Capitalismo e precarização do trabalho

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Capitalismo e precarização do trabalho João Areosa Universidade Nova de Lisboa, CICS.NOVA, Lisboa, Portugal ISLA-Leiria, Leiria, Portugal

Introdução O trabalho permanece um aspeto central na vida dos atores sociais contemporâneos, entre outros fatores, porque a esmagadora maioria da população mundial faz depender a sua subsistência desse mesmo trabalho. O nosso modelo atual de organização social – capitalismo – está na origem de múltiplas condicionantes que degradam as relações de trabalho e a qualidade de vida das populações, visto que a sua natureza implica mais horas de trabalho, está na génese de um exército de desempregados, promove diferentes formas de precarização com salários desmesuradamente baixos, elabora a organização do trabalho de um modo que corrói os laços de solidariedade entre trabalhadores e gera condições de trabalho, por vezes, degradantes e potenciadoras de acidentes ou doenças. É perante este cenário pouco animador que uma parte significativa da população mundial tem de trabalhar, mantendo-se a secular exploração do homem pelo homem. Um esboço sobre a noção de trabalho Início este texto com algumas considerações sucintas acerca da noção de trabalho. Assim, por trabalho, entende-se todo o conjunto de ações humanas, que apresentem como finalidade última a produção de um 239

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bem ou serviço. A teleologia do trabalho é sempre definida com objetivos pré-determinados, tentando alcançar metas preestabelecidas. O trabalho pode ser considerado, metaforicamente, como um organismo vivo, onde cada indivíduo é um órgão que assume uma função específica. O trabalho caracteriza-se por poder ser dividido socialmente. Por este motivo é natural que a noção de trabalho esteja intimamente relacionada com a estrutura e com a dinâmica das diversas sociedades modernas; ao trabalho são atribuídas interpretações, valorizações e representações muito distintas, quer de sociedade para sociedade, quer mesmo entre os grupos ou classes sociais dentro da mesma sociedade. “Pela variedade de formas que assume, pela diversidade de entendimentos que suscita, pela maneira como se apresenta aos agentes consoante a localização destes na estrutura social, pelas evoluções que tem sofrido no tempo, o trabalho bem pode aparecer-nos como algo de abstracto, fugidio e ilusório que, não obstante, é impossível deixar de contemplar, tal a sua permanência e tal a magnitude da sua presença e da sua função na vida dos indivíduos e no funcionamento das sociedades. Imaginar um mundo sem trabalho soa a algo de absurdo e, no fundo, mais difícil de conceber racionalmente do que enfrentar os perigos – reais – de o tentar cingir num ensaio de definição” (Freire, 1997: 12). Em determinados momentos históricos o trabalho foi entendido como uma forma de punição e sofrimento (convertido numa espécie de “instrumento de tortura”, tal como refere Antunes, 2005); talvez para contrariar a sua penosidade algumas religiões transformaram-no numa forma de salvação da alma. Esta “nova” conceção do universo laboral metamorfoseou o seu carácter negativo para positivo – designarei este processo como sublimação do trabalho. Nas últimas décadas verificaram-se significativas alterações à forma como o trabalho é compreendido, organizado e executado, nomeadamente após a década de 1980 (quando se começaram a introduzir novas formas de exploração, a partir de novas técnicas de organização do trabalho, algumas delas mais perversas do que as anteriores). A atividade em call centers é um bom exemplo de como as “novas” formas de organização do trabalho podem ser profundamente castradoras para a saúde e a dignidade dos sujeitos (Roque, 2014). Em empregos deste tipo, cujos trabalhadores já foram designados como infoproletários (Antunes e Braga, 2009), parece que esses mesmos trabalhadores têm de vestir uma espécie de carapaça de ferro antes de iniciar o seu labor (devido ao desgaste que estas funções implicam); nestes casos, 240

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toda a gratificação e reconhecimento das suas funções aparentam estar irremediavelmente postergadas. De modo simplificado pode afirmar-se que o trabalho tem duas funções sociais primordiais: a produção de bens ou serviços e a reprodução social. Podemos compreender o trabalho como o contributo que cada ator social oferece à sociedade, recebendo em troca os frutos desse mesmo esforço. Contudo, a referida troca está, em muitos casos, longe de ser justa e proporcional. A título de exemplo, um empresário que fica “repentinamente” milionário só atinge esse patamar através da usurpação do trabalho alheio, ou seja, não é algo que dependa apenas do seu esforço e empenho individual (um exemplo de imoralidade ainda maior é o enriquecimento através de investimentos em ações na bolsa). Na realidade, é a gigantesca maioria de homens e mulheres que vende a sua força de trabalho quem produz a riqueza mundial, mas não é ela que usufrui dessa mesma riqueza. Os lucros gerados coletivamente por um determinado conjunto de trabalhadores deveriam ser distribuídos de forma equitativa, ou como já foi referido: “Não deve ser um punhado de ricos, mas todos os trabalhadores, a gozar os frutos do trabalho comum. As máquinas e outros aperfeiçoamentos devem facilitar o trabalho de todos e não enriquecer uns poucos à custa de milhões e dezenas de milhões de pessoas” (Lénine, 1984: 10). O conceito de trabalho1 é polissémico e multifacetado, apesar de poder conter algumas regularidades relativamente à sua organização social. Revela, no entanto, um papel fundamental na construção de identidades (individuais e sociais), é passível de conter resistências e conflitos, depende de afetividades e emoções, está repleto de diferentes formas de poder e dominação e é ainda suscetível de gerar quer coesão e emancipação, quer descompensações, mal-estar, doenças ou acidentes. É, portanto, suficientemente ambivalente, podendo ser compreendido de forma polarizada: entre o prazer que suscita e o sofrimento que produz (Dejours, 2013; Areosa, 2014). Dada a sua influência sobre a moral   Ilustrativamente, vale a pena referir que Dejours (1998) tentou distinguir o conceito de trabalho do ato de trabalhar. Segundo o autor, o conceito de trabalho está cheio de controvérsias sendo mesmo, nos dias de hoje, insuscetível de se tornar consensual (tendo em conta as diversificadas correntes que o abordam). Paralelamente, trabalhar está relacionado com a forma de mobilizar o corpo e com a utilização da inteligência do trabalhador, no sentido de produzir algo que incorpore valor. Nos seus estudos mais recentes, Dejours (2013) acabou por atenuar a importância desta distinção. 1

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coletiva (entendida como as diferentes formas de convivência social), o trabalho é algo que merece uma permanente reflexão ética. É importante lembrar que o trabalho é algo que não parou de sofrer múltiplas evoluções ao longo dos tempos (ou retrocessos, em determinados casos) e por isso mesmo carece de uma “constante” reavaliação.2 As ciências do trabalho têm concentrado a sua atenção na análise e descodificação destas constantes dinâmicas do universo laboral (incluindo a sua influência social e individual). Contudo, apesar dos inúmeros conhecimentos que foram sendo alcançados, é importante referir que este objeto de estudo é ainda uma “caixa negra” longe de estar totalmente decifrada. Na verdade, do ponto de vista epistemológico é um debate que ainda se encontra em aberto. Para Dejours (2005) o trabalho carece de técnicas para a sua execução e traduz-se numa atividade socialmente útil; esse mesmo trabalho assume, na atualidade, uma enorme variedade de formas, suscita uma grande diversidade de entendimentos e é concebido de maneiras diferentes pelos múltiplos atores/agentes sociais, consoante, por exemplo, a sua localização na estrutura social (Freire, 2002). Tentar idealizar um mundo sem trabalho (tal como foi preconizado por alguns autores, os quais profetizavam “o fim do trabalho”), parece cada vez mais um cenário irrealista ou dificilmente sustentável.3 Tal como já foi sublinhado por Freire (1997), devido à magnitude da sua presença e da sua função na vida dos indivíduos, bem como no funcionamento das sociedades, ima-

  Vejamos ainda mais uma contribuição para a noção de trabalho: “Não há, pois, trabalho sem recurso à técnica, seja elementar e individualmente detida, seja supercomplexa e já só possível em conjuntos altamente organizados. (…). Por outro lado, quais são os atributos que, como resultado, transformaram a actividade humana em trabalho? É trabalho o esforço continuado de um atleta amador para melhorar os seus «máximos» desportivos? Não! Ou a organização de um acampamento de fim-de-semana por um grupo de jovens escuteiros? Não! Para haver trabalho (em termos sociais) é preciso que os outputs dessa actividade tenham, simultaneamente, utilidade geral (isto é, que satisfaçam uma necessidade sentida por um conjunto considerável de pessoas) e, por outro lado, valor económico. Ora, independentemente do juízo (moral, estético, político, etc.) que possamos fazer acerca do mérito intrínseco de certos bens (por exemplo, as armas de destruição, ou as práticas de prostituição) é indiscutível que toda a produção de mercadorias e de serviços que encontra um mercado de compradores prontos a pagar o respectivo preço é uma produção «socialmente útil» e com «valia económica» (definida pelo nível monetário em que se fixa a transacção)” (Freire et al., 2014: 9). 3   Para além disso, esta visão sobre o “fim do trabalho” é excessivamente eurocêntrica e não representa o mundo do trabalho ao nível global (Antunes, 2005). 2

