Caos Social: O escândalo dos Bacanais em 186 a.C.

June 12, 2017 | Autor: J. Malheiro Magal... | Categoria: Ancient History, Classics, Dionysus, Bacchanalia
Share Embed


Descrição do Produto

Caos Social: O escândalo dos Bacanais em 186 a.C. 1 José Malheiro Magalhães

É possível que os mistérios dionisíacos tenham sido introduzidos em Roma por diferentes vias. Uma hipótese defende que os prisioneiros provenientes de Tarento, aquando a conquista da cidade aos Cartagineses em 209 a.C., tenham desempenhado um papel importante na disseminação do culto. Nilsson, por exemplo, defende esta noção, acreditando beneficiar da conotação de Dioniso com a morte e o mundo inferior na Magna Grécia, desde o século VI a.C. Contudo, existem evidências que comprovam que os rituais báquicos já se encontravam firmados em cidades etruscas, como Bolsena 2. Assim sendo, a entrada dos cultos mistéricos de Dioniso em Roma pode provir tanto do norte como do sul da Península. Apesar de não termos um largo número de evidências dos mistérios báquicos em território italiano, é possível observar certas referências literárias. Por exemplo, as comédias de Plauto, activo desde pelo menos 205 a.C., fazem várias alusões ao culto. Em Miles Gloriosus, o comediógrafo faz uma referência à utilização de uma senha verbal no seio do culto 3. Em Casina, obra posterior ao processo das Bacanais, Plauto faz alusão à proibição de 186 a.C., ironicamente afirmando nunc Bacchae nullae ludunt, “agora as ménades já não brincam” 4. Contudo, o momento mais significativo do dionisismo em Roma é o famoso processo do qual resultou o Senatus Consultum de Bacchanalibus, de 7 de Outubro de 186 a.C. Mas o que aconteceu realmente? 5 Tito Lívio conta que um homem grego, cujo nome não merece ser mencionado (Graecus ignobilis), teria chegado à Etrúria com o intuito de espalhar os seus rituais secretos, que eram realizados à noite. Apesar de inicialmente serem poucos aqueles que teriam aderido a este culto, a fama de consumo desenfreado de vinho e de liberdades sexuais terá impulsionado o número de participantes, tanto homens como mulheres. Destacando que no seio do culto deixava de existir espaço para a decência (pudoris), Tito Lívio refere que cada participante fazia o que lhe apetecesse após o consumo de vinho, destacando como principais “vícios” a 1

O presente artigo é parte integrante da nossa tese de mestrado intitulada Sangue em Vinho: O que tem Jesus Cristo que ver com Dioniso? 2 Walsh 1996: 191. 3 Seaford 2006: 59; Pl. Mil. 1016. 4 Pl. Cas. 918 5 Toda a informação seguinte é retirada de Liv. 39.8-19.

1

violação (stupra), o forjamento de textos, símbolos, testamentos e provas (falsi testes, falsa signa testamentaque et indicia), assim como envenenamentos e assassínios, realizados de modo secreto, ao ponto de muitas vezes nem o corpo ser encontrado 6 (venena indidem intestinaeque caedes, ita ut ne corpora quidem interdum ad sepulturam exstarent). Apesar de inicialmente ter sido tolerado, a fama deste culto chegou até ao cônsul desse ano, Póstumo Albino. Segundo Tito Lívio, o cônsul teve conhecimento da história de Públio Ebúcio, um membro da classe equestre. A mãe dele, Durónia, numa altura em que o filho se encontrava gravemente doente, prometeu que o iniciaria a Baco caso Públio sobrevivesse. Tito Lívio refere mesmo as fases de preparação da iniciação: durante dez dias era necessário manter a castidade, no décimo participava-se num banquete, sendo-se depois purificado e encaminhado para o santuário. Contudo, antes de proceder à iniciação, Públio Ebúcio confidenciou as suas intenções à sua amante, Híspala, que rapidamente argumentou contra esta iniciativa, afirmando que seria melhor morrer do que participar nos cultos de Baco. Híspala revelou que, enquanto escrava, tinha acompanhado a sua domina ao santuário, e que sabia que era um lugar onde todo o género de indecências ocorriam. A partir do momento em que um candidato era aceite, era maltratado pelos sacerdotes, violentamente atacado, violado sendo os gritos abafados pelo som dos címbalos e dos tambores. Convencido pelos apelos da amante, Ebúcio enfrentou a mãe, declarando que não iria passar pelo processo de iniciação, acabando por ser expulso de casa. No dia seguinte, Ebúcio revelou o que se sucedera a Póstumo Albino. O cônsul chamou depois Híspala para melhor se inteirar da situação, sendo que a mulher lhe revelou que inicialmente os rituais eram apenas para mulheres, sendo destinados três dias por ano para as iniciações. Uma sacerdotisa chamada Pacula Ânia terá posteriormente alterado o funcionamento do culto, aceitando a iniciação de homens. Os rituais passaram a ser conduzidos à noite e em vez de três dias anuais destinados às iniciações passaram a existir cinco dias mensais. Segundo Híspala, a partir do momento em que o culto se tornou misto, todo o género de devassidão e crime passou a ser costume. Póstumo levou estes testemunhos ao senado, que consideraram que o ajuntamento de pessoas em nome do culto nada mais era do que um pretexto para se realizarem

