Campo Cultural

June 3, 2017 | Autor: A. Monteiro | Categoria: Cultura, Campo Cultural
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Campo Cultural António Jorge Monteiro *

O termo “campo” é utilizado no sentido consagrado por Pierre Bourdieu devendo ser entendido como um “espaço estruturado de posições”, onde os actores sociais estão em confronto pelo acesso ao (1) controlo dos seus campos específicos, no âmbito de regras estabelecidas e “Campo Cultural” como o campo intelectual, espaço de produção de bens simbólicos, em particular, eruditos. A propósito de Identidade Cultural Europeia, em “European Identity and Nacional Identities” Tony Judt refere que ” A Europa sempre foi uma ideia intimamente associada a um grupo social particular - a elite educada. (...) Essa noção de que a Europa se identifica com a alta cultura e que, portanto, é o local de pessoas cultas, corresponde profundamente à nossa noção do que significa ser europeu, ter identidade europeia, ter uma cultura europeia.” (2) Esta “elite educada” que se subentende como “elite culta”, tem como principal referencia a Cultura Erudita e, por isso, a importância que sempre se tem atribuído à sua defesa e democratização. A aposta na construção, permanente e democrática, desta “elite culta” deveria ser o desígnio de todos os responsáveis políticos do Mundo, nomeadamente, através dos objectivos a alcançar no âmbito das Políticas Culturais. O conhecimento “erudito” na Cultura será tão elitista como nos outros campos do conhecimento, nomeadamente, Político, Jurídico, Económico, Financeiro, Sociológico, Ambiental, Científico e Tecnológico. O Campo Cultural, quer em sentido lato, quer em sentido estrito tem, naturalmente, uma dimensão económica e social e, sendo a perspectiva da "economia de mercado" dominante em todas as sociedades contemporâneas, o campo cultural, apesar das suas particularidades, não pode deixar de contribuir, também, para esta economia estando por isso, implicitamente, também, sujeito a uma valorização quantitativa. Esta contingência natural não deveria fazer esquecer nunca que, este campo, pela sua natureza intrínseca “qualitativa”, não pode ser avaliado, em primeira instância, de uma forma “quantitativa”, através de uma qualquer “cadeia de valor”, pelo que procurar justificar a sua importância para a Humanidade e para o Homem pelo lado quantitativo será um caminho demagógico e absurdo que, podendo ser fácil e lucrativo a curto prazo, não deixará de ser perigoso a médio-longo prazo. Em linha com a desmaterialização dos padrões de consumo contemporâneos, pelo facto de a Cultura (criador/produtor/fruidor) ser, também, de natureza imaterial, não se deveria permitir que a pretendam considerar como um produto de consumo (criativo/produtor/consumidor). A criação Cultural Erudita, pela sua natureza, não está orientada para a sociedade de consumo característica, na actualidade, do “campo económico”, sendo as actividades que frequentemente lhe procuram associar como: lazer, diversão, passatempo, tempos livres, turismo, comunicação social, entre outras, que conduzem a este tipo de confusão que se acredita não ser por ignorância ou ingenuidade. Uma coisa será estar orientado para, em primeiro lugar, procurar satisfazer uma necessidade existencial de fruição intelectual, outra é procurar satisfazer uma necessidade lúdica, recreativa, social ou económica, nomeadamente da sociedade de consumo. A preocupação em procurar justificar a importância do Sector Cultural, junto dos cidadãos ou súbditos, em primeiro lugar, pela definição de “cadeias de valor” acrescentado, económico e