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ginar um mundo sem trabalho é algo profundamente estranho.4 Sem querer entrar no campo das previsões (deixo a jurisdição dessa tarefa a cargo dos astrólogos e de alguns economistas), penso que o trabalho continuará a acompanhar a história da humanidade (pelo menos nos tempos mais próximos, exceto se ocorrer uma alteração tão extraordinariamente inesperada que possa ser designada como um Cisne Negro – no sentido proposto pelo filósofo Nassim Taleb, 2008). Profetizando que não ocorrerá esse tal evento inesperado, manter-se-á a pertinência de tentar aferir quais são os diversos efeitos que o trabalho produz para as sociedades e na vida das pessoas. Para além disso, é imprescindível não esquecer que a esmagadora maioria da população mundial faz depender a sua subsistência do trabalho, ou seja, são uma enorme classe-que-vive-do-trabalho (Antunes, 2008). Continua a fazer sentido afirmar que a vida em sociedade permanece, ainda hoje, profundamente dominada pelo trabalho, apesar dos avanços técnicos e tecnológicos das últimas décadas terem atingido níveis de desenvolvimento singulares em toda a história da humanidade. Seria suposto que os referidos avanços tivessem libertado o homem não somente dos trabalhos fisicamente mais fustigantes (o que acabou, em parte, por acontecer), mas particularmente do tempo que despende a trabalhar. Atualmente, poderíamos e deveríamos reduzir os horários de trabalho, porque temos um nível de desenvolvimento sociotécnico que nos permite manter um elevado padrão de vida sem ter de trabalhar tanto tempo.5 É pertinente não esquecer que a divisão social do trabalho é excessivamente assimétrica, bem como a distribuição dos recursos produzidos por esse trabalho coletivo. Na verdade, nunca produzimos

  Pretendo deixar claro que não é minha intenção efetuar uma apologia do trabalho em detrimento do lazer, até porque me parece que o equilíbrio entre ambos será, em princípio, mais vantajoso em diversos níveis. Sob o formato de analogia, evoco, neste contexto, as palavras de Aristóteles, onde o filósofo grego apontava que a felicidade do Homem (provavelmente a finalidade última da nossa existência e a maior de todas as virtudes) estaria no meio-termo, no ponto médio entre o excesso e o defeito, ou seja, entre dois extremos (neste caso, no equilíbrio entre o trabalho e o lazer). 5   Para além disso, há diversos estudos a demonstrar “que a equação «mais tempo de trabalho = mais produção» era uma falsa equação, em grande número de circunstâncias. Na verdade, a introdução de pausas de repouso durante a jornada de trabalho, o encurtamento desta e outras medidas do género tinham, em muitos casos, provado traduzir-se, pelo contrário, em um aumento da produção, validando a equação contrária: «menos tempo de trabalho = mais produção»” (Freire, 2002: 83). 4

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tanto, nem nunca tivemos tanta capacidade produtiva, mas isso não significa que estejamos a produzir cada vez melhor.6 No mundo ocidental a discrepância entre ricos e pobres parece estar “inexplicavelmente” a crescer, embora as desigualdades sociais sejam um problema secular na história da humanidade. O modelo de organização social capitalista, através das suas atuais políticas neoliberais, é o principal responsável por muitas das imorais assimetrias contemporâneas. Em determinados contextos, surpreendentemente, o capitalismo nem sempre tem sofrido grande resistência por parte dos trabalhadores (Varela, 2012), talvez por serem alvo de profunda manipulação. Incompreensivelmente, as técnicas e as tecnologias (que suportam largamente o aumento produtivo) não foram colocadas ao serviço do homem (leia-se, em favor do bem comum), mas antes em prol de pequenas fações ou grupos dominantes, tal como os autores da Escola de Frankfurt (Marcuse, Habermas, Adorno e outros) tão oportunamente já tinham identificado. Com a emergência da revolução tecnológica seria suposto trabalhar menos do que aquilo que trabalhamos, mas, como já foi referido,   O motivo pelo qual não estamos a produzir cada vez melhor está longe de ser aleatório ou inocente. Provavelmente se lhe dissesse que uma lâmpada (similar às que tem em sua casa) poderia durar mais de cem anos iria desconfiar e talvez esboçasse um sorriso irónico. Mas digo-lhe que pode! E não é mera ficção, pois existe uma lâmpada em Livermore (Califórnia, EUA) que tem atualmente cerca de 114 anos de existência e continua a funcionar (estima-se que em junho de 2015 tenha completado 1 milhão de horas a trabalhar). Esta situação intrigou um empresário de Barcelona – Benito Muros – e levantou-lhe a seguinte questão: se há mais de cem anos existiam técnicas e tecnologias suficientes para fazer uma lâmpada durar tanto tempo, porquê que hoje “já não somos capazes disso”? É neste contexto aparentemente intrigante que vale a pena refletir sobre a noção de “obsolescência programada”, a qual está intimamente relacionada com o capitalismo atual. Na verdade, a obsolescência programada é uma prática fraudulenta, efetuada por algumas empresas (particularmente as de maior dimensão), dado que fabricam intencionalmente produtos para durarem pouco tempo. Obviamente que o que está por trás desta política é vender mais e, por consequência, lucrar mais. O nosso modelo económico atual, baseado no consumo, tem de vender em grandes quantidades para sobreviver, logo, se os produtos durassem muito tempo as vendas cairiam de forma drástica. É por isso que atualmente se produz, de forma programada, quase tudo com um ciclo de vida relativamente limitado, quer seja uma simples lâmpada doméstica, quer sejam eletrodomésticos, roupas, computadores ou automóveis. Uma outra forma ainda mais perversa de obsolescência programada parece estar a ser utilizada pela indústria farmacêutica, quando limita os efeitos curativos dos medicamentos. Todavia, os diversos tipos de obsolescência programada utilizados à escala global tem diversos efeitos negativos (alguns incalculáveis), tanto ao nível do desperdício de recursos (os quais são suscetíveis de afetar gravemente o meio ambiente), como no âmbito dos direitos humanos, laborais e da qualidade de vida individual e coletiva (porque, por exemplo, este modelo de organização social obriga as pessoas a trabalhar mais e em piores condições quando, na verdade, não há necessidade disso). 6

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o capitalismo só funciona mediante a obtenção de lucro (e para isso é necessário que se produza em larga escala e se mantenham níveis elevados de consumo). Se é verdade que o capitalismo nos trouxe alguns benefícios,7 também é verdade que acarretou inúmeras perversidades sociais, onde podemos incluir, por exemplo, diversas assimetrias que estão na base da pobreza e da exclusão, além de promoverem uma competitividade empresarial exacerbada, o desemprego e a precariedade.8 Porém, olhar para o precariado9 implica incluir uma enorme diversidade de situações, as quais nem sempre são exclusivamente negativas (embora a esmagadora maioria o seja). Aquilo que une o precariado são os salários tendencialmente baixos e a insegurança no emprego; mas particularmente esta última caraterística inibe a construção de uma identidade sócio-profissional e a ideia original de carreira (enquanto percurso continuo ao longo da vida). Deste ponto de vista a precariedade é um processo de profissionalização falhada. Para além disso, o trabalho precá-

  As estatísticas apontam para que sejamos hoje as pessoas mais saudáveis, mais ricas e mais longevas de toda a história da humanidade (Gardner, 2008). 8   Ainda no âmbito das inúmeras consequências nefastas do capitalismo, vejamos a extraordinária reflexão de Bourdieu sobre este aspeto: “Quando o desemprego, como hoje em numerosos países europeus, atinge taxas muito elevadas e a precariedade afecta uma parte muito importante da população, operários, empregados de comércio e de indústria, mas também jornalistas, docentes, estudantes, o trabalho torna-se uma coisa rara, desejável a qualquer preço, que põe os trabalhadores à mercê dos empregadores e estes, como podemos verificar todos os dias, usam e abusam do poder que assim lhes é dado. A concorrência em torno do trabalho é redobrada assim por uma concorrência no trabalho, que continua a ser uma forma de concorrência em torno do trabalho, que é preciso preservar, por vezes sem querer saber dos custos, contra a chantagem do despedimento. Esta concorrência, por vezes tão selvagem como aquela a que as empresas se entregam, encontra-se no princípio de uma luta de todos contra todos, que destrói todos os valores de solidariedade e de humanidade e, por vezes, assume uma violência sem disfarce. Os que deploram o cinismo que caracteriza, em seu entender, os homens e as mulheres do nosso tempo não deveriam esquecer-se de o relacionar com as condições económicas e sociais que o favorecem ou o exigem e que o recompensam” (Bourdieu, 1998: 116). 9   A propósito da crescente precarização laboral, Standing (2014) refere que pode estar a emergir uma nova classe social “perigosa”, dado que os trabalhadores precários têm, regra geral, pouco a perder no atual contexto de políticas neoliberais. Mas afinal porquê que o precariado é designado como uma potencial classe perigosa? Consideremos a seguinte explicação: “As tensões no seio do precariado estão a colocar as pessoas umas contra as outras, impedindo-as de reconhecer que a estrutura social e económica está a produzir um conjunto de vulnerabilidades que lhes é comum. Muitos serão atraídos por políticos populistas e mensagens neofascistas, uma situação crescente que já é claramente visível em toda a Europa, nos Estados Unidos e noutros países. É por isso que o precariado é a classe perigosa e é por isso que é necessária uma «política de Paraíso» que responda aos seus medos, inseguranças e aspirações” (Standing, 2014: 58). 7

