CAPITULO 2 APLICAÇÃO DO MODELO DE QUALIDADE DA ÁGUA QUAL2E PARA ANÁLISE DE CENÁRIOS AMBIENTAIS E AUTODEPURAÇÃO NO MÉDIO RIO ARAGUARI - AP

September 3, 2017 | Autor: Alan Cunha | Categoria: Water Quality Modelling, Amapa, Amazon rivers
Share Embed


Descrição do Produto

Programa Primeiros Projetos

Programa Primeiros Projetos

Secretaria de Estado da Ciência e Tecnologia - SETEC Macapá - Amapá 2010

1

Luís Inácio Lula da Silva Presidente da República

Carlos Alberto Aragão de Carvalho Filho Presidente do CNPq

Pedro Paulo Dias de Carvalho Governador do Estado do Amapá

Aristóteles Fernandes Viana Secretário de Estado da Ciência e Tecnologia - SETEC

Luciedi de Cássia Leôncio Tostes Coordenadora do Projeto

Andréa Liliane Pereira da Silva Normalização da Publicação

Márcio Leite Marinho Capa e Diagramação

Tiragem: 1.000 exemplares

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

A484p

Amapá. Secretaria de Estado da Ciência e Tecnologia Programa Primeiros Projetos/Secretaria de Estado da Ciência e Tecnologia. - Macapá, 2010. 153 p. ; 21 x 29,7 cm. ISBN 1. Desenvolvimento Social. 2. Qualidade da Água. 3. Resíduos Sólidos. 4. Produtos Naturais. 5. Interação Verbal. 6. Sistema Agroflorestal. - I. Título. CDU: 000.0

É permitida a livre transcrição de qualquer parte da obra, desde que citada a fonte, título e ano (Lei 9.610, de 14/12/1998) - Respeite os Direitos Autorais.

Secretaria de Estado da Ciência e Tecnologia - SETEC Av. Presidenta Vargas, 271 - Bairro: Centro - CEP 68900-000 Fones: (096) 32125600/32125621 - Fax: (096) 32125600 E-mail: [email protected] Http//setec.ap.gov.br 2

Programa Primeiros Projetos

Programa Primeiros Projetos

Macapá - Amapá 2010

3

4

Programa Primeiros Projetos

SUMÁRIO PREFÁCIO CAPITULO 1 ABELHAS SEM FERRÃO: ESTRATÉGIA POTENCIAL DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL NO AMAPÁ ..................................................................................................................

9

CAPITULO 2 APLICAÇÃO DO MODELO DE QUALIDADE DA ÁGUA QUAL2E PARA ANÁLISE DE CENÁRIOS AMBIENTAIS E AUTODEPURAÇÃO NO MÉDIO RIO ARAGUARI AP .................................................................................................................................................. 29 CAPITULO 3 INTEGRAÇÃO DE MÉTODOS GEOFÍSICOS NA CARACTERIZAÇÃO GEOAMBIENTAL DA ÁREA DE DISPOSIÇÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS DA CIDADE DE MACAPÁ-AP .................................................................................................. 65 CAPITULO 4 A DETECÇÃO DE PRODUTOS NATURAIS BIOLOGICAMENTE ATIVOS NO ESTADO DO AMAPÁ ................................................................................................................ 95 CAPITULO 5 INTERAÇÃO VERBAL E AFETIVIDADE ENTRE TRÍADES DE ALUNOS NA SOLUÇÃO DE PROBLEMAS MATEMÁTICOS .................................................................... 119 CAPITULO 6 COMUNIDADE DE INSETOS EM SISTEMA AGROFLORESTAL DE VÁRZEA EM MAZAGÃO, AP ............................................................................................................................ 139

5

6

Programa Primeiros Projetos

PREFÁCIO

O Programa Primeiros Projetos uma ação do governo do estado, através da Secretária do Estado da Ciência e Tecnologia em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico- CNPq divulga os resultados obtidos dos primeiros estudos que foram realizados por seus pesquisadores que tiveram projetos aprovados através do lançamento do 1° edital no âmbito desse Programa de Infra- Estrutura para Jovens Pesquisadores. A publicação de resultados desse porte permite gerar um profundo conhecimento científico para o desenvolvimento da Ciência e Tecnologia no Amapá. Desde 2004, a SETEC com seus parceiros, estimula esse tipo de política, inicialmente foram executados sete projetos, no período de 24 meses, Atualmente esta em execução 12 projetos em várias instituições de pesquisa do estado. O Amapá surge como estado que começa seu fortalecimento na ciência invadindo este cenário investigando, obtendo resultados e publicando conhecimentos. O presente livro esta organizado em seis capítulos, cada um corresponde a importantes estudos para que o desenvolvimento do avanço da produção científica em nosso Estado alcance a consolidação necessária. Programas como esse, apóiam a aquisição, instalação, modernização, ampliação ou recuperação da Infra-estrutura de pesquisa científica e tecnológica nas instituições públicas de ensino superior e/ ou pesquisa visando dar suporte à fixação de jovens pesquisadores e nucleação de novos grupos, em quaisquer áreas do conhecimento, além de estimular a pesquisa regional e qualificando melhor o profissional, promovendo assim desafios para o fortalecimento do eixo Ciência & Tecnologia no estado. A Setec parabeniza todos os pesquisadores que participaram desse marco inicial do Programa Primeiros Projetos e encerra essa apresentação concluindo ser a melhor alternativa para o avanço científico a qualificação em recursos humanos.

Aristóteles Fernandes Viana Secretário de Estado da Ciência e Tecnologia - SETEC

7

8

Programa Primeiros Projetos

CAPÍTULO 1 ABELHAS SEM FERRÃO: ESTRATÉGIA POTENCIAL DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL NO AMAPÁ1 Arley José Silveira da Costa2 Paulo Sérgio Mendes Pacheco Junior3 Robert Wagner de Almeida Reis4 Richardson Ferreira Frazão5

1 INTRODUÇÃO

O bioma Amazônia, foco de atenção por sua importância, ocupa cerca de 4.871.000 km2 apenas no Brasil. As enormes dimensões deste bioma estão associadas tanto à riqueza de espécies e diversidade de habitats quanto às lacunas de conhecimento sobre suas fauna, flora, processos ecológicos e interferências antrópicas. No Amapá a preocupação com a proteção destas áreas tem proporcionado o estabelecimento de diversas Unidades de Conservação que, em conjunto, ocupam mais de 50% da área total do Estado. Unidades de conservação buscam, primordialmente, a manutenção da biodiversidade, o que torna indispensável a presença das abelhas, em especial dos meliponíneos, por serem os principais visitantes e polinizadores em ecossistemas tropicais (KERR et al., 2001; ROUBIK, 1989; WILLE; MICHENER, 1973; WILMS; IMPERATRIZ-FONSECA; ENGELS, 1996), como é o caso no Amapá. Apesar da importância desta abordagem, o outro lado deste cenário é a imposição ao Estado do Amapá da necessidade de conciliar a presença de Unidades de Conservação, ou seja, restrições ao uso da biodiversidade, com a necessidade de estratégias alternativas de desenvolvimento social. Importantes elementos na manutenção da biodiversidade (KEVAN; IMPERATRIZFONSECA, 2002; ROUBIK, 1989) e utilizáveis em estratégias de desenvolvimento social (CÁMARA et al., 2004; SILVA; VENTURIERI; SILVA, 2004; VENTURIERI, 2006; VENTURIERI; RAIOL; PEREIRA, 2003), as abelhas se caracterizam como peças-chave para o 1. Trabalho realizado com apoio do Programa Primeiros Projetos (SETEC/CNPq) sob o título “Identificação de Espécies de Abelhas Indígenas sem Ferrão com Potencial de Uso como Estratégia de Desenvolvimento Social por Comunidades do Entorno de Macapá”. 2. Coordenador do Núcleo de Estudos Científicos e Tecnológicos sobre Abelhas Regionais (NECTAR). Endereço: Universidade Federal do Amapá, Rodovia Juscelino Kubitschek de Oliveira Km 02, Bloco I, sala do NECTAR, Bairro Universidade, MacapáAP, 68.902-280. E-mail: [email protected] 3. Mestrando em Desenvolvimento Regional pela UNIFAP. 4. Bacharelando em Biologia pela UNIFAP. Membro do NECTAR. Bolsista de Iniciação Científica PROBIC-UNIFAP (09/05 a 12/05) e SETEC/CNPq (em vigência). 5. Bacharel em Biologia pela UNIFAP. Membro do NECTAR. Bolsista de Iniciação Científica PROBIC-UNIFAP (09/05 a 12/ 05).

9

dilema de conciliação posto ao estado. Dentro deste contexto, o Núcleo de Estudos Científicos e Tecnológicos sobre Abelhas Regionais (NECTAR) da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) foi criado em 2002 com o intuito de identificar as abelhas que ocorrem no Amapá, conhecer a ecologia comportamental destas espécies, além de adequar e difundir estratégias de manejo que permitam a utilização das abelhas sem ferrão na preservação das Unidades de Conservação e em estratégias de desenvolvimento social das comunidades da região. O presente trabalho apresenta os resultados iniciais obtidos pelo NECTAR, bem como uma meta-análise a partir da literatura científica existente sobre o potencial de utilização das abelhas sem ferrão do Amapá em estratégias de desenvolvimento social. Abelhas são insetos da ordem Hymenoptera como vespas e formigas, mas pertencem especificamente à superfamília Apoidea que, em geral, utiliza pólen e néctar para alimentar os adultos e as crias (MICHENER, 1974; SILVEIRA; MELO; ALMEIDA, 2002). As abelhas apresentam alta diversidade na região tropical (CAMARGO, 1989; ROUBIK, 1989) sendo as principais responsáveis pela polinização de diversas plantas nativas e cultivares (ROUBIK, 1989; WILLE; MICHENER, 1973; WILMS; IMPERATRIZ-FONSECA; ENGELS, 1996). Apis é o gênero de abelha mais conhecido entre a população mundial, sendo utilizado na produção comercial de mel. No Brasil esta abelha é conhecida como italiana, europa, européia, africana ou africanizada. Contudo, antes da introdução do gênero Apis que ocorreu no início do século XIX, os meliponíneos eram as únicas abelhas produtoras de mel no Brasil (KERR et al., 2001). Os meliponíneos, também conhecidos como abelhas indígenas sem ferrão, pertencem à subtribo Meliponina que possui dezenas de gêneros divididos em centenas de espécies, com ampla distribuição tropical (NOGUEIRA-NETO, 1997; SILVEIRA; MELO; ALMEIDA, 2002). A denominação deste grupo deriva não da real ausência do ferrão, mas do fato de que este é atrofiado de modo que são impossibilitadas de ferroar (MICHENER, 1974; ROUBIK, 1989). Estas abelhas vivem em sociedades cujas populações podem variar entre centenas e milhares de indivíduos e que, em sua maioria, nidificam em cavidades pré-existentes como ocos de árvores e ninhos abandonados de outros insetos (MICHENER, 1974; SILVEIRA; MELO; ALMEIDA, 2002; WILLE; MICHENER, 1973). Jataí, uruçú, mirim são nomes popularmente empregados para identificar algumas espécies de meliponíneos (NOGUEIRA-NETO, 1997). Abelhas são consideradas recursos naturais com importante papel na manutenção da biodiversidade dos ecossistemas, pois a função polinizadora que exercem sobre cultivares e flora nativa possui interferência direta sobre a produção de sementes e a qualidade e quantidade dos frutos, bem como sobre o fluxo gênico de diversas plantas (ROUBIK, 1989; WILLE; MICHENER, 1973; WILMS; IMPERATRIZ-FONSECA; ENGELS, 1996). Assim, a compreensão da interrelação entre flores e abelhas é importante para estabelecer medidas de conservação do ambiente (SCHLINDWEIN, 2000) e, portanto, imprescindível em uma região onde grandes áreas territoriais estão em Unidades de Conservação como no Amapá. Contudo, apesar da importância das abelhas neotropicais na manutenção da biodiversidade do ecossistema, suas inter-relações com as flores ainda são amplamente desconhecidas (SCHLINDWEIN, 2000). Além do papel direto que possuem na manutenção dos biomas, as abelhas afetam de forma 10

Programa Primeiros Projetos indireta uma série de outros organismos, incluindo o próprio homem. A relevância ecológica das abelhas pode ser evidenciada a partir de sua interação com o macaco Cacajao calvus, conhecido popularmente como Uacari da cara vermelha. Este primata, considerado em risco de extinção, habita a Reserva Ecológica de Mamirauá e é amplamente protegido, contudo, em fins da década de 90 a população de Uacari estava diminuindo. Um estudo realizado por Kerr et al. (2001) identificou que os frutos consumidos pelos Uacari eram provenientes das plantas visitadas pelos meliponíneos. Além disso, constatou que os moradores da área de Mamirauá possuíam o hábito de utilizar o mel de meliponíneos ao administrar um medicamento, e que destruíam as árvores onde as abelhas nidificavam para obtê-lo, conseqüentemente eliminando a colônia. Portanto, as ações dos seres humanos na área da reserva reduziram as colônias de meliponíneos, fizeram com que houvesse menos atividade polinizadora e, conseqüentemente, menos frutos para que os Uacari se alimentassem, de modo que a população dessa espécie de primata se mantivesse estável ou declinasse (KERR, 2002; KERR et al., 2001). De modo sucinto estes estudos revelam a estreita inter-relação entre os humanos, os Uacari e as abelhas sem ferrão em Mamirauá. Estudos como o de Kerr et al. (2001) evidenciam que a supressão de uma população de polinizadores efetivos e exclusivos, como algumas espécies de abelhas, interfere diretamente no sucesso reprodutivo e na manutenção de espécies vegetais, conduzindo-as à extinção no médio prazo (SCHLINDWEIN, 2000) e, conseqüentemente, de toda biota que lhe é associada. Esse fato demonstra que a preservação de um conjunto de espécies, incluídas aquelas em risco de extinção, pode estar diretamente ligada à manutenção das abelhas ou outros organismos que muitas vezes são desconsiderados da análise de risco de extinção. Contudo, os riscos aos quais as abelhas estão expostas parecem não ser considerados, uma vez que este grupo, mesmo desaparecendo em diversos lugares, é pouco presente nas listas de espécies ameaçadas (KERR, 2002). A preocupação com a preservação parece estar voltada aos grandes animais, aos mais carismáticos ou àqueles em que há um grande número de cientistas trabalhando. A relevância de outros organismos como os insetos, por exemplo, é subestimada. Para se ter uma idéia da dimensão deste viés, apenas os himenópteras, grupo composto por abelhas, vespas e formigas, possuem mais de 115.000 espécies descritas, o que significa que representam, sozinhos, o dobro do número de todos os vertebrados. A ordem dos himenópteros é a mais diversa funcionalmente, de modo que sua presença interfere na composição e diversidade de outros taxa. Assim, os himenópteros são um componente vital dos ecossistemas, e considera-se que sua remoção causaria um efeito cascata que resultaria em um rápido e irreversível declínio ambiental. Apesar de sua importância ecológica e econômica, diversas espécies de abelhas têm sido extintas ou estão em risco de extinção e pouca atenção tem sido dada ao fato (KERR, 2002; MELO; MARTINS; GONÇALVES, 2006). Estudos recentes têm revelado uma redução de abundância e riqueza das abelhas em áreas sob processo antrópico (KERR, 2002; MELO; MARTINS; GONÇALVES, 2006) com as maiores taxas de destruição de espécies se concentrando ao redor de vilas e cidades, bem como de rios e rodovias (KERR, 2002). Esses resultados são ainda mais expressivos quando se considera que muitos dos ambientes naturalmente ocupados pelas abelhas estão sendo degradados, ameaçados ou extintos (ROUBIK, 2006) e que o processo 11

de antropização tem provocado a extinção das abelhas em diversas áreas da América do Sul, principalmente após 1960 com a expansão da população humana (KERR; NASCIMENTO; CARVALHO, 1996). Os efeitos desta extinção são sentidos na redução de abelhas de grande porte, na modificação da riqueza de espécies de uma região e na diminuição de espécies que nidificam em ocos de árvores (KERR, 2002). Alterações na riqueza das espécies podem ser importantes, pois a redução de abelhas de grande porte pode interferir no processo de polinização, uma vez que estas são polinizadoras potencialmente melhores que as pequenas (ROUBIK, 1989), ou mesmo fazer desaparecer polinizadores específicos. O fato de existirem áreas de Floresta Amazônica onde 42% das plantas produtoras de pólen são polinizadas por apenas uma única espécie de abelha demonstra a importância de cada polinizador (ABSY et al., 1984) e a necessidade de confrontar a antropização. As áreas não antropizadas da Amazônia ainda possuem suas espécies de meliponíneos (KERR, 2002), contudo, mesmo com a criação de diversas Unidades de Conservação, o processo de expansão populacional e da fronteira agrícola, bem como a abertura e a organização das estradas vem gerando intensa pressão antrópica sobre áreas ainda preservadas no Amapá. Assim, o combate ao processo de extinção de abelhas, com conseqüentes efeitos sobre a biodiversidade, pode ser realizado através da manutenção destas abelhas nos locais onde ocorrem. Considerando que a difusão do manejo correto de abelhas sem ferrão pode auxiliar na preservação desse grupo (KERR, 2002), um modo de incentivar essa ação é utilizar abelhas como estratégia de desenvolvimento social gerando complemento de renda às populações tradicionais através, por exemplo, da produção e comercialização do mel. Abelhas, em especial Apis mellifera, são criadas para extração de mel podendo ser usadas no desenvolvimento social de comunidades. Contudo, Apis tem dificuldade de adaptação e produção nos trópicos úmidos e em florestas da Amazônia (NOGUEIRA-NETO, 1997; ROUBIK, 1989), o que conseqüentemente permite que os meliponíneos sejam identificados como candidatos potenciais para produção com fins comerciais. Os meliponíneos apresentam características que os credenciam para o atendimento às necessidades sociais das famílias e das comunidades, entre as quais pode ser destacado o fato do mel apresentar diversas características medicinais (DEMERA; ANGERT, 2003; GRAJALES-CONESA et al., 2003; MOLAN, 1992) superiores ao de Apis mellifera (CORTOPASSI-LAURINO; GELLI, 1991) e de possuir sabor apreciado podendo alcançar valor de venda maior (NOGUEIRA-NETO, 1997; VENTURIERI et al., 2003). Além disso, são abelhas dóceis, facilmente manejadas e requerem reduzido investimento para a criação podendo gerar renda não apenas através de produtos como o mel, mas também através da multiplicação e venda de colônias (CÁMARA et al., 2004; NOGUEIRA-NETO, 1997; VENTURIERI; RAIOL; PEREIRA, 2003). O manejo de abelhas sem ferrão é antigo, sendo utilizado por diversas comunidades americanas como os Maias e os índios da Amazônia brasileira. Os Maias e os Kayapós, por exemplo, manejavam os meliponíneos para obtenção de cera e mel mantendo colônias de diferentes espécies próximas da casa para o manejo ou próximos de áreas de plantio para aumentar o sucesso do cultivo (POSEY, 1982; ZOZAYA RUBIO; ESPINOSA MONTAÑO, 2001). A relação dos índios 12

Programa Primeiros Projetos brasileiros com os meliponíneos é tão próxima que grande parte dos nomes populares e científicos destas abelhas é indígena, mais especificamente de origem Tupi (NOGUEIRA-NETO, 1970). O conhecimento sobre a criação de meliponíneos, embora antigo, apenas recentemente tem sido estudado e aplicado (NOGUEIRA-NETO, 1997; ROUBIK, 1989). Grande parte das pessoas que trabalham com as abelhas indígenas sem ferrão ignora a possibilidade de renda oriunda desta prática (SILVA; VENTURIERI; SILVA, 2004), entretanto, a meliponicultura vem se estabelecendo rapidamente em diversos locais como México, Austrália e Brasil (HEARD; DOLLIN, 2000; IMPERATRIZ-FONSECA; CONTRERA; KLEINERT, 2004; NOGUEIRA-NETO, 1997; ROUBIK, 1989). Neste último, o estudo e implementação de técnicas de manejo de meliponíneos vêm ocorrendo em diversos pontos. No nordeste brasileiro a meliponicultura está sendo utilizada com sucesso para a manutenção da biodiversidade, bem como para a satisfação das necessidades humanas de alimentação e renda (CÁMARA et al., 2004; IMPERATRIZ-FONSECA; CONTRERA; KLEINERT, 2004). Na Amazônia, embora as condições ecológicas sejam adequadas para a utilização de meliponíneos em projetos de desenvolvimento social, ainda são incipientes as referências para a criação de abelhas indígenas sem ferrão, sua produção e a comercialização (VENTURIERI; RAIOL; PEREIRA, 2003). Alguns estudos desenvolvidos no Pará e Amazonas mostram que o manejo de cinqüenta colônias efetivado paralelamente a outras atividades permite uma renda mensal acima dos quatrocentos reais. No Amazonas têm sido utilizadas as espécies Melipona compressipes sp., seminigra sp., rufiventris sp., nebulosa e crinita (OLIVEIRA, 2001), enquanto no Pará Melipona flavolineata e fasciculata e Tetragonisca angustula. Contudo, as espécies adequadas, bem como as técnicas de manejo variam para cada micro-região (OLIVEIRA, 2001) o que faz com que em cada local seja necessário identificar as abelhas que ocorrem e desenvolver o manejo adequado. O Amapá ainda desconhece sua fauna apícola, bem como o potencial de uso das mesmas em estratégias de desenvolvimento social. Assim, considerando que o Amapá tem aumentado sua população nos últimos anos e vem buscando estratégias de desenvolvimento tradicionais como a implementação do agronegócio e que, portanto, o avanço da antropização se configura como um risco iminente para as abelhas da região, este trabalho objetiva fazer uma análise preliminar do potencial de uso das abelhas indígenas sem ferrão como estratégia de desenvolvimento social para as comunidades do Amapá. Com vistas a este objetivo são apresentados os resultados iniciais obtidos pelo Núcleo de Estudos Científicos e Tecnológicos sobre Abelhas Regionais (NECTAR) sobre a identificação das abelhas do Amapá, seus locais de ocorrência, hábitos de nidificação, flora visitada, bem como definição dos meliponíneos adequados para utilização como estratégias de desenvolvimento social.