6

Seaford 2006: 59. Seaford entende que Tito Lívio aqui refere-se também a mortes que ocorriam durante a iniciação, sendo que os corpos nunca eram encontrados.

2

conspirações. Foi então decretada a procura dos sacerdotes e sacerdotisas do culto, tanto em Roma como em toda a Itália, de modo a poderem estar à disposição dos cônsules que conduziam a investigação. Ninguém, que tivesse sido iniciado no culto de Baco, poderia reunir-se com o propósito de celebrar os rituais. O relato de Tito Lívio dos momentos pós decreto do senatus consultum é marcado pelo pânico que se instalara na cidade, e que rapidamente se alastrara para o resto de Itália. Muitos, na noite seguinte ao anúncio do decreto, foram capturados quando tentavam fugir. Outros, cujos nomes foram relacionados com o culto de Baco, suicidaram-se, sendo que se estimava que a “conspiração” abrangesse mais de sete mil homens e mulheres. Foram capturados os quatro homens considerados os sacerdotes supremos do culto, tendo, segundo Tito Lívio, confessado o seu envolvimento perante os cônsules. Quem conseguisse provar que somente participou na iniciação com orações, não empreendendo em nenhuma das actividades moralmente condenáveis, seria apenas preso. Contudo, o historiador afirma que foram mais os mortos do que os prisioneiros (plures necati quam in vincula coniecti sunt). Depois desta purga inicial, os cônsules foram encarregados de destruir todas as formas de culto báquico em Itália, excepto nos locais onde um altar ou imagem antiga tivesse sido consagrada. O controlo do culto passava então para as mãos do Estado. Caso alguém considerasse que existia razão para o culto continuar a existir, essa pessoa teria que o declarar publicamente perante o pretor da cidade, que posteriormente consultaria o senado, que só poderia efectuar uma decisão caso estivesse reunido o quorum mínimo de cem senadores. Em caso de aceitação, a realização do culto não poderia compreender mais do que cinco pessoas. Uma versão do decreto, descoberta em Tirolo no sul da Itália no século XVII, confirma que a descrição de Tito Lívio, pelo menos a parte em que relata as punições estipuladas no Senatus consultum de Bacchanalibus, tem veracidade histórica. Contudo, o relato do historiador é hoje considerado bastante exagerado por vários autores 7. P. G. Walsh, que no seu artigo procura demonstrar a intenção de Tito Lívio em dramatizar os acontecimentos de 186 a.C., considera mesmo que a descrição do processo é comparável ao nível de dramatismo e entretenimento proporcionado por uma novela 8. Matthias Ridle, numa linha semelhante a Walsh, faz um interessante reparo ao afirmar que Tito Lívio

7 8

Walsh 1996: 188-203; Meisner 2008; Meisner 2010; Riedl 2012: 113-134. Walsh 1996: 202.

