infantaria 600 cavalos

6.000 homens de infantaria 600 cavalos 200 mosqueteiros turcos

100 portugueses 250 cavalos abexins 3.500 abexins a pé

250 cavalos abexins 4.500 abexins a pé

1 - Com os inimigos À vista, os cristãos iniciam o ataque. Na frente, os portugueses disparam uma salva, para de seguida arremeterem contra os turcos. Por seu lado, os abissínios pressionam também os seus adversários. A linha muçulmana parece vacilar perante o ímpeto deste ataque. 2 - Vendo os seus homens ceder, o granhe dirige-se para o centro da refrega, onde se confrontam turcos e portugueses. Estes, ao avistarem o seu antagonista, parecem redobrar de esforço, e um atirador toma Ahmad bin Ibrahim el-Ghazi na mira. O imam é atingido mortalmente no peito pelo disparo certeiro, tombando do cavalo que, fugindo do campo de batalha, o arrasta pelo chão. 3 - Assistindo à morte do seu líder, os muçulmanos põem-se logo em fuga, sendo perseguidos pelos abissínios. Os portugueses encarniçam-se contra os turcos, exterminando centena e meia. Apenas cerca de quarenta conseguem fuygir, escoltando a mulher do Imam, que consegue salvar o tesouro acumulado por 14 anos de pilhagens. Porém, a vitória do exército cristão é completa, e será o ponto de partida para retomar muito do teritório perdido durante as campanhas de Ahmad Gran.

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confirmando as suas expectativas. Morto Azmach Keflo, “os abexins iam perdendo o esforço, parecendo-lhes impossível a vitória”130, de maneira que já corria palavra de que mais valia abandonar o acampamento. O imperador percebeu que era necessário antecipar o confronto e, reunido o conselho de guerra a 20 de Fevereiro, declarou que não era possível esperar mais “os portugueses tanto tardavam”; era necessário “dar batalha ao outro dia”. Ao amanhecer do dia seguinte, 21 de Fevereiro de 1543, os combatentes ocuparam os seus lugares. O exército cristão foi dividido em duas batalhas; na dianteira encontravam-se os portugueses, a maioria a cavalo – cerca de sessenta – juntos com “duzentos e cinquenta abexins de cavalo e três mil e quinhentos de pé”, e atrás os restantes abissínios com o imperador Galawdewos. Depois da confissão e absolvição dos cristãos, estes tomaram a iniciativa e partiram ao ataque. Os homens do granhe “vinham também em duas batalhas”. O imam encontrava-se “na dianteira com os duzentos turcos arcabuzeiros e seiscentos de cavalo, e seis mil homens de pé”, que à vista do ataque inimigo avançou por sua vez. Atrás seguiam outros 7.000 peões e 600 cavalos, comandados por “um capitão seu, que se chamava Grança Grade”. As formaturas adoptadas não parecem diferir daquilo que noutras ocasiões os generais de um e outro lado seguiam. E pelos efectivos envolvidos, que contavam com mais de uma dezena de milhar para cada lado, somos mesmo levados a concluir que as formaturas não apresentam nenhuma subtileza particular. A disposição dos soldados é bastante simples; movidos pela vontade de vingar o passado, os portugueses exigem ficar na frente dos mercenários otomanos, enquanto os abissínios enfrentavam os homens do granhe. Adivinha-se, uma vez mais, que será o resultado do duelo entre as forças expedicionárias estrangeiras – soldados portugueses e mercenários turcos – a decidir a sorte da batalha. Chegados à distância conveniente, as primeiras linhas alvejaram-se mutuamente. Nesta primeira troca de tiros, deverá ter sobressaído a superioridade numérica dos duzentos atiradores turcos sobre a escassa meia centena de portugueses. Estes, levando a pior no duelo entre arcabuzeiros, “vendo que os turcos os desbaratavam”, arremeteram furiosamente contra os inimigos, os cavaleiros portugueses rompendo pelas linhas inimigas “de tal maneira que mataram muitos e fizeram apartar os outros”. Não podendo resistir ao ímpeto encarniçado dos cristãos, os muçulmanos da vanguarda ”iam perdendo campo”, primeiro frente aos portugueses, depois sujeitos à pressão de milhares de abexins. E vendo os seus cederem terreno face aos adversários, o granhe, acompanhado por “um filho seu, mancebo”,