2 METODOLOGIA

Identificação de espécies: Áreas de floresta, várzea e cerrado localizadas no entorno do município de Macapá foram utilizadas para coleta, principalmente nas regiões de Fazendinha, 13

Lagoa dos Índios e Curiaú. O método utilizado foi uma variação de Sakagami, Laroca e Moure (1967). As abelhas foram coletadas durante o forrageio em espécies vegetais floridos com o auxílio de redes entomológicas entre 08:00 e 18:00 horas. O par de coletores se deslocava pelos transectos buscando árvores e arbustos floridos. Na vegetação em floração era feita uma varredura visual por abelhas durante 3 minutos. Após uma abelha ser encontrada iniciava-se um procedimento de coleta por 10 minutos. Quando não se encontrava uma abelha no período de varredura ou após encerrados os 10 minutos de coleta, buscava-se outra planta e reiniciava-se o processo. Este método de coleta é, com pequenas variações, o mais utilizado em levantamentos apifaunísticos (SILVEIRA; MELO; ALMEIDA, 2002). Os espécimes coletados foram sacrificados em tubo mortífero contendo acetato, acondicionados e transportados para o NECTAR onde foram montados. As abelhas foram identificadas, com auxílio das chaves dispostas em Silveira, Melo e Almeida (2002), até o nível de espécie no NECTAR. Posteriormente, a identificação das abelhas foi confirmada por sistematas de Apoidea do Laboratório de Biologia Comparada de Himenópteras da UFPR. Espécimes testemunhos foram devidamente organizados e depositados na coleção do NECTAR/UNIFAP. Flora visitada por abelhas: No momento da coleta de dados do levantamento das abelhas, as espécies de plantas em que ocorreram as abelhas foram também coletadas. Utilizou-se também a metodologia padrão com a retirada de uma amostra composta de um ou mais ramos floridos que foram herborizados para posterior incorporação no Herbário Amapaense (HAMAB) do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (IEPA). A identificação foi feita por comparação e através de chaves analíticas e bibliografia especializada. Hábitos de nidificação: Os levantamentos dos substratos de nidificação foram realizados em ambientes de cerrado na Área de Proteção Ambiental do Curiaú (APA do Curiaú) e de várzea na APA da Fazendinha que se localizam nos arredores de Macapá-AP. A APA do Curiaú abriga uma comunidade de descendentes quilombolas e é formada por uma rede de bacias de acumulação, que são localmente denominadas de ressacas. Três biomas principais ocorrem na APA, mas as coletas foram realizadas apenas nas áreas de cerrado. A APA da Fazendinha, por outro lado, margeia o Rio Amazonas e possui uma área de floresta de várzea. Foram realizadas oito coletas quinzenais entre outubro de 2005 e janeiro de 2006, sendo quatro em cada APA. As árvores em que ocorria a nidificação de meliponíneos foram localizadas com o auxílio de mateiros ou por indicação de moradores locais. As abelhas coletadas com o auxílio de rede entomológica na entrada dos ninhos foram montadas, depositadas na coleção do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (IEPA), identificadas previamente através da utilização de chaves. Posteriormente a identificação foi confirmada por especialistas da Universidade Federal do Paraná (UFPR). A coleta de espécies vegetais obedeceu à metodologia convencional. Amostras de um ou mais ramos floridos foram retirados das plantas e herborizados (FIDALGO; BONONI, 1984) sendo posteriormente incorporados ao HAMAB do IEPA. A identificação das espécies ocorreu por comparação e através de chaves analíticas da bibliografia especializada.

14

Programa Primeiros Projetos Etnoecologia: As comunidades tradicionais foram abordadas através de conversas informais que permitiram identificar alguns de seus conhecimentos sobre as espécies de abelhas locais. Os membros da comunidade da APA do Curiaú foram abordados e inquiridos sobre espécies conhecidas e utilizadas, comportamentos, criação e manejo de meliponíneos. Os elementos das conversas que revelavam conhecimentos da comunidade sobre as abelhas eram registrados em folha de papel. Esta foi uma abordagem inicial do tema, de modo que as informações preliminares obtidas junto à comunidade permitirão a organização de entrevistas semi-estruturadas visando um estudo mais aprofundado sobre o etnoconhecimento desta comunidade sobre as abelhas sem ferrão. Potencial da espécie para uso em estratégia de desenvolvimento social: A biologia das abelhas identificadas no levantamento foi analisada para avaliar seu uso posterior como estratégia de desenvolvimento social considerando: a) produção melífera; b) hábitos de nidificação; c) agressividade e, d) hábitos higiênicos. A análise utilizou como referência os dados obtidos em campo ou informação presente na literatura sobre as espécies identificadas.

3 RESULTADOS

Abelhas de diferentes grupos foram coletadas no Amapá em anos recentes (FRAZÃO, 2006; FRAZÃO; SILVEIRA, 2002; MELO, 2006; ZANINI, 2004; dados do NECTAR) e se encontram depositadas no Núcleo de Estudos Científicos e Tecnológicos sobre Abelhas Regionais (NECTAR) ou no Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (IEPA) como material testemunho (Tabelas 1, 2 e 3; Figura 1). Tabela 1 - Posição taxonômica das subtribos de abelhas coletadas no Amapá em estudos recentes*. Superfamília Apoidea

Família Apidae

Subfamília Apinae

Tribo Apini

Xylocopinae

Centridini Xylocopini

Subtribo Apina Bombina Euglossina Meliponina

*Os dados se referem às coletas do NECTAR e aos estudos de Frazão, 2006, Frazão; Silveira, 2002, Melo, 2006, Zanini, 2004.

15

(a) Lestrimelitta rufipes

(g) Tetragona clavipes

(n) Melipona captiosa

(b) Frieseomelitta longipes

(h) Trigona branneri

(o) Melipona compressipes

(c) Frieseomelitta trichocerata

(i) Trigona cilipes

(p) Melipona fuliginosa

(d) Partamona gr. ferreirai

(j) Trigona gr. fulviventris

(q) Melipona fulva

(e) Partamona vicina

(l) Trigona pallens

(r) Melipona lateralis

(f) Partamona lurida

(m) Trigona williana

(s) Melipona paraensis

Figura 1 - Imagens de espécies de abelhas sem ferrão (a-s) com ocorrência no Amapá e que estão depositadas na coleção do NECTAR (Fotos Robert Reis). 16

Programa Primeiros Projetos Embora tenham sido coletadas abelhas de diferentes tribos e subtribos, apenas as espécies pertencentes à subtribo Meliponina (Tabela 2) estão sendo avaliadas neste estudo para o uso em estratégia de desenvolvimento social. Tabela 2 - Espécies de abelhas da subtribo Meliponina coletadas no Amapá em estudos recentes*. Espécie Cephalotrigona femorata Frieseomelitta aff. flavicornis Frieseomilitta longipes Frieseomelitta cf.trichocerata Lestrimelita rufipes Melipona captiosa Melipona compressipes Melipona fulva Melipona fuliginosa Melipona interrupta Melipona lateralis Melipona paraensis Melipona rufiventris Nannotrigona cf. punctata Oxytrigona obscura Partamona gr. ferreirai Partamona vicina Plebeia minima Ptilotrigona lurida Scaura gr. latitarsis Tetragona gr. clavipes Trigona gr. amazonensis Trigona aff. branneri Trigona gr. cilipes Trigona crassipes Trigona dallatorreana Trigona fulviventris Trigona fuscipennis Trigona hypogea Trigona gr. hypogea Trigona mazucatoi Trigona pallens Trigona williana

Estudos em que foram coletadas MELO, 2006 FRAZÃO, 2006; NECTAR NECTAR FRAZÃO, 2006; FRAZÃO; SILVEIRA, 2002; NECTAR NECTAR NECTAR MELO, 2006; NECTAR FRAZÃO, 2006; FRAZÃO; SILVEIRA, 2002; MELO, 2006; ZANINI, 2004; NECTAR FRAZÃO, 2006; NECTAR FRAZÃO, 2006; FRAZÃO; SILVEIRA, 2002 NECTAR FRAZÃO, 2006; NECTAR FRAZÃO; SILVEIRA, 2002 NECTAR MELO, 2006 NECTAR FRAZÃO, 2006; NECTAR FRAZÃO, 2006; FRAZÃO; SILVEIRA, 2002; ZANINI, 2004 NECTAR NECTAR FRAZÃO, 2006; FRAZÃO; SILVEIRA, 2002; MELO, 2006; ZANINI, 2004; NECTAR FRAZÃO, 2006; FRAZÃO; SILVEIRA, 2002; ZANINI, 2004; NECTAR FRAZÃO, 2006; MELO, 2006; NECTAR FRAZÃO, 2006; FRAZÃO; SILVEIRA, 2002; ZANINI, 2004; NECTAR MELO, 2006 NECTAR FRAZÃO, 2006; FRAZÃO; SILVEIRA, 2002; MELO, 2006; ZANINI, 2004 FRAZÃO; SILVEIRA, 2002 MELO, 2006 MELO, 2006 MELO, 2006 FRAZÃO, 2006; FRAZÃO; SILVEIRA, 2002; MELO, 2006; ZANINI, 2004; NECTAR NECTAR

*Os dados se referem às coletas do NECTAR e aos estudos de Frazão, 2006, Frazão; Silveira, 2002, Melo, 2006, Zanini, 2004.

Outras abelhas embora não identificadas até espécie foram listadas nos diferentes estudos (Tabela 3). Os trabalhos de Zanini (2004), Melo (2006) e Frazão e Silveira (2002) apresentam abelhas do gênero Frieseomelitta não identificadas quanto à espécie. Como não houve comparação entre os exemplares destes estudos, não foi possível determinar o número real das espécies deste gênero. 17

Tabela 3 - Abelhas da subtribo Meliponina coletadas no Amapá em estudos recentes*, mas não identificadas até espécie. Abelha

Estudos em que foram coletadas

Frieseomelitta sp.1

FRAZÃO; SILVEIRA, 2002

Frieseomelitta sp.2

FRAZÃO; SILVEIRA, 2002

Frieseomelitta sp.3

ZANINI, 2004

Frieseomelitta sp.4

MELO, 2006

Melipona sp.

ZANINI, 2004

Partamona sp.

FRAZÃO; SILVEIRA, 2002

Scaptotrigona sp.1

FRAZÃO; SILVEIRA, 2002

Scaptotrigona sp2

FRAZÃO; SILVEIRA, 2002

*Os dados se referem às coletas do NECTAR e aos estudos de Frazão, 2006, Frazão; Silveira, 2002, Melo, 2006, Zanini, 2004.

Considerando apenas os dados obtidos pelo NECTAR, as espécies mais abundantes foram respectivamente: Melipona compressipes, Trigona pallens, Melipona paraensis, Partamona vicina, Trigona fulviventris, Trigona fuscipennis, Melipona fulva e Trigona cilipes. A lista e as imagens das abelhas encontradas no Amapá estão disponibilizadas para domínio público na rede mundial de computadores através da página do Núcleo de Estudos Científicos e Tecnológicos sobre Abelhas Regionais (http://www.unifap.br/nectar). As abelhas apresentaram uma diferença de ocupação dos diferentes ecossistemas (Tabela 4). Os gêneros Partamona, Tetragona, Frieseomelitta e Plebeia ocorreram exclusivamente no cerrado, enquanto outros gêneros ou espécies ocorreram também no ambiente mais úmido da várzea. Esses dados referem-se apenas aos dados obtidos pelo NECTAR na coleta de 2006 realizadas nas APA do Curiaú (cerrado) e da Fazendinha (várzea). Tabela 4 - Ocorrência das espécies de meliponíneos nos ambientes de cerrado e várzea coletados nos arredores de Macapá entre 2002 e 2006. Espécies Melipona fulva Melipona compressipes Melipona paraensis Melipona fuliginosa Frieseomelitta trichocerata Frieseomelitta flavicornis Partamona vicina Plebeia minima Tetragona clavipes Trigona amazonensis Trigona cilipes Trigona fulviventris Trigona branneri Trigona pallens

18

Ambientes Cerrado (APA do Curiaú) X X X X X X X X X X X X X X

Várzea (APA da Fazendinha) X X X

X X X

Programa Primeiros Projetos Os meliponíneos visitam diversas espécies de plantas da APA do Curiaú (Tabela 5). Contudo, embora grande parte das plantas seja visitada por diversos meliponíneos, algumas são visitadas por um pequeno número de espécies como Euterpea, Inga, Spondias e Syzigium. Estes dados, contudo referem-se a um número pequeno de observações que serão ampliados em estudos posteriores. Tabela 5 - Ocorrência de espécies de meliponíneos por espécie de planta visitada no cerrado da APA do Curiaú.

x x x x

x x x

x x

Trigona amazonensis

Tetrágona clavipes

Plebéia minima

Partamona vicina

Frieseomelitta flavicornis

x x x

x

x

Trigona pallens

x x x

Frieseomelitta trichocerata

Melipona fuliginosa

Melipona paraensis

x

Trigona fulviventris

x x x x x

Trigona branneri

x x x

Trigona cilipes

Mimosa pudica Vitex sp. Myrcia sp. Eugenia sp. Wulfia sp. Byrsonima crassifolia Passiflora edullis Euterpea oleracea Amasonia campestre Thalia geniculata Inga sp1 Inga sp2 Spondias mombim Syzigium malacensis

Melipona compressipes

Espécies de plantas

Melipona fulva

Espécies de meliponíneos

x

x x

x

x

x x x x x x

x

x

x x

x x

x x

x

x x x

x x x x x

x x x x x

x

x

x x

Foram localizados treze ninhos de três das espécies de Melipona estudadas, distribuídas em oito diferentes espécies de árvores. Os ninhos de M. compressipes e de M. fulva foram encontrados no ambiente de cerrado da APA do Curiaú, enquanto que os de M. paraensis foram encontrados na várzea da APA da Fazendinha (Tabela 6). Todos os ninhos destas espécies foram encontrados em ocos de árvores vivas presentes na várzea ou no cerrado. Não houve sobreposição de substrato de nidificação entre as espécies de abelhas estudadas. Embora Vitex sp. tenha sido a espécie com maior número de ocorrências, o baixo número de ninhos encontrado não permite análises que a caracterizem como um substrato preferencial de nidificação para as abelhas do gênero Melipona encontradas na região.

19

Tabela 6 - Freqüência de distribuição dos ninhos de Melipona compressipes, M. paraensis e M. fulva* por área de ocorrência e por espécie vegetal utilizada como substrato de nidificação. Espécie vegetal Vitex sp. Jacaranda copaia D. Don. Mezilaurus itauba (Meiss.) Kosterrm. Spondias mombim L. Virola surinamensis (Rol.) Warb. Artocarpus altilis (Parks) var. seminifera Syzygium malacensis Merr & Parry Tabebuia sp.

Área de ocorrência Cerrado (APA do Curiaú) Várzea (APA da Fazendinha) Mc - 3 Mc - 2 Mc - 1 Mp - 2 Mp - 2 Mp - 1 Mp - 1 Mf - 1 -

*As siglas Mc, Mp e Mf correspondem respectivamente a Melipona compressipes, M. paraensis e M. fulva. O número após a sigla da espécie de abelha identifica a quantidade de ninhos encontrados em cada espécie vegetal.

Quanto ao conhecimento etnoecológico, os poucos membros da população da APA do Curiaú que possuem informações sobre as abelhas, conhecem e nomeiam algumas das espécies identificadas como uruçú amarela (Melipona paraensis e Melipona fulva), tiúba (Melipona compressipes), caga-fogo (Tetragona clavipes), mosquito (abelhas dos gêneros Plebeia e Tetragonisca) e arapuá, irapuá e abelha cachorro (diversos Trigonini). A nomenclatura é próxima daquela especificada pela taxonomia. Algumas espécies vegetais, como Vitex, são apontadas como aquelas em que as abelhas nidificam preferencialmente e são procuradas para a colheita do mel. O mel dos meliponíneos é utilizado como alimento, sendo que a obtenção do mesmo em geral ocorre pela retirada do galho ou a derrubada da árvore onde se encontra o ninho. As plantas que as abelhas sem ferrão visitam para buscar o néctar são também identificadas pela população. A análise de características como elevada produção de mel, baixa agressividade contra intrusos, ausência de defesa química, hábitos higiênicos, ninhos não associados ao de outros organismos e por serem utilizadas na meliponicultura em outras localidades permitiram considerar três espécies como potenciais para atividade de criação e manejo de abelhas sem ferrão (Meliponicultura), a saber: Melipona compressipes, Melipona paraensis e Melipona fulva. Abelhas do gênero Scaptotrigona também apresentam características que as qualificam como potenciais, sendo inclusive utilizadas no Pará, contudo, é uma abelha extremamente agressiva o que dificulta o manejo. A possibilidade de criação de Scaptotrigona envolve o manuseio noturno, período em que estas abelhas não realizam o ataque e permitem o manejo.

4 DISCUSSÃO

Estima-se um total de cerca de 500 espécies de abelhas para o Amapá, sendo que apenas 143 foram foram descritas até o momento (MOURE; URBAN; MELO, 2007). Apesar dessa concentração, há poucos inventários sobre o grupo na região, destacando-se os trabalhos pioneiros e descritivos de Bates, (1856) nas expedições pelo Rio Amazonas e Ducke (1906) nos arredores 20