3

envolveu factos históricos num género de romance com todos os ingredientes que, até aos dias de hoje, proporcionam uma boa história: sexo, crime e um culto religioso obscuro 9. Apesar de o historiador referir certos aspectos que efectivamente aconteceriam nos rituais báquicos, como o consumo desenfreado de vinho, ele apresenta incoerências no discurso, tais como afirmar que havia iniciandos que morriam, mas, simultaneamente, o historiador descreve que o culto crescia diariamente em termos de popularidade 10. Segundo o relato de Tito Lívio, o senado só tem conhecimento destas actividades após o discurso de Póstumo e o testemunho de Híspala. Como P. G. Walsh correctamente ressalva, um culto considerado demoníaco florescia há vários anos em Roma, onde tambores eram tocados, mulheres enlouquecidas de tochas na mão percorriam o Tibre e pessoas desapareciam misteriosamente, tratando-se também de um culto que compreendia uma multidão diariamente crescente. Teria tal passado despercebido aos olhos do senado 11? Se existe consenso quanto a Tito Lívio ter propositadamente dramatizado o episódio das bacanais, tal já não se verifica plenamente nas teorias relativas à razão dessa dramatização. John Nort afirma que todo este passo demonstra que o senado decidiu agir, não contra algo que desconhecia mas contra algo que conhecia bem demais 12. A visão de Erich Gruen é mais radical, pois basicamente rejeita todo o relato de Tito Lívio, afirmando que tudo se tratou de um plano engendrado pelo senado de modo a poder exercer um domínio mais apertado na Itália, neste caso regularizando as práticas cultuais. Walsh apresenta-se bastante céptico para com a maioria do relato do historiador, focando-se na importância que os Romanos davam à moralidade pública, que seria obviamente abalada com os relatos de abuso sexual de jovens do sexo masculino. O autor defende que a possibilidade de um grupo alargado de pessoas se reunir várias vezes (Tito Lívio refere cinco vezes por mês), para praticar um culto não regulamentado pelo Estado, terá possibilitado que a situação fosse classificada como coniuratio, conspiração, com o objectivo de subverter os valores morais. Outra questão que devemos ponderar é porquê que o relato de Tito Lívio tem a credibilidade de uma narrativa histórica, se aparenta ter sido fabricado, ou pelo menos exagerado? Nesta questão, Walsh segue a teoria de Wiseman, segundo a qual a primeira

9

Riedl 2012: 115. Seaford 2006: 59. 11 Walsh 1996: 199. 12 North apud Walsh 1996: 199. 10

4

geração de historiadores romanos terá enriquecido as suas poucas fontes com material proveniente das artes de palco 13. As obras de Plauto seriam representadas no tempo do historiador latino e, como já tivemos oportunidade de observar, existem várias achegas aos acontecimentos de 186 a.C. Seaford segue esta linha, estabelecendo uma comparação entre o papel que o Estado romano desempenha na narrativa de Tito Lívio e o de Penteu nas Bacantes 14. O autor afirma que o culto, nesta época, gozaria de uma organização relativamente sofisticada, incluindo recursos económicos e um nível de secretismo que lhe permitia manter-se afastado da autoridade estatal. O facto de o culto ser, por tendência, quebrador de barreiras e limites sociais, como o facto de unir pessoas de estratos sociais bastante distintos, desafiaria sempre a organização romana. O surgimento de líderes populistas pode também ter possibilitado circunstâncias mais favoráveis ao culto do deus. Mário, por exemplo, mudou o esquema de recrutamento do exército, alargando-o aos estratos sociais mais baixos que não tinham forma de financiar o equipamento, os capite censi. Valério Máximo refere que Mário bebia vinho de uma taça especial, um kantharos, seguindo o exemplo de Líber 15. César, uma geração mais tarde, foi alvo de rumores que apontavam que ele queria transferir a capital do império romano para Alexandria, um dos principais centros de acção do culto dionisíaco, sendo famoso o seu envolvimento com a rainha egípcia Cleópatra 16. Mauro Sérvio Honorato, no final do século IV d.C., refere que César foi quem trouxe os mistérios de Dioniso para Roma ([Caesar]…quem constat primum sacra Liberi patris transtulisse Romam) 17. É ainda curioso o relato de que César firmou uma amizade com Mitridates em 48 a.C., um sacerdote de Dioniso Kathegemon do reino de Pérgamo 18. Obviamente que isto não pode corresponder à verdade, mas não deixa de comprovar a existência da noção do interesse de Júlio César nos mistérios de Dioniso. Devemos ter em conta que Tito Lívio escreveu mais de cento e cinquenta anos depois do escândalo de 186, provavelmente por volta do ano 20 a.C. As suas fontes para o estudo desta questão podem ter sido bastante escassas, sendo a cronologia para este evento inserida numa série de acontecimentos históricos, compreendidos entre os anos 187-183 a.C., que eram considerados marcantes para o início do declínio da moral 13