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decide tomar lugar entre as primeiras linhas encorajando os seus homens. Como noutras ocasiões, os soldados muçulmanos reagiram entusiasticamente á presença de Ahmad Gran, ganhando alento. Porém, entusiasmado por lhe parecer que podia levar a melhor sobre os inimigos, “chegou-se tanto, que foi conhecido dos portugueses” e, da mesma forma que incutiu confiança aos seus, despertou a sede de vingança dos outros. Assim, tendo o odiado antagonista ao seu alcance, os portugueses não perderam a oportunidade, e “quando o viram tão perto, carregaram sobre ele com as espingardas”. Sobre o que se passou de seguida, existem várias versões, embora quase todas sejam concordantes no facto de que o granhe foi atingido mortalmente “com um pelouro pelos peitos, de tal maneira que logo caiu do arção do cavalo”. O soldado que terá disparado sobre ele não terá sobrevivido ao seu feito, mas alguns cronistas referem-no pelo nome de João de Castilho ou Pedro Leão. Atingido à vista de todos, os muçulmanos “enfraqueceram e foram postos em fugida”; os próprios turcos seguiram este exemplo, com excepção do seu capitão. Este, vendo o exército bater em retirada, “determinou de morrer”; “com os braços arregaçados e um grande cutelo nas mãos”, resistiu a várias investidas. Por fim, “estavam cinco abexins a cavalo sobre ele sem o poder render nem matar”, quando um cavaleiro chamado João Fernandes o atacou “com a lança baixa e feriu-o muito mal”. Embora trespassado, o capitão turco ainda ripostou, atingindo o português “por cima do joelho, que lhe cortou os nervos todos”, ao que este respondeu com um golpe de espada, que finalmente deitou o adversário por terra. Este episódio terá ocorrido, muito provavelmente, já no final da batalha, quando os muçulmanos se encontravam em fuga. Os seus inimigos, que desta vez possuíam um efectivo de cavalos apreciável, puderam perseguir os fugitivos semeando a morte entre eles. Os portugueses seguiram no encalço dos turcos e “andavam os nossos tão encarniçados nos do arraial que não lhes lembrava outra coisa”, semeando a morte entre os mercenários dos quais apenas escaparam cerca de quarenta. Aproveitando esta diversão, a mulher do imam conseguiu escapar ilesa, escoltada pelos otomanos sobreviventes e outros “trezentos de cavalo que em sua guarda estavam”. Já o seu filho, que acompanhava o granhe nas primeiras linhas, foi capturado e mais tarde entregue como resgate do irmão do imperador Cláudio, Menas. Bati del Wambara levou consigo o tesouro que o seu marido havia reunido ao longo de 14 anos de pilhagens, facto que o imperador mais tarde lamentou, “porque certo ele não era mais rei que de muita terra e mantimentos, porque o seu tesouro lho tinha levado el-Rei de Zeila”.

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Nâo temos qualquer estimativa com o número de mortos da batalha de Wayna Daga. Para além dos cerca de cento e sessenta turcos chacinados, Castanhoso apenas menciona que “não morreram mais de quatro portugueses, que foi grande dita”. Estes números levam-nos a suspeitar que as perdas dos muçulmanos devem ter sido elevadas; para este facto deve ter certamente contribuído a morte de Ahmad Gran, deixando um vazio na liderança impossível de preencher. Considera-se Wayna Daga como o ponto de viragem da guerra etíope-adalita. Com efeito, morto Ahmad bin Ibrahim el-Ghazi as forças muçulmanas rápidamente se dispersaram permitindo ao imperador manter a iniciativa, libertando grandes áreas do jugo islâmico. Porém, os ventos da mudança já haviam começado a sentir-se com a chegada da expedição de Cristóvão da Gama, e foram as suas vitórias iniciais a desencadear a reacção que culminou em Wayna Daga. E da mesma forma que ainda hoje os etíopes recordam a destruição de igrejas, mosteiros e cidades como tendo ocorrido num passado recente, também as vitórias dos portugueses parecem ocupar um lugar no imaginário mais profundo dos etíopes. Quanto á mulher do granhe, de regresso à capital de Adal, Harar, casou mais tarde com o seu sobrinho Nur ibn Mujahid na condição de este vingar a derrota e morte do seu primeiro marido. A guerra ainda iria continuar por mais

Cristóvão da Gama e Granhe (Painel do séc. XX).

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anos, mas a sobrevivência do reino dos cristãos abissínios não voltou a ser posta em causa. Resta deixar uma palavra sobre Miguel de Castanhoso, cuja extraordinária aventura acompanhámos de perto, através das palavras que deixou escritas. Por alturas do natal de 1543, mal recuperado do grave ferimento que havia sofrido e “porque não havia quem me curasse”, pediu para voltar a Portugal. Embora com pouca vontade de o fazer, o imperador autorizou a partida de Castanhoso, entregando-lhe uma missiva destinada ao rei de Portugal. Juntaram-se a Miguel de Castanhoso outros cinquenta companheiros, dirigindo-se todos na direcção da costa, na esperança de aí encontrar algum navio português. Acamparam perto de Massuá, escondidos, “porque, com medo das galés dos turcos, não estávamos à vista do porto”. A sua espera terminou a 15 de Fevereiro, quando ouviram finalmente salvas de artilharia. Rapidamente, dois portugueses montaram a cavalo e encaminharam-se para a praia. Exultantes verificaram que se tratava de uma pequena fusta comandada por Diogo de Reinoso, enviada para “para saber novas de nós, porque na Índia a todos nos tinham por mortos”. Foi grande a decepção, porém, quando verificaram que não havia lugar para todos. Mas, no respeito da missão de que Castanhoso ia incumbido “pelas cartas que eu trazia do Preste para el-Rei Nosso Senhor”, acordaram “que me embarcasse eu, pela necessidade que eu disto tinha”. E assim, o nosso cronista embarcou no dia 16 de Fevereiro, chegando finalmente à Índia a 19 de Abril de 1544. Não esqueceu os seus companheiros: “E praza a Nosso Senhor que se queira lembrar de mi e a eles trazê-los em paz a Portugal. Ámen”

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5. Conclusão

O rescaldo da campanha levada a cabo pelo corpo expedicionário comandado por D. Cristóvão da Gama: A sobrevivência de um reino cristão autónomo encravado entre os seus vizinhos muçulmanos. Um padre etíope em frente de Abuna Yemata Guh, num penhasco em Tigrai.

