Cannabis: descriminalização para a prevenção

June 4, 2017 | Autor: Guilherme Messas | Categoria: Saúde Publica, Cannabis, Prevenção, Descriminalização
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CANNABIS: DESCRIMINALIZAÇÃO PARA A PREVENÇÃO

Guilherme Messas
Médico psiquiatra, Doutor em Medicina pela FMUSP, Professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo

O atual exame, por parte do Supremo Tribunal Federal, da constitucionalidade do artigo 28 da lei de drogas dá novo alento a um acalorado debate na sociedade brasileira. Discute-se, na prática, se o uso recreativo de drogas psicoativas deve ser descriminalizado. Diferentemente de outras drogas, para as quais há maior tendência ao consenso, as posições a respeito da cannabis vêm gerando muitas controvérsias. Controvérsias que levaram à polarização de opiniões em torno de perspectivas tão rígidas que cegam o olhar à complexidade do tema. O uso de drogas é um tema multifacetado, que convoca diversos setores da sociedade. Não se pode dizer que seja um assunto exclusivo da justiça ou da saúde. Lembrando que descriminalizar significa apenas e tão somente não imputar criminalmente um usuário de cannabis, gostaria de oferecer uma contribuição ao tema que amplie a discussão para além da mera descriminalização. Essa contribuição parte da seguinte questão: qual a finalidade de descriminalizar a cannabis?
A descriminalização pode ser vista como salutar para a sociedade se fizer parte de um projeto coletivo maior, que tenha como alvo a proteção integral dos cidadãos brasileiros. A melhor política para a atenção aos direitos individuais e à saúde pública é o apoio à descriminalização, visando ao fortalecimento de estratégias de prevenção. Desvincular o uso de cannabis da esfera penal é fundamental, mas não pode significar expor os usuários a riscos muitas vezes por eles mesmos desconhecidos. Descriminalizar é um passo que deve andar de braços dados com uma ampla agenda de esclarecimento público sobre os necessários limites do uso da cannabis, sobretudo para a faixa jovem da população. Esclarecimento que auxiliará cada indivíduo ou cada família a exercer sua liberdade de escolha da melhor maneira. A descriminalização pura e simples é demasiadamente ambígua para que a opinião pública possa se posicionar de modo seguro. Descriminalização para a prevenção é a única alternativa ponderada para o momento atual da história brasileira. A única que respeita os lados da infinita controvérsia, recolhendo o que há de melhor em cada um deles e preparando a sociedade para poder decidir, algum dia, se a política da cannabis pode ou não seguir o caminho exitoso daquela do cigarro.
A polarização do debate se dá, grosso modo, em torno de duas linhas de argumentação. Em uma delas, considera-se que o uso da cannabis é tema privado, para além do poder de influência do Estado, e que a criminalização em si acarreta danos aos usuários. Os defensores da perspectiva oposta mostram preocupação com os riscos envolvidos na facilitação do uso de maconha. Riscos que vão desde o aumento do número de acidentes automobilísticos até a elevação da prevalência de doenças mentais graves e irreversíveis, como a esquizofrenia. Defendo que ambas as posições possuem verdades inquestionáveis e não são contraditórias entre si. Proteger o direito individual de livremente optar por alterar seu estado de consciência é tão valoroso quanto defender o interesse coletivo de reduzir os danos de qualquer conduta individual.
Essa polarização irredutível, embora aparentemente revele diferentes concepções de mundo, nasce de uma mesma interpretação do significado da descriminalização. O antagonismo brota do entendimento exclusivo dela como o início de uma trajetória de medidas legais que culminaria na legalização da maconha, regulamentada ou não pelo Estado. Este não é o único caminho. É urgente que a sociedade brasileira discuta com mais clareza aonde quer chegar com o marco da descriminalização. Este é o ponto fundamental da discussão, ainda não suficientemente explorado. É evidente que essa agenda, limitada nessa exposição à cannabis, extrapola as funções do STF. Entretanto, tê-la em mente é imprescindível nesse momento em que o Supremo irá decidir sobre a matéria e tem a faculdade de firmar entendimento sobre a definição de usuário e traficante.





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