Walsh 1996: 200. Seaford 2006: 60. O mesmo é observável ao longo de artigo de Riedl. 15 Val. Max. 3.6.6. 16 Sueton. Div. Jul. 79. 17 Serv. Ecl. 5.29. 18 Burkert 1993: 275. Ver nota 67. 14

5

romana: o regresso de Cneu Mânlio Volso, descrita por Lúcio Pisão como o ponto inicial do declínio moral da sociedade romana, o julgamento dos Cipiões, o processo dos Bacchanalia e a censura de Catão 19. Independentemente da visão exagerada de Lívio, é certo que o processo de 186 a.C. marcou uma crise na evolução dos mistérios báquicos, especialmente numa época em que o centro geopolítico do mundo estava a alterar-se. A arqueologia revela que, exactamente nesta época, vários templos dedicados a Dioniso foram violentamente destruídos 20, numa purga que durou cerca de cinco anos. A descrição de Tito Lívio desempenhou um papel deveras marcante na visão que, dai para a frente, Roma teve sobre cultos alheios à matriz comum da religião estatal. Isso é discernível pouco mais de um século depois da descrição do historiador latino. Sensivelmente 260 anos depois do escândalo dos bacanais, no dia 19 de Julho do ano 64 d.C., um grande incêndio deflagrou em Roma, consumindo grande parte da cidade. Nero, imperador nessa época, responsabilizou um grupo religioso que, segundo Tácito, era odiado pelas suas abominações: os cristãos 21. As acções que se seguiram foram bastante semelhantes ao que tinha acontecido no processo dos bacanais: um enorme número de pessoas foi aprisionado, e os que confessaram serem cristãos foram condenados à morte, provavelmente no anfiteatro de Nero, no espaço que é hoje o Vaticano 22. Suetónio, contemporâneo de Tácito, não estabelece a relação entre o incêndio de Roma e os cristãos (pelo contrário, o historiador culpabilizava o imperador desta catástrofe 23), contudo refere que, no período de Nero, o imperador teve que punir os “cristãos, classe de homens dados a novas e perigosas superstições” 24. Até ao final do século, podemos presumir que a fama que foi imposta aos cristãos terá sido geradora de problemas para eles, contudo, não temos noção de intervenção estatal nesta matéria até ao final do período de Domiciano. Tertuliano considerou o filho de Vespasiano como o grande perseguidor de cristãos depois de Nero, contudo não temos outras fontes que comprovem o relato do apologista 25. Temos conhecimento, no período de Domiciano, de um processo levantado contra Flávio Clemente e Flávia Domitila, primo e sobrinha do imperador, bastante semelhante aos acontecimentos em torno de Pompónio Grecina,

19

Seaford 2006: 61. Riedl 2012: 117. 21 Tac. Ann., 15.44.3 22 Frend 2006: 503-4. 23 Suet. Nero 38.2. 24 Suet. Nero 16.2. 25 Tert. Apol. 5.4-5. 20