Como explicar a catástrofe que em pouco mais de uma década se abateu sobre o reino cristão de Etiópia. Não é fácil descortinar as razões para a rapidez e a amplitude do sucesso de Ahmad bin Ibrahim el-Ghazi, sobretudo numa época em que tinha lugar uma reafirmação do poder dos cristãos, que havia começado ainda em fins do século XV com o imperador Na’od, e depois com o seu filho David. Será sempre necessário recordar que, de um modo geral, as situações de ruptura não se devem apenas a uma circunstância mas a um conjunto de situações que, se catalizadas por um determinado factor, precipitam os acontecimentos. Como vimos, foram abertas importantes fracturas nas guerras civis que explicam a fraqueza da sociedade abissínia ao enfrentar o exército altamente motivado, unido e liderado pelo carismático Ahmad Gran. O factor catalizador das grandes movimentações militares, parece-nos estar, precisamente, relacionado com a chamada “revolução militar”, analisada por numerosos autores em particular por Parker131. E é precisamente neste âmbito que não tem sido devidamente sublinhado o contributo de contingentes militares oriundos do outro lado do mar vermelho, em particular os soldados fornecidos pelos Otomanos do Iémen. Uma leitura atenta do texto de Sihab ad-Din Ahmad Bin Abd al-Qader Bin Salem Bin Utman, cronista das campanhas do granhe, revela a importância crucial das armas de fogo no desenrolar das batalhas. Subestimados pelo efectivo destes soldados no total das forças em presença, o seu papel foi, contudo, absolutamente desproporcionado em relação aos resultados obtidos em batalha, nada menos que fazendo a diferença entre a vitória e a derrota. Temos um exemplo do efeito devastador das armas modernas sobre um exército “tradicional”, baseado no levantamento de elevado número de soldados sem armamento moderno. A campanha militar dos xarifes Sádidas nos anos 90 do século XVI, executada por um pequeno exército de soldados veteranos armados com a última tecnologia militar da época – muita dela recuperada do campo de batalha de Alcácer Quibir – desenrolou-se de forma absolutamente fulminante, destruindo por completo o numeroso exército do reino Songhai. Á semelhança da forma fulgurante como o granhe havia derrotado os seus adversários, um pequeno contingente de soldados portugueses práticos na guerra moderna, infligiu três pesadas derrotas aos muçulmanos. E duas das quais em encontros campais, onde a desproporção de efectivos conduziria certamente a uma catástrofe, se os portugueses não estivessem armados com

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arcabuzes e canhões. Apenas o regresso dos atiradores otomanos, em número significativamente superior aos portugueses, restabeleceu a supremacia dos muçulmanos. Ainda assim, podemo-nos perguntar se a expedição portuguesa integrasse algum homem experiente em fortificação – um arquitecto ou engenheiro militar – o resultado da batalha de Ofla não poderia ter sido diferente, e o curso da campanha de Cristóvão da Gama outro bem diverso; com outra consistência nas fortificações do acampamento cristão, talvez os soldados portugueses pudessem ter resistido ao “tiro grosso” das “dez bombardas de campo” dos turcos. O ascendente dos muçulmanos manteve-se durante um breve período de tempo, apenas pelo espaço de um ano. E os portugueses sobreviventes, integrados então no exército do imperador Claudio, desempenharam, uma vez mais, um papel de relevo, decidindo a batalha a favor dos cristãos. Um escritor que se debruçou sobre a campanha de 1540-43, comparou-a com a expedição punitiva levada a cabo pelos ingleses em 1867 que, ao contrário da expedição portuguesa – que visava o apoio aos cristãos da Abissínia – resultou no suicídio do imperador Teodros II. Contudo, as características dos soldados portugueses de quinhentos são bem diversas dos soldados profissionais britânicos vitorianos, cuja lealdade é oferecida em primeiro lugar ao seu regimento, mais do que for Queen and Country. Os portugueses não são mercenários, como também não são idealistas combatendo por uma qualquer causa. São os homens da época, gratos aos seus próprios interesses, mas que se submetem ao exemplo de um chefe na sua acepção completa. Estes chefes, que dirigiram as campanhas mais fulgurantes da história militar portuguesa, são gente de envergadura excepcional, como um Albuquerque – ou um Cristóvão da Gama – que se sujeitam à fortuna ou aos trabalhos daqueles que comandam. Talvez por isso a sua presença subsista depois da morte, para liderar aqueles que vivem. Fosse movida por motivações comerciais, imbuída da atitude dogmática da religião, e implementada com o auxílio de uma máquina militar feroz, a chamada expansão portuguesa não deixou de ser diferente de outros processos posteriores protagonizados pelas demais potências europeias. Como todos os processos fracturantes – e a aventura dos portugueses foio, sem dúvida, marcando a diferença entre o mundo antigo e o moderno – observam-se desencontros de culturas e confrontos de interesses, mas ao mesmo tempo criaram-se situações extremamente interessantes do ponto de vista humano. A aproximação entre Portugal e a Abissínia, pelo menos na sua primeira fase, parece-nos poder figurar a par com, por exemplo, a miscigenação racial promovida por Albuquerque. A viagem de Pêro da Covilhã estabeleceu um