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rio não oferece mobilidade ascendente e isso é profundamente desmotivador. Não há qualquer sonho ou perspetiva de progressão e tudo se transforma numa frustrante consciencialização de que o trabalho executado não é valorizado nem reconhecido. Contudo, tal como já ficou subjacente, o precariado é bastante heterogéneo na sua constituição. “O adolescente que entra e sai do café com Internet enquanto sobrevive de empregos temporários não é equivalente ao migrante que usa a sua perspicácia para sobreviver, estabelecendo febrilmente uma rede de contactos, ao mesmo tempo que se preocupa com a polícia. Nem é semelhante à mãe solteira preocupada com a forma de arranjar dinheiro para a alimentação da próxima semana, ou ao homem de 60 anos que arranja trabalhos ocasionais para ajudar a pagar as contas do médico e da farmácia. Mas todos eles partilham a sensação de que o seu trabalho é instrumental (para viver), oportunista (aceitando o que aparece) e precário (inseguro)” (Standing, 2014: 40). Os efeitos do capitalismo no mundo moderno do trabalho Os pressupostos que estiveram na origem e na essência do capitalismo, preconizados por Max Weber (2001), são bastante diferentes daqueles que podemos observar na atualidade. Nas palavras de Sennett (2001) houve uma rutura significativa entre o velho capitalismo de classe e o novo capitalismo flexível. As consequências desta transformação foram, no mínimo, aterradoras para algumas formas de interação e convivência contemporâneas, nomeadamente ao nível do trabalho. O lucro tornou-se, cegamente, no único objetivo das empresas (ou pelo menos o principal) e a ideologia utilitarista foi levada ao extremo, tendo em conta que os meios utilizados para atingir esse fim (lucro) são, em certos casos, imorais. Foi também por isso que no mundo atual do trabalho as pessoas se tornaram descartáveis e este tipo de práticas originou um verdadeiro batalhão de trabalhadores precários e um exército de desempregados. No entanto, cada desempregado representa a nossa incapacidade de organizar eficazmente as sociedades onde vivemos e isso traduz-se na diminuição da qualidade de vida das populações (com todas as repercussões que isso acarreta). Se o trabalho que cada um realiza na sociedade é o seu contributo para o bem coletivo, logo, quando alguém quer trabalhar e está impedido de o fazer por uma alegada “falta de trabalho”, há uma diminuição da qualidade de vida da população. Também deste ponto de 246

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vista o capitalismo que promove o desemprego é profundamente desestruturador. Mas o desemprego está longe de representar apenas a nossa alegada falta de capacidade para organizar as sociedades; ele serve para lembrar constantemente aos trabalhadores que ter emprego é um privilégio cada vez mais escasso e que quem ainda trabalha está muito longe de ser insubstituível. Esta constante ameaça oriunda do mercado de trabalho serve para desmoralizar e desmobilizar eventuais práticas subversivas das massas. Parece que não restam dúvidas que o desemprego é uma forma eficaz de controlo social. O trabalho de cada um deveria estar ao serviço da comunidade, mas o capitalismo tem provocado a implosão do mundo do trabalho e a consequente falência de um universo social coerente. O capitalismo flexível tem originado uma profunda desestabilização dos empregos estáveis e, para muitos trabalhadores, uma intermitência entre trabalho precário e desemprego. Além de todas as consequências materiais que o desemprego acarreta, ele gera medo, ansiedade, porque faz pairar sobre nós o fantasma da inutilidade (Sennett, 2006) e isso é absolutamente aterrador para o nosso bem-estar psicossocial. Para Sennett (2001) o trabalho na era da flexibilização tornou-se ilegível e incompreensível. Talvez o maior desafio que o capitalismo flexível nos coloque seja o de saber “quem precisa de nós”? Esta pergunta está longe de ter uma resposta imediata, mas se não houver o reconhecimento de que o nosso trabalho é importante, de que exercemos uma função social útil,10 o nosso ego sente-se perdido no universo social, bem como nós próprios enquanto seres sociais; e as pessoas sentem falta de maior coesão social, de relações humanas sustentadas e de objetivos duradouros (Sennett, 2001: 153).

  Richard Sennett (2006) refere que entrevistou alguns trabalhadores de diferentes áreas profissionais, os quais afirmaram que não tinham mudado para empregos melhores, com remunerações superiores, devido ao facto de sentirem que estavam a fazer algo útil nos empregos onde estavam. O reconhecimento simbólico que pode advir do trabalho é uma peça fundamental para a nossa identidade. “Uma enfermeira de Nova York disse-me que por este motivo é que ficava num hospital público sem recursos, em vez de ganhar mais dinheiro com serviços particulares. As duas formas de trabalho são úteis, mas no hospital ela «fazia a diferença»” (Sennett, 2006: 39 e 40). Creio que não é difícil imaginar diversas situações que podem gerar prazer no trabalho, nomeadamente quando nos sentimos úteis para os outros. Lembremos, por exemplo, uma equipa de cirurgia que conclui com sucesso uma intervenção, cujo paciente estava em risco de vida; um jogador de futebol que marca o único golo na final de uma competição importante e sente a euforia de milhares de adeptos; ou um agricultor com sensibilidade suficiente para se orgulhar ao ver florescer os frutos do seu trabalho, os quais irão alimentar outras pessoas. 10

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A elevada competição11 e o crescente individualismo nas empresas implicam que estejamos cada vez mais desligados dos outros. Contudo, a solidão é suscetível de provocar anomia social e destrói os sentimentos mais nobres de humanismo. Talvez seja por isso que a pobreza e a exclusão se alastram num mundo de crescente produção e abundância, pois nunca tantos recursos estiveram tão concentrados – e assimetricamente distribuídos – na história da humanidade. O capital passou a ter um valor superior ao próprio Homem. Esta afirmação não é exagerada se considerarmos que a hegemonia financeira dos mercados de capitais empurra para a miséria largas camadas da população em alguns países.12 As consequências negativas para a qualidade de vida das populações são demasiado evidentes, mas os efeitos que estas situações acarretam para a saúde/sanidade mental dos indivíduos e para a sua própria identidade estão, ainda hoje, longe de ser totalmente compreendidas. A forma como estamos a gerir politicamente as nossas sociedades levanta alguns paradoxos, os quais só encontram explicação na “irracional” procura do lucro. Vejamos apenas dois exemplos assustadores: 1- Existem milhões de homens e mulheres desempregados, mas continuamos a obrigar alguns de nós a trabalhar mais de 60 horas por semana ou, ainda pior, a recorrer ao trabalho infantil; 2- Produzimos cada vez mais, mas, pelo contrário, não produzimos cada vez melhor,13 apesar dos constan  É pertinente lembrar que “As pessoas que começam a entrar em competição escondem das outras conhecimentos, informações, contactos e recursos que, caso fossem revelados, anulariam uma vantagem competitiva” (Standing, 2014: 54). 12   Segundo o Relatório do Desenvolvimento Humano de 2014: “Em 104 países em desenvolvimento, 1,2 mil milhões de pessoas tinham um rendimento de 1,25 dólares, ou menos, por dia. Contudo, o número de pessoas em situação pobreza multidimensional em 91 países em desenvolvimento foi estimado em cerca de 1,5 mil milhões de pessoas – segundo a medida do Índice de Pobreza Multidimensional (IPM)” (p. 42). Acedido em 23/12/2015, através do link: http:// passthrough.fw-notify.net/static/879715/downloader.html 13   Dada a sua importância, volto a frisar que a noção de “obsolescência programada”, a qual está intimamente relacionada com práticas “fraudulentas” de produção, acaba por ser um exemplo da nossa profunda “desorganização social do trabalho”. Continua a fazer sentido falar no fetichismo da mercadoria, bem como da atual forma de produzir bens, os quais vivem da imagem exterior (superficial) e parecem ser produzidos com uma espécie de revestimento ou laminagem a ouro (Sennett, 2006), para esconder a fragilidade do seu interior. Em parte, foi por isto que o novo estádio evolutivo não significou uma diminuição considerável do trabalho, bem como o tempo que se lhe dedica; logo, por consequência, não libertou o homem, por exemplo, para o campo do lazer, da cultura e do bem-estar. O resultado desta desnecessária (sublinho desnecessária porque atualmente, ao contrário do passado, existem alternativas sustentáveis para inverter esta lógica) sobrecarga de trabalho para o homem transforma-se, entre muitas outras situações, na perpetuação 11

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tes avanços técnicos e tecnológicos. Para além disso, nem mesmo aquilo que produzimos em excesso é distribuído pelas classes desfavorecidas (em particular por aqueles que morrem de fome, literalmente) e isto demonstra a profunda decadência das sociedades modernas e o quão inumanos continuamos a ser uns com os outros. O nosso carácter parece estar a ficar profundamente corroído, em parte, por termos perdido a sensação de que somos úteis para os outros e de que temos um papel a desempenhar no seio da comunidade, ou seja, é a nossa própria vivência ancestral coletiva que parece estar a desmoronar-se. A coesão está mais frágil e a conceção de que temos uma função social útil para desempenhar torna-se cada vez menos clara e evidente. Paralelamente, a ideia de contrato social (onde está subjacente a noção de que cada um dos membros da sociedade tem mais vantagens em viver em conjunto do que isoladamente) parece estar a desvanecer-se, devido aos processos de individualização impulsionados pelo atual capitalismo flexível. Estaremos nós a caminhar para aquilo que Hobbes designou como estado de natureza, em que, neste caso, a fugaz sobrevivência humana só poderia ser obtida através da guerra de um contra todos? O problema é que perante este cenário hipotético não haverá vencedores, todos estaremos inevitavelmente vencidos! É precisamente por isso que a noção de contrato social é mais vantajosa para todos. Dentro deste contexto, é importante vincar a seguinte ideia: “Um regime que não dá aos seres humanos razões profundas para cuidarem uns dos outros não pode manter por muito tempo a sua legitimidade” (Sennett, 2001: 225).