Programa Primeiros Projetos de Belém. Porém alguns estudos sobre a diversidade de Meliponina nas florestas tropicais foram realizados por Oliveira, Morato e Garcia (1995) na Amazônia Central; Roubik (1989) na Amazônia Guianense; Silva, Venturieri e Silva (2004) em uma área de transição Cerrado-Amazônia. No Amapá Frazão e Silveira (2002) nas áreas úmidas de Macapá e Santana; Melo (2006) na região dos Lagos do Amapá; Frazão (2006) na APA do Rio Curiaú; Zanini (2004) no Campus da Universidade Federal do Amapá, e os dados do NECTAR ainda não publicados, se configuram como as primeiras coletas sistemáticas. Nos diferentes biomas do Amapá o número de espécies de meliponíneos coletados é similar àquele de outros ambientes com características semelhantes (CAMARGO; MAZUCATO, 1984; CARVALHO; BEGO, 1998; FARIA; CAMARGO, 1996; SANTOS; CARVALHO; SILVA, 2004). Este número de espécies registrado para o estado, que deve ser ampliado com a elevação dos esforços amostrais, indica um grande número de meliponíneos e configura uma excelente possibilidade de identificar neste grupo abelhas adequadas para a utilização em estratégias de desenvolvimento social tanto nos ambientes de cerrado como nos de várzea. Além disso, a presença de diferentes espécies de meliponíneos evidencia um quadro de organismos que podem realizar funções ecológicas distintas. Neste contexto, o número de meliponíneos encontrados (Tabelas 2 e 3; Figura 1) permite esperar que este grupo atue como responsável pela polinização de plantas pertencentes a grupos diversos, como especificado por vários autores (KERR et al., 2001; NOGUEIRA-NETO, 2002; ROUBIK, 1989; WILLE; MICHENER, 1973; WILMS; IMPERATRIZ-FONSECA; ENGELS, 1996). As distintas espécies de plantas visitadas pelas abelhas configuram um excelente pasto apícola para a manutenção dos meliponíneos na região (Tabela 5). No entanto, assim como encontrado neste estudo, as diferentes espécies de meliponíneos apresentam preferência por diferentes espécies vegetais (NOGUEIRA-NETO, 2002), em relações insetos-plantas que podem favorecer um elevado grau de endemismo entre os insetos (MARTINS, 2002). Além disso, algumas abelhas ocorreram diferencialmente no cerrado e na várzea (Tabela 4), o que pode estar relacionado com interações inseto-planta específicas. Portanto, considerando a importância das abelhas nativas como grupo chave para a manutenção de ecossistemas (KERR et al., 2001; NOGUEIRA-NETO, 2002; O’TOOLE, 2002), é necessário identificar as inter-relações abelha-flor ainda desconhecidas para esta região, bem como preservar a diversidade de plantas e meliponíneos encontrados nos diferentes ambientes em razão de suas interações ecológicas interespecíficas como forma de manter a sustentabilidade dos ecossistemas onde estes organismos estão sendo encontrados. Além disso, a ocorrência das espécies no cerrado evidencia a importância deste bioma que, em muitos casos, não é considerado como ambiente a ser preservado. O cerrado vem sendo amplamente afetado por ações antrópicas e a necessidade de sua conservação é urgente (FURLEY, 1999), assim, é necessário proteger não apenas as áreas de floresta na Amazônia, mas também o cerrado. A ausência ou o reduzido número de Unidades de Conservação que incorporem áreas de cerrado pode fazer com que grandes áreas deste bioma sejam destruídas, de forma a conduzir a um processo de extinção da flora e da fauna que lhe são próprias. Uma forma de efetivar a preservação das abelhas e dos biomas onde estas ocorrem é manter 21

atividades de meliponicultura que auxiliam tanto na preservação de espécies cultivadas quanto de vegetação nativa (NOGUEIRA-NETO, 2002; ROUBIK, 1989) Abelhas do gênero Melipona são tradicionalmente utilizadas para a produção de mel (NATES-PARRA, 2006) e são, portanto, fortes candidatas ao processo de criação. Entre as diferentes abelhas encontradas, as espécies Melipona compressipes, Melipona paraensis e Melipona fulva se configuram como adequadas para a utilização na meliponicultura por suas características de elevada produção de mel, baixa agressividade, hábitos higiênicos e ninhos não associados ao de outros organismos. Ninhos destas espécies ocorrem diferencialmente no cerrado e na várzea (Tabela 6), o que conduz a uma análise ainda preliminar de que a criação de M. compressipes e M. fulva deve ocorrer preferencialmente no cerrado, enquanto a de M. paraensis deve priorizar o ambiente mais úmido da várzea. A variedade de espécies distribuída em diferentes biomas e associada ao conhecimento que a comunidade possui sobre os meliponíneos quanto à identificação das abelhas, do pasto apícola e dos locais onde nidificam, abre a perspectiva de aplicação de estratégias ecologicamente corretas, como a meliponicultura, permitindo a conservação de recursos naturais e o desenvolvimento social. Os meliponíneos são ideais para estas estratégias, pois são abelhas dóceis, de fácil manejo e necessitam de pouco investimento para sua criação (NOGUEIRA-NETO, 1997). Contudo, como as espécies de meliponíneos apresentam preferência por diferentes habitats (ROUBIK, 1989; SILVEIRA; MELO; ALMEIDA, 2002), devem ser utilizadas espécies diferentes como estratégias de manejo para os diversos biomas do Amapá, e prestar atenção na fauna apícola disponível e requisitada pelas espécies escolhidas para o manejo. Os dados iniciais obtidos pelo NECTAR permitem caracterizar as abelhas sem ferrão como uma estratégia potencial de desenvolvimento social no Amapá. A meliponicultura pode, portanto, ser um mecanismo de manutenção da biodiversidade associado às estratégias de desenvolvimento social de forma a solucionar o dilema imposto entre a necessidade de desenvolvimento e a existência de Unidades de Conservação em mais de 50% do território amapaense. A meliponicultura, com a conseqüente manutenção de abelhas em caixa de criação, permitirá a obtenção de mel preservando o ambiente e os polinizadores. Além disso, permitirá a multiplicação de colônias e a diminuição da destruição de árvores para a obtenção do mel. Contudo, cabe ressaltar que para que isso ocorra, as comunidades que venham a desenvolver a criação de abelhas sem ferrão devem ser instruídas a minimizar a retirada de colônias dos ambientes naturais. Coleta de ninhos da natureza que estejam em risco devem ocorrer preferencialmente em árvores mortas ou em galhos secundários (COLETTO-SILVA, 2005) ou em áreas que vão sofrer degradação ambiental. O mel dos meliponíneos é muito apreciado e apresenta características medicinais (CORTOPASSI-LAURINO; GELLI, 1991; MOLLAN, 1992), além de alcançar valor de venda superior ao encontrado para Apis mellifera (NOGUEIRA-NETO, 1997), mas no Amapá o processo da meliponicultura é ainda incipiente. Assim, como há abelhas que se adeqüam à meliponicultura no Amapá, é possível, às comunidades desta região, desenvolver a criação das abelhas sem ferrão, inclusive como uma atividade de suporte àquela desenvolvida originalmente pela família, pois a atividade exige pouco esforço e pode ser realizada em horários alternativos ou pelo conjunto dos 22

Programa Primeiros Projetos membros da família. Outras observações são importantes para além do processo de criação. Como a maioria das abelhas do gênero (WILLE; MICHENER, 1973), as colônias das três espécies de Melipona identificadas como potenciais para a meliponicultura nidificaram em cavidades de árvores. Diversos fatores podem influenciar a ocorrência das Meliponina nos ambientes como aspectos ecológicos, disponibilidade de locais adequados para nidificação e oferta de recursos tróficos; fatores biogeográficos relacionados à própria distribuição das espécies e fatores filogenéticos inerentes a cada espécie de abelha sem ferrão. A preservação das espécies vegetais onde essas abelhas nidificam é extremamente importante para a manutenção destes organismos nas áreas de preservação, uma vez que em um estudo realizado por Kerr (1984) os meliponíneos nidificaram em apenas 12 espécies de árvores de um total de mais de 200 disponíveis. Além disso, as espécies não escavam a madeira para construir ou alargar um buraco, elas dependem inteiramente de sua ocorrência natural (ROUBIK, 1989, 2006; WILLE; MICHENER, 1973). Outro aspecto relevante é o fato dos meliponíneos não serem capazes de migrar com sua rainha para um novo sítio de nidificação quando seu ninho é severamente danificado (ROUBIK, 2006) em razão do aumento do gáster e da conseqüente impossibilidade de vôo. Portanto, as estratégias de retirada de mel que envolvam a destruição do ninho, ou uma abertura ampla que faça com que o ninho seja muito exposto, como encontrado entre as comunidades locais, significa a destruição da colônia. A exploração predatória com a derrubada da árvore ou a inutilização do oco da mesma como local de nidificação para os meliponíneos é uma prática que deve ser evitada como forma de assegurar a manutenção das espécies que dependem deste tipo de substrato. Estratégias de manejo como a retirada do ninho sem a destruição do oco, denominada de método CESDA (COLETTO-SILVA, 2005) ou a abertura do ninho em árvores que apresentem fissuras devem ser difundidas entre as comunidades residentes nas APA para assegurar a existência de locais de nidificação e, conseqüentemente, de sobrevivência dessas espécies. Estratégias de obtenção do ninho pelo método CESDA pode ser ainda mais interessante no que tange a preservação ambiental se for feita a divisão da colônia capturada, deixando no oco parte do ninho (COLETTOSILVA, 2005). O interesse pela meliponicultura cresce no Brasil e o mesmo é sentido no Amapá, mas a criação deve ser feita com abelhas já existentes na região, e de preferência obtendo ninhos matrizes de criadores registrados no IBAMA (COLETTO-SILVA, 2005). Mas ao longo do desenvolvimento da meliponicultura, deve ser evitada a ação de abelheiros ou meleiros que não utilizam técnicas racionais, eliminam as abelhas e as árvores que as abrigam (COLETTO-SILVA, 2005). O manejo inadequado força a extinção, de modo que é comum o baixo número de abelhas próximo a vilas e cidades ou mesmo aldeias indígenas devido a ação predatória. Portanto, é necessário ensinar as comunidades que desejem fazer uso dos meliponíneos sobre as estratégias de manejo para tê-los defendendo a biodiversidade (KERR, 2002).

23

5 CONCLUSÕES

O Amapá abriga diversos meliponíneos em diversidade equivalente ao de ambientes com características similares. Os meliponíneos apresentam preferências por ambiente (cerrado e várzea), bem como pelas diferentes plantas que servem como pasto apícola. A meliponicultura pode ser desenvolvida tanto em áreas de cerrado quanto em áreas de várzea, desde que identificadas as abelhas adequadas a cada ambiente. Melipona compressipes, Melipona paraensis e Melipona fulva se configuram como adequadas para a utilização na meliponicultura por suas características de elevada produção de mel, baixa agressividade, hábitos higiênicos e ninhos não associados ao de outros organismos. Alguns membros da Área de Preservação Ambiental do Curiaú são capazes de identificar diversas abelhas que ocorrem na região, seu pasto apícola e árvores de nidificação. O etnoconhecimento das populações, por apresentar similaridade com o conhecimento científico, pode auxiliar no desenvolvimento de estratégias ecologicamente corretas, como a meliponicultura, permitindo a conservação de recursos naturais e o desenvolvimento social. Estudos de monitoramento de longa duração são importantes para detectar a extinção local de espécies e para desenvolver estratégias de conservação (MELO; MARTINS; GONÇALVES, 2006). Assim, no Amapá os monitoramentos devem ser sistemáticos para permitirem a obtenção de dados qualitativos, quantitativos e de sazonalidade mais precisos e facilitarem a comparação entre diferentes estudos (MELO; MARTINS; GONÇALVES, 2006). No Amapá é possível utilizar a meliponicultura como mecanismo de manutenção da biodiversidade associado às estratégias de desenvolvimento social.

6 AGRADECIMENTOS

À Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia do Estado do Amapá (SETEC) e ao Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) pelo suporte financeiro ao desenvolvimento desta pesquisa. Ao senhor Manoel e família cuja residência funciona, muitas vezes, como base de apoio aos processos de coleta de dados.

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABSY, M. et al. Espécies de plantas visitadas por Meliponinae (Hymenoptera, Apoidae) para coleta de pólen na região do médio Amazonas. Revista Brasileira de Biologia, v. 44, n. 2, p. 227237, 1984. 24

Programa Primeiros Projetos AIZEN, M. A.; FEINSINGER, P. Forest fragmentation, pollination, and plant reproduction in Chaco Dry Forest, Argentina. Ecology, v. 75, n. 2, p. 330-351, 1994. CÁMARA, J. Q. et al. Estudos de meliponíneos, com ênfase a Melipona subnitida D. no município de Jandaíra, RN. Revista de Biologia e Ciências da Terra, v. 4, n. 1, jan./jun. 2004. CAMARGO, J. M. F. Biogeografia de Meliponini (Hymenoptera, Apidae, Apinae): a fauna Amazônica. In: ENCONTRO SOBRE ABELHAS, 1., 1994, Ribeirão Preto. Anais... [S.l.: s.n.], 1994. p. 46-59. CAMARGO, J. M. F. Comentários sobre a sistemática de Meliponinae (Hym., Apidae). In: SIMPOSIO ANUAL DA ACADEMIA DE CIENCIAS DO ESTADO DE SAO PAULO, 14., 1989, São Paulo. Anais... São Paulo: ACIESP, 1989. p. 41-61. (ACIESP. Publicação, 68). CAMARGO, J. M. F.; MAZUCATO, M. Inventário da apifauna e flora apícola de Ribeirão Preto, SP, Brasil. Dusenia, v. 14, n. 2, p. 55-87, 1984. CANE, J. H. Habitat fragmentation and native bees: a premature veredict? Conservation Ecology, v. 5, n. 1, p. 3, 2001. Disponível em: http://www.consecol.org/vol5/iss1/art3/. Acesso em: 10 out. 2006. CARVALHO, A. M. C.; BEGO, L. R. Studies on Apoidea fauna of cerrado vegetation at the Panga Ecological Reserve, Uberlândia, MG, Brazil. Revista Brasileira de Entomologia, v. 40, n. 2, p. 147-156, 1998. COLETTO-SILVA, A. Captura de enxames de abelhas sem ferrão (Hymenoptera, Apidae, Meliponinae) sem destruição de árvores. Acta Amazônica v. 35, n. 3, p. 383-388, 2005. CORTOPASSI-LAURINO, M.; GELLI, D. S. Analyse pollinique, proprietés physicochimiques et action antibacteriene des miels d’abeilles africanisées Apis mellifera et Meliponinés du Bresil. Apidologie, v. 22, p. 61-73, 1991. COUTO, R. H. N. Plantas e abelhas, uma parceria em crise? In: ENCONTRO SOBRE ABELHAS, 5., 2002, Ribeirão Preto. Anais... Ribeirão Preto: USP, 2002. v. 5, p. 87-94. DEMERA, J. H.; ANGERT, E. R. Comparison of the antimicrobial activity of honey produced by Tetragonisca angustula (Meliponinae) and Apis mellifera L. from different phytogeographic regions of Costa Rica. In: SEMINARIO MESOAMERICANO SOBRE ABEJAS SIN AGUIJÓN, 3., 2003, Chiapas, México. [Anais...]. [S.l.: s.n.], 2003. p. 48-54. FARIA, G. M.; CAMARGO, J. M. F. A flora melitófila e a fauna de Apoida de um ecossistema de campos rupestres, Serra do Cipó, MG, Brasil. In: ENCONTRO SOBRE ABELHAS, 2., 1996, Ribeirão Preto. Anais... Ribeirão Preto: USP, 1996. v. 2, p. 217-218. FIDALGO, O.; BONONI, V. L. R. Técnicas de coleta, preservação e herborização do material botânico. São Paulo: Instituto de Botânica, 1984. FRAZÃO, R. F. Comunidade de abelhas (Hymenoptera, Apidae, Meliponina) da Área de Proteção Ambiental do Curiaú, Macapá, AP. 2006. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Biologia) - Universidade Federal do Amapá, Macapá. 25

FRAZÃO, R. F.; SILVEIRA, O. T. Levantamento preliminar das abelhas “sem ferrão” das ressacas de Macapá e Santana para um aproveitamento sustentável (Hymenoptera, Apidae, Meliponinae). In: TAKYIAMA, L. R.; SILVA, A. Q. (Org.). Diagnóstico de ressacas do estado do Amapá: bacias do Igarapé da Fortaleza e do Rio Curiaú. Macapá: GEA: SETEC: IEPA, 2002. p. 249-255. FURLEY, P. A. The nature and diversity of neotropical savanna vegetation with particular reference to the Brazilian cerrados. Global Ecology and Biogeography, v. 8, p. 233-241, 1999. GRAJALES-CONESA, J. et al. Propiedades físicas, químicas y antibacterianas de mieles de Scaptotrigona mexicana de la Región Soconusco, Chiapas, México. In: SEMINARIO MESOAMERICANO SOBRE ABEJAS SIN AGUIJÓN, 3., 2003, Chiapas, México. [Anais...]. [S.l.: s.n.], 2003. p. 55-59. HEARD, T. A.; DOLLIN, A. E. A Meliponicultura na Austrália: um pequeno retrato de uma atividade incipiente. Apiacta, v. 35, n. 2, p. 57-64, 2000. Traduzido por Monteiro. IMPERATRIZ-FONSECA, V. L.; CONTRERA, F. A. L.; KLEINERT, A. M. P. A meliponicultura e a iniciativa brasileira dos polinizadores. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE APICULTURA, 15.; CONGRESSO BRASILEIRO DE MELIPONICULTURA, 1., 2004, Natal. [Anais...]. [S.l.: s.n.] 2004. KERR, W. E. Estudos nas abelhas da Amazônia Central. In: ENCONTRO SOBRE ABELHAS, 4., 2000, Ribeirão Preto. Anais... Ribeirão Preto: USP, 2000. v. 4, p. 24-26. KERR, W. E. Extinção de espécies: a grande crise biológica do momento e como afeta os meliponíneos. In: ENCONTRO SOBRE ABELHAS, 5., 2002, Ribeirão Preto. Anais... Ribeirão Preto: USP, 2002. v. 5, p. 4-9. KERR, W. E. História parcial da ciência apícola no Brasil. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE APICULTURA, 5.; CONGRESSO LATINO-IBERO-AMERICANO DE APICULTURA, 3., 1980, Viçosa, MG. Anais... Viçosa, MG: Confederação Brasileira de Apicultura, 1984. p. 47-60. KERR, W. E. et al. Aspectos pouco mencionados da biodiversidade amazônica. Parcerias Estratégicas, n. 12, p. 20-41, 2001. KERR, W. E.; NASCIMENTO, V. A.; CARVALHO, G. Abelha Uruçú: Biologia, manejo e conservação. Paracatu: Fundação ACAGAU, 1996. KEVAN, P. G.; IMPERATRIZ-FONSECA, V. L. (Org.). Pollinating bees: the conservation link between agriculture and nature. Brasília, DF: Ministry of Environment, 2002. MARTINS, C. Diversity of the bee fauna of the brazilian caatinga. In: KEVAN, P. G.; IMPERATRIZ-FONSECA, V. L. (Org.). Pollinating bees: the conservation link between agriculture and nature. Brasília, DF: Ministry of Environment, 2002. p. 131-134. MELO, G. A. R. Apidae (Subtribo Meliponina e Euglossina) da Região dos Lagos do Amapá. In: COSTA NETO, S. V. (Org.). Inventário Biológico das Áreas do Sucuriju e Região dos Lagos do Amapá. Macapá: Probio: IEPA, 2006. p. 123-130. MELO, G. A. R.; MARTINS, A. C.; GONÇALVES, R. B. Alterações de longo prazo na estrutura 26

Programa Primeiros Projetos de assembléias de abelhas: conhecimento atual e perspectivas. In: ENCONTRO SOBRE ABELHAS, 7., 2006, Ribeirão Preto. Anais... Ribeirão Preto: USP, 2006. v. 7, p. 50-55. MICHENER, C. D. The social behavior of the bees: a comparative study. Massachusetts: Belknap Press, 1974. MOLLAN, P. C. The antibacterial activity of honey. Bee World, v. 73, n. 1, p. 5-27, 1992. NATES-PARRA, G. Biodiversidad y meliponicultura en el piedelmonte llanero, Meta, Colombia. In: ENCONTRO SOBRE ABELHAS, 7., 2006, Ribeirão Preto. Anais... Ribeirão Preto: USP, 2006. v. 7, p. 244-250. MOURE, J. S.; URBAN, D.; MELO, G. A. R. de. (Org.). Catalogue of Bees (Hymenoptera, Apoidea) in the Neotropical Region. Curitiba: Sociedade Brasileira de Entomologia, 2007. 1054 p. NOGUEIRA-NETO, P. Management of plants to maintain and study pollinating bee species, and also to protect vertebrate frugivorous fauna. In: KEVAN, P. G.; IMPERATRIZ-FONSECA, V. L. Pollinating bees: the conservation link between agriculture and nature. Brasília, DF: Ministry of Environment, 2002. p. 21-28. NOGUEIRA-NETO, P. Vida e criação de abelhas indígenas sem ferrão. São Paulo: Nogueirapis, 1997. NOGUEIRA NETO, P. A criação de abelhas indígenas sem ferrão. 2. ed. [São Paulo]: Tecnapis, 1970. 365 p. OLIVEIRA, M. L.; MORATO, E. F.; GARCIA, M. V. B. Diversidade de espécies e densidade de ninhos de abelhas sociais sem ferrão (Hymenoptera, Apidae, Meliponinae) em Floresta de Terra Firme na Amazônia Central. Revista Brasileira de Zoologia, v. 12, n. 1, p. 13-24, 1995. OLIVEIRA, F. Projeto Iraquara. Boa Vista, RR, 2001. Relatório técnico. OLIVEIRA, M. L. Lacunas em nosso conhecimento sobre as abelhas das orquídeas (Apidae, Euglossini). In: ENCONTRO SOBRE ABELHAS, 7., 2006, Ribeirão Preto. Anais... Ribeirão Preto: USP, 2006. v. 7, p. 237-242. O’TOOLE, C. Those other bees: changing the funding culture. In: KEVAN, P. G.; IMPERATRIZFONSECA, V. L. Pollinating bees: the conservation link between agriculture and nature. Brasília, DF: Ministry of Environment, 2002. p. 37-40. PEDRO, S. R. M. Lista preliminar das espécies de abelhas (Hymenoptera, Apoidea) que ocorrem na região de Ribeirão Preto e Cajuru, SP. In: ENCONTRO SOBRE ABELHAS, 1., 1994, Ribeirão Preto. Anais... Ribeirão Preto: USP, 1994. p. 248-258. POSEY, D. A. The importance of bees to Kayapó Indians of the brazilian Amazon. Florida Entomologist, v. 65, n. 4, p. 452-458, 1982. ROUBIK, D. W. Ecology and natural history of tropical bees. Cambridge: Cambridge University Press, 1989.