6

durante o principado de Nero 26. Ambos terão sido acusados de terem adoptado o cristianismo, ainda que certos autores pensem que ambos se tinham tornado prosélitos, sendo que Flávio foi executado e Domitília foi banida para a ilha de Pandatária 27. Contudo, isto não significa que o imperador tivesse qualquer intenção de extinguir o judaísmo enquanto religião. Antes pelo contrário, no seu período foi instituído um imposto sobre os judeus, o fiscus Iudaicus, que seria, sem dúvida, útil para os cofres do império 28. Efectivamente, os cristãos são referidos novamente, nas fontes não cristãs, na correspondência entre Plínio e Trajano. O primeiro, ao desempenhar o papel de governador da Bitínia, teve a necessidade de lidar com cristãos. Sendo a morte a punição para quem se declarasse cristão, Plínio não teve dúvidas da sentença que devia aplicar após ter questionado indivíduos, por três vezes, se eram crentes desse novo culto, tendo aqueles respondido que sim. Na sua carta a Trajano, o governador informa o imperador que recebeu um documento (libellus) no qual eram denunciadas várias pessoas que teriam adoptado a fé de cristo. Procurando discernir a verdade da falácia, Plínio obrigava os acusados, que negavam serem seguidores de Jesus, a recitar uma oração aos deuses, fazer uma libação com vinho e maldizerem Cristo (maledicerent christo). Algumas das pessoas interrogadas por Plínio afirmaram que tinham deixado de ser cristãs havia vários anos, e explicaram-lhe partes da liturgia e da eucaristia, afastando o espectro de acusações de canibalismo e libertinagem sexual 29. Depois de recolher informação de duas serventes (ministrae), concluiu que o cristianismo não era nada mais do que uma superstição extravagante, sendo que devia existir espaço para arrependimento, não decorrendo directamente à execução. Tanto Fiesen como Ridle sugerem que esta carta de Plínio terá sido moldada pela descrição que Tito Lívio faz do processo de 186 a.C. 30. É sabido que o governador da Bitínia era admirador da obra do historiador latino e a sua descrição das acções dos cristãos segue uma linha muito semelhante à de Lívio: reuniam-se à noite, cantavam hinos e firmavam juramentos, partilhando uma refeição comum. Além disso, ambos os cultos contrariavam a prática social e religiosa tradicional, pelo facto de os participantes pertencerem a uma mescla de estatutos sociais, idade, sexo e localidades de proveniência. 26

Rodrigues 2007: 166. Suet. Dom. 15.1. 28 Rodrigues 2007: 868 29 Plin. Ep. 96. 30 Riedl 2006: 114; Friesen 2013: 211. 27

7

Além das semelhanças verbais, Friesen destaca ainda o método de investigação utilizado por Plínio: o governador procurou o conselho do imperador do mesmo modo que Póstumo se aconselhou no senado; a sua questão sobre se os cristãos deviam ser punidos simplesmente pelo nome que ostentavam (nomen ipsum) ou se apenas os que tivessem cometido alguma ofensa deveriam ser castigados (flagitia), é semelhante à descrição que Tito Lívio faz daqueles que tinham sido apenas iniciados (initiati erant) e daqueles que, efectivamente, tinham cometido crimes 31. Plínio argumenta ainda que certos cristãos, que aparentavam estar loucos, deviam ser enviados para Roma, devido ao facto de serem cidadãos romanos (fuerunt alii similis amentiae), uma descrição que imediatamente nos faz recordar de um ambiente báquico. Plínio é a prova de que pelo menos um observador nos primórdios do cristianismo relacionava o comportamento religioso cristão com os mistérios de Dioniso. A obra de Minúcio Félix, no século III d.C., mostra o mesmo. Assim sendo, podemos assumir que o caso das bacanais de 186 a.C., conforme a sua descrição por Tito Lívio, serviu como modelo para as acusações populares contra os cristãos, e simultaneamente como precedente para as medidas legais tomadas contra os seguidores do culto de Jesus 32. Pela segunda vez na sua história, o governo romano interferiu de modo concreto e violento numa questão religiosa, procurando controlar os cultos que se opunham aos valores fundamentais da sociedade romana, numa visão de caos versus ordem. Os acontecimentos em torno destas comunidades, afastadas por cerca de dois séculos, são mais uma evidência da indistinção entre religião e Estado, característica tão própria das sociedades do Mundo Antigo.

31 32

Friesen 2013: 211. Riedl op. cit. p. 114.