Segundo uma assertiva expressão utilizada por diversos autores, desde meados da década de 1970, existe uma dualização do mercado de trabalho, dado que muitas empresas têm gerado, por um lado, uma elite de trabalhadores, com rendimentos consideráveis e relativamente estáveis ao nível da sua situação laboral e, por outro lado, uma esmagadora maioria de trabalhadores precários, mal remunerados e sem qualquer nível de proteção e segurança no emprego.14 Por motivos diferentes, quer uns, de níveis elevados de acidentes de trabalho e em múltiplos danos à saúde, os quais acabam por desestruturar a integridade física e mental dos trabalhadores (Areosa, 2012a). 14   A escritora Viviane Forrester (1997) refere ironicamente uma terceira “categoria de pessoas”: os supérfluos. São indivíduos que estão fora do mercado de trabalho e que a economia os pretende rotular como nefastos para a sociedade. Paralelamente à questão da dualização do mercado de trabalho existem autores que não partilham esta visão determinista do mundo do trabalho, referindo que ele é bem mais complexo e diversificado do que esta visão dualista traduz (Kovács, 249

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quer outros, acabam por estar sujeitos a pressões significativas oriundas do seu ambiente laboral, devido, por exemplo, ao excesso de trabalho e a jornadas bastante mais longas do que seria admissível.15 Flexibilização ou flexploração? Outro aspeto que tem contribuído fortemente para a degradação da relação que as pessoas têm com o trabalho é a designada flexibilização (aqui podemos incluir a legislação laboral, o mercado de trabalho e o funcionamento interno das próprias empresas). O conceito de flexibilização no trabalho está relacionado com a polivalência funcional, com a desregulação dos horários de trabalho, com a liberalização das condições de emprego, particularmente a precariedade16 e maior facilidade em despedir. Tendo em consideração que os velhos modelos da fábrica de alfinetes de Adam Smith, o fordismo e o taylorismo entraram sucessivamente em crise, muitos gestores acreditam que a era da flexibilidade emerge como sendo a “salvação” do modelo produtivo. A génese da palavra flexibilidade derivou da cultura helénica em resultado da observação direta da capacidade que uma árvore pode ter em inclinar-se com a força do vento e voltar à posição original (sem danos). 2006). É pertinente não esquecer que, por exemplo, dentro das profissões existem hierarquias e divisões que propiciam níveis de prestígio e estatuto social muito diversificados para os membros de uma mesma profissão (Areosa e Carapinheiro, 2008). 15   A propósito destas duas situações surgiu o termo japonês karoshi para se referir aos trabalhadores que morrem por causa do excesso de trabalho, normalmente devido a problemas cardíacos e após longas horas sem interrupção para descansar. Paralelamente, também no Japão, foram detetados alguns casos de trabalhadores que se suicidaram devido ao excesso de trabalho. Esta situação foi apelidada por karojisatsu (Amagasa et al., 2005). Os autores colocam como hipótese o seguinte: longas jornadas de trabalho, sobrecarga de trabalho e níveis reduzidos de apoio social podem causar depressão, a qual, por sua vez, pode conduzir ao suicídio. Estes são alguns dos traços comuns nos casos de suicídio analisados por esta pesquisa (Amagasa et al., 2005). 16   Na perspetiva de Paugam (2013) a precariedade corresponde a uma forma de desqualificação social que promove a degradação moral e a desvalorização do ser humano, particularmente quando tem de recorrer a terceiros para subsistir. Nestes casos os trabalhadores auferem um rendimento do trabalho abaixo daquilo que é considerado como um “salário de subsistência”. Segundo uma publicação recente a precariedade no trabalho ou no emprego é entendida como “uma condição de insegurança na relação contratual que pode corresponder a vínculos temporários, trabalho a tempo parcial, colaborações pontuais, como sucede com o trabalho sazonal, sucessão de estágios ou os chamados «falsos recibos verdes», isto é, prestadores de serviços que desempenham efectivamente tarefas de necessidade permanente e que são mantidos continuadamente em funções, contornando a lei” (Freire et al., 2014: 153 e 154). 250

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“Flexibilidade designa a capacidade da árvore de ceder e recuperar, de alterar e restabelecer a sua forma. Idealmente, o comportamento humano flexível devia ter a mesma resistência tênsil: ser adaptável à mudança de circunstâncias mas sem ser quebrado por ela” (Sennett, 2001: 73).

Porém, na perspetiva de Sennett, a flexibilidade, com todas as suas estratégias e práticas, tende a vergar os indivíduos, ultrapassando a sua capacidade de “resistência tênsil”, corroendo o seu carácter pessoal. No final da década de 1980, a flexibilidade surge associada a uma conotação e valorização social positiva, com fracos nichos de resistência. Nos dias de hoje, este modelo apesar de conter inúmeros adeptos dentro da “classe de decisores”, acaba simultaneamente por sofrer diversas críticas de alguns grupos sociais, onde podemos incluir, por exemplo, sindicatos, comissões de trabalhadores, grupos de trabalhadores precários e movimentos sociais anti-capitalismo. A obra de Richard Sennett enquadra-se numa perspetiva crítica do novo modelo produtivo baseado no regime de flexibilização. Os argumentos utilizados pelo autor revelam que a flexibilidade tende a gerar desordem, fragmentação, incerteza, instabilidade, torna o tempo descontinuo (sem perspetivas de carreira a longo prazo, porque cada trabalhador pode mudar de emprego diversas vezes, ao longo da vida, até ficar aposentado) e sem uma sequência lógica dotada de significado. Na verdade, há uma perda de sentido numa das mais importantes dimensões da nossa vida quotidiana: o trabalho. A flexibilidade tende a aumentar a precarização no emprego.17 Estas formas atípicas de contratação laboral já foram apelidadas como o reino dos McEmpregos, onde podemos incluir trabalhos como: fritar hambúrgueres, entregar pizzas, trabalhar em lojas de centros comerciais e caixas de supermercados ou fazer atendimento em call centers. Na verdade, a crescente flexibilização dos mercados de trabalho veio transferir (ainda mais) os riscos e a insegurança para os trabalhadores e respetivas famílias (Standing, 2014). Segundo as palavras de Bourdieu (1998) a precariedade está em toda a parte, é uma patologia social que se alastra. Mas a precariedade tem

  Nesta linha de pensamento, podemos dividir a flexibilidade em dois grandes tipos: “(…) «flexibilidade interna», como a possibilidade de alterar o tempo de trabalho ou a promoção da polivalência, e a «flexibilidade externa», como o outsourcing, o recurso ao trabalho temporário ou a facilidade de despedimento. A flexibilidade é, em todo o caso, indissociável do debate sobre a precariedade” (Freire et al., 2014: 156).

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ainda múltiplas consequências perniciosas: promove a degradação da auto-imagem dos trabalhadores e da sua identidade, suscita a destruição das resistências dos trabalhadores e a fragilização do seu coletivo, que, por sua vez, gera obediência, submissão, passividade, incentiva o servilismo e produz uma maior capacidade de aceitação da exploração. Neste contexto de flexibilização e precariedade sabemos que os indivíduos não estabelecem relações de aliança com a empresa onde laboram, pois é difícil estabelecer relações de confiança no seio da precarização laboral.18 Na perspetiva de Sennett (2001) todas as situações enumeradas acima acabam por ir minando o carácter individual dos sujeitos. Resumidamente, a sua principal conclusão defende que o novo espírito de capitalismo, baseado nas práticas flexíveis, em que as redes de solidariedade são frágeis, vão corroendo o carácter dos trabalhadores. Alguns psicólogos sociais acreditam que a nossa espécie tem uma determinada propensão para confiar e cooperar, mas num ambiente de constante flexibilidade e incerteza essas caraterísticas diluem-se (Standing, 2014: 53). O modelo japonês de lean prodution apresenta-se como um exemplo paradigmático do regime de flexibilização nas empresas; as suas caraterísticas principais passam pela eliminação de todos os desperdícios, qualidade total (zero defeitos), responsabilização ao nível da execução e disponibilidade ilimitada às exigências da empresa. Este modelo produtivo japonês de “produção magra”, também designado de Toyotismo, colocou a economia deste país no “centro” da economia-mundo, isto se recorrermos à teoria do “sistema-mundo” elaborada por Immanuel Wallerstein. Mas a excessiva racionalização, automatização e estandardização do modus operandi das organizações flexíveis (particularmente neste modelo

  Segundo as palavras de Standing (2014) o precariado pode estar a transforma-se na nova classe perigosa, devido, em parte, às múltiplas formas de opressão às quais se encontra submetido. Esta situação gera uma espécie de subcidadãos (pois encontram-se privados de alguns direitos de cidadania), representando também a imagem de nómadas urbanos. Vejamos ainda mais algumas caraterísticas desta “classe emergente”: “O precariado não sente que faz parte de uma comunidade solidária de trabalho. Isso intensifica a sensação de alienação e instrumentalidade naquilo que os seus membros têm de fazer. Ações e atitudes, derivadas da precariedade, tendem a derivar para o oportunismo. Não há qualquer «laivo de futuro» que paire sobre as suas ações, para lhes dar uma sensação de que o que lhes dizem, fazem ou sentem hoje terá um efeito forte ou uma ligação com os seus relacionamentos de longo prazo. O precariado sabe que não há laivo de futuro, porque não há futuro no que estão a fazer. Ser «posto na rua» amanhã não é olhado com surpresa; e sair pode não ser uma coisa má, se aparecer outro trabalho ou uma atividade que os atraia” (Standing, 2014: 38).