27

ROUBIK, D. W. Stingless bees nesting biology. Apidologie v. 37, p. 124-143, 2006. SAKAGAMI, S. F.; LAROCA, S.; MOURE, J. S. Wild bee biocenotics in São José dos Pinhais (PR), South Brazil. Preliminary Report. Journal of the Faculty of Science, Hokkaido University, Zoology, v. 16, p. 253-291, 1967. SANTOS, F. M. C.; CARVALHO, A. L.; SILVA, R. F. Diversidade de abelhas (Hymenoptera: Apoidea) em uma área de transição Cerrado-Amazônia. Acta Amazônica, v. 34, n. 2, p. 319-328, 2004. SCHLINDWEIN, C. A importância de abelhas especializadas na polinização de plantas nativas e conservação do meio ambiente. In: ENCONTRO SOBRE ABELHAS, 4., 2000, Ribeirão Preto. Anais... Ribeirão Preto: USP, 2000. v. 4, p. 131-140. SILVA, G. F.; VENTURIERI, G. C.; SILVA, E. S. A. Meliponiculture as a sustainable development alternative: financial management within family groups in northeast Amazon, Brazil. In: FAO report, Economic value of pollinators and pollination. 2004. SILVEIRA, F. A.; MELO, G. A. R.; ALMEIDA, E. A. B. Abelhas brasileiras: sistemática e identificação. Belo Horizonte: F. A. Silveira, 2002. SOUZA, S. G. X. et al. As abelhas sem ferrão (Apidae: Meliponina) residentes no campus Federação/Ondina da Universidade Federal da Bahia, Salvador, Bahia, Brasil. Candombá (Revista Virtual), v. 1, n. 1, p. 57-69, 2005. Disponível em: http://www.fja.edu.br/candomba/pdfs/ edinaldo_julho_2005.pdf. Acesso em: 22 dez. 2006. VENTURIERI, G. C.; RAIOL, V. F. O.; PEREIRA, C. A. B. Avaliação da introdução da criação racional de Melipona fasciculata (Apidae, Meliponina), entre os agricultores familiares de BragançaPA, Brasil. Biota Neotropica, v. 3, n. 2, p. 1-7, 2003. Disponível em: http:// www.biotaneotropica.org.br/v3n2/pt/fullpaper?bn00103022003+pt. Acesso em: 22 dez. 2006. VENTURIERI, G. C. Conservação e geração de renda: meliponicultura entre agricultores familiares da Amazônia Oriental. ENCONTRO SOBRE ABELHAS, 7., 2006, Ribeirão Preto. Anais... Ribeirão Preto: USP, 2006. v. 7, p. 251-254. WILLE, A.; MICHENER, C. D. The nest architecture of stingless bees with special reference to those of Costa Rica (Hymenoptera, Apidae). Revista de Biologia Tropical, v. 21, n. 1, p. 1-278, 1973. WILMS, W.; IMPERATRIZ-FONSECA, V. L.; ENGELS, W. Resource partitioning between highly eusocial bees and possible impact of the introduced africanized honey bee on native stingless bees in the brazilian atlantic forest. Stud. Neotrop. Fauna & Environment, v. 31, p. 137-151, 1996. ZANINI, V. M. Levantamento de abelhas (Insecta, Hymenoptera: Apidae) do Campus Marco Zero da Universidade Federal do Amapá-Macapá-AP-Brasil. 2004. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Ciências Biológicas) - Universidade Federal do Amapá, Macapá. ZOZAYA RUBIO, J. A.; ESPINOSA MONTAÑO, L. G. Lãs abejas indígenas em las antiguas culturas mesoamericanas. In: SEMINÁRIO MEXICANO SOBRE ABEJAS SIN AGUIJON: UNA VISIÓN SOBRE SU BIOLOGÍA E CULTIVO, 2., 2001, Mérida, Yucatán. Memorias ... [S.l.: s.n.], 2001. 28

Programa Primeiros Projetos

CAPÍTULO 2 APLICAÇÃO DO MODELO DE QUALIDADE DA ÁGUA QUAL2E PARA ANÁLISE DE CENÁRIOS AMBIENTAIS E AUTODEPURAÇÃO NO MÉDIO RIO ARAGUARI - AP Alan Cavalcanti da Cunha1 Viníciu Fagundes Bárbara2 Eduardo Queija de Siqueira3 Helenilza Ferreira Albuquerque Cunha4 Daímio Chaves Brito5 1 INTRODUÇÃO

O principal aspecto do gerenciamento de qualidade da água envolve a modelagem de mudanças de características físicas, químicas e biológicas da qualidade da água em rios, lagos, estuários e oceanos, os quais geralmente estão sujeitos a uma série de perturbações naturais ou antropogênicas (TCHOBANOGLOUS; SCHRODER, 1985). Por assim dizer, o desenvolvimento de modelos da qualidade da água envolve aplicação de balanço de massa, de quantidade de movimento e de equações cinéticas para avaliar as possíveis respostas do sistema físico. Uma das grandes utilidades do uso de modelos de qualidade da água está relacionada a uma enorme capacidade de avaliar as variedades de padrões de escoamento que se desenvolvem em rios que recebem volumes de água, com características (profundidade, área superficial, estratificada ou uniforme, estagnada ou corrente), cujo resultado pode ser um efluente caracterizado por suas condições hidráulicas (descarga, velocidade, descargas a partir de comportas múltiplas ou únicas submersas) e das características de qualidade (temperatura, concentração de substância, conteúdo sólido total, etc). Por isso modelos de qualidade da água geralmente são utilizados para aprimorar o gerenciamento de descarga de resíduos nas correntes (naturais ou antropogênicas), as quais servem para simular as condições reais do sistema físico. Mas tais equações requerem conhecimento dos parâmetros que estão relacionados às características físicas da extensão a ser modelada, particularmente sua geometria e as condições de escoamento, como velocidade média na seção transversal e o coeficiente de dispersão (POTTER; WIGGERT, 2002). Por outro lado, a modelação da qualidade da água em rios também exige esforço experimental e logístico enormes, haja vista a obtenção in loco de vários coeficientes e taxas inseridos no modelo, 1. Dr. Pesquisador III em Engenharia Ambiental do NHMET-CPAQ/IEPA. Prof. PPGBIO/PPGDAP - UNIFAP. 2. Msc. Prof. Auxiliar da Universidade Católica de Goiás da PUC-GO - Mestre Eng. Ambiental pelo PPGEMA-UFG. 3. PhD. Professor Adjunto da UFG - PPGEMA - Engenharia Civil. 4. Dra. Prof. Adjunta da Ciências Sociais - PPBGBIO - Ciências da Engenharia Ambiental - UNIFAP. 5. Químico, Mestrando - PPGBIO-UNIFAP/IEPA/EMBRAPA.

29

como os coeficientes de descarga hidráulicos utilizados para a determinação dos coeficientes de reaeração atmosférica, coeficientes cinéticos de degradação da matéria orgânica e nitrogenada, parâmetros físicos de dispersão longitudinal, climáticos, etc, sem os quais seria difícil o uso desse tipo de ferramenta para a gestão de recursos hídricos. E como afirma Gastaldini, Sefrin e Paz (2002), há cada vez mais necessidade de se identificar e diagnosticar os fatores que afetam a qualidade da água, bem como prever os impactos futuros decorrentes de determinados eventos ou condições específicas, favorecendo a gestão de recursos hídricos com propostas ou alternativas concretas e realmente eficazes. O modelo de qualidade da água mais conhecido da nova geração é o QUAL2E, desenvolvido pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (USEPA) o qual representa em profundidade os ciclos biogeoquímicos do oxigênio, nitrogênio e fósforo, traduzido pela degradação da matéria orgânica, crescimento e respiração de algas, nitrificação, hidrólise do fósforo, sedimentação de algas e compostos ogânicos de nitrogênio e fósforo, salientando-se que em todos estes processos há a completa interdependência do efeito do ciclo do oxigênio sobre aqueles (GASTALDINI; SEFRIN; PAZ, 2002). Neste aspecto, o presente texto é uma breve síntese de resultados do Projeto “Determinação do coeficiente de reaeração no Modelo QUAL2E utilizando as características hidráulicas de canais abertos para Estudos de Impactos Ambientais no Rio Araguari-AP”, do Edital SETEC/CNPq (Processo 35000082/2004, Programa Primeiros Projetos (PPP Edital 1/2003) (CUNHA, 2003), inicialmente executado a partir de setembro de 2004, em parceria com a UFG – PPGEMA e UnB (LEA), e finalizado em junho de 2006 (BÁRBARA, 2006). A proposta deste capítulo é apresentar ao leitor a metodologia envolvida no desenvolvimento e aplicação de modelos de qualidade da água, cujo objetivo é ilustrar como estes foram aplicados pela primeira vez que se tem observado na literatura à “realidade” amazônica e, em especial, em rios do Estado do Amapá, onde se considerou “ausência” de influência de marés no trecho do Baixo Araguari. Desta forma, algumas hipóteses importantes consideradas no desenvolvimento do trabalho de pesquisa foram consideradas: • há demandas da sociedade por mecanismos de gestão de recursos hídricos que necessitam ser mais fundamentadas em estudos técnicos da área – exemplos são o enquadramento e classificação dos corpos de água; • há demanda dos gestores de recursos hídricos por instrumentos que facilitem a compreensão de cenários e conflitos, que possibilitem uma melhorar qualidade das decisões, principalmente em se tratando de empreendimentos hidrelétricos; • há grande interesse do setor público na implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, e seus aprofundamentos em níveis estadual (Lei 0686/2002) e municipal; • há uma tendência mundial em considerar, de forma integrada, o binômio quantidadequalidade no contexto de gerenciamento de recursos hídricos; • há preocupação local em preservar e conservar os recursos naturais, em especial os

30

Programa Primeiros Projetos mananciais de superfície no Estado do Amapá, o que pressupõe o desenvolvimento de informações e ferramentas de gestão voltadas à avaliação da qualidade e quantidade de recursos hídricos, tal como preconiza a Lei 0686/2002 de Política e Gestão de Recursos Hídricos do Estado do Amapá.

2 OBJETIVO GERAL

O objetivo geral é apresentar uma descrição metodológica sobre o uso da ferramenta de apoio ao gerenciamento da qualidade da água no Médio Rio Araguari – AP, em especial os processos de reoxigenação (reaeração) e consumo de oxigênio (DBO), a partir do Sistema de Modelagem QUAL2E (BROWN; BARNWELL, 1987).

2.1 Objetivos Específicos a) caracterizar a qualidade da água atual em aproximadamente 120 km do Médio Curso do Rio Araguari (da confluência do Rio Amapari até a cidade de Cutias), verificando sua variação espacial e sazonal nos períodos de cheia e estiagem durante o período de dois anos de investigação (novembro/2004 a maio/2006); b) verificar o atendimento dos padrões de qualidade da água do trecho analisado à Resolução 357/2005 do Conselho Nacional de Meio Ambiente; c) conceber, para o trecho do Médio Araguari, um modelo calibrado com dados de campo para oxigênio dissolvido (OD) e demanda bioquímica última de oxigênio (DBO); d) simular, com o modelo calibrado, três cenários ambientais hipotéticos de uso da bacia hidrográfica; e e) demonstrar o potencial do Sistema Qual2E, mediante análise crítica, as suas vantagens e suas limitações no trecho estudado do Médio Rio Araguari - AP.

3 O MODELO QUAL2E

De acordo com Brandão (2003) e Chapra (1997) o software QUAL2E (Modelo Avançado de Qualidade da Água em Rios) é capaz de simular mais de 15 constituintes da qualidade da água em sistemas dendríticos que são bem misturados lateralmente e verticalmente no trecho estudado. Entre suas principais habilidades estão as múltiplas descargas de resíduos, retiradas de água, escoamentos tributários, entradas e saídas incrementais (distribuídas), além de permitir a inserção de barragens em pontos específicos da modelação a ser implementada. Historicamente o Modelo QUAL2E foi desenvolvido por Brown e Barnell (1987) e tem sido selecionado para diversos estudos e pesquisas como um dos mais bem documentados na 31

área. Tal flexibilidade e dotado de um potente acervo documental, obtidos de várias fontes e estudos no mundo todo, ajudaram certamente a difundí-lo e a disseminá-lo. Além disso, o modelo é numericamente acurado e inclui as principais estruturas cinéticas para a maioria dos poluentes convencionais (CHAPRA, 1997; McCUTCHEON et al., 1993; CUNHA, 2003; BÁRBARA, 2006). Como uma condicionante, em trabalhos de modelação de oxigênio dissolvido (OD) e demanda bioquímica de oxigênio (DBO) em rios no Brasil e no exterior (BARBOSA, 1997; SIQUEIRA; CUNHA, 2001), há dificuldades referentes à sua aplicação, por exemplo, que consiste em quantificar o coeficiente de reaeração, K2, o qual necessita de determinação prévia em campo, seguida de cálculos computacionais antes de incorporá-lo ao modelo (SIQUEIRA, 1996). Por exemplo, o processo de troca de oxigênio na interface ar-água (reaeração atmosférica) é um fenômeno da absorção física do ar (oxigênio essencialmente) da atmosfera pela água em movimento. Em águas correntes a reaeração tem um papel extremamente importante para a manutenção da vida aquática aeróbia e facultativa, pois introduz o oxigênio da atmosfera de forma natural no meio aquático (McCUTCHEON et al., 1989; CUNHA; CUNHA; SIQUEIRA, 2001; BARBOSA, 1997). Normalmente, na literatura da área, o K2 é determinado ou quantificado empiricamente em função das características hidráulicas do escoamento no trecho estudado. De acordo com Brandão (2003) a representação conceitual de um curso de água com o Modelo QUAL2E é a de um trecho de rio dividido em determinado número de subtrechos ou elementos computacionais, equivalentes a elementos de diferenças finitas. Para cada elemento computacional é realizado um balanço hidrológico em termos de vazão, um balanço térmico em termos de temperatura, e um balanço de constituintes, em termos de concentrações. Neste último balanço, tanto o transporte advectivo quanto o difusivo são considerados. Desta forma, para melhor apresentar o tema ao leitor, elaborouse as seguintes considerações teóricas a seguir. 3.1 A Modelagem Matemática como Instrumento de Gestão dos Recursos Hídricos Inicialmente será apresentado um breve histórico da evolução do modelo de Streeter e Phelps e do modelo QUAL2E, tendo o mesmo sido empregado nessa pesquisa. São apresentadas, também, as características gerais e a formulação interna do QUAL2E. 3.1.1 A importância, conceito e critérios de escolha do modelo de qualidade da água Apesar da água ainda ser utilizada como receptora final de efluentes na grande maioria das regiões habitadas pelo ser humano, um uso pouco nobre, ela é capaz de se autodepurar. Entretanto, a possibilidade ou não que um determinado corpo hídrico oferece de tal uso deve ser analisada com muita cautela e estudo, pois, como será mencionado mais adiante, caso a capacidade de autodepuração de um corpo d’água seja ultrapassada, o mesmo poderá enfrentar sérios problemas ambientais (BARBOSA, 1997; CUNHA, 2000; BÁRBARA, 2006). Por outro lado, é preciso que o gerenciamento de bacias hidrográficas seja embasado em informações ambientais e características locais. Visando suprir um “deficit” regional de informações, as agências de controle ambiental de vários estados brasileiros investiram em ações que objetivaram estabelecer redes de monitoramento dos parâmetros de qualidade da água, almejando acompanhar a evolução e a tendência dos mesmos 32

Programa Primeiros Projetos através do tempo e do espaço. No Estado do Amapá a Lei Estadual 0686/2002 (Política de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Estado do Amapá) carece ainda de regulamentação. Contudo, há um esforço governamental para que esta seja implementada efetivamente. A principal implicação é atender demandas específicas dos gestores locais considerando os múltiplos usos da água. Estudos como o do presente trabalho podem lançar luz à uma série de questionamentos sobre tendências e cenários extremamente úteis como suporte à tomadas de decisão no setor. Segundo Litwack et al. (2006), em uma gestão hídrica eficaz, é necessário que se satisfaçam duas condições básicas: (1) que se tenham disponíveis as séries históricas de dados de qualidade da água, e (2) que existam ferramentas confiáveis para entender e interpretar os mesmos de maneira conjunta (ALBANO; PORTA, 2005). Neste aspecto, os modelos de qualidade da água possibilitam avaliar alternativas no gerenciamento de bacias hidrográficas com o uso dessas informações, vez que é humanamente impossível analisar ao mesmo tempo, de maneira segura e com a menor possibilidade de erro, todas as variáveis envolvidas nas reações que ocorrem dentro de um mesmo corpo hídrico, inclusive porque os rios são sistemas dinâmicos e complexos (CUNHA; SIQUEIRA; CUNHA, 2001; BELLOS; SAWIDIS, 2005). Dessa maneira os modelos podem ser encarados como uma evolução natural do gerenciamento dos recursos hídricos que, atualmente, não se restringe mais à análise isolada de parâmetros, mas sim à correlação entre esses. Segundo Rosman (2005) modelos são “ferramentas integradoras sem as quais dificilmente se consegue uma visão dinâmica dos processos que ocorrem em sistemas naturais”. Eiger (2003), Mujumdar e Vemula (2004) e Rosman (2005) asseveram que dentre todos os modelos existentes, os matemáticos são os mais utilizados na modelagem da qualidade da água, pois fazem uso de equações diferenciais e de condições de contorno para representar, de maneira aproximada, os processos físicos, químicos e biológicos que ocorrem dentro de determinado sistema ambiental que se tem interesse em conhecer. As alterações nas concentrações dos constituintes de um ambiente aquático, tais como oxigênio dissolvido, nutrientes, matéria orgânica e sólidos, dentre outros, ocorrem devido a mecanismos de transporte (advecção e dispersão) e processos biológicos, químicos e físicos, que determinam o aumento ou a diminuição dos mesmos no meio líquido (RAUCH et al., 1998). E os modelos de qualidade da água permitem que se calcule as concentrações de constituintes presentes no corpo hídrico, dadas as suas características hidrodinâmicas, as condições iniciais do sistema aquático e a cinética de reações (BOWIE et al., 1985). Isso possibilita saber por que determinadas alternativas de manejo de bacias hidrográficas são melhores que outras. Dessa maneira, é também possível simular “n” cenários futuros e optar pelo que menos impactará o corpo hídrico. Segundo Eiger (2003) e Mark et al. (2004), os modelos de qualidade da água podem ser utilizados para inúmeros estudos: projetos de estações de tratamento de esgoto (ETEs); em análises de disponibilidade de água; na verificação da influência de obras sobre a qualidade do meio aquático (hidrelétricas, por exemplo); e na demanda e alocação de empreendimentos poluidores. Na avaliação da abrangência de vazamentos de poluentes e resíduos tóxicos, em especial, os modelos permitem estimar quanto tempo os órgãos responsáveis teriam para contornar uma situação de risco à saúde pública, por exemplo. 33

Cabe ressaltar que o uso dos modelos possuem inúmeras vantagens, tais como as descritas na Tabela 1, e que eles ainda são tidos por pesquisadores do mundo todo como as mais eficientes ferramentas existentes até então na gestão dos recursos hídricos (COX, 2003; MENDONÇA et al., 2005). Por esta razão vêm sendo aperfeiçoadas dia a dia. Isso permite deduzir que da mesma maneira que já foram muito mais simplificados, com o passar do tempo, eles estão se tornando cada vez mais complexos e representativos da realidade do sistema ambiental modelado (RAUCH et al., 1998). Mas é fundamental que haja consistência dos dados de saída do modelo a ser utilizado, o que está diretamente ligada à qualidade dos seus parâmetros de entrada (feedback). Tabela 1 - Principais vantagens da utilização de modelos matemáticos de sistemas ambientais (PORTO; AZEVEDO, 2002 - com adaptações (BÁRBARA, 2006). a) A análise do sistema real, quando possível, é muito mais cara do que a utilização de modelos. b) Os riscos ambientais são inexistentes quando aplicados nas simulações computacionais, uma vez que estudos que envolvem produtos perigosos, por exemplo, não podem ser desenvolvidos in loco. c) O custo ambiental e econômico de cometer erros e/ou realizar experiências com o sistema real é incomparavelmente maior do que o custo de exploração intensiva do modelo. d) Modelos são ferramentas de aprendizado em que processos de tentativas e erros podem ser “explorados gratuitamente”, não contribuindo somente para a melhor compreensão do sistema, mas também para a concepção de novas idéias e linhas de ação. e) Modelos são instrumentos muito eficientes para treinamento quando desenvolvidos ou adaptados especificamente para esta finalidade. f) Modelos conferem flexibilidade às análises porque: - “encurtam” o tempo, uma vez que permitem que muitos anos sejam analisados em períodos extremamente curtos; e - diferentes alternativas podem ser analisadas, muitas vezes mediante simples alterações de parâmetros.