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primeiro contacto extremamente grato entre abexins e portugueses. Fruto de várias circunstâncias, a que certamente não foi estranho a personalidade aberta do aventureiro português, foi um momento auspicioso que parece ter deixado uma marca que posteriores contactos – nomeadamente com os jesuítas – não conseguiram apagar. E a primeira embaixada oficial, apesar das numerosas peripécias, também acabou por cultivar este encontro de culturas fruto, uma vez mais, da presença esclarecida do padre Francisco Álvares, que nos deixou a primeira descrição pormenorizada alguma vez escrita dessas terras longínquas. A presença da grande potência que era então Portugal, deixava as maiores esperanças entre os cristãos da Abissínia, esperança que se reflectia, por exemplo, na possibilidade de viajar até Jerusalém em segurança, porque esperam que por nossos portugueses façam este caminho seguro, se fortaleza se fizer em Maçuá para el-rei Nosso Senhor132. Finalmente, a expedição de Cristóvão da Gama parece ter sedimentado a hoje inegável influência de Portugal na cultura da Etiópia. A celebração do natal de 1541 na Abissínia, descrita por Miguel de Castanhoso, um dos soldados que acompanhavam o irmão do então governador da Índia, é bem a súmula daquilo que, no fundo, esteve sempre subjacente em toda a expansão portuguesa por meio mundo. Armado um altar improvisado “com um retábulo mui devoto de Nosso Senhor Jesus Cristo” os portugueses celebraram a missa do Galo, juntando-se o abexins a esta cerimónia de maneira que ”todos juntos celebrámos o nascimento, com toda a festa e solenidade que puderam”. Esta autêntica reunião ecuménica, nascida da solidariedade entre católicos portugueses e ortodoxos etíopes, deve ter constituído um precioso quadro; abexins “frades de toda a comarca”, os portugueses vestindo as suas armaduras, “armados diante do altar”, entoando os cânticos da celebração acompanhados ao som de numerosos instrumentos musicais, “charamelas, sacabuxas, flautas, trombetas e atabales”. Armaduras e cânticos, armados diante do altar, uma poética do ferro e das armas graças aos quais – e ao sacrifício de Cristóvão da Gama e dos seus companheiros – se deve a sobrevivência de uma das culturas cristãs mais antigas de todo o mundo.

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NOTAS 1 Miguel de Castanhoso, História das cousas que o mui esforçado capitão Cristóvão da Gama fez nos reinos do preste João com quatrocentos portugueses que consigo levou, introdução e notas de Neves Águas, Europa América, Mem Martins, 1988, p.53 2 Salih Ozbaran, The Ottoman response to European expansion, Isis, istambul, 3 Estreito que dá acesso ao Mar Vermelho. 4 Dejanirah Couto, No rasto de Hadim Suleimão Psha: Alguns aspectos do comércio no mar vermelho nos anos de 1538-1540, Angra do Heroísmo, 1998. 5 Assim designavam os turcos o centro do poder otomano, referindo-se à porta do palácio de Topkapi, em Istanbul – a antiga Constantinopla – onde se encontrava o sultão e a sua corte. 6 Dejanirah Couto, op. cit., p.493 7 Idem, ibidem. 8 Francisco Álvares, Verdadeira informação das terras do Preste João das Índias, introdução e notas de Neves Águas, Mem Martins, 1989, p.143 9 Albuquerque, Luís de, Alguns aspectos de ameaça turca sobre a índia por meados do século XVI, Coimbra, 1977. 10 Francisco Álvares, op. cit., p.193. 11 The Cambridge History of Africa from 1050 to 1600, v.3, Cambridge, 1977. 12 Francisco Álvares, op. cit, pp.81-82. 13 História de Portugal, v.3, dir. de Damião Peres e Eleutério Cerdeira, Porto, 1928, p.565. 14 Idem, ibidem, p.566. 15 E seguintes, João de Barros, Ásia, Primeira década, Lisboa, 1988, p.89. 16 Francisco Álvares, “Verdadeira informação das terras do Preste João das Índias”, introdução e notas de Neves Águas, Mem-Martins, 1989, p.202. 17 Idem, ibidem, p.201. 18 O cerco durou desde 26 de Julho de 1522 até ao primeiro dia de Janeiro de 1523. 19 Francisco Álvares, op. cit. 20 Segundo o Conde de Ficalho. 21 Segundo o Conde de Ficalho, o território Situava-se perto do rio Gemma, ou na região de Tuloma ao norte do rio Uanchit, ou ao sul do rio Adabai. 22 Conde de Ficalho, op. cit, p.192. 23 E seguintes, Gaspar Correia, Lendas da Índia, v. 2, Porto, 1975, p.325. 24 V. Toneis no Glossário. 25 A província do Tigrai. 26 Conde de Ficalho, op. cit., p.231. 27 Segundo o conde de Ficalho, a igreja chamava-se Nossa Senhora em Corcora de Angote. 28 Este povoado era chamado Ingabelu, de acordo com o conde de Ficalho. 29 Segundo Francisco Álvares o “angoteraz”. 30 E seguintes, Francisco Álvares, p.127. 31 Uogiddi , segundo o conde de Ficalho. 32 E seguintes, Francisco Álvares, op. cit, p.36. 33 E seguintes,Conde de Ficalho, op. cit., p.260. 34 Gaspar Correia, v?, op. cit. 35 E seguintes, Elaine Sanceau, Em demanda do Preste João, Porto, 1983. 36 Sihab ad-Din Ahmad Bin Abd al-Qader Bin Salem Bin Utman, Futuh al-Habasa, The conquest of Abyssinia, Tsehai, p.70. 37 Segundo uma primeira estimativa do autor da Futuh al-Habasa, deveria compreender 16.000 cavalos e 200.000 peões; contudo, mais á frente (p.85), o contingente de cavalos é reduzido a 1/10, pelo que parece lícito reduzir a infantaria pela mesma proporção. 38 E seguintes, Sihab ad-Din, op cit. 39 “The arabs and those of Magreb, and other from Mahra”, Sihab ad-Din, op cit., p.267 40 E seguintes, Conde de Ficalho, op cit. 41 Francisco Contente Domingues, Os Navios do Mar Oceano, Lisboa, 2004. 42 Gaspar Correia Gaspar Correia, Lendas da Índia, v. 2, Porto, 1975, p. 44. 43 Uma clara referência ao país de origem da nova ordenança, a Suiça. 44 Gaspar Correia, op. cit., v. 2, Porto, 1975, p. 44. 45 As companhias de 250 homens deviam estar divididas em 10 esquadras de 25 homens. 46 Miguel de Castanhoso, História das coisas que o mui esforçado capitão Cristóvão da Gama fez nos reinos do Preste João com quatrocentos portugueses que consigo levou, Mem Martins, 1988, p.29. 47 António Caetano de Sousa, Provas da História Genealógica da Casa Real Portuguesa, v. 4, Coimbra, 1948, p.334.