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lean prodution) tende a transformar o trabalho vivo em trabalho morto. No entanto, ao trabalho estandardizado por regras e procedimentos é normalmente necessário acrescentar a inteligência dos trabalhadores para que as coisas funcionem. A aplicação desta inteligência é designada como trabalho vivo, o qual se torna imprescindível para o normal funcionamento de qualquer organização. Não há nenhuma organização que possa prescindir do trabalho vivo (Dejours, 2013).19 No presente, os modelos de gestão empresarial contemplam em grande medida a ideia de flexibilidade e de adaptação, que tentam demonstrar do seu interior para o exterior como sinónimos de eficácia e de sucesso no mercado concorrencial; os comportamentos e práticas flexíveis têm implícita a ideia de mudança, que procuram recriar as instituições (algumas delas transformando-se em organizações camaleónicas, tal como refere Sennett, 2006), gerando muitas vezes descontinuidades irreversíveis, entre o passado e o presente. É pertinente voltar a sublinhar que a atual cultura de gestão flexível baseia-se em modelos e práticas de exclusão; e tende a reconhecer uma importância diminuta a todo um capital de conhecimentos adquiridos ao longo da vida, a experiência, afirmando que a juventude tem uma maior capacidade de adaptação às novas exigências do mercado de trabalho e às necessidades das empresas. Consequentemente, estigmatiza os trabalhadores de meia idade e tem uma certa propensão para afastar os das faixas etárias mais avançadas. A utilização desta “cultura” nos modelos de gestão flexíveis estabelece rupturas profundas com as caraterísticas dos modelos anteriores, que se baseavam profundamente na experiência acumulada dos trabalhadores, como factor de maior produtividade para as empresas. A flexibilização   Para além disso, este aumento da dimensão tecnocientífica do universo laboral é, em certos casos, bastante arriscado. Porque ao limitar a estrutura cognitiva dos trabalhadores, diminuindo a necessidade de uso da sua inteligência (ou seja, transformando o trabalho vivo em trabalho morto), são gerados novos riscos, por vezes difíceis de antecipar. Um exemplo paradigmático desta situação, embora circunscrito a um contexto muito específico, é relatado por Taleb (2012): a Federal Aviation Administration (FAA) obrigou as empresas de transportes aéreos a aumentar a sua dependência da pilotagem automática. Porém, a automatização dos aviões deixa poucos desafios aos pilotos, tornando a sua condução “demasiado” confortável e perigosamente tranquila. A redução da atenção devido à escassez de solicitações e desafios aumentou o número de acidentes fatais. Quando se baixa demasiado a carga de trabalho e o respetivo esforço mental, levamos mais tempo a tomar decisões; mas isso em situações de emergência pode ser desastroso. Para bem de todos nós, a FAA compreendeu posteriormente que o problema do aumento de acidentes estava na excessiva delegação de responsabilidades nos sistemas automáticos e voltou novamente a limitar o uso do piloto automático. 19

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tende a reconfigurar decisivamente o universo laboral, rejeitando os antigos pilares que legitimavam e sustentavam o funcionamento das empresas e do mercado de emprego. Ao nível individual, segundo Sennett (2001), é onde se sentem as maiores dificuldades de adaptação, dado que esta nova política de gestão assenta na instabilidade e na descontinuidade. Apesar de tudo, as mudanças institucionais, baseando-se nas práticas flexíveis, tornaram-se em diversas situações num negócio rentável para as empresas, visto que, no decorrer destes processos de mudança as ações das empresas sobem nos mercados financeiros. O problema é que esta vantagem tende a ser momentânea e fugaz. Existem diversos exemplos, em que as “empresas-mãe” vendem unidades de produção lucrativas, reinventando-se internamente, para mais tarde voltar ao negócio que anteriormente sabiam lucrativo; estas políticas “subversivas” das empresas flexíveis, levam alguns autores, a falar sobre o fim do capitalismo organizado, ou de um capitalismo desorganizado (Beck et al., 2000). Supostamente a designada reengenharia tem como meta prioritária o aumento da produção com a utilização de menos recursos ou com a sua melhor utilização. Muitas vezes as empresas recorrem a consultores “criativos e experimentalistas” que desconhecem por completo o pulso e a dinâmica das organizações que pretendem restruturar. Não é raro ocorrer a transferência de trabalhadores que levaram anos a desenvolver as suas competências para áreas onde estão completamente às cegas. Após concluírem o seu “trabalho”, normalmente bem remunerado, os consultores, por vezes, deixam as organizações num estado não muito longe do caos e da desordem. Para além disso, a redução do número de trabalhadores considerados dispensáveis é um dos principais objetivos da reengenharia, isto é, promovem o downsizing dos empregos. As restruturações das empresas adeptas da flexibilidade, tendencialmente eliminam postos de trabalho, que segundo os gestores podem desaparecer; praticando estas políticas as empresas apresentam uma maior credibilidade no mercado, particularmente no económico e financeiro, visto mostrarem capacidade de mudança (creio que é relevante acrescentar que mudança não é por si só sinónimo de maior eficácia). Embora esta cultura de gestão flexível se tenha tornado dominante nas empresas dos Estados Unidos os resultados em termos de eficiência parecem não ser muito animadores. “Erik Clemons, um dos mais sóbrios e práticos desses consultores, observou de forma autocrítica que «muitos, se não a maioria, dos esforços de reengenharia falham», em

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grande medida porque as instituições se tornam disfuncionais durante o processo de redução do pessoal: os planos de negócios são postos de parte e revistos; os benefícios esperados acabam por ser efémeros; a organização perde a orientação” (Sennett, 2001: 77).

O downsizing é um processo que vem gerando profunda instabilidade, quer no mercado de trabalho, quer no seio das próprias empresas. No centro deste “furacão” estão os trabalhadores mais vulneráveis que perdem a sua fonte de rendimento, por via do trabalho, os quais acabam por partilhar um sentimento de fracasso pessoal (além da consequente degradação da sua qualidade de vida). A explicação privilegiada, por parte dos gestores, para o desencadear destes processos é o de que a mudança é necessária. É ela a grande responsável pelo downsizing; a partir deste cenário tentam despersonalizar e desresponsabilizar os atos de gestão, culpabilizando as condicionantes e exigências do mercado.20 As práticas do mundo do trabalho contemporâneo mudaram radicalmente com a flexibilização e entrámos na era da flexploração (recorrendo a uma assertiva expressão utilizada por Bourdieu, 1998). Contudo, a flexibilidade que conduz à precariedade está longe de ser uma inevitabilidade económica decorrente da globalização, é acima de tudo uma decisão política ou gestionária. Este novo modelo de produção flexível é perverso, visto que, a parte económica domina em absoluto e não contempla a parte humana; os gestores não se preocupam com a manutenção dos empregos, com a estabilidade social, com as condições de trabalho, no fundo, com as condições de vida dos trabalhadores. A decisão de mudar uma fábrica de um país para outro rege-se exclusivamente pela redução dos custos de produção que visam a obtenção de maior lucro. A crescente mobilidade do capital e a deslocalização das empresas para países com salários mais reduzidos promove a concorrência de trabalhadores à escala mundial. Mas estas políticas não são apenas perversas para quem perde o emprego, são-no também para os trabalhadores do outro extremo do mundo que têm de aceitar remunerações miseráveis (Bourdieu, 1998). Na verdade, este modelo vicioso de organização global deve ser colocado em ampla discussão, sendo urgente repensar as estratégias políticas, sociais e económicas dos nossos dias. As políticas capitalistas de maximização dos lucros e o   Os psicólogos designariam este processo de auto-desculpabilização como atribuição causal externa. 20