Quanto mais complexos os sistemas ambientais a serem modelados e mais desafiadoras forem as respostas referentes às condições futuras que se deseja obter, mais úteis são os modelos. Mas é necessário que o usuário saiba escolhê-los, levando em conta não somente os que mais se adaptarão aos seus objetivos, mas também, a disponibilidade de dados para a realização das simulações (MCCUTCHEON; FRENCH, 1989; WALTON; WEBB, 1992). 3.2 O modelo de Streeter Phelps A presença de oxigênio dissolvido na água é vital para todos os organismos aquáticos. Streeter e Phelps, em 1925, desenvolveram e aplicaram as primeiras equações para simular o OD e a DBO, almejando descrever o déficit de oxigênio a jusante de um despejo. Tais equações são a base da maioria dos modelos de qualidade da água existentes na atualidade e têm sido melhoradas em vários centros de pesquisa espalhados pelo mundo (BROWN; BARNWELL, 1987; GASTALDINI; SEFRIN; PAZ, 2002; BRANDÃO, 2003; BÁRBARA, 2006; SIQUEIRA, 1996). 34

Programa Primeiros Projetos Conforme Tucci (1998), o modelo de Streeter e Phelps foi desenvolvido para rios de regime de escoamento permanente e uniforme. Além disso, ele pressupõe mistura imediata, considerando apenas o efeito advectivo do transporte de massa e a fase carbonácea no consumo da matéria orgânica. As principais limitações do modelo são que ele não leva em consideração a demanda bentônica; só funciona em decomposição aeróbia; não considera a sedimentação da matéria orgânica e não inclui a reoxigenação advinda da fotossíntese realizada pela respiração algal. Apesar de todos esses fatores, entretanto, o mesmo foi o precursor da quase totalidade dos modelos de qualidade da água existentes nos dias de hoje, tendo, por isso, seu mérito reconhecido pela comunidade científica. A hipótese básica de Streeter e Phelps é de que o processo de decomposição da matéria orgânica no ambiente aquático, assim como o da reaeração, obedecem a uma equação diferencial de primeira ordem, conforme pode ser visualizado nas Equações 1 (EIGER, 2003) e 2 (SIQUEIRA, 1996), respectivamente.

dL = − K1 L dt

(1)

dD = −K 2 D dt

(2)

onde: D: déficit de oxigênio dissolvido, (mg/L); K1: coeficiente de desoxigenação, (d-1); K2: coeficiente de reaeração, (d-1); L: demanda bioquímica última de oxigênio, (mg/L); e t: tempo, (d). Em uma primeira análise durante o estudo de autodepuração de um rio, o modelo de Streeter e Phelps pode ser uma boa ferramenta. Entretanto, atualmente, modelos muito mais robustos (tais como o SIMCAT, SIMOX, TOMCAT, QUAL2E, QUASAR, MIKE-II, WASP e ISIS, dentre outros), estão sendo utilizados nos estudos de modelagem de qualidade da água (BÁRBARA, 2006). A literatura especializada nesse tipo de modelagem produziu, nos último cinco anos, mais de cem artigos. Porém, a maioria deles se refere ao Sistema de Modelagem da Qualidade da Água QUAL2E, desenvolvido pela USEPA, mencionando seu uso nas Américas, Europa, Ásia e Austrália. O maior número de aplicações desse modelo é na simulação do oxigênio dissolvido. Todavia, além de modelar o OD, o QUAL2E contempla, em qualquer combinação desejada pelo operador, a simulação de até 15 constituintes hídricos (considerando que os mesmos estejam completamente misturados ao volume de escoamento), incluindo temperatura, concentração de biomassa algal sob a forma de clorofila, nitrogênio orgânico, amônia, nitrito, nitrato, fósforo orgânico, fósforo dissolvido, demanda bioquímica de oxigênio, coliformes, um elemento não-conservativo arbitrário e três elementos conservativos. Aliado a isso, o modelo contempla, ainda, as interações entre os coeficientes de desoxigenação e reaeração atmosférica e seus efeitos no comportamento do oxigênio 35

dissolvido (MELCHING; YOON, 1996; DAI; LABADIE, 2001; MCAVOY et al., 2003; BRANDÃO, 2003; ZEILHOFER et al., 2003; PALMIERI, 2004). O QUAL2E foi desenvolvido na linguagem computacional ANSI FORTRAN 77. É um modelo unidimensional de regime permanente, uma vez que considera os mecanismos de difusão e advecção como significantes apenas no sentido do fluxo principal do canal do rio, ou seja, no eixo longitudinal. Esse modelo é capaz de contemplar descargas pontuais e difusas de resíduos líquidos ou de poluentes, além de pontos de retirada e de introdução de água. Brown e Barnwell (1987) adicionaram no QUAL2E a análise de sensibilidade (MCCUTCHEON; FRENCH, 1989), o que lhe garante uma funcionalidade que poucos modelos possuem. A Figura 1 apresenta um esquema da relação entre os componentes que esse modelo é capaz de simular e as interações entre os mesmos. Grande parte das interações não será enfocada no presente trabalho (foco no OD e DBO). Os coeficientes utilizados na presente pesquisa encontram-se descritos no item Materiais e Métodos.

Figura 1 - Esquema das relações entre constituintes e coeficientes cinéticos no modelo QUAL2E (BROWN; BARNWELL, 1987 - adaptado por BÁRBARA, 2006).

No transporte de massa o QUAL2E baseia-se na solução de equações diferenciais finitas dos mecanismos de transporte e transformação. A Equação 3 (COX, 2003) é a sua fórmula interna básica.

∂C ⎞ ⎛ ∂⎜ Ax DL ⎟ ∂ Ax U C ∂M dC ∂x ⎠ ⎝ = dx − +S dx + ( Ax d x ) ∂t ∂x ∂x dt A B C D

(

)

(3)

Termos da equação: dispersão (A) + advecção (B) + reações e interações (C) + fontes externas (D)

36

Programa Primeiros Projetos onde: M: massa, (M); Ax: área da seção transversal, (L2); C: concentração do constituinte, (M/L3); x: distância, (L); DL: coeficiente de dispersão longitudinal, (L2/T-1); U : velocidade média, (L/T); t: tempo, (T); e S: fonte ou sumidouro externo, (M/T). O QUAL2E utiliza a Equação 4 (PALMIERI, 2004) para descrever a mudança da concentração de OD no decorrer do tempo.

dCO K = K 2 (CS − CO ) + (α 3 μ − α 4 ρ )A − K1 L − 4 − α 5 β1 N1 − α 6 β 2 N 2 dt d

α4

(4)

onde: Co: concentração de oxigênio dissolvido, (mg/L); Cs: concentração de saturação de oxigênio dissolvido na água, a dada temperatura, (mg/L); α 3: taxa de oxigênio produzido por fotossíntese por unidade de alga, (mg-O/mg-A); : taxa de remoção de oxigênio por unidade de respiração algal, (mg-O/mg-A); α 5 : taxa de remoção de oxigênio por unidade de oxidação de amônia, (mg-O/mg-N); a6: taxa de remoção de oxigênio por oxidação de nitrito, (mg-O/mg-N); m: taxa de crescimento de algas, (d-1); r: taxa de respiração algal, (d-1); A: concentração de biomassa algal, (mg-A/L); L: demanda bioquímica última de oxigênio, (mg/L); K1: coeficiente de desoxigenação, (d-1); K2: coeficiente de reaeração, (d-1); K4: coeficiente cinético da demanda bentônica do oxigênio, (g/m2.d); b1: coeficiente cinético da oxidação de amônia, (d-1); b2: coeficiente cinético da oxidação de nitrito, (d-1); N1: concentração de amônia, (mg-N/L); N2: concentração de nitrito, (mg-N/L); e d = profundidade média, (m). Quando no início de uma simulação o QUAL2E solicita que o usuário proceda com a divisão esquemática dos trechos do rio em elementos computacionais com as mesmas propriedades hidrológicas (tais como a seção transversal e a inclinação do canal), e cinéticas (tais como os coeficientes de desoxigenação e reaeração, dentre outros). Logo, o corpo hídrico pode ser encarado como uma seqüência de pequenos reatores acoplados entre si por meio dos mecanismos de transporte de massa. 37

Nas simulações do QUAL2E o usuário pode optar pela modalidade dinâmica ou de estado constante. No primeiro caso, os dados climatológicos locais são fornecidos em intervalos regulares; desse modo, o balanço de calor apresenta uma resposta diária do sistema hidráulico no que diz respeito às condições de mudança de temperatura. No segundo caso, os dados climatológicos médios são fornecidos pelo usuário apenas uma vez, sendo que os mesmos são utilizados pelo modelo em todas as simulações. 4 MATERIAIS E MÉTODOS Na área de modelagem numérica de recursos hídricos qualquer processo de quantificação exige que os parâmetros e variáveis de entrada do modelo sejam realísticos e confiáveis para não comprometer a análise do fenômeno em questão. Este fator exige de antemão o monitoramento (séries históricas das variáveis e dos parâmetros de análise) e necessariamente conhecer as características da bacia hidrográfica em estudo (WROBEL et al., 1989). 4.1 A Caracterização da Bacia Hidrográfica do Rio Araguari A bacia hidrográfica do Rio Araguari é limitada pela Serra dos Mongubas a Nordeste, Serra da Lombarda ao Norte, Serra de Tumucumaque a Oeste, Serra do Iratapuru a Sudeste e Serra da Pancada ao Sul, podendo ser visualizada na Figura 2. Seu contorno é formado pelo divisor comum das águas das bacias dos Rios Amapá no Leste, Calçoene no Nordeste, Oiapoque no Norte e Jari a Oeste. De maneira geral, essa BH possui forma geométrica muito irregular, principalmente nas proximidades de sua foz, no Oceano Atlântico. O relevo local é plano, exceto pela presença de algumas regiões colinosas revestidas por florestas pluviais que aparecem junto à borda ocidental da planície de escoamento. No inverno surgem áreas inundáveis que formam lagos intercomunicáveis, o que proporciona uma paisagem de pântano em alguns locais. Essa bacia é a maior do Estado do Amapá e sua porção ocidental é formada por florestas pluviais e relevos irregulares. Na região denominada de Baixo Araguari, a predominância é de uma planície flúviomarinha, ocorrendo a presença de macrófitas aquáticas nas margens do canal principal do manancial (PROVAM..., 1990).

38

Programa Primeiros Projetos

Figura 2 - Localização da área de estudo na Bacia do Rio Araguari Fonte: Bárbara, 2006.

O Rio Araguari nasce ao Sul da Serra Lombarda e Tumucumaque, a 200 metros de altitude. Ele é formado pela confluência dos Rios Mururé e Amapari, recebendo como afluentes os Rios Tapiti, Mutum, Tajauí, Santo Antônio, Falsino, Jacinto e Aporema; os Igarapés do Eduardo, da Ribeira, Manuel e do Cordeiro; e o Córrego Tracajatuba. Sua extensão aproximada é de 498 km, sendo que o mesmo é dividido em três trechos: (1) Curso Superior ou Alto Araguari (132 km); (2) Médio Curso ou Médio Araguari (161 km), região também conhecida como Paredão, onde se encontra localizada a Usina Hidrelétrica de Coaracy Nunes; e (3) Curso Inferior ou Baixo Araguari 39

(205 km), onde o número de meandros aumenta, diminuindo sua velocidade de escoamento. A declividade média do canal é de 0,50 m/km e as temperaturas variam entre 20,0°C e 40,1°C (PROVAM..., 1990; CUNHA, 2003). Duas capitais municipais estão localizados nas margens do Médio Araguari, sendo elas: Porto Grande e Ferreira Gomes e Cutias localizada no Baixo Araguari, com populações estimadas, no ano de 2005, de 14.675, 4.321 e 4.285 habitantes, respectivamente. Próximo de Porto Grande ocorre a confluência do Rio Araguari com o Rio Amapari onde, a partir de então, o primeiro inicia seu trajeto pela planície costeira do Amapá, até desembocar no Oceano Atlântico. As vazões máxima e mínima medidas pela Estação Fluviométrica de Porto Platon até novembro de 2005 foram de 3.857,00 m3/s, em 7 de abril de 1974, e 121,00 m3/s, em 10 de dezembro de 1976, respectivamente (PROVAM..., 1990; IBGE, 2006). As Figuras 3a a 3f ilustram alguns aspectos gerais do Médio Araguari. De acordo com Cunha (2003) os principais impactos ambientais no Médio e Baixo Rio Araguari podem ser indicados nas figuras citadas: a) navegação e paisagem, b) geração de renda para a comunidades ribeirinhas, c) geração de energia hidrelética, d) extração de mineral granito, e) reservatório e f) bubalinocultura, agricultura e urbanização.

a

b

Figura 3 - a) Vista geral do Rio Araguari; b) População ribeirinha (Imagens obtidas durante a 2ª Coleta, em maio/2005).

c

d

Figura 3 - c) UHE de Coaracy Nunes; d) Presença de rochas de grandes dimensões na calha principal do rio (Imagens obtidas durante a 3ª Coleta, em novembro/2005).

40

Programa Primeiros Projetos

e

f

Figura 3 - e) Vista geral 30 anos após enchimento do reservatório da UHECN; f) Criação de búfalos (bubalinocultura) nas margens do Rio Araguari (Imagens obtidas durante a 4ª Coleta, em março/2005).

4.1.1 Determinação do coeficiente de desoxigenação e demanda bioquímica última em localidades de interesse para a modelagem A decomposição da matéria orgânica presente na água, quando ocorre de maneira aeróbia, é realizada por organismos que utilizam o oxigênio molecular como aceptor de elétrons, consumindoo do meio aquático quando na realização desse processo. A taxa com que isso se dá é conhecida como coeficiente de desoxigenação (K1, expresso em d-1). Além disso, a quantidade de OD consumida pelos seres decompositores é conhecida como demanda bioquímica de oxigênio (DBO). Na modelagem do OD pelo QUAL2E é necessário que se conheça o valor da demanda bioquímica última de oxigênio, uma vez que, baseado nesse valor e no coeficiente de desoxigenação, é possível obter uma curva (x-y) que é capaz de descrever matematicamente a progressão da demanda bioquímica de oxigênio em função do tempo. Com base em Streeter e Phelps (1925) e de acordo com Brown e Barnwell (1987), o QUAL2E caracteriza a reação da demanda bioquímica de oxigênio como de primeira ordem, sendo necessária, portanto, a determinação de K1 e L. Nesse estudo, a determinação do coeficiente de desoxigenação e da demanda bioquímica de oxigênio foi feita em três seções do Médio Araguari, sendo elas: 3, 10 e 12, situadas a montante, dentro e a jusante do lago da Usina Hidrelétrica de Coaracy Nunes, respectivamente. Optou-se apenas por esses três pontos porque além dos mesmos serem representativos dos trechos, não foi possível proceder com a determinação de K1 em outras localidades do manancial devido às limitações de materiais e reagentes pertinentes ao laboratório. A Figura 4, a seguir, ilustra uma das curvas encontradas, os respectivos valores de K1, L e do tempo médio necessário para que ocorra a transição da fase carbonácea para a nitrogenada.

41

Figura 4 - Gráficos da determinação de K1, da L e do tempo de transição da fase carbonácea para a nitrogenada: a) Seção 3: 1ª Coleta (novembro/2004); b) Seção 10: 1ª Coleta (novembro/2004) – Bárbara, 2006 e Cunha (2004).

Após essa etapa, inclusive das demais seções e de modo análogo, procedeu-se com o cálculo da média dos valores de K1 que foram utilizados como dados de entrada no QUAL2E, utilizando, para tanto, a Equação 5: K1 médio =

n 1 1 1 + + ... + K1a K1b K1n

(5)

onde: n: quantidade de coeficientes de desoxigenação obtidos; e K1a; K1b e K1n: valores de K1 medidos. 4.1.2 Determinação do coeficiente de reaeração K2 Conforme Cunha, Siqueira e Cunha (2001) e Atkinson et al. (2004), um problema crítico que deve ser resolvido quando na modelagem do oxigênio dissolvido em águas superficiais é a determinação do coeficiente de reaeração. A sua importância é fundamental não somente no que diz respeito à manutenção dos ciclos de vida existentes nos ecossistemas aquáticos, mas também à capacidade de autodepuração de um rio. A taxa com que um corpo hídrico absorve o oxigênio da atmosfera através de sua interface ar-água é chamada de coeficiente de reaeração (K2, expresso em d-1). A absorção ocorre como um processo cinético de primeira ordem, sendo que essa taxa é proporcional ao deficit de oxigênio no meio aquático, o que possibilita compreender que o K2 varia de um rio para outro. Contudo, esse processo depende diretamente da pressão atmosférica, salinidade e temperatura da água (BARBOSA, 1989). O K2 pode ser obtido de duas maneiras: (1) por meio de fórmulas empíricas e semi-empíricas vinculadas a dados hidráulicos do sistema; ou (2) por técnicas de medição em campo. De acordo com Bennett e Rathbun (1972), Barbosa (1989) e Barbosa e Giorgetti (1995), existem várias 42

Programa Primeiros Projetos técnicas experimentais desenvolvidas para a determinação do coeficiente de reaeração, sendo que a mais aceita é a dos traçadores gasosos, uma vez que esta possui a vantagem de quantificar o K2 independente de outras fontes e sumidouros de OD na água, tais como a fotossíntese, a demanda bentônica e a demanda bioquímica de oxigênio. Porém, essa técnica envolve não somente exaustivos trabalhos de campo (RODRIGUES, 2005), mas também laboratório, equipamentos e profissionais especializados. Além disso, a mesma se torna inviável economicamente no caso de um rio como o Araguari, detentor de enormes dimensões, o que demandaria um elevado volume de gás traçador para ser solubilizado e monitorado em níveis detectáveis pelos equipamentos que o quantificam. Por esses motivos, na presente pesquisa a determinação do coeficiente de reaeração foi feita utilizando equações existentes na literatura, da mesma forma como procederam vários pesquisadores, tais como: Rutherford (1991), quando no estudo da qualidade da água do Rio Tarawera, na Nova Zelândia; Siqueira (1996), na modelagem do Rio Meia Ponte, em Goiás; Cunha, Siqueira e Cunha (2001), na modelação do oxigênio dissolvido no Ribeirão do Feijão, em São Paulo; McAvoy et al. (2003), na análise da poluição das águas do Rio Balatuin, nas Filipinas; e Araújo, Castro e Figueiredo (2005), na simulação da qualidade da água do Rio Jaguaribe, no Ceará, dentre outros. O QUAL2E oferece oito opções para o cálculo de K2, sendo seis equações preditivas empíricas e semi-empíricas da literatura, conforme pode ser observado na Tabela 2, e duas opções para valores medidos ou modelos opcionais. 0,5

U 12 , 9 15, H

O cálculo do coeficiente de reaeração no QUAL2E é feito em função da temperatura e dos parâmetros hidráulicos. Nesse programa, a hidráulica pode ser modelada de duas maneiras: (1) com base nos coeficientes de descarga, originados em medições hidráulicas realizadas no próprio rio; ou (2) no coeficiente de Manning para a seção trapezoidal. Barnwell Junior, Brown e Whittemore (2004) recomendam que o método escolhido seja o primeiro. Tabela 2 - Equações utilizadas para estimativa do K2 (SIQUEIRA, 1996). Autor O’Connor e Dobbins (1958)

Equação no Sistema Internacional de Unidades

Equação no Sistema Inglês de Unidades

0,5

3, 93

U 1,5 H

U 0,969 H 1,673

Churchill et al. (1962)

5,03

Owens et al. (1964)

5 ,34

Langbein e Durum (1967)

5 ,14

0,969

11, 6

U 1673 , H

21, 7

U 1,85 H

0, 67

U 1,85 H

U H

1,33

0, 67

7 ,6

U H

1, 33

Trackston e Krenkel (1969)

24,9 (1 + F 0,5) u * H

24,9 (1 + F 0,5) u * H

Tsivoglou e Wallance (1972)

86400cSU

86400cSU

43

onde: U: velocidade média no trecho, (pés/s) ou (m/s); H: profundidade média no trecho, (pés) ou (m); S: declividade do trecho, (pés/pés) ou (m/m); u*: velocidade de cisalhamento, (pés/s) ou (m/s); F: Número de Froude, (adimensional); Q: vazão, (pés3/s) ou (m3/s); e g: aceleração da gravidade, (pés/s2) ou (m/s2). No Sistema Internacional de Unidades: c: 0,177 m-1 para 0,42 m3/s d” Q d” 84,96 m3/s. No sistema Inglês de Unidades: c: 0,054 pés-1 para 15 pés3/s d” Q d” 3.000 pés3/s.

No Rio Araguari utilizou-se o método dos coeficientes de descarga, que são calculados em função da velocidade, da profundidade e da vazão médias de cada seção analisada, de acordo as fórmulas listadas nas Equações 6 e 7 (CUNHA; SIQUEIRA; CUNHA, 2001) a seguir.

(6)

H = cQ d

(7)

onde: H: profundidade, (m); V: velocidade, (m/s); Q: vazão líquida, (m3/s); e a, b, c e d: coeficientes de descarga, (adimensionais). Para a determinação dos coeficientes de descarga procedeu-se com a medição de vazão em seis seções do Médio Araguari, sendo elas localizadas nos pontos de coleta 3, 6, R3, 11, 15 e 20. Além disso, foram obtidos os dados hidráulicos oriundos da Estação Fluviométrica de Porto Platon, situada no trecho modelado. Observa-se que foram utilizadas somente seis seções de medição de dados hidráulicos com a finalidade de obtenção dos coeficientes de descarga. Dessa maneira, os valores obtidos foram lançados em dois sistemas gráficos bidimensionais (x-y) onde, posteriormente, procedeu-se com os ajustes não-lineares (Figuras 5 a 7).

44

Programa Primeiros Projetos Seção 3 (a montante da UHECN):

Figura 5 - Ajuste não-linear para a determinação dos coeficientes de descarga para a Seção 3.

Estação Fluviométrica de Porto Platon (a montante da UHECN):

Figura 6 - Ajuste não-linear para a determinação dos coeficientes de descarga para a Estação Fluviométrica de Porto Platon – Eletronorte/ANA. Seção R3 (dentro do reservatório da usina):

Figura 7 - Ajuste não-linear para a determinação dos coeficientes de descarga para a Seção R3.