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Miguel de Castanhoso, op. cit., p.17. Como escreveu o embaixador castelhano em Lisboa numa carta dirigida a Filipe II, depois de assistir a um dos exercícios militares que então se faziam em vários locais da capital. 50 Crónica do xarife Mulei Mahamet e d’El-Rei D. Sebastião, Odivelas, 1987. 51 Jornada de África del Rey dom Sebastião escrita por um Homem Africano, Lisboa, 2004, p.32. 52 Gaspar Correia, op. cit, v.2, pp. 303-304. 53 Joaquim Veríssimo Serrão, Itinerários de El-Rei D. Sebastião (1568-1578), Lisboa, 2.ª ed., 1987 [1.ª ed. 1962], p. 332. 54 Miguel de Castanhoso, op. cit, p.29. 55 Gaspar Correia, op cit, p. 56 Miguel de Castanhoso, op. cit, p.29. 57 Palavra que deriva do vocábulo árabe “Al ard”. 58 João Cascão, op. cit., p. 115. 59 Juan da Silva, «Correspondencia de D. Juan da Silva con Felipe II, relativa, en su mayor parte, á la de D. Sebastián al Africa», in Colección de los documentos inéditos para la historia de España, Madrid, 1861, v. 29, p. 525. 60 «Lettre d’un Médecin Juif a son Frère», in Les sources inédites pour l’histoire du Maroc, 1.ª série, Inglaterra, v. 1, Paris, Ernest Ledoux, 1904., p. 318. 61 “Composed of chain rings set in neatly tiered rows”, Sihab ad-Din, op cit., p.48 62 Francisco Álvares, op. cit., p.236. 63 “Shaped like ostrich eggs”, Sihab ad-Din, op cit., p.81, e seguintes. 64 Francisco Álvares, op. Cit, p.236. 65 Miguel de Castanhoso, op cit, p.30. 66 Manoel de Almeida, Some Records of Ethiopia 1593-1646, being extracts from “The History of High Ethiopia or Abassia” by Manoel de Almeida together with Bahrey’s “History of the Galla”, ed. C.F. Beckingham & George Wynn Brereton Huntingford, London: Hakluyt Society, Works, second series, vol. CVII, 1954, p. 61. 67 Miguel de Castanhoso, op cit, p.30. 68 Luís Mendes de Vasconcelos, Arte Militar, Alenquer, Vicente Alvarez, 1612. 69 Refere-se ainda o uso de uma couraça, provavelmente de aço, Sihab ad-Din, op cit., p.63. 70 Sihab ad-Din, op cit., p.43-4. 71 David Nicolle, The Mamluks. 72 E seguintes, Sihab ad-Din, op cit., p.24 e nota. 73 Miguel de Castanhoso, op cit, p.45. 74 E seguintes,, Sihab ad-Din, op cit.p.136. 75 David Nicolle, The Mamluks, op. cit. 76 E seguintes,, Sihab ad-Din, op cit., p.64. 77 Também designado por Kullar, (The New Cambridge Modern History, v.1, Cambridge, 1957); ou como Qapu Kullari, (Ian Heath, Armies of The Middle Ages, v.2, op. cit). 78 David Nicolle, Constantinople 1453, Londres, 2000. 79 “Training lasted at least six years, during wich time the Acemi Oglan was supervised by eunuchs and separated from female company (...) the ordinary janissary soldier was trained to use a vbariety of weapons. Those stationed in Istambul went to the Ok Meydan ‘arghery ground’ just north of the Golden Horn, and practised archery, musketry, javelin-throwin or fencing (…) the speed and accuracy of Ottoman musketry still amazed the Austrians in the late 17th century”; David Nicolle, The Janissaries, op. cit, p.?. 80 “Sipahis (also spelled as Sipahis, Sepahis or Spakh, in Turkish sipahi) were an elite mounted force within the Six Divisions of Cavalry of the Ottoman Empire. Their duties included, among others, to ride with the sultan on parades and as a mounted bodyguard. In times of peace they were also responsible for collecting taxes. The Spahis was the largest division of the six and was the mounted counterpart to theJanissaries, which always fought on foot. The Sipahis were probably founded during the reign of Mehmed II, (www.theottomans.org., Campaigns & The Army, [Julho 2005]). 81 “Infantry were dismissed by many muslim chroniclers as harafisha (rabble)”; David Nicolle, Hattin 1187, Londres, 1998 [1ª ed. 1993]). 82 “Although the highly disciplined Janissaries most impressed the Europeans, their importance was far less than that of the sipahi, the battle winning offensive element in a classic Ottoman army”; (David Nicolle, The Janissaries, op. cit., p 83 “Crónica do Xarife Mulei Mahamet e Del Rei D. Sebastião, op, cit. 84 Crónica de Almançor; op. cit. 85 David Nicolle, The Janissaires, op. cit. 86 “Sipahis and Timariots had very few things in common and this is probably a simple misinterpretation among Western historians”, www.theottomans.org., Campaigns & The Army,[Julho 2005]. 87 Dejanireh Couto, No rasto de Hadim Suleimão Psha, op, cit, 48 49