8

Bibliografia: Fontes:

MINÚCIO FÉLIX, Octavius, Alexander Roberts, James Donaldson, A. Cleveland Cox (eds.), Ante-Nicene Fathers, Vol. 4, New York, Christian Literature Publishing Co., 1885. Disponível online em: http://www.newadvent.org/fathers/0410.htm Consultado em: 17/09/2015. PLAUTO, Casina, Paul Nixon (trad.), vol. 2, The Loeb Classical Library, London, Harvard University Press, 1971, pp. 1-109. PLAUTO, O Soldado Fanfarrão, Calos Alberto Louro Fonseca (trad.), Coimbra, Imprensa de Coimbra, 1980. PLÍNIO, Letters and Panegyricus, Betty Radice (trad.), vol. 2, The Loeb Classical Library, London, Harvard University Press, 1969, SUETÓNIO, Os Doze Césares, João Gaspar Simões (trad.), Lisboa, Assírio&Alvim, 2007. TÁCITO, The Annals, J. C. Yardley (trad.), Oxford, Oxford University Press, 2008. TERTULIANO, Apology, Alexander Roberts, James Donaldson, A. Cleveland Coxe (eds.), Ante-Nicene Fathers, Vol. 3, New York, Christian Literature Publishing Co., 1885. Disponível online em: http://www.newadvent.org/fathers/0301.htm Consultado em: 10/09/2015. TITO LÍVIO, Ab Urbe Condita, Evan T. Sage (trad.), vol. 11, The Loeb Classical Library, London, Harvard University Press, 1965. VALÉRIO MÁXIMO, Memorable Doings and Sayings, D. R. Shackleton Bailey (trad.), vol. 1, The Loeb Classical Library, London, Harvard University Press, 2000.

9

Estudos: BURKERT, Walter, “Bacchic Teletai in the Hellenistic Age”, Thomas H. Carpenter and Christopher A. Faraone (eds.), Masks of Dionysus, New York, Cornell University Press, 1993, pp.259-275. FREND, W. H. G., “Persecutions: genesis and legacy”, Margaret M. Mitchell, Frances M. Young (eds.) The Cambridge History of Christianity, Vol. 1, Cambridge, Cambridge University Press, 2006, pp. 503-4. FRIESEN, Courtney Jade, Reading Dionysus: Euripides’ Bacchae among Jews and Christians in the Greco-Roman World. Dissertation submitted to the faculty of University of Minnesota in partial fulfillment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy, August 2013. Disponível online em: http://conservancy.umn.edu/bitstream/handle/11299/158159/Friesen_umn_0130E_1415 3.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Consultado em 20/08/2014. HERRERO

DE

JÁUREGUI,

Miguel,

Orphism

and

Christianity

in

Late

Antiquity,Jennifer Ottman, Daniel Rodríguez (trad.), Berlin, Walter de Gruyter, 2010. MEISNER, Dwayne, Livy and the Bacchanalia, BA essay in History, 2008. Disponivel online em: https://www.academia.edu/3676241/Livy_and_the_Bacchanalia Consultado em 18/06/2015. MEISNER, Dwayne, Bacchic Madness and Roman Justice, Thesis submitted to the Submitted to the Faculty of Graduate Studies and Research in partial fulfilment of requirements for the Degree of Master of Arts in History, Regina University, 2010. Disponivel

online

em:

https://www.academia.edu/10036192/Bacchic_Madness_and_Roman_Justice Consultado em 18/09/2015. NILSSON, Martin P., “The Bacchic Mysteries of the Roman Age”, Harvard Theological Review, 46/4, 1953, pp. 175-202. RIEDL, Matthias, ”The Containment of Dionysus: Religion and Politics in the Bacchanalia Affair of 186 BCE”, International Political Anthropology, 5/2, 2012, pp. 113-134.

10

RODRIGUES, Nuno Simões, Iudaei in Vrbe. Os Judeus em Roma de Pompeio aos Flávios, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, FCT, 2007. SEAFORD, Richard, Dionysus, New York, Routledge, 2006. WALSH, P. G., “Making a Drama out of a Crisis: Livy on the Bacchanalia”, Greece & Rome, 43/2, 1996, pp. 188-203.

11

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.