45

É importante salientar que Cunha (2000) já havia procedido com a determinação desses mesmos coeficientes para a Seção da Estação Fluviométrica de Porto Platon, cujos valores obtidos foram muito próximos aos atuais obtidos para a mesma seção. Segundo o autor, os valores de a, b, c e d foram, respectivamente: 0,003; 0,762; 1,441 e 0,218 (não mostrado neste texto). Determinando-se os coeficientes de descarga, conforme esquema da Figura 8, os quais foram incorporados ao modelo por ocasião da simulação computacional, utilizaram-se as seis equações da literatura listadas na Tabela 4.5 (apresentada anteriormente), para plotar os gráficos de K2, os quais podem ser visualizados na Figura 9.

Figura 8 - Esquema de obtenção dos valores de K2 (SIQUEIRA, 1996; CUNHA; SIQUEIRA; CUNHA, 2001 – adaptado por BÁRBARA, 2006).

Na modelagem ora realizada optou-se, em todos os trechos, pela equação de O’Connor e Dobbins. Essa escolha levou em conta os seguintes fatores: • Todas as equações foram desenvolvidas para rios específicos e, dentre elas, a de O’Connor e Dobbins foi a única elaborada para um curso hídrico com velocidade de 0,15 m/s a 0,50 m/s e profundidade de 0,30 m a 9,10 m, detentor, portanto, de características hidráulicas parecidas com as do Rio Araguari. • Quando na plotagem dos gráficos dos coeficientes de reaeração, ilustrados na Figura 9, foi a equação que, em geral, permaneceu localizada na região mediana das variações dos valores encontrados, não tendo apresentado tendências gerais que sub ou superestimaram o K2. 46

Programa Primeiros Projetos

Figura 9 - a) Gráfico de K2 na Seção 3 (a montante da UHECN); b) Gráfico de K2 na Seção 6 (a montante da UHECN).

O que se percebeu com esses gráficos é que para o trecho do Médio Araguari, de maneira geral, ocorre uma pequena faixa de reaeração. As equações de Trackston e Krenkel e de Tsivoglou e Wallance apresentaram, na maioria das seções de medição, valores de K2 discrepantes, chegando a alcançar, em relação às demais fórmulas, diferenças de até 42 vezes. Apesar do fato da Seção 3 ter apresentado uma faixa de variação considerável de K2, nas demais seções analisadas, as fórmulas da literatura demonstraram, de maneira geral, que esse coeficiente possui um comportamento bem mais homogêneo ao longo do rio. Outra observação que pode ser feita é que o aumento da vazão não provocou alterações marcantes nos valores dos coeficientes de reaeração obtidos. 4.1.3 Obtenção dos parâmetros de qualidade da água Nessa pesquisa foram realizadas análises laboratoriais e medições de campo dos parâmetros de qualidade da água listados na Tabela 3, os quais foram comparados com parâmetros da Resolução 357/2005 do CONAMA. As amostras de água, cujas análises não podiam ser executadas em campo, foram coletadas de maneira adequada e acondicionadas em recipientes térmicos exclusivos, de acordo com o especificado pelo SMEWW (1992), objetivando a preservação das mesmas até a chegada das amostras aos respectivos laboratórios. As expedições de campo permitiram a obtenção de dados de entrada no QUAL2E e a caracterização do atual estado da qualidade da água no médio curso do Rio Araguari da seguinte maneira: • Espacialmente: observou-se a concentração dos parâmetros de qualidade da água ao longo de 23 pontos de coleta, verificando-se, também, a interferência da UHECN na qualidade da água desse rio. • Sazonalmente: a análise sazonal objetivou verificar as diferenças nas concentrações dos parâmetros de qualidade da água nas principais estações do ano, inverno e verão, durante um período de 2 anos, compreendido entre novembro/2004 e maio/2006. 47

Tabela 3 - Resumo das análises realizadas para obtenção dos dados de qualidade da água do Rio Araguari. Método Analítico Utilizado/Equipamento

Local de Realização da Análise

Aparelho Multisonda Horiba U-10 Disco de Secchi Aparelho Multisonda Horiba U-10 Método de Winkler / Método Eletroquímico Método de Winkler Técnica dos Tubos Múltiplos em Meio A1 Aparelho Multisonda Horiba U-10 Standard Methods of Water and Wastewater - SMEWW Nitrogênio Amoniacal - 0 a 2,50 mg/L NH3-N Método 8038 (Nessler Method, adaptado do SMEWW) Método de Mohr

In loco In loco In loco CAESA/In loco CAESA SEMA/AP In loco SEMA/AP

Parâmetro Temperatura Transparência Potencial Hidrogeniônico Oxigênio Dissolvido Demanda Bioquímica de Oxigênio Coliformes Termotolerantes Condutividade e Nitrato Sólidos Totais e Sólidos Suspensos Amônia Cloreto

CAESA SEMA/AP

As Figuras 10 a 12 ilustram alguns aspectos gerais das coletas de campo e das análises laboratoriais realizadas.

a

b

Figura 10 - a) Momento da vedação do frasco de Winkler com o oxigênio dissolvido fixado; b) Titulação do oxigênio dissolvido no laboratório da CAESA: início da análise laboratorial de oxigênio dissolvido conforme o Método de Winkler (Imagens obtidas durante a 2ª Coleta, em maio/2005).

a

b

c

Figura 11 - a) e b) Leitura de parâmetros de qualidade da água na Multisonda Horiba U-10; c) Medição de transparência com o Disco de Secchi (Imagens obtidas durante as três últimas expedições de campo: novembro/2005, março e maio/2006).

48

Programa Primeiros Projetos

b

a

c

Figura 12 - a) e b) Frascos de oxigênio dissolvido sendo preparados para a titulação; c) Amostras de água para realização da análise de amônia (Imagens obtidas durante a 5ª Coleta: maio/2006).

4.2 Escolha do modelo de qualidade da água e do trecho do Rio Araguari a ser modelado Na modelagem com o QUAL2E utilizado considerou-se o seguinte conjunto de fatores: • A possibilidade que o QUAL2E possui de subdividir o rio em trechos e, posteriormente, em subtrechos, que são agrupados de acordo com as características hidráulicas e de escoamento do rio, o que permite uma representação mais aproximada da realidade do corpo hídrico a ser analisado. • O fato do Sistema de Modelagem da Qualidade da Água QUAL2E desenvolver suas simulações em regime unidimensional, exigindo, assim, uma menor quantidade de dados de entrada. • O fato do QUAL2E ser um dos modelos de qualidade da água mais bem documentados e utilizados no mundo, e pelo mesmo estar sendo desenvolvido e estudado há mais de 35 anos por vários pesquisadores. • Por representar os mais importantes processos de introdução ou supressão de oxigênio dissolvido na água.

4.3 Determinação dos Coeficientes de Entrada no Modelo QUAL2E Com o objetivo de avaliar o comportamento hidráulico e dos parâmetros de qualidade da água no trecho analisado, realizou-se, durante o período de 2 anos, cinco expedições de campo: duas durante a estação de inverno (seca), duas durante a estação de verão (cheia), e uma durante a estação intermediária de verão, conforme pode ser observado na Tabela 4. Tabela 4 - Informações referentes às campanhas de coleta de campo realizadas no Médio Araguari. Número da Campanha

Data de Realização

Dados Obtidos

Estação Climática

1

1 e 2/11/2004

Qualidade da água

Inverno

2

7 e 8/5/2005

Qualidade da água/Hidráulicos

Verão

3

1 e 2/11/2005

Qualidade da água/Hidráulicos

Inverno

4

2 e 3/3/2006

Qualidade da água/Hidráulicos

Intermediária de Verão

5

14 e 15/5/2006

Qualidade da água/Hidráulicos

Verão

49

No trecho analisado, ilustrado na Figura 13, foram demarcadas 23 seções de amostragem cujas coordenadas geográficas podem ser visualizadas na Tabela 4. O comprimento total pesquisado foi subdividido em dezenove trechos com características hidráulicas semelhantes, sendo que os mesmos foram distribuídos da seguinte maneira: dez a montante da Usina Hidrelétrica de Coaracy Nunes, três dentro do reservatório da usina e dez a jusante da barragem. As campanhas de coleta de dados abrangeram o trecho do Médio Araguari, iniciando no local onde ocorre a sua confluência com o Rio Amapari, passando pelos municípios de Porto Grande e Ferreira Gomes e finalizando na cidade de Cutias, perfazendo uma extensão total de 120 km. É importante salientar que três afluentes do Rio Araguari foram incorporados à presente modelagem, sendo eles: Rio Amapari, Igarapé do Eduardo e Córrego Tracajatuba. A Figura 13 ilustra, de forma esquemática, o protótipo físico de todo o trecho pesquisado, incluindo todos os elementos naturais e antrópicos considerados na modelagem matemática com o QUAL2E.

Figura 13 - Perfil esquemático do trecho modelado - Modelo unifilar.

No processo de análise optou-se pela construção de apenas um modelo matemático para o Médio Araguari, procedendo-se com o uso da média aritmética dos dados obtidos durante o período de estudo. Nessa pesquisa, assim como Rodrigues (2005), as variáveis selecionadas para a simulação 50

Programa Primeiros Projetos foram oxigênio dissolvido e demanda bioquímica última de oxigênio, sendo que os demais coeficientes e dados de entrada no modelo QUAL2E são apresentados posteriormente. Observase, contudo, que os termos do modelo relativos à fotossíntese não foram considerados, uma vez que não se percebeu, em nenhuma das cinco campanhas de coleta de campo, um efeito claro desse processo nas concentrações de oxigênio dissolvido presente na água do Rio Araguari. 4.4 Estimativa dos coeficiente de desoxigenação e demanda bioquímica última (DBOu) A decomposição da matéria orgânica presente na água, quando ocorre de maneira aeróbia, é realizada por organismos que utilizam o oxigênio molecular como aceptor de elétrons, consumindoo do meio aquático quando na realização desse processo. A taxa com que isso se dá é conhecida como coeficiente de desoxigenação (K1, expresso em d-1). Além disso, a quantidade de OD consumida pelos seres decompositores é conhecida como demanda bioquímica de oxigênio (DBO). Convencionou-se adotar para o teste de DBO a incubação de amostras por cinco dias com uma temperatura constante de 20ºC (denominada, nesse trabalho, com a sigla DBO5/20). Porém, na modelagem do OD pelo QUAL2E, é necessário que se conheça o valor da demanda bioquímica última de oxigênio, uma vez que, baseado nesse valor e no coeficiente de desoxigenação, é possível obter uma curva que descreve matematicamente a progressão da demanda bioquímica de oxigênio em função do tempo. De acordo com Bronw e Barnwell (1987), o QUAL2E caracteriza a reação da demanda bioquímica de oxigênio como de primeira ordem, sendo necessária, portanto, a determinação de K1 e L. Nesse estudo, a determinação do K1 e da L foi feita em três seções do Médio Araguari, sendo elas: 3, 10 e 12, situadas a montante, dentro e a jusante do lago da UHECN, respectivamente.

5 RESULTADOS E DISCUSSÕES Nesse item são apresentados os resultados obtidos na pesquisa, sendo eles: caracterização espacial e sazonal da qualidade da água (incluindo uma análise multivariada e a razão entre a demanda bioquímica de oxigênio e a demanda bioquímica última de oxigênio) e hidráulica do Médio Araguari, bem como as simulações computacionais dos cenários hipotéticos com o modelo QUAL2E. 5.1 Caracterização Espacial e Temporal da Qualidade da Água do Médio Araguari Para todos os parâmetros analisados elaborou-se um gráfico que objetivou ilustrar o comportamento dos mesmos em relação ao espaço (nos 120 km modelados) e às variações sazonais (estações de seca e cheia durante o período de 1,5 ano), nos 23 pontos de amostragem. Foram locados nos gráficos os municípios de Porto Grande, Ferreira Gomes e Cutias; os afluentes Amapari, Igarapé do Eduardo e Córrego Tracajatuba; e a Usina Hidrelétrica de Coaracy Nunes, uma vez que todos esses elementos encontram-se situados dentro dos limites do trecho modelado. 51

Procedeu-se, também, com a verificação da possível existência de uma relação entre os parâmetros de qualidade da água com a vazão do Rio Araguari. Aqueles que demonstraram uma tendência clara dessa relação foram determinados, mas não mostrados no presente texto. 5.1.1 Determinação da demanda bioquímica de oxigênio (DBO) Os valores da demanda bioquímica de oxigênio obtidos durante as cinco campanhas realizadas estão apresentados na Figura 14: mínimo de 5,40 mg/L (2ª Coleta: cheia) e máximo de 7,77 mg/ L (4ª Coleta: intermediária).

Figura 14 - Gráfico da variação espacial e sazonal da demanda bioquímica de oxigênio da água do Rio Araguari.

Ao se analisar essa figura é possível notar a ocorrência de uma variação sazonal significativa da DBO5/20 nas cinco coletas onde, no geral, durante as estações de cheia (2ª e 5ª Coletas), as concentrações foram menores em virtude do aumento da diluição da matéria orgânica quando do aumento do volume da água. No que tange à Usina Hidrelétrica de Coaracy Nunes, é possível observar claramente que após a barragem ocorre uma elevação significativa da demanda bioquímica de oxigênio. Isso provavelmente se dá devido à ressuspensão de sólidos retidos no reservatório quando ocorre a liberação da água turbinada e vertida, o que provoca a elevação dos níveis de matéria orgânica na água. Além disso, tal impacto ambiental se agrava devido ao lançamento de esgoto oriundo das cidades de Porto Grande e Ferreira Gomes, uma vez que, em geral, ocorre também o aumento da DBO5/20 a jusante desses municípios. Após a barragem, percebe-se que os níveis de DBO5/20 diminuíram, o que pode ser explicado pela capacidade de diluição do Rio Araguari. O CONAMA estabelece que os cursos d’água de Classe 2 devem possuir uma DBO5/20 de até 5,00 mg/L. Se comparado com esse padrão, o Rio Araguari estaria sempre em discordância no que tange a esse parâmetro. Porém, segundo a Agência Nacional de Águas (2005), os rios amazônicos são ricos em matéria orgânica e substâncias húmicas. Tudo indica que tal 52

Programa Primeiros Projetos comportamento da quantidade de matéria orgânica carbonácea presente no resultado, também, pode ser decorrente de um erro sistemático de análise ou realmente uma questão de realidade hídrica diferente em uma região ainda pouco estudada. Todavia, é importante salientar que esse “comportamento natural” não se justifica durante todo o trecho analisado, uma vez que ocorrem picos de aumento da DBO5/20 a jusante dos aglomerados urbanos e da UHECN. O que se percebe é que a poluição antrópica provoca o agravamento no comportamento de um parâmetro que já se apresenta mais elevado em função das características ambientais locais. Trata-se de uma oportunidade para futuros estudos. 5.1.2 Determinação do oxigênio dissolvido (OD) O menor valor de oxigênio dissolvido detectado nas expedições de campo foi de 6,00 mg/L (2ª e 3ª Coletas: cheia e seca, respectivamente) e o maior foi de 8,10 mg/L (3ª Coleta: seca), conforme pode ser verificado na Figura 15. A variação sazonal acusou uma oscilação heterogênea no que diz respeito a este parâmetro. Contudo, de maneira geral, nota-se que a tendência do mesmo é diminuir no sentido da foz (exceto no caso das estações secas). Observa-se, claramente, que a Usina Hidrelétrica de Coaracy Nunes, em virtude das próprias operações inerentes à geração de energia elétrica, promove

Figura 15 - a) Gráfico da variação espacial e sazonal do oxigênio dissolvido na água do Rio Araguari; b) Gráfico da variação temporal do oxigênio dissolvido na água no Rio Araguari.

53

o aumento do oxigênio dissolvido no meio hídrico, sendo que esse fato é muito mais marcante durante a estação das cheias, quando o volume de água aumenta consideravelmente. Outro fato verificado é que em nenhuma expedição de campo foram observados valores de oxigênio dissolvido que infringissem o limite mínimo de 5,00 mg/L estabelecido pela Resolução 357/2005 do Conselho Nacional de Meio Ambiente, o que possibilita compreender que o Rio Araguari ainda se encontra em bom estado de conservação ambiental. Na Figura 15 também é possível observar que não há indícios claros do aumento da produção fotossintética pelas algas durante as horas do dia, o que permite deduzir que esse processo não se reflete de forma significativa sobre as concentrações de oxigênio dissolvido no manancial em questão.

5.2 Determinação das características hidráulicas do Médio Araguari Nesse sub-tópico são apresentados os gráficos com as variações espaciais e sazonais dos valores médios de vazão, velocidade, profundidade, largura e área da seção transversal do trecho hídrico analisado. Como elucidado no sub-tópico anterior, por questões de segurança humana e dos equipamentos, não foi possível proceder com as medições dos parâmetros hidráulicos nas 23 seções definidas, em especial durante as épocas de estiagem. 5.2.1 Vazão A oscilação sazonal do volume de água encontrado no Rio Araguari alcançou valores que variaram em quase 24 vezes de uma estação climática para outra. Os valores medidos foram: mínimo de 105,62 m3/s (2ª Medição: seca) e máximo de 2.525,50 m3/s (4ª Medição: cheia). Percebe-se, portanto, que esse corpo hídrico é um curso d’água de grande porte, uma vez que se apresenta com elevadas vazões. A Figura 16 apresenta os valores de vazão obtidos nas medições de campo.

Figura 16 - Gráfico da variação espacial e sazonal da vazão média do Rio Araguari.

54

Programa Primeiros Projetos Ao se observar a mencionada figura, é possível perceber que ocorreu uma variação considerável dos valores de vazão obtidos, principalmente durante a seca de 2005 (quando houve uma queda da vazão no final do trecho), e a estação intermediária onde, após a Usina Hidrelétrica de Coaracy Nunes, a descarga hídrica diminuiu e, no quilômetro 75, voltou a crescer no sentido da foz. Após a verificação dos inúmeros fatores que poderiam estar provocando esse comportamento, chegou-se às seguintes conclusões: (1) ocorre uma pequena interferência da maré a jusante da usina; e (2) a rotina de operação da barragem, no sentido de armazenar e liberar a água de acordo com sua necessidade, influencia consideravelmente no comportamento da vazão do Rio Araguari. Estudos mais aprofundados no que tange ao parâmetro ora abordado devem ser conduzidos, visando compreender melhor o comportamento e as particularidades hidráulicas desse corpo d’água. 5.2.2 Velocidade A Figura 17 apresenta os valores mínimo e máximo detectados nos estudos conduzidos no Rio Araguari: 0,05 m/s (2ª Medição: seca) e 1,18 m/s (4ª Medição: cheia). Em todas as campanhas de campo, os valores desse parâmetro hidráulico tenderam a diminuir nas proximidades do reservatório; porém, a jusante da UHECN, seu comportamento foi bastante variado, principalmente entre as estações sazonais observadas. Tal conduta pode ter ocorrido devido às potenciais interferências da maré a jusante da usina e às operações das comportas da usina hidrelétrica, coincidindo com as mesmas suposições feitas para a vazão no subitem anterior.

Figura 17 - Gráfico da variação espacial e sazonal da velocidade média da água do Rio Araguari.

5.2.3 Profundidade A profundidade média do Rio Médio Araguari variou entre 1,29 m (2ª Medição: seca) e 17,00 m. De maneira geral, o Rio Araguari demonstrou uma tendência explícita de aumento da profundidade no sentido de sua foz, conforme pode ser visualizado na Figura 18, o que já era esperado. 55

Figura 18 - Gráfico da variação espacial e sazonal da profundidade média do Rio Araguari.

5.3 Simulações com Qual2E no Médio Rio Araguari - AP As simulações com o QUAL2E objetivaram, em especial, contribuir para uma gestão mais efetiva na Bacia Hidrográfica do Rio Aragauari. Foram elaborados três cenários hipotéticos num horizonte de 20 anos: (1) a implantação de uma nova barragem a montante da Usina Hidrelétrica de Coaracy Nunes (trecho 3); (2) o crescimento das cidades de Porto Grande e Ferreira Gomes, considerando que os efluentes desses dois municípios seriam descartados “in natura” no Rio Araguari; na simulação desse cenário utilizou-se uma vazão elevada; e (3) o mesmo cenário anterior, alterando apenas a vazão para o valor mais baixo medido durante o período dessa pesquisa. 5.3.1 Cenário 1 Nesse cenário, adicionou-se uma hidrelétrica com altura de 35 m a montante da UHECN, mais precisamente no Trecho 3. Na Figura 19 é possível visualizar o resultado da simulação realizada.

Figura 19 - Gráfico de saída do modelo QUAL2E: simulação do CENÁRIO 1.

56

Programa Primeiros Projetos Verificou-se que esse novo empreendimento, se implantado, ocasionaria um aumento nos níveis de OD na massa hídrica no trecho estudado em virtude da aeração provocada pela barragem. As concentrações de oxigênio passariam de aproximadamente 6,80 mg/L para 7,40 mg/L. Na seqüência, as concentrações desse gás tenderiam a diminuir até a altura da UHECN onde, então, se elevariam novamente, permanecendo relativamente constantes no sentido da foz, com valores em torno de 6,90 mg/L. Em termos de L, ocorreria a diminuição da mesma, principalmente após a UHECN, passando de 8,20 mg/L no início do trecho modelado, para 7,80 mg/L no final mesmo. A Resolução 357/2005 do CONAMA não seria infringida. 5.3.2 Cenário 2 A Figura 20 apresenta o resultado da simulação do Cenário 2. Notou-se que o descarte dos efluentes originados nos municípios de Porto Grande e Ferreira Gomes, quando na condição de vazão elevada do Rio Araguari, não ocasionariam grandes impactos na água. Outro fato importante que merece ser mencionado é que a L se manteria relativamente constante ao longo de todo o trecho modelado, aumentando ligeiramente após a cidade de Ferreira Gomes; ao final do percurso, seu valor permaneceria na faixa dos 8,40 mg/L.