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E seguintes, Miguel de Castanhoso, op. cit., p.29 Gaspar Correia refere “quatro falcões pedreiros, e doze berços com suas carretas”; (Gaspar Correia, op. cit., v.4, p.200. 90 A recarga de uma peça de artilharia fazia-se pela boca da peça. Porém, alguns canhões dispunham de uma culatra, normalmente apenas as peças ligeiras, uma vez que este sistema fazia perder a potência do disparo, reduzindo substancialmente o alcance e o calibre do pelouro. 91 E seguintes, Miguel de Castanhoso, op. cit., p.17. 92 Ao cair da noite. 93 E seguintes, Miguel de Castanhoso, op. cit. p.18. 94 E seguintes, Isidoro de Almeida, O 4º Livro das Instruções Militares, in Morais, A. Faria de, «Arte Militar quinhentista», sep. do Boletim do Arquivo Histórico Militar, 23.º volume, Lisboa, 1953, p.149 95 Miguel de Castanhoso, op. cit., p.35. 96 Castanhoso designa este local como “Baçanete”. Whiteway identificou o topónimo como referindo-se a Amba Senayt, situada na região de Haramat. 97 E seguintes, Miguel de Castanhoso, op. cit., p.46 98 Era, talvez, a tarefa mais demorada para fazer fogo com um canhão. Um cuidado cálculo da trajectória do projéctil obedecia a regras precisas envolvendo cálculos aritméticos elaborados. 99 E seguintes, Miguel de Castanhoso, op cit., p. 51 100 Segundo Trimingham. 101 E seguintes, Miguel de Castanhoso, op cit, p.55. 102 Como também é designado Ahmad “Gran” por Castanhoso. 103 E seguintes, Castanhoso, op cit, p.56. 104 E seguintes, Sihab ad-Din, op cit., p.31. 105 E seguintes, Miguel de Castanhoso, op. cit., pp.56-57. 106 Sir Richard Burton. 107 E seguintes, Miguel de Castanhoso, op. cit., p.64. 108 Gordamar, segundo Castanhoso . 109 E seguintes, Miguel de Castanhoso, op cit., p.68. 110 Castanhoso escreveu frades, embora a forma como o Granhe designava os portugueses fosse, comum a todos os europeus, os “frangues”. Era, certamente, derivação de “francos”, que se usava desde o tempo das cruzadas. 111 A serra seria Zabl, junto ao estreito de Bab el Mandeb. 112 E seguintes, Miguel de Castanhoso, op cit., p.73. 113 Castanhoso designa esta serra por Ofalá. 114 E seguintes, Miguel de Castanhoso, op cit., p.72. 115 Beckingham identifica o local com o topónimo Ras Dejen, o ponto mais alto da actual Etiópia situado nos montes Simien. 116 E seguintes, Miguel de Castanhoso, op. cit., p.75. 117 O dia 28 de Agosto calhou, nesse ano de 1542, numa segunda-feira. 118 Miguel de Castanhoso, op.cit., p.81. 119 Esta é uma asserção sem qualquer prova documental para além de uma indicação de Castanhoso – já referida anteriormente – que refere que para o ataque a Amba Sanayt, as peças de artilharia se encontravam repartidas pelos três corpos que levaram a cabo o assalto. 120 De acordo com Burton, A maioria dos abissínios resolveram não participar no combate, mantendo-se na expectativa, mas não temos dados que permitam chegar a esta conclusão. 121 E seguintes, Miguel de Castanhoso, op cit., p-81. 122 A serra que havia sido tomada por Cristóvão de Gama alguns dias antes da batalha ter lugar. 123 E seguintes, Miguel de Castanhoso, op. cit., p.87. 124 Dois deles haviam escapado, um no dia da captura. Diogo de Reinoso fugiu do acampamento. Foi este último, e depois relatou aos companheiros a morte de Cristóvão da Gama. 125 E seguintes, Miguel de Castanhoso, op. cit., p.93. 126 Segundo Castanhoso, a bandeira ostentava um crucifixo. 127 Mira Izmão, segundo Castanhoso . 128 E seguintes, Miguel de Castanhoso, op cit., p.97. 129 Castanhoso chama-lhe Azmache Cafilom. 130 E seguintes, Miguel de Castanhoso, op cit., p.99. 131 Geofrey Parker, The military revolution, Military innovation and the rise of the West, 1500–1800, Cambridge, 2004 [1.ª ed. 1988]. 132 E seguintes, Francisco Álvares, op cit., p.249. 133 António Lopes Pires Nunes, Dicionário de arquitectura militar, Casal de Cambra, 2005. 88 89