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“livre” funcionamento dos mercados vêm pôr em causa a qualidade das sociedades em que vivemos, sendo de questionar a sua própria legitimidade, bem como o legado que pretendemos oferecer às gerações futuras. A organização do trabalho e as suas implicações para a saúde do trabalhador As novas formas de gestão das organizações, impostas pela cúpula hierárquica, acabam por fomentar a diluição dos elos sociais, da coesão e da interajuda entre pares; este fenómeno é suficientemente nocivo para a identidade e integridade dos trabalhadores, dado que quebra as suas redes de solidariedade, incorporando o medo e a solidão no mundo do trabalho (Dejours, 2011). É pertinente lembrar que as pessoas procuram muitas vezes provar o seu valor através do trabalho; mas, as atuais formas de gestão empresarial irradiam indiferença, e por isso mesmo a satisfação, o reconhecimento e a realização pessoal no trabalho parecem estar constantemente a ser procrastinados. A entreajuda entre pares parece um território cada vez mais estranho e deserto. Uma das muitas formas para compreender a atual desestruturação sócio-organizacional já foi anteriormente designada por desintegração do grupo de trabalho (Areosa e Dwyer, 2010), a qual pode ser efetuada, por exemplo, através de políticas de outsourcing, dado que estas estratégias, utilizadas no orbe capitalista, tendem a promover a precarização do trabalho e uma elevada rotatividade de trabalhadores nas empresas (Sennett, 2001). Tudo isto tem como consequência imediata uma maior vulnerabilidade dos trabalhadores “da linha da frente” às patologias do foro mental, as quais podem ter custos e consequências muito elevados. A título ilustrativo, os dramáticos suicídios em algumas organizações francesas (extensíveis a outras realidades espalhadas pelo mundo inteiro)21 parecem ter-se tornado virais (utilizo este termo no sentido de contagioso, algo   Em algumas empresas multinacionais com sucursais na China também se verificaram diversos casos de trabalhadores que se suicidaram. “A reação imediata da Foxconn para com os suicídios foi paternalista. Cercaram os edifícios com redes para apanhar as pessoas se estas saltassem, contrataram conselheiros para os trabalhadores angustiados, trouxeram monges budistas para os acalmar e pensaram em pedir aos trabalhadores para assinarem documentos de compromisso em como não se iriam suicidar. Celebridades de Silicon Valley, na Califórnia, expressaram a sua preocupação. Mas não tinham razões para estar surpreendidas. Tinham ganho milhares de milhões de dólares com os produtos a um custo ridiculamente baixo” (Standing, 2014: 64). 21

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que se tornou numa espécie de mini-epidemia). Na base desta sequência de suicídios esteve, entre outras situações, o silêncio, a covardia e o abandono por parte dos colegas de trabalho (Dejours e Bègue, 2009). Esta conduta parece ter como explicação as alterações na organização do trabalho e as consequentes perdas de solidariedade entre pares. Isto não significa, obrigatoriamente, que o sofrimento seja maior hoje do que foi no passado, significa antes que as nossas resistências se tornaram menos eficazes. E porquê? Porque estamos cada vez mais isolados nos nossos locais de trabalho. Neste ponto pretendo, essencialmente, abordar algumas questões relativas aos “novos” métodos da organização do trabalho, bem como as suas implicações para a saúde dos trabalhadores. Dentro das organizações o trabalho depende de dois fatores chave: a coordenação (a qual implica o uso de poder de uns sobre os outros, enquanto forma de dominação) e a cooperação (onde está implícita uma certa forma de convivialidade). Segundo a perspetiva de Dejours (opinião expressa numa entrevista ao jornal Público, em 1 de Fevereiro de 2010),22 a organização do trabalho sofreu nos últimos anos profundas alterações a partir de três grandes vetores: 1) Emergência de novos métodos de gestão, particularmente a avaliação de desempenho (ao nível individual); 2) Introdução de técnicas ligadas à designada “qualidade total” (sistemas de certificação, círculos de qualidade, protocolos de atuação, etc.); e 3) Políticas de outsourcing (que conduzem à precarização no emprego). A avaliação das performances individuais dentro das organizações tem como propósito principal medir “objetivamente” o desempenho dos trabalhadores, de forma quantitativa e comparativa. Mas nos moldes atuais a avaliação individual de desempenho pode estar a transformar-se numa “odiosa” comparação entre trabalhadores, dado que estas práticas se tornam, em certos casos, profundamente estigmatizantes ao nível pessoal. Na verdade, dificilmente se pode medir o trabalho em si mesmo, aquilo que se pode medir são os resultados do trabalho. Todavia, o trabalho realizado e os resultados do trabalho são coisas muitas vezes distintas.23   Acedido em 21/12/2015, através do link: http://www.publico.pt/sociedade/noticia/um-suicidio-no-trabalho-e-uma-mensagem-brutal-1420732 23   Em relação à falta de proporcionalidade entre o trabalho realizado e os resultados do trabalho é interessante confrontar as noções de profissões com trabalho escalável e trabalho não escalável (Taleb, 2008). As profissões com trabalho não escalável são, por exemplo, pagas à hora e implicam normalmente a presença física do profissional; estou a falar de casos como: consultas de médicos, 22

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Na prática não se consegue medir o tempo que os trabalhadores levam a formar as suas competências (técnicas e/ou relacionais), os saberes e habilidades que necessitam aprender, ou mesmo o tempo psíquico e intelectual que cada um dedica para conseguir realizar as suas atividades (incluindo o tempo de descanso que passam a pensar no trabalho, por vezes roubando horas de sono quando já estão na cama). Para além disso, os resultados do trabalho dependem de diversas circunstâncias (por vezes exteriores ao trabalho) que podem ter uma fraca correlação com o esforço e empenho desenvolvidos pelo trabalhador. A sorte está longe de ser um fator despiciente nas nossas vidas, incluindo a vida profissional. É pertinente referir que a relação do trabalhador com a sua hierarquia (avaliador do desempenho) está normalmente longe de ser isenta. Regra geral, as relações sociais (abrangendo também as de trabalho) são profundamente dominadas por interesses diversos, por empatias e simpatias pessoais, por imposições ou, pelo contrário, por escolhas livres, por estratégias coincidentes ou descoincidentes entre os sujeitos envolvidos (isto só para referir alguns exemplos), logo, não são neutras, isentas ou justas como inicialmente pressupõem os modelos de avaliação de desempenho. A partir deste ponto de vista a alegada “justiça” dos modelos de avaliação individual é em determinados casos uma fraude e potenciadora de inúmeras situações de conflito (Areosa, 2012a). Mas a relação entre psicólogos e psicanalistas ou ainda os serviços prestados por advogados ou prostitutas! Por mais bem pagos que sejam estes trabalhadores há quase sempre um limite monetário que não é ultrapassado por cada consulta ou serviço prestado e, claro está, também há um limite máximo para o número diário de horas para trabalhar. Isto significa que quer o rendimento, quer o número de horas trabalhadas são relativamente limitadas. Agora imagine que os Metallica lançam um novo álbum de originais e vendem vários milhões de CD’s. O tempo que levaram a gravar o disco e a compor as músicas é o mesmo, quer vendam os referidos milhões de cópias, quer vendam apenas algumas dezenas de CD’s. Os músicos que gravam discos ou os autores que publicam livros são exemplos de profissões com trabalho escalável, isto porque o trabalho feito uma única vez pode ser reproduzido várias vezes com relativa facilidade (e não necessita da presença de cada um deles); ou seja, nem a banda necessita de estar presente cada vez que algum dos seus fãs quiser ouvir o seu disco, nem o escritor precisa de escrever cada um dos livros dos seus leitores. Isto pode libertar tempo para outras atividades, nomeadamente o lazer. Contudo, as profissões com trabalho escalável são perigosas e podem constituir-se numa frustrante ilusão, pois apenas uma restrita minoria consegue obter um elevado sucesso profissional e, por consequência, enriquecer (lembre-se, por exemplo, que existem muito poucos jogadores de futebol com salários similares ao Cristiano Ronaldo, mas existem muitos milhões espalhados pelo mundo com rendimentos parecidos ao seu e ao meu). Esta é uma situação do tipo “o vencedor fica com tudo”. Por isso, tenha cuidado se escolheu uma profissão com trabalho escalável apenas porque pretende “trabalhar pouco” e, simultaneamente, enriquecer! 258