Figura 20 - Gráfico de saída do modelo QUAL2E: simulação do CENÁRIO 2.

Em termos de oxigênio dissolvido, após o lançamento dos efluentes da cidade de Porto Grande, suas concentrações cairiam de aproximadamente 6,80 mg/L para 6,40 mg/L, diminuindo até as imediações da Usina Hidrelétrica de Coaracy Nunes onde, após a mesma, se elevariam para um valor na faixa de 7,20 mg/L, diminuindo novamente a jusante do lançamento dos efluentes da cidade de Ferreira Gomes e permanecendo com esse mesmo comportamento no sentido da foz do manancial. Em nenhum momento ocorreria a infração aos limites estabelecidos pela Resolução 357/2005 do Conselho Nacional de Meio Ambiente. 5.3.3 Cenário 3 No Cenário 3, ilustrado na Figura 21, os resultados se apresentaram mais variados. Quando simulado esse cenário utilizando a vazão de seca do Rio Araguari, o QUAL2E acusou uma maior 57

sensibilidade do manancial. A L aumentou no sentido da foz, passando de aproximadamente 8,10 mg/L para 9,80 mg/L. Porém, no que diz respeito ao OD, o comportamento do Rio Araguari foi mais preocupante. Na estação seca, a capacidade de autodepuaração do rio diminui, fazendo com que os níveis de oxigênio caiam bastante, chegando, no trecho compreendido entre o município de Porto Grande e a barragem, a alcançar níveis abaixo de 4,00 mg/L. Contudo, vale lembrar que os valores da DBO analisados foram considerados muito alterados, talvez decorrentes de erros sistemáticos de análise laboratorial. Em resumo, a UHECN promove a elevação dos níveis de OD, que voltam a decrescer quando ocorre o despejo dos efluentes oriundos da cidade de Ferreira Gomes. O OD e a L se estabilizam no sentido da foz, permanecendo em 5,80 mg/L e 9,80 mg/L, respectivamente.

Figura 21 - Gráfico de saída do modelo QUAL2E: simulação do CENÁRIO 3.

6 CONCLUSÕES E SUGESTÕES

O Rio Araguari é um curso d’água de grandes dimensões e é um dos principais recursos hídricos do Estado do Amapá, se apresentando ainda em bom estado de conservação. Esse rio é utilizado para vários usos humanos, com destaque para geração de energia elétrica. Mas observase que em seu curso já apresentam indícios de que as águas estão sofrendo algumas alterações ambientais que, se não controladas de maneira eficiente, poderão incorrer em risco o futuro equilíbrio ambiental desse manancial. Neste sentido, foi possível detectar, durante as expedições de campo, alguns desses impactos, sendo eles: desmatamento da mata ciliar, revolvimento por dragagem do leito do canal principal do rio para extração de seixos, atividades de mineração para obtenção de pedras ornamentais, represamento do corpo hídrico para fins de geração de energia elétrica (o que provocou o alagamento de extensas áreas de cobertura vegetal nativa), e a alterações da qualidade da água do corpo hídrico. Na caracterização atual da qualidade da água do Rio Araguari, alguns parâmetros estudados, além do OD e DBO acusaram algum tipo de alteração devido à utilização desse manancial para 58

Programa Primeiros Projetos fins de diluição de efluentes. Ao longo do percurso modelado, os trechos situados nas imediações dos municípios de Porto Grande e principalmente de Ferreira Gomes e da UHECN, foram os que apresentaram maior incidência de diminuição da qualidade da água. Foi observado, também, que nas variações sazonais, de maneira geral, o Rio Araguari se mostrou mais suscetível à depleção desses parâmetros durante a estação seca, quando sua capacidade de diluição é menor. Todavia, ao que tudo indica, apesar da influência humana existente dentro dos limites dessa BH, o Rio Araguari possui algumas características que, mesmo estando em desacordo com os padrões estabelecidos pelo Resolução 357/2005 do CONAMA (são “naturais” da própria região). Desta forma, a matéria orgânica apresentou-se, independente das variações sazonais, como sendo, em sua maior parte, de origem carbonácea, ou seja, se decompondo nos primeiros cinco dias de incubação das amostras. No tocante aos impactos ambientais causados no Rio Araguari devido ao seu uso para a geração de energia elétrica, a UHECN, localizada nas proximidades do município de Ferreira Gomes, tem provocado algumas interferências que alteram não somente a qualidade da água desse manancial (principalmente no que diz respeito ao potencial hidrogeniônico, condutividade, temperatura da água, sólidos totais, sólidos suspensos, coliformes termotolerantes, nitrato, cloreto, demanda bioquímica de oxigênio e oxigênio dissolvido), mas também as suas características hidráulicas (em especial: vazão, velocidade, largura e área da seção transversal). O Modelo QUAL2E é uma ferramenta que auxiliou em uma análise prévida para o gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Araguari. Apesar de suas limitações, o mesmo ainda é tido por inúmeros pesquisadores como um dos mais confiáveis instrumentos no gerenciamento de recursos hídricos. Esse modelo pode ser utilizado em estudos mais abrangentes relativos a esse mesmo rio. A simulação do Cenário 1 indicou que a implantação de mais uma hidrelétrica a montante da UHE de Coaracy Nunes não provocaria impactos tão negativos em termos de OD e DBO5/ 20, não sendo possível garantir esse mesmo comportamento no que tange aos demais parâmetros de qualidade da água medidos. Entretanto, os impactos ambientais decorrentes das alterações hidráulicas seriam grandes, principalmente porque a região estudada é muito plana, sendo que o barramento da água provocaria o alagamento de extensas áreas de mata nativa, o que poderia gerar uma redução considerável na biodiversidade local, além de alterações no microclima da região. Os Cenários 2 e 3 permitiram verificar que caso a população dos municípios de Porto Grande e Ferreira Gomes cresçam a uma taxa de 1,7% ao ano, e que os mesmos continuem descartando seus efluentes nas águas do Rio Araguari sem nenhum tipo de tratamento, os níveis de DBO5/20 não seriam alterados a valores preocupantes. Todavia, as concentrações de OD poderiam vir a infringir a Resolução 357/2005 do Conselho Nacional de Meio Ambiente, principalmente na época de seca, quando a capacidade de diluição desse corpo d’água diminui. Por isso, o crescimento das cidades situadas às margens do manancial estudado deve ser acompanhado de sistemas de tratamento de esgoto, visando a minimização da depleção futura da qualidade de suas águas.

59

Outros cenários podem ser simulados com o auxílio do QUAL2E, dependendo da necessidade dos órgãos interessados no gerenciamento desse recurso hídrico.

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALBANO, G. D.; PORTA, R. L. L. Aplicação integrada de modelos matemáticos de qualidade e de quantidade de água: o caso das represas Jaguari-Jacareí no Sistema Cantareira. [S.l.], 2005. AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS (Brasil) . Site Hidroweb. Disponível em: http:// hidroweb.ana.gov.br/. Acesso em: 15 jul. 2005. ARAÚJO, F. F. V.; CASTRO, M. A. H.; FIGUEIREDO, M. C. B. Simulação da Qualidade da Água em Trecho de Rio Sujeito a Lançamento de Efluentes da Carcinicultura. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE RECURSOS HÍDRICOS, 16., 2005, João Pessoa. Anais... João Pessoa: ABRH, 2005. ATKINSON, J. F. et al. Surface Reaeration. Journal of Environmental Engineering, v. 130, n. 2, p. 113-118, Feb. 2004. BÁRBARA, V. F. Uso do Modelo Qual2E no Estudo da Qualidade da Água e da Capacidade de Autodepuração do Rio Araguari – AP. 2006. 164 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Goiás, Goiânia. BARBOSA JUNIOR, A. R. Desenvolvimento de Metodologia para Determinação do Coeficiente de Reaeração dos Escoamentos Naturais da Água com o Emprego de Traçador Gasoso. 1989. 187 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade de São Paulo, São Carlos, SP. ______ Uso de Traçadores na Determinação de Parâmetros de Qualidade em Escoamentos Superficiais de Água. 1997. 457 f. Tese (Doutorado) - Universidade de São Paulo, São Carlos, SP. BARBOSA JUNIOR, A. R.; GIORGETTI, M. F. Reaeração de Corpos de Água Naturais: uma metodologia para quantificação com o uso de traçadores. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL, 18., 1995, Salvador. Anais... Salvador: [s.n.], 1995. BARNWELL JUNIOR, T. O.; BROWN, L. C.; WHITTEMORE, R. C. Importance of Field Data in Stream Water Quality Modeling Using QUAL2E - UNCAS. Journal of Environmental Engineering, v. 130, n. 6, p. 643-647, June 2004. BELLOS, D.; SAWIDIS, T. Chemical Pollution Monitoring of the River Pinios (Tesalia - Greece). Journal of Environmental Management, v. 76, p. 282-292, 2005. BENNETT, J. P.; RATHBUN, R. E. Reaeration in Open Channel Flow. Washington, DC: U.S. Govt. Print. Off., 1972. 75 p. (U. S. Geological Survey Professional Paper, 737). BOWIE, L. G. et al. Rates, Constants, and Kinetics Formulations in Surface Water Quality Modeling. Athens, Georgia: EPA, 1985.

60

Programa Primeiros Projetos BRAGA, B. et al. Introdução à Engenharia Ambiental. São Paulo: Prentice Hall, 2002. 305 p. BRANDÃO, M. E. F. Modelo Dinâmico de Qualidade e Escoamento de Água como Mecanismo para Implementação de Instrumentos de Gestão de Recursos Hídricos. 2003. 216 f. Tese (Doutorado) - Universidade de Brasília, Brasília, DF. BROWN, L. C.; BARNWELL, T. O. The Enhanced Stream Water Quality Models QUAL2E and QUAL2E-UNCAS: Documentation and User Manual. Athens, Georgia, 1987. 204 p. CHAPRA, S. C. Surface Water-Quality Modeling. New York, NY: McGraw-Hill, 1997. 844 p. CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE. Resolução n° 001, de 21 de janeiro de 1986. Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2006. ______. Resolução n° 357, de 18 de junho de 2005. Disponível em: . Acesso em: 25 jul. 2006. COX, B. A. A Review of Currently Available In-Stream Water-Quality Models and their Applicability for Simulating Dissolved Oxygen in Lowland. The Science of the Total Environment, v. 314-316, p. 335-377, 2003. CUNHA, A. C. Análise Numérica dos Processos de Autodepuração e Reoxigenação do Rio Araguari para Avaliação de Impactos Ambientais. Macapá, 2003. Projeto de Pesquisa CNPq/SETEC - PPP. ______. Monitoramento, Parâmetros e Controle da Qualidade da Água: curso para engenheiros e técnicos das Unidades de Monitoramento (OEMAs). Macapá: Secretaria de Estado de Meio Ambiente, 2000. 88 p. CUNHA, A. C.; CUNHA, H. F. A; SIQUEIRA, E. Q. Diffuse Pollution Survey in Rivers of Southeast of Amapá State – Brazil. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON DIFFUSE/ NONPOINT POLLUTION AND WATERSHED MANAGEMENT, 5., 2001, Milwaukee. Procedings...[S.l.:s.n.], 2001. 1 CD-ROM. CUNHA, A. C.; SIQUEIRA, E. Q.; CUNHA, H. F. A. Avaliação das Equações de Previsão do Coeficiente de Reaeração no Modelo QUAL2E para Modelagem de Oxigênio Dissolvido: estudo de caso no ribeirão do Feijão (São Carlos - SP). Revista de Ciência e Tecnologia do Estado do Amapá, v. 2, n. 1, p. 90-111, 2001. DAI, T.; LABADIE, J. W. River Basin Network Model for Integrated Water Quantity/Quality Management. Journal of Water Resources Planning and Management, v. 127, n. 5, p. 295305, 2001. EIGER, S. Autodepuração dos Cursos D’água. In: MANCUSO, P. C. S.; SANTOS, H. F. Reuso de Água. Barueri: Manole, 2003. p. 233-259. EPA. Rates, Constants, and Kinetics Formulations in Surface Water Quality Modeling. 2. ed. Athens, Georgia, 1985. 455 p. GASTALDINI, M. C. C.; SEFRIN, G. F. F.; PAZ, M. F. Diagnóstico Atual e Previsão Futura da

61

Qualidade das Águas do Rio Ibicuí Utilizando o Modelo QUAL2E. Engenharia Sanitária e Ambiental: revista da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 7, n. 3/4. p. 129-138, 2002. IBGE. Informações do estado do Amapá. Disponível em: . Acesso em: 14 jul. 2006. LEI 0686, de 07 de junho de 2002. In: POLÍTICAS de Gerenciamento dos Recursos Hídricos do Estado do Amapá. Macapá: GEA: SEMA, 2002. 59 p. LEI 9.433, de 8 de janeiro de 1997. In: BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Secretaria de Recursos Hídricos. Recursos Hídricos: conjunto de normas legais. 3. ed. Brasília, DF, 2004. 243 p. LITWACK, H. S. et al. Development of a Simple Phosphorus Model for a Large Urban Wastershed: a case study. Journal of Environmental Engineering, v. 132, n. 4, p. 538-546, Apr. 2006. MARK, O. et al. Modelação e Gestão em Tempo Real de Águas e Ambiente Urbano. In: SIMPÓSIO DE RECURSOS HÍDRICOS DO CENTRO-OESTE, 3., 2004, Goiânia. Livro de resumos... Goiânia: Agência Nacional de Águas, 2004. 141 p. MCAVOY, D. C. et al. Risk Assessment Approach for Untreated Wastewater Using the QUAL2E Water Quality Model. Chemosphere, v. 52, n. 1, p. 55-66, July 2003. MCCUTCHEON, S. C.; FRENCH, R. H. Water Quality Modeling - transport and surface exchange in rivers. Boca Raton, Florida: CRC, 1989. v. 1. 325 p. MELCHING, C. S.; YOON, C. G. Key Sources of Uncertainty in QUAL2E Model of Passaic River. Water Resource Plan Manager, v. 122, n. 2, p. 105-113, 1996. MENDONÇA, A. S. F. et al. Desenvolvimento de Sistema de Suporte à Decisão para Subsídio à Outorga de Uso de Água de Rios: fontes pontuais e difusas. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE RECURSOS HÍDRICOS, 16., 2005, João Pessoa. Integrando a gestão de águas às políticas sociais e de desenvolvimento econômico: anais. [São Paulo]: UNIUS, 2005. MUJUMDAR, P. P.; VEMULA, V. R. S. Fuzzy Waste Load Allocation Model: simulationoptimization approach. Journal of Computing in Civil Engineering, v. 18, n. 2, p. 120-131, 2004. MOTA, S. Introdução à Engenharia Ambiental. 3. ed. Rio de Janeiro: ABES, 2003. 419 p. PALMIERI, V. Calibração do Modelo QUAL2E para o Rio Corumbataí (SP). 2004. 91 f. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. PORTO, R. L. L.; AZEVEDO, L. G. T. Sistemas de Suporte a Decisões Aplicados a Problemas de Recursos Hídricos. In: PORTO, R. L. L. (Org.). Técnicas Quantitativas para o Gerenciamento de Recursos Hídricos. 2. ed. Porto Alegre: UFRGS, 2002. 420 p. POTTER, M. C.; WIGGERT, D. C. Mecânica dos Fluidos Ambiental. In: ______. Mecânica dos Fluidos. [S.l.]: Editora Thomson, 2002. Cap XIV, p. 557-594.

62

Programa Primeiros Projetos PROVAM: Programa de Estudos e Pesquisas nos Vales Amazônicos. Belém, PA: SUDAM: OEA, 1990. v. 1. 189 p. RAUCH, W. et al. River Water Quality Modeling: I - state of the art. Water Science of Technology, v. 38, n. 11, p. 237-244, 1998. RODRIGUES, A. C. et al. Modelação da Qualidade da Água na Bacia Hidrográfica do Rio Ave. In: CONGRESSO DA ÁGUA DE PORTUGAL, 6., 2002, Alfândega. Anais... Alfândega, Portugal: APRH, 2002. RODRIGUES, R. B. Sistema de Suporte à Decisão Proposto para a Gestão QualiQuantitativa dos Processos de Outorga e Cobrança pelo Uso da Água. 2005. 155 f. Tese (Doutorado) - Universidade de São Paulo, São Paulo. ROSMAN, P. C. C. Referência Técnica do SISBAHIA. Rio de Janeiro: PUCRJ, 2005. RUTHERFORD, J. C. Desoxygenation in a Mobile-Bed River - II. Model Calibration and PostAudit. Water Research, v. 5, n. 12, p. 1499-1508, 1991. SIQUEIRA, E. Q. Aplicação do Modelo de Qualidade de Água (QUAL2E) na Modelação de Oxigênio Dissolvido no Rio Meia Ponte (GO). 1996. 96 f. Dissertação (Mestrado) Universidade de São Paulo, São Carlos, SP. SIQUEIRA, E. Q.; CUNHA, A. C. Re-oxygenation coefficient in model QUAL2E: Prediction methodology. In: CONFERECENCE ON STORMWATER AND URBAN SYSTEMS MODELING, 2000, Toronto. Procedings... [S.l.]: Computacional Hydraulics International, 2001. Edited by Willian James. p. 153-160. SMEWW. Standart methods for the examination of water and wastewater. Washington, EUA: APHA, 1992. STREETER, H. W.; PHELPS, E. B. A Study of the Natural Purification of the Ohio River. Washington, DC: Public Health Service, 1925. (Public bulletin, 146). TCHONOBANOGLOUS, G.; SCHROEDER, E. D. Water Quality: Characteristics, Modeling and Modification. California, EUA: Adison Wesley, 1985. 768 p. TUCCI, C. E. M. Modelos hidrológicos. Porto Alegre: UFRGS, 1998. 669 p. ______. (Org.). Hidrologia: ciência e aplicação. 3. ed. Porto Alegre: UFRGS, 2002. 943 p. TUCCI, C. E. M.; HESPANHOL, I.; CORDEIRO NETO, O. M. Gestão da Água no Brasil. Brasília, DF: UNESCO, 2001. 190 p. WALTON, R.; WEBB, M. QUAL2E Simulations of Pulse Loads. Journal of Environmental Engineering, v. 120, n. 5, p. 1017-1031, 1992. WROBEL, L. C. et al. Métodos numéricos em recursos hídricos. Rio de Janeiro: ABRH, 1989. 380 p. ZEILHOFER, P. et al. Um Ambiente SIG para Modelagem Integrada da Qualidade da Água Utilizando QUAL2E. Revista Caminhos da Geografia, v. 8, n. 10, p. 107-125, 2003. 63

64

Programa Primeiros Projetos

CAPÍTULO 3 INTEGRAÇÃO DE MÉTODOS GEOFÍSICOS NA CARACTERIZAÇÃO GEOAMBIENTAL DA ÁREA DE DISPOSIÇÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS DA CIDADE DE MACAPÁ-AP Helyelson Paredes Moura1 Marcelo José de Oliveira2 Roberto de Jesus Veja Sacasa3 José Maria Luz do Rosário4 Walter Malagutti Filho5 José Reinaldo Cardoso Nery6

1 INTRODUÇÃO

O resultado da prática obsoleta e inadequada de disposição de resíduos sólidos urbanos e industriais, em terrenos de geologia inadequada, tem dirigido a atenção dos órgãos públicos e de instituições de pesquisa no sentido de avaliar os impactos dessa disposição, que tem como conseqüência a contaminação do solo e da água subterrânea pela infiltração do chorume. A cidade de Macapá-AP já apresenta os grandes problemas de meio ambiente, como a crescente concentração populacional na área urbana e o conseqüente aumento da produção de resíduos domésticos, ocasionando o esgotamento da lixeira pública de Macapá, área destinada à disposição do lixo urbano. A lixeira pública da cidade de Macapá existe há cerca de 12 anos, sendo caracterizada como um típico lixão a céu aberto, onde os resíduos são depositados diretamente ao solo, sem nenhum critério técnico de disposição, impermeabilização de base, sem drenagem de chorume e gases e sem estruturas de contenção e tratamentos de resíduos. O local de disposição de resíduos é realizado principalmente em uma grande ravina, o que leva a uma maior infiltração e percolação das águas pluviais através dos resíduos e, por conseqüência, maior produção de percolado, agravando ainda mais os impactos ambientais ao solo e às águas superficiais e subterrâneas.