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Glossário Abuna – Bispos etíopes Alcanzia – Também designada por panela de pólvora. É o antecessor da granada de mão contemporânea. Tratava-se de um contentor – a panela – cujo interior se achava preenchido com material explosivo. Munido de uma mecha, era depois arrojado à distância sobre os inimigos. Foi muito utilizado nos combates navais quinhentistas e situações de cerco, em conjugação com as armas de fogo. Amba – Planalto, normalmente de difícil acesso, que eventualmente se torna numa fortificação natural. Arcabuz – Arma de fogo portátil. Bahr Negash ou Barnagais – Chefe abissínio que governava a costa do Mar Vermelho. Berço – Peça de artilharia ligeira. Carriagem – Carros de tracção animal onde se transportava a bagagem dos exércitos. Coura de Lâminas – Armadura aligeirada muito utilizada pelos portugueses, sobretudo nas operações em clima mais exigente, como no Oriente. Espaldar – Peça de armadura destinada à protecção das costas. Esquadrão – Conjunto de soldados que funcionava como entidade autónoma, que era construído no campo de batalha segundo formas regulares, as mais vulgares o quadrado e o rectângulo. Deriva talvez da esquadra a unidade orgânica de mais baixo escalão das ordenanças (legislações militares quinhentistas). Falcão – Peça de artilharia ligeira, normalmente com calibre … , que lançava um pelouro … Fato – Bagagem. Fusta – Embarcação a remos, de tipologia semelhante à galé mas de menos dimensão. Manopla – Peça de armadura destinada às mãos. Morrão – Mecha das armas de fogo portáteis quinhentistas, que consistia num cordão enrolado, e que se mantinha aceso para atear o disparo. Foi substituído pela pederneira, ainda durante o século XVI. Mosquete – Arma de fogo portátil, aperfeiçoamento do arcabuz. Disparava balas mais pesadas. O cano era mais comprido, o que embora conferisse maior alcança, tornava o mosquete numa arma pesada, necessitando de um apoio para facilitar o disparo – a forquilha. A maior dimensão do mosquete em relação ao arcabuz dificultava o manuseamento da arma, sendo por isso mais demora de recarregar. Em Portugal, destinava-se sobretudo,

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para um combate mais estático – situações de assédio ou de combate naval – como o defende Luís Mendes de Vasconcelos em finais do século XVI. Ainda assim, podemos observar a sua utilização desde cedo pelos portugueses em batalhas campais, no assalto a Benasterim (Índia 1512), Abissínia (1541-43) ou em Alcácer Quibir (Norte de África 1578). Negus – Título usado por alguns governadores de província, que indicava um alto ascendente na hierarquia dos abissínios. Negus Negash – Imperador da Abissínia. Pelouro – Projéctil das armas de fogo, designando tanto as balas dos arcabuzes e mosquetes como as balas das peças de artilharia. Pique – Arma de choque dos exércitos Europeus que prestou serviço desde meados do século XV até ao início século XVIII. Era uma lança longa que atingia mais de cinco metros de comprimento. Derivava directamente da sarissa usada pelos exércitos da antiguidade clássica, nomeadamente os exércitos macedónios de Alexandre. Ras – Título nobiliático equivalente ao duque europeu. Tranqueira – Estacada para cercar ou fortificar133.