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hierarquias e subordinados pode estar na origem de casos bem mais dramáticos para a saúde dos trabalhadores. Uma reveladora pesquisa sueca que monitorizou a saúde de mais de 3000 trabalhadores do sexo masculino, durante cerca de dez anos, com idades compreendidas entre os 19 e os 70 anos, sugere que os “maus chefes” (incompetentes, autoritários ou autocráticos) aumentam significativamente o número de problemas cardíacos nos trabalhadores, incluindo casos fatais (Nyberg et al., 2009). O estudo demonstrou ainda que este efeito é cumulativo, ou seja, quanto mais tempo os trabalhadores estiverem sob a alçada deste tipo de hierarquias, maior é o risco de adoecerem. Isto significa que um mau chefe pode matar, literalmente.24 Christophe Dejours afirma que o mundo do trabalho se transformou, em parte, numa guerrilha que faz cada vez mais vítimas; não porque este “combate” seja exatamente novo, mas porque a solidão a que cada um ficou remetido afetou profundamente a saúde mental. A etimologia desta espiral catastrófica para a saúde do trabalhador está em grande medida dependente das atuais formas de organização do trabalho, onde se inclui os modelos de avaliação de desempenho. Não posso deixar de citar um   Tal como na perspetiva anterior, Freire (1991) preconiza que as relações que se estabelecem entre trabalhadores e hierarquias são um aspeto decisivo nas relações sociais de trabalho, particularmente na forma de dirigir a execução do trabalho. No caso específico dos encarregados e capatazes da construção civil, enquanto agentes de comando de “primeira linha” (hierarquia direta), o autor afirma que estes atores podem ter um papel importante no aumento ou diminuição do número de acidentes de trabalho, devido ao papel específico que desempenham dentro das organizações. Se a sua sensibilidade para os temas da segurança no trabalho for significativa, o poder e autoridade inerente ao seu cargo podem constituir-se como um fator inibidor para os acidentes. Contudo, é pertinente lembrar que os acidentes são eventos heterodeterminados e representam de forma muito clara a desumanização do trabalho contemporâneo (Areosa, 2015a). Ainda dentro do tema dos acidentes de trabalho uma investigação realizada pela Universidade Católica ajudou-nos a compreender melhor uma dimensão importante deste complexo problema. Assim, o estudo apresentava como objetivo prioritário, a elaboração de um perfil geral (tipificação) do trabalhador sinistrado, em Portugal. Neste trabalho foram inquiridos mais de 4000 indivíduos, sendo a amostra representativa em termos de género, região, sector de atividade e níveis de instrução. “(...) O perfil do trabalhador sinistrado é um indivíduo do sexo masculino, de baixo nível de escolaridade, trabalhador por conta de outrem e de uma certa antiguidade na empresa. O trabalho de pé e em espaço restrito é o mais associado à sinistralidade laboral, assim como a variabilidade das tarefas ao longo da jornada ou do ano, a execução de tarefas repetitivas e monótonas em posições dolorosas ou fatigantes. Também aparecem associados à sinistralidade a flexibilidade de horários, o regime de turnos rotativos e uma duração de trabalho superior a 40 horas semanais. No que diz respeito às condições psicossociais, a maior autonomia e responsabilidade no desempenho das tarefas parece associar-se a um menor risco de sinistro laboral ou de doença profissional” (Rego e Freire, 2001: 29). 24

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pequeno excerto do texto de Dejours, onde são referidas as consequências deste tipo de práticas:

“Efetivamente, a avaliação individualizada e quantitativa do desempenho coloca todos os assalariados em concorrência uns com os outros. Os sucessos de um colega tornam-se uma ameaça para o outro assalariado. É agora cada um por si e todos os golpes são permitidos. A desconfiança e o medo recaem sobre o mundo do trabalho. A deslealdade torna-se banal. A amabilidade e a entreajuda desaparecem. As pessoas já não se falam. A solidariedade desaparece. No fim, cada um se encontra só no meio da multidão, num ambiente humano e social repleto de hostilidade. A solidão abate-se sobre o mundo do trabalho e isso muda radicalmente os dados no que diz respeito à relação subjetiva com o trabalho e à saúde mental” (Dejours, 2013: 21).

Na sequência da avaliação individual de desempenho surge um segundo vetor associado à organização do trabalho, o qual é designado por “qualidade total”. Esta é uma outra forma de controlo e avaliação do trabalho em que os gestores traçam como objetivo a “qualidade total”. Porém, a “qualidade total” é algo carregado de utopia (similar aos “zero-defeitos” ou aos “zero-acidentes”); é um mito, é algo idealizado (mas inexistente ou impraticável no mundo real). Pode ser importante ter um ideal de “qualidade total” se este aspeto servir de referencial, se apontar um caminho ou direção, desde que acompanhado por um entendimento absolutamente claro de que não é possível atingi-lo em pleno. De certo modo, aquilo que se torna assustador nesta questão é que os gestores nem sempre conhecem verdadeiramente as especificidades de cada profissão, mas são eles que vão definir os critérios de avaliação e do controlo da qualidade. Isso acaba por gerar diversos problemas. Na verdade, a “qualidade total” é um contra-senso, pois a própria realidade constantemente nos mostra que o mundo real não funciona de forma ideal (por exemplo, o trabalho prescrito é algo que está distante do trabalho real e é por isso que o trabalho vivo25 se torna imprescindível). Afinal o mundo é um local repleto de riscos, onde predominam as incertezas, as aleatoriedades, as indeterminações, as contingências, os imprevistos, os imponderáveis ou as não-linearidades (Areosa, 2010), mas parece que agimos sem ter consciência disso.

  O modo de produção capitalista é descrito por Marx (num capítulo inédito de “O capital”) como um “processo de sucção” do trabalho vivo, isto é, tem acentuado a transformação do trabalho vivo em trabalho morto. Este processo foi também designado por Castillo como liofilização organizacional (cf. Antunes, 2005). 25

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Nos dias de hoje, podemos observar que muitas empresas entraram na “loucura” da estandardização dos seus processos para obter determinadas certificações (em que normalmente acaba por estar subjacente a ideia de “qualidade total”, “zero-defeitos” ou “zero-acidentes”). Veem isso como a “salvação” para os seus problemas externos (pois supõem que isso lhes permite aumentar a credibilidade e o prestígio) e internos; neste último caso, imaginam que as certificações servem para controlar o grande vilão existente dentro das organizações: as falhas humanas! Contudo, estas certificações são muitas vezes uma ilusão fraudulenta e, ainda pior, implicam diversos problemas que em certos casos as tornam desastrosas. Isto acontece porque quando o ideal de “qualidade total” se torna na condição obrigatória para obter a referida certificação, as falhas passam a ser escondidas ou omitidas e o funcionamento da organização transforma-se numa “dissimulação consentida”. As pessoas passam a ter pudor em falar das dificuldades do seu trabalho real (porque a idealização do trabalho prescrito raramente as consegue antecipar) e porque se torna “politicamente incorreto” abordar o que não funciona bem ou o que correu mal, tal como incidentes, erros ou lapsos. Agora imaginem o quão arriscado se torna os trabalhadores sentirem medo, receio ou ansiedade em reportar falhas ou incidentes em organizações de alto risco. Na verdade, este tipo de inibições pode transformar-se em algo fatal ou catastrófico (Areosa, 2012b). Ao nível da saúde do trabalhador, particularmente ao nível psicológico, a “qualidade total” pode também acarretar diversos problemas. E porquê? Porque em certos casos nos obriga a vivenciar a traumática experiência de realizar o nosso trabalho de forma que nos envergonha. Estar fortemente condicionado a fazer batota, a ter de mentir ou a omitir pode transformar-se numa forma atroz de sofrimento ético.26 Nos trabalhadores mais zelosos isso tem um efeito (negativo) poderoso sobre a sua   O sofrimento ético acontece quando o trabalhador é obrigado a praticar determinadas ações que condena moralmente, por causa do seu trabalho. É uma espécie de traição de si mesmo ou traição do ego. Nas palavras de Dejours: “O novo capítulo do sofrimento ético torna mais compreensível uma segunda faceta da forma como «a nossa escala social de valores entra em linha de conta», a saber, o julgamento que o sujeito faz de si próprio, não só sobre a qualidade da sua contribuição no que concerne a produção, mas sobre o valor ético da sua prestação. Porque, pela sua atividade de produção, o trabalhador compromete, de facto, o destino de outro, em particular do cliente que tem obrigação de enganar ou do subordinado que deve «colocar sob pressão». Isto significa que o trabalho não se reduz a uma atividade, implica dimensões que advém da ação, no sentido que Aristóteles dá ao conceito de praxis: ação moralmente justa” (Dejours, 2013: 23).

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saúde. Em diversas profissões, nomeadamente a medicina, existem múltiplos protocolos que devem ser seguidos rigorosamente (caso contrário podem existir fortes penalizações). Por vezes, verifica-se que o protocolo não está em consonância com a avaliação pericial do profissional (dado que as generalizações nunca conseguem compreender e incluir todas as especificidades associadas aos casos particulares); mas o médico sente medo em violá-lo, porque no caso de as coisas “darem para o torto” poderá ser acusado de negligência, porque não fez o que deveria fazer. Caso o profissional opte por seguir o protocolo em detrimento daquilo que a sua experiência pessoal lhe indica que seria adequado fazer, além do sofrimento ético que isso lhe pode custar (e isso já é suficientemente grave), também estamos perante uma profunda limitação da sua autonomia profissional,27 imposta pelo ideal de “qualidade total”. Obviamente que a “qualidade total” oferece algumas vantagens, mas se tivermos em conta aquilo que referi anteriormente, verifica-se que em certos contextos ela torna-se perigosa e contraproducente. O terceiro e último aspeto referido por Dejours está relacionado com as políticas de outsourcing. Contudo, esta questão tem um outro problema a montante: os processos de reestruturação/reengenharia das organizações, os quais se traduzem muitas vezes pela redução do número de trabalhadores (downsizing dos empregos). Já referi anteriormente que na ótica de Sennett (2001) o downsizing acaba por estar intimamente relacionado com a crescente desigualdade no mundo do trabalho contemporâneo. Porém, mesmo para as próprias empresas estes processos são normalmente um fracasso, entre outras coisas, porque a moral e a motivação dos trabalhadores caem a pique perante cenários desta natureza. Nem mesmo os trabalhadores “sobreviventes” aos processos de downsizing conseguem alegrar-se, regra geral sucede o inverso; porque além de verem os seus pares partirem (desintegrando-se o seu coletivo de trabalho), instala-se o medo de serem eles próprios as vítimas seguintes no próximo processo de reengenharia. Muitos gestores ainda acreditam que o recurso à terceirização28 (outsourcing) de determinadas tarefas ou serviços será a chave para reduzir   Recordo que a autonomia é um dos pilares “sagrados” da profissão médica (Areosa e Carapinheiro, 2008). 28   Alguns autores complementam esta noção ao afirmarem que existe já uma quarteirização, isto é, são “empresas contratadas para gerir contratos com as terceiras, caracterizando a cascata de subcontratação” (Franco et al., 2010: 233). 27