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financeiro, como é feito em alguns “estudos” - KEA (3) e Augusto Mateus (4) - e não por “cadeias de valor” acrescentado artístico, intelectual e cultural” poderá ser entendida como uma forma dissimulada de tentativa de captura do “campo cultural” pelo “campo económico” e a sua implícita subordinação. Seria pouco compreensível que os “criadores” - que aqui não serão confundidos com os “criativos” -, depois de terem concluído, no século XIX, a sua relativa emancipação económica, social, moral, ética e estética, tutelada historicamente pela aristocracia, pela igreja e pela academia, venham agora, por via das “indústrias”, aceitar ficar subordinados exclusivamente ao “campo económico”. Neste caso, voltaria a ser retomado o sentido pejorativo atribuído por Theodor Adorno e Max (5) Horkheimer, em 1947, às “indústrias culturais” , que se entende já não possuírem por se ter passado a considera-las, contemporaneamente, com uma outra acepção (6), o mesmo não se podendo dizer das pós-modernas “indústrias criativas” assumidamente do “campo económico”. Como vai sendo costume, os governantes, quer a nível nacional quer europeu, continuam empenhados a encomendar “estudos”, uns atrás dos outros, para justificarem as suas políticas e, obviamente, as organizações de consultoria interessadas em realizá-los (ou, em alguns casos, podendo mesmo acontecer o contrário, fruto das proverbiais “economias de favor”) mas, depois, nomeadamente, os responsáveis políticos, não se preocupam em reflecti-los e discuti-los, de forma transparente e responsável com os actores sociais, transformando aquilo que deveria ser um investimento para o desenvolvimento do Sector Cultural, quer em Portugal quer na União Europeia, num custo para os contribuintes, quer nacionais quer europeus. No âmbito da Gestão Cultural, a questão da “disputa de campo”, não pode deixar de ser associada, também, com a “Análise das 5 Forças", que Montgomery e Porter introduzem em 1979 e que passou a constituir-se como uma ferramenta do domínio da Estratégia, tendo por objectivo a definição do Posicionamento organizacional (7). O Campo Cultural, como qualquer outro “campo”, estruturante das sociedades contemporâneas desenvolvidas, para o seu melhor desenvolvimento e conhecimento, necessita de ser analisado e perspectivado em múltiplas vertentes, nomeadamente política, económica e social, pelo que surgiram, naturalmente e com todo o sentido, novas áreas de investigação e disciplinares como as Políticas Culturais, a Economia da Cultura, a Sociologia da Cultura e, este facto, deveria contribui para um melhor conhecimento e estruturação desde “campo”, como base em informação fundamentada e tratada objectivamente e não para a sua descaracterização e captura pelo Sector Económico. A criação e a criatividade em geral decorre da necessidade e/ou capacidade de conceber algo novo, complectamente distinguível, pela introdução de um novo paradigma, um novo padrão conceptual mas, inexoravelmente, com referência e/ou baseada em conhecimento já estabelecido e/ou adquirido o que, no sentido de Benoit B. Mandelbrot, poderá ser considerada, na maioria dos casos, como “fractal” (8). Qualquer medição das Actividades do Campo Cultural pressupõe uma contextualização e especificação com rigor metodológico e, pela natureza complexa do sector, isso só será possível quando for aceite a necessidade de se avançar, nomeadamente a nível dos Estados-Membros continentais da União Europeia, com uma iniciativa em linha com o “Manual de Frascati” (9), uma iniciativa da OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, da UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, da União Europeia e de outras organizações regionais, transnacionais para que se desenvolvessem manuais metodológicos sobre o conceito e os princípios básicos relativos à medição das actividades de Ciência e Tecnologia.

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* António Jorge Monteiro Professor convidado, Orientador e Investigador na área de Gestão de Projectos Culturais. Coordenador de múltiplos Projectos e Programas de Pós-graduação e Mestrado em Gestão Cultural, em diversas Escolas Superiores e Universidades, nacionais e internacionais. Escreve em Português-padrão consuetudinário. _________________________________________________________________________________

Referências bibliográficas [a]

(1)

documento disponível em Gestão Cultural Profissional / gestaoculturalpt.blogspot.com / Documentação

Bourdieu, Pierre - “A economia das trocas simbólicas”, Perspectiva, São Paulo, 2005.

(2) [a]

Judt, Tony - “European Identity and National Identities”, in Barreto, António (coordenação), Europa e Cultura/Seminário Internacional, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1998. (3) [a]

KEA European Affairs - “The Economy of Culture in Europe, European Commission”, Directorate-General for Education and Culture, Brussels, October 2006. (4) [a]

Mateus, Augusto (coordenação) - “O Sector Cultural e Criativo em Portugal”, GPEARI - Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais do Ministério da Cultura, Lisboa, Janeiro 2010. (5) [a]

Adorno, Theodor W.; Horkheimer, Max - “Dialéctica del Iluminismo”, www.philosophia.cl / Escuela de Filosofía Universidad ARCIS, Amesterdão, 1947. (6) [a]

Monteiro, Antonio Jorge - “Campo Cultural e Gestão Cultural Profissional / Cultura: algumas definições e conceitos”, edição PDF, Porto, Abril 2015. (7)

Porter, Michael; Montgomery, Cynthia, - “Estratégia: A busca da vantagem competitiva”, Campus, Rio de Janeiro, 1998. (8)

Gleick, James - “Caos: A construção de uma nova ciência”, Gradiva, Lisboa, 1989.

(9) [a]

OECD Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico - “Manual de Frascati: Proposta de Práticas Exemplares para Inquéritos sobre Investigação e Desenvolvimento Experimental”, F-Iniciativas, Coimbra, 2007.

_________________________________________________________________________________ Gestão Cultural Profissional / gestaoculturalpt.blogspot.com | Abril 2015 | v1.1

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