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Índice remissivo A Adém 11, 31, 71 África 15, 32 Agaçaim 34, 36, 38, 63, 65, 66 Aguiar, Jorge de 6, 17, 28, 53 Aguiar, Pedro (ou Pêro) Afonso de 20, 24, 25 Ajuda Pequena, navio 75 Albergaria, Lopo Soares de 11, 14 Albuquerque, Francisco de 13, 14 Alcácer-Ceguer 62 Almeida, D. Francisco de 16, 17, 18, 20 Almeida, D. Lourenço de 17 Alpoim, Pero d’ 36 América 32 Andrade, Fernão Peres de 36, 41, 51, 56, 58 Andrade, Simão Peres de 14, 36, 51 Angediva 47, 53 Arábia 15, 16, 17, 30, 53 Armadas 9, 13, 14, 18, 20, 21, 22, 25, 27, 28, 30, 31,32, 35, 37, 38, 39, 41, 42, 43, 44, 46, 47, 50, 51, 53, 54, 62, 63, 70, 71, 73, 74, 75 Ásia 10, 16, 22, 30, 32, 35, 41, 64 Astecas 32 Atlântico 17 Azevedo, Lopo de 38 B Bahamanida, Império 31 Balagate 53 Bardez 46 Barros, João de 18, 22, 25, 34, 38, 41, 43, 44, 50, 51, 55, 57, 60, 61, 63, 66, 68, 70, 71, 74

Baticalá 70 Beja, Diogo Fernandes de 36, 37 Benasterim 9, 73-87 Benganim 54 Bernardes, Rui 25 Berredo, Francis­co Pereira de 67, 70 Bijapur, sultão de ver - Ismâil Adil Shâh - Yusuf Adil Khân Boa Esperança, Cabo da 6, 9, 17 Botelho, Lopo Mendes 25, 67 Bouchon, Geneviève 28, 29, 35, 36, 39, 44 Branco, Crisná 82 Branco, Nuno Vaz de Castelo 36, 47 Branco, Ralú 82 Brasil 32 Brito, Cristóvão de 67, 70 C Cabral, Pedro Ál­vares 35 Cairo 15, 16 Caldeira, Fernão 25 Calicute 9, 16, 19, 20, 21, 23, 27, 28, 32, 38, 42, 61, 87 Cambaia 53, 85, 86, 94 Canarins 34, 38, 58, 67, 82, 85, 94 Cananor 9, 18, 27, 30, 53, 65, 67, 71, 73 Carreira da Índia 18, 20, 25, 53, 62, 64, 70, 71, 73

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Colecção «batalhas de portugal» Obras publicadas:

MOÇAMBIQUE, 1895

CERCO DO PORTO, 1832-33

António José Telo

David Martelo

INVASÃO DO NORTE, 1809

LA LYS, 1918

Carlos de Azeredo

Mendo Castro Henriques e António Rosas Leitão

CAMPANHAS DO PRIOR DO CRATO, 1580-1589

MOÇAMBIQUE, 1970

João Pedro Vaz

Carlos de Matos Gomes

CAMPANHAS NAVAIS, 1793-1807

INVENCÍVEL ARMADA, 1588

Volume I – A Armada e a Europa

Augusto Salgado e João Pedro Vaz

José Rodrigues Pereira

CEUTA, 1415

CAMPANHAS NAVAIS, 1807-1823

José Loureiro dos Santos

Volume II – A Armada e o Brasil

ANGOLA, 1966-74

José Rodrigues Pereira

António Pires Nunes

MONTES CLAROS, 1665

SALAMANCA, 1812

Gabriel Espírito Santo

2.ª Edição

RECONQUISTA DA BAHIA, 1625

Mendo Castro Henriques

José Maria Blanco Nuñez

CHAUL E DIU, 1508 E 1509

GUERRA FANTÁSTICA, 1762

José Virgílio Amaro Pissarra

António Barrento

LINHAS DE ELVAS, 1659

O FIM DO ESTADO PORTUGUÊS DA ÍNDIA, 1961

2.ª Edição

Francisco Cabral Couto

António Paulo David Duarte

A BATALHA DOS ALCAIDES, 1514

GUINÉ, 1968 e 1973

João Paulo Oliveira e Costa e Vítor Luís Gaspar Rodrigues

Nuno Mira Vaz

ORMUZ, 1507 e 1622

ALJUBARROTA, 1385

Dejanirah Couto e Rui Manuel Loureiro

2.ª Edição

CONQUISTA DE GOA, 1510 - 1512

João Gouveia Monteiro

João Paulo Oliveira e Costa e Vítor Luís Gaspar Rodrigues

CONQUISTA DO ALGARVE, 1189-1249

Campanha da Etiópia, 1541-1543

2 ª Edição

Luís Costa e Sousa

António Castro Henriques CONQUISTA DE MADRID, 1706

Em preparação:

2.ª Edição

INVASÃO DE MASSENA, 1810-1811

João Vieira Borges

José Ribeiro Berger

CUAMATOS, 1907

DE VITÓRIA AOS PIRENÉUS, 1813

Jaime Ferreira Regalado

Mendo Castro Henriques

CONQUISTA DE LISBOA, 1147

SALADO, 1340

Pedro Gomes Barbosa

António Rosas Leitão

OLIVENÇA, 1801 Manuel Amaral

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