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os custos e melhorar a funcionalidade da organização. Também aqui estamos perante uma enorme ilusão, baseada numa crença infundada! O recurso ao outsourcing é conhecido no jargão dos gestores como dessedimentação organizacional (Sennett, 2006). Este tipo de práticas caracteriza-se por passar a atribuir determinadas funções a terceiros, libertando a organização de certas “camadas” consideradas secundárias. Com a flexibilização organizacional as empresas engordam ou emagrecem (em termos de número de trabalhadores), mediante a transição de uma tarefa para outra. Muitos empregos permanentes transformam-se em sazonais. Porém, é importante lembrar que a boa relação entre pares é normalmente construída a partir da confiança, a qual é cimentada, por vezes, ao longo de vários anos. As estratégias informais – as quais implicam relações de confiança – são imprescindíveis e dominam largamente o funcionamento interno de algumas organizações.29 Mas quando as pessoas não se conhecem, porque por exemplo trabalham em empresas diferentes ou quando as próprias empresas têm uma elevada rotatividade interna (turnover), é mais difícil construir relações de confiança e criar redes de solidariedade no trabalho. A integração ou coesão dos grupos de trabalho entre trabalhadores de empresas diferentes tende a ser bastante mais fragilizada. E tudo isto afeta negativamente a capacidade de desempenho dos trabalhadores, pois os locais de trabalho transformaram-se em espaços anti-sociais, onde a cooperação parece estar moribunda.

  A propósito desta afirmação, observe-se as consequências destas dimensões no relato da citação seguinte: “Pude verificar o valor e a deficiência da confiança informal em dois acidentes industriais separados por trinta anos. No primeiro, numa fábrica ao velho estilo, irrompeu um incêndio, e verificou-se que o circuito de mangueiras de incêndio estava defeituoso. Os operários da linha de montagem se conheciam suficientemente para saber como distribuir as tarefas de urgência. Os gerentes berravam ordens, mas ninguém lhes dava atenção naquela emergência; os riscos para a fábrica logo foram controlados por uma sólida rede informal. Trinta anos mais tarde, eu estava numa fábrica do Vale do Silício quando o sistema de refrigeração começou a sugar em vez de expelir gases nocivos, um desastre nada previsível num prédio de alta tecnologia. As equipes de trabalho não se coadunaram. Muitos empregados correram em pânico para as saídas, enquanto outros, mais corajosos, não sabiam como se organizar. No fim das contas, os gerentes, muitos dos quais reagiram bem, perceberam que aquela fábrica onde trabalhavam 3.200 pessoas estava, no dizer de um deles, apenas «superficialmente organizada no papel»” (Sennett, 2006: 65). 29

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Notas finais O principal objetivo deste texto foi debater a questão do trabalho, tendo como pano de fundo a influência que o nosso modelo de organização sociopolítico (capitalismo) acaba por ter na qualidade de vida das populações. Se o lucro e a acumulação de capital não fossem uma meta prioritária dentro de quase todas as organizações, os recursos poderiam ser aplicados na melhoria das condições de vida de todos nós. Claro que independentemente do modelo de organização social que possamos ter, os percalços e as contrariedades continuarão sempre a ocorrer no futuro, dado que não existem modelos de convivência perfeitos e totalmente eficazes. O mundo é um local demasiado incerto e aleatório para nos permitir essa façanha! Mas volto a sublinhar que o modelo económico capitalista baseado na maximização dos lucros e no alegado “livre” funcionamento dos mercados há muito que está a pôr em causa a qualidade das sociedades em que vivemos, construindo, por exemplo, mercados de trabalho flexíveis e formas atípicas de emprego (cada vez menos estáveis e duradouros). As consequências disto para os trabalhadores são desastrosas nos mais diversificados níveis, nomeadamente na precarização do emprego, na saúde e na sua identidade social, a qual se afirma em grande medida através da ocupação/profissão. A desumanização do trabalho é secular, mas as novas formas de precarização estão a dar origem a uma verdadeira sociedade dos descartáveis. O desemprego tornou-se estrutural e presenciamos todos os dias uma dessociabilização crescente dentro do universo produtivo. A flexibilização do trabalho reproduz diversas “forças destrutivas” para a vida dos trabalhadores, pois, entre outros aspetos, quebra os laços sociais, a entreajuda e a coesão social; por vezes, incompatibiliza os ritmos biológicos naturais com os ritmos laborais (trabalho noturno, turnos rotativos ou longas jornadas de trabalho) e isso há muito que transformou a nossa organização social numa espécie de sociedade-patológica. As empresas flexíveis promovem uma ideologia de excelência organizacional, a qual suga e esgota os trabalhadores e exclui os menos adaptados a esta nova modalidade. Esta seletividade organizacional já foi designada como neurose da excelência (cf. Franco et al., 2010: 240). Segundo as palavras de Dejours (1999) o nosso modelo de organização social banalizou a injustiça social. Atualmente tudo parece girar em torno do lucro (onde estão incluídas inúmeras formas de exploração e alienação), adiando a felicidade humana por causa do trabalho. Volto 264

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a sublinhar que se o principal objetivo das organizações não fosse a obtenção do lucro e a acumulação de capital, estes recursos poderiam ser aplicados na melhoria das condições de trabalho (o que naturalmente permitiria reduzir, por exemplo, as doenças ocupacionais e os acidentes de trabalho) e, principalmente, poderíamos reduzir o tempo que passamos a trabalhar. O aumento dos padrões tecnocientíficos nas organizações tem gerado a implementação obsessiva de cada vez mais normas, regras, procedimentos, protocolos e estandardizações, cujo expoente máximo passa pelas certificações (em busca da “qualidade total”); mas todos estes pressupostos partem do princípio ilusório e falacioso de que existe um trabalhador ideal e perfeito, capaz de se lembrar, em todos os momentos, de toda esta enorme panóplia de instruções. Noutro contexto já apelidei esta situação como: Perspetiva Ilusória do Ser Humano Ideal (PISHI) (Areosa, 2015b). Tendo em conta que as nossas capacidades cognitivas são limitadas,30 em algum momento irão ocorrer falhas, lapsos, erros ou acidentes. Normalmente os mentores do trabalho prescrito ignoram esta importante dimensão da condição humana. Ao longo deste texto fui destacando algumas formas atuais ou seculares da desumanização do trabalho. As consequências do trabalho podem ser ambíguas, dado que tanto podem oferecer o melhor como o pior para a existência humana. Esse mesmo trabalho está cheio de representações, significados e metas, que é necessário interpretar e compreender. O sociólogo Ricardo Antunes tem dedicado uma parte significativa da sua investigação a refletir sobre estas questões; por isso, creio que o excerto seguinte traduz de forma assertiva quais devem ser os sentidos do trabalho nas sociedades contemporâneas: “Uma vida cheia de sentido em todas as esferas do ser social somente poderá efetivar-se por meio da demolição das barreiras existentes entre tempo de trabalho e tempo

  A propósito deste aspecto veja-se, por exemplo, o trabalho do psicólogo George Miller (1956), onde é defendido que a nossa espécie só tem capacidade para processar uma certa quantidade limitada de informação de cada vez. Quando essa fronteira é ultrapassada parece que ficamos sobrecarregados e o nosso rendimento começa a baixar drasticamente. Talvez seja por isto que só conseguimos prestar atenção a um número restrito de situações e tendemos a ignorar outras. Um exemplo marcante desta situação é relatado no livro de Daniel Simons e Christopher Chabris (2010), onde os participantes de uma pesquisa estão tão concentrados numa determinada tarefa (contar o número de passes que os jogadores de basquetebol com camisola branca fazem, ignorando os de camisola preta) que a maioria não consegue visualizar um alegado gorila que surge inesperadamente no meio do ringue. 30

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de não-trabalho, de modo que, a partir de uma atividade vital cheia de sentido, autodeterminada, para além da divisão hierárquica que subordina o trabalho ao capital hoje vigente e, portanto, sob bases inteiramente novas, possa se desenvolver uma nova sociabilidade, na qual ética, arte, filosofia, tempo verdadeiramente livre e ócio, em conformidade com as aspirações mais autênticas suscitadas no interior da vida cotidiana, possibilitem a gestação de formas inteiramente novas de sociabilidade, em que liberdade e necessidade se realizem mutuamente. Se o trabalho se torna dotado de sentido, será também (e decisivamente) por meio da arte, da poesia, da pintura, da literatura, da música, do tempo livre, do ócio, que o ser social poderá humanizar-se e emancipar-se em seu sentido mais profundo” (Antunes, 2005: 65).

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