1. Dr. em Geociências, Docente da Universidade Federal do Amapá - UNIFAP. 2. Doutorando em Desenvolvimento Sócio-Ambiental no NAEA - UFPA, Pesquisador da DGRH - IEPA. 3. Pesquisador da Divisão de Geologia e Recursos Hídricos (DGRH) do IEPA. 4. Graduando em Geografia na UNIFAP, Auxiliar de Pesquisa da Divisão de Geologia e Recursos Hídricos do IEPA. 5. Dr. em Geociências, docente da Universidade Estadual Paulista - UNESP. 6. Doutorando em Geociências na UNESP, Docente da Universidade Federal do Amapá - UNIFAP

65

Os métodos geofísicos, após um longo período de aplicações prioritárias à prospecção mineral, principalmente os métodos elétricos e eletromagnéticos, vêm sendo cada vez mais utilizados em estudos ambientais para detectar e monitorar a contaminação gerada por líquidos percolados dos depósitos de resíduos urbanos e industriais. O emprego de métodos geoelétricos no subsídio ao diagnóstico e gestão de impactos ambientais, ocasionados em áreas de disposição de resíduos, constitui um campo de estudo que se encontra em franco desenvolvimento, mas carecendo ainda de acúmulo de experiência e normalização metodológica. Nesse contexto, a finalidade principal deste trabalho de pesquisa é a aquisição de informações relacionadas ao estudo geológico-geotécnico e ambiental da área da lixeira pública de Macapá, utilizando os métodos geoelétricos eletrorresistividade e polarização induzida (domínio do tempo), com aplicação das técnicas de sondagem elétrica vertical e de imageamento elétrico, para subsidiar a avaliação do impacto causado pelo depósito de resíduos. Além disso, avaliar as potencialidades da integração desses métodos na aquisição dessas informações, no ambiente de geologia constituída predominantemente por sedimentos argilosos no qual está assentada a lixeira pública de Macapá.

2 METODOLOGIA

2.1 Localização e aspectos gerais da área de estudo A presente pesquisa foi desenvolvida na lixeira pública da cidade de Macapá-AP situada no km 14, na margem esquerda da rodovia BR-156, que interliga os municípios de Macapá e Porto Grande, possuindo uma área total de, aproximadamente, 121 hectares. Observa-se na Figura 2.1 o mapa de localização da lixeira pública de Macapá.

Figura 2.1 - Mapa de localização da lixeira pública de Macapá-AP.

66

Programa Primeiros Projetos A lixeira pública de Macapá existe há cerca de 12 anos, sendo caracterizada como um típico lixão a céu aberto, onde os resíduos são depositados diretamente ao solo, sem nenhum critério técnico de disposição, ou seja, sem impermeabilização de base, sem drenagem de chorume e gases e estruturas de contenção e tratamentos de resíduos. O local de disposição de resíduos, desde a sua origem, é realizada principalmente em uma grande ravina (Figura 2.2), ou seja, em uma drenagem natural local, o que leva a uma maior infiltração e percolação das águas pluviais através dos resíduos e, por conseqüência, maior produção de chorume, agravando ainda mais os impactos ambientais ao solo e às águas superficiais e subterrâneas (ver Figuras 2.3, 2.4 e 2.5). Os tipos de resíduos depositados a céu aberto não diferem dos materiais encontrados em outros aterros e/ou lixões situados nas cidades brasileiras (IPT, 2000), consistindo de resíduos originários nas residências, estabelecimentos comerciais (supermercados, restaurantes, bares), serviços hospitalares, entulhos e até de origem industrial.

Figura 2.2 - Vista área da lixeira pública de Macapá (2005). Fonte: Foto do arquivo SEMOSP/Setor de Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos.

Figura 2.3 - Vista para NW mostrando os resíduos dispostos a céu aberto e o vazamento superficial de chorume na lixeira de Macapá (agosto/2004).

67

Figura 2.4 - Vista para SE mostrando o chorume atingindo o córrego de uma nascente situada em um ambiente de mata (agosto/2004).

Figura 2.5 - Vista de um trecho do córrego com chorume e resíduos sólidos (garrafas de água sanitária) (agosto/2004).

2.2 Contexto geológico-geotécnico local A área da lixeira de Macapá está localizada no domínio da planície flúvio-costeira do Estado do Amapá, representada por unidades sedimentares consolidadas a parcialmente consolidadas, de idade terciária da Formação Barreiras, recobertos por sedimentos aluvionares e coluvionares recentes (LIMA et al., 1991; OLIVEIRA et al., 2004). A Formação Barreiras, na área, é caracterizada por sedimentos predominantemente argilosos com variações de silte e areia. Intercalações de lentes a delgadas camadas areno-argilosas estão presentes nesta unidade (OLIVEIRA et al., 2004). No domínio dessa unidade, na área de estudo, o relevo é formado por platôs, onde estão esculpidas ravinas com até 12 m de profundidade, cujas vertentes são dispostos os resíduos sólidos urbanos. 68

Programa Primeiros Projetos Os sedimentos recentes se encontram nas porções rebaixadas do terreno (ambiente de matas ciliares onde se originam nascentes d’água) e se constituem de sedimentos argilo-siltico-arenosos não consolidados, úmidos, de coloração cinza escuro indicando a presença de matéria orgânica (SILVA, 1998). O contato destes sedimentos com a Formação Barreiras é marcado pela presença de uma discordância erosiva (OLIVEIRA et al., 2004), marcada por linhas de pedra, formada por blocos lateríticos de diferentes tamanhos. Amostras de solo retiradas dos ensaios à percussão do tipo SPT, realizados por ocasião do estudo de remediação do lixão e implantação do aterro controlado (UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA, 2005; MARTINS, 2005), mostraram na sua composição a predominância da fração argila. Quando se considera a escala granulométrica da ABNT as amostras foram classificadas texturalmente como uma argila arenosa, ora argila silto-arenosa ora argila areno-siltosa. O solo apresenta coeficiente de permeabilidade (k) baixa da ordem de 10-6 cm/s, sendo próprios para a construção de elementos geotécnicos de impermeabilização.

2.3 Método geofísico e ensaios realizados

ρa = K

ΔV I

No presente trabalho foram empregados os métodos geofísicos eletrorresistividade (ER) e de polarização Induzida (IP-domínio do tempo). A ER se baseia no fato de que as rochas, em função de suas composições mineralógicas, texturais e disposições, apresentam a propriedade elétrica da resistividade. O método IP se baseia no comportamento elétrico do contato do condutor ôhmico (metal, semicondutor e grafita) ou da argila com a solução eletrolítica que permeia os poros das rochas. Esse comportamento elétrico e o contraste entre as resistividades das rochas, dos sedimentos e dos minerais, viabilizam a utilização dos métodos em estudo de hidrogeologia e ambiental. O método de eletrorresistividade tem como princípio a passagem pelo solo de uma corrente elétrica de intensidade I, transmitida por um par de eletrodos denominados A e B, conectado a uma fonte de corrente. Mede-se a diferença de potencial (ΔV) entre dois eletrodos de recepção denominados M e N. A partir daí, calcula-se a resistividade aparente ρ a , pela equação: (Ω.m)

(1)

Sendo K o fator geométrico do arranjo geral do quadripolo AMNB (KELLER; FRISCHKNECHT, 1977) que depende somente das posições de injeção de corrente e de medida do potencial, dado por:

1 1 1 ⎤ ⎡ 1 K = 2π .⎢ − − + ⎣ AM AN BM BN ⎥⎦

−1

(m)

(2)

Sendo AM, AN, BM e BN as distâncias entre os eletrodos. 69

A polarização induzida é um fenômeno físico elétrico, estimulado pela transmissão de uma corrente elétrica pulsante e periódica no subsolo, observada como uma resposta defasada de voltagem nos materiais terrestres (SUMNER, 1976). A detecção e medida dessa resposta, conhecida na literatura geofísica como curva transiente, indica a presença de material polarizável no subsolo, constituindo-se, portanto, a base do método IP. Nesta pesquisa, empregou-se o equipamento SARIS da Scintrex, que define a medida do efeito IP como (SCINTREX, 2001):

Ma =

1 (t 2 − t1 ).V p



t2

t1

VIP (t ).dt

(3)

onde: Ma é a polarizabilidade aparente em mV/V (PARASNIS, 1986); t1 é o tempo inicial da janela em ms; t2 é o tempo final da janela em ms; Vp é a voltagem primária durante a transmissão da corrente (estado ligado); Vip (t) é a voltagem transiente medida durante o período de integração (t2 – t1) no estado de corrente desligado. Durante o período de levantamento dos dados, utilizou-se um tempo de recepção do sinal de 2 segundos (injeção e medição). Os tempos iniciais e finais utilizados para o cálculo da polarizabilidade aparente foram de 100 ms e 200 ms, respectivamente. Na área da lixeira foram executados ensaios geofísicos utilizando a técnica de sondagem elétrica vertical (SEV), com arranjo Schlumberger, e a técnica de imageamento elétrico com cinco e sete níveis investigados, utilizando o arranjo dipolo-dipolo com espaçamento dos eletrodos de 5 metros. A localização desses ensaios é observada na Figura 2.6. As SEVs forneceram dados a respeito das posições da zona saturada e dos diversos materiais em subsuperfície, como os resíduos sólidos e materiais naturais, assim como, permitiram a elaboração do mapa de fluxo da água subterrânea. Os perfis de imageamento elétrico tornaram possível o mapeamento de heterogeneidades geológicas, zonas de contaminação e o contato meio natural com a cava de resíduos. As figuras 2.7 e 2.8 mostram, respectivamente, a montagem dos ensaios de SEV e de imageamento elétrico.

70

Programa Primeiros Projetos

Figura 2.6 - Localização dos ensaios geofísicos realizados na Lixeira Pública de Macapá-AP.

Figura 2.7 - Ensaio de SEV, arranjo Schlumberger.

71

Figura 2.8 - Ensaio de imageamento elétrico, arranjo dipolo-dipolo.

A interpretação geofísica dos dados consistiu, além da análise qualitativa dos dados, do uso de modelagem numérica utilizando os métodos direto e inverso. Informações de tipo litológico de solos, das posições do nível freático em poços de monitoramento e cacimbas, e medidas de condutividade elétrica realizadas em amostras de água coletadas nesses poços, realizadas com condutivimetro digital portátil de fabricação da QUIMIS, corroboraram com a geofísica na interpretação dos dados. As curvas de sondagem elétrica vertical foram tratadas utilizando o programa RESIX-IP (INTERPREX, 1993). Na modelagem direta dos dados calculou-se, a partir de um método numérico que envolve filtros digitais lineares (SEARA; GRANDA, 1987), espessura, resistividade e polarizabilidade das camadas. Na interpretação inversa calcularam-se iterativamente novos modelos iniciados com os parâmetros fornecidos pelo método direto até atingir certo critério de convergência que minimizou as diferenças entre as curva teórica e de campo. Este processo é baseado na técnica da regressão múltipla - Ridge Regression (INMAN, 1975). Os dados obtidos pela técnica de imageamento elétrico foram processados através do programa RESDINV da ABEM Instruments (1998) que utiliza o método dos elementos finitos para obter-se a solução aproximada de modelos com as mais complexas geometrias. O RESDINV adota uma técnica rápida e eficiente para inversão de dados de resistividade e de polarização induzida que foi desenvolvida por Loke e Barker (1996) e DeGroot-Hedlin e Constable (1990), baseada no método dos mínimos quadrados com suavização restringida. Os processos de inversão 72

Programa Primeiros Projetos de dados de resistividade e de polarizabilidade aparentes buscam estabelecer um modelo da provável distribuição real dos valores de resistividade elétrica e de polarizabilidade elétrica em subsuperfície.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

3.1 Interpretações das sondagens elétricas verticais (SEVs) As sondagens elétricas verticais realizadas na área de estudo, Figura 3.1, inicialmente foram divididas em dois grupos distintos: o grupo I, representado pelos ensaios realizados fora da área de disposição de resíduos (SEVIP (1), SEVIP (2), SEV (8) e SEV (9)) e o grupo II, representado pelos ensaios realizados dentro dos limites da área de disposição de resíduos (SEVIP(3), SEVIP(4), SEVIP(5) e SEV(6).

Figura 3.1 - Sondagens elétricas verticais realizadas na área da lixeira de Macapá.

73

Estes grupos apresentam características comuns, tais como, número mínimo de camada e faixa de variação da resistividade, caracterizando dois diferentes domínios geoelétricos, cada qual indicando um quadro geológico e/ou hidrogeológico próprio. Nota-se na Figura 3.1, que os valores de resistividades aparentes das curvas relativas aos ensaios realizados fora da área de disposição de resíduos (grupo I) estão acima da linha de resistividade aparente de 400 Ω.m, enquanto, as curvas relativas aos ensaios realizados dentro dos limites da área de disposição (grupo II), os valores de resistividades aparentes estão predominantemente abaixo de 100 Ω.m. Fisicamente, isto espelha que o pacote geológico investigado, fora da área de disposição de resíduos, é mais resistivo do que o pacote investigado resíduos e/ou meio natural, que é menos resistivo. Observa-se na mesma Figura, que as curvas das SEVs do grupo I apresentam o ramo final descendente, interpretado como um horizonte condutivo associado a zona saturada. A variação nos valores de resistividade aparente verificado no primeiro ramo descendentes das curvas indica uma forte heterogeneidade lateral de resistividade.

Interpretação das SEVs do Grupo I As SEVs deste grupo possibilitaram a caracterização das camadas (profundidade, espessura e composição litológica) que compõem as zonas não-saturada e saturada. Os resultados das interpretações quantitativas das SEVs, que possibilitaram estabelecer valores máximos e mínimos de resistividade, polarizabilidade e espessura dos horizontes geoelétricos, assim como suas relações com o meio natural, é mostrado no Quadro 3.1. Quadro 3.1 - Modelo geoelétrico proposto para a área da lixeira pelo grupo I. Horizonte 1

2

3

Interpretação Cobertura superf. Sedimentos pred. argilo Zona não areno-siltosos saturada Material argilo-silticoarenoso c/ concreções lateríticas Zona saturada

Sedimentos pred. argilo areno-siltosos

Resistividade (Ω.m)

Polarizabilidade (mV/V)

Espessura (m)

882 ≤ ρ1 ≤ 3529

4,5 ≤ M1 ≤ 9,1

0,8 ≤ E1 ≤ 1,4

924 ≤ ρ2 ≤ 1310

19,7 ≤ M2 ≤ 25,1

8,2≤ E2 ≤ 12,4

457 ≤ ρ3 ≤ 561

0,2 ≤ M3 ≤ 1,6

-

O primeiro horizonte geoelétrico, cuja resistividade alcança valores que variam de 882 a 3529 Ω.m e intermediários valores IP, refere-se a cobertura superficial relacionado aos sedimentos predominantemente argilo-areno-siltosos de coloração preta (UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA, 2005; MARTINS, 2005). Os maiores valores de resistividade estão relacionados ao solo desprovido de cobertura vegetal, extremamente seco, sob intensa compactação (locais de vias de veículos), que dificulta a condução iônica, principal forma de propagação da corrente elétrica nos materiais geológicos superficiais. Os menores valores de resistividade foram medidos em locais de solo úmido com presença de matéria orgânica. 74

Programa Primeiros Projetos O segundo horizonte apresenta valores altos de resistividades com altos valores de polarizabilidades. Esse horizonte geoelétrico é associado aos sedimentos predominantemente argilosilte-arenosos com intercalação de um nível laterítico (MARTINS, 2005), sendo o efeito IP pronunciado devido à presença mínima de água e a mistura de argila e silte. O terceiro horizonte geoelétrico, relativo á zona saturada, é associado aos sedimentos predominantemente argilo-areno-siltosos, apresentando variação de resistividade entre 457 e 561 Ω.m e baixo efeito IP, face aos sedimentos estarem saturados e/ou menor quantidade de argila. Considerando a localização dos ensaios das SEVs, do sentido do fluxo das águas subterrâneas e da posição das ravinas utilizadas na disposição de resíduos, interpreta-se que estes valores de resistividade e de IP refletem a zona saturada não contaminada, isto é, não sujeita a influência da percolação dos efluentes provenientes dos resíduos. Comparando as resistividades desta zona, com as medidas de condutividade elétrica (variação de 22,5 (444 Ω.m) a 25 (400 Ω.m) μS/cm), medidas in loco nos poços tipo cacimba e tubular, localizados em cotas topográficas altas, revelam que as águas apresentam condutividades baixas, características de ambiente natural. Interpretações de SEVs, realizadas no bairro Marabaixo III, área periférica da cidade de Macapá, tendo como objetivo estudar as características do aqüífero livre, principal fonte de abastecimento dos moradores deste loteamento, mostraram que a resistividade elétrica variou de 530 a 722 Ω.m para esse horizonte (SACASA et al., 2004). Análise físico-quimica de águas retiradas de poços do tipo amazonas e tubular, localizados em seis comunidades (São Francisco, Vila do Mel, Campina Grande, Rosa, Ilha redonda e Curralinho) no entorno da lixeira, mostra que a condutividade elétrica variou de 17,8 (561,8 Ω.m) a 26,5 μS/cm (377,3 Ω.m), com exceção de um poço cujo valor foi de 97,7 μS/cm. O parâmetro cloretos apresentou muito abaixo do valor máximo permissível (250 mg/l) pela Resolução CONAMA n.357/2005 (FERREIRA et al., 2005). Assim, estes estudos confirmam que as águas do aqüífero livre na região de Macapá apresentam condutividades baixas, conforme encontradas na área de estudo desta pesquisa.

Interpretação das SEVs do Grupo II Os resultados das interpretações quantitativas das SEVs deste grupo, que possibilitaram estabelecer valores máximos e mínimos de resistividade, polarizabilidade e espessura dos horizontes geoelétricos, assim como suas relações com o meio natural e os resíduos, é mostrado na Quadro 3.2. O primeiro horizonte apresentou variações de resistividade e polarizabilidade baixas, devido à presença de matéria orgânica, umidade e a influência da contaminação por resíduos presentes nos locais de ensaios das sondagens SEV(5) e SEV(6). O segundo horizonte geoelétrico, identificado pela sondagem elétrica SEVIP(5), localizada entre duas ravinas utilizadas na disposição de resíduos (Figura 2.6), refere-se ao solo não saturado com provável percolação de chorume, devido a baixa resistividade encontrada de 58 Ω.m, quando comparada com os valores estimados do mesmo horizonte pelas SEVs do grupo I, interpretados como não contaminado, e também, pela presença de chorume vista no local de ensaio. 75

Quadro 3.2 - Modelo geoelétrico proposto para a área da lixeira pelo grupo II. Horizonte

1

2 3 4

Interpretação Cobertura superficial. Sedimentos pred. argilo areno-siltoso e/ou Zona não resíduos saturada Material argilo-silticoarenoso c/ concreções lateríticas Sedimentos pred. argilo Zona areno-siltosos saturada Sedimentos pred. argilo siltico-arenosos

Resistividade (Ω.m)

Polarizabilidade (mV/V)

Espessura (m)

20 ≤ ρ1 ≤ 190

1,6 ≤ M1 ≤ 2,6

0,5 ≤ E1 ≤ 1,7

58

10,5

7,9

11 ≤ ρ3 ≤ 96

0,7 ≤ M3 ≤ 3,8

28 ≤ ρ3 ≤ 171

11 ≤ M3 ≤ 64,7

-

O terceiro e quarto horizontes são relacionados a zona saturada, que apresenta a variação dos valores de resistividade predominantemente abaixo de 96 Ω.m (com exceção do valor de 171 Ω.m, encontrado pela SEVIP(6a)), correlacionada aos sedimentos predominantemente argilo arenosos (baixo efeito IP) e sedimentos argilo siltosos (alto efeito IP). A zona saturada é afetada pela influência do lixo (através da degradação e solubilização dos seus compostos) sobre a mineralização total das águas subterrâneas, que influenciam nas resistividades obtidas pelas SEVs. Comparando as resistividades desta zona, com a medida de condutividade elétrica de 314,6 μS/cm (32 Ω.m) de uma amostra de água coletada em uma nascente, próxima a SEVIP(3), localizada aproximadamente 50 m da pilha de resíduos, interpreta-se a influência de contaminantes na zona saturada. Análise físico-química e bacteriológica de uma amostra de água superficial, retirada próximo aos locais das SEVIP(3) e SEVIP(4) (próximo a pilha de resíduos), o parâmetro cloretos, formados pela dissolução de sais e compostos encontrados nos resíduos, apresentou 829,5 mg/l, portanto acima do valor máximo permissível de 250 mg/l (CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE, 2005) para corpos de água e lançamento de efluente, tendo as águas superficiais no entorno da lixeira apresentado abaixo de 8 mg/l (CAESA, 2006; FERREIRA et al., 2005). O parâmetro E. coli, abundante em fezes humanas e de animais, tendo somente, sido encontrada em esgotos, efluentes, águas naturais e solos que tenham recebido contaminação fecal recente, apresentou também acima do valor máximo permissível de 800 UFC/100 ml na mesma amostra retirada próximo as sevs (6000 UFV/100 ml). Coliforme total apresentou 1,4 x 104 UFC/100 ml, bem acima do valor máximo permissível de 200 UFC/100 ml (CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE, 2005). O chorume, retirado de uma trincheira aberta sobre a pilha de resíduos, apresentou 2780 mg/l, indicando um grande poluidor em potencial. Quanto aos valores de polarizabilidade variaram conforme a predominância da mistura areia, silte e argila. Com base nesses valores, a zona saturada é associada a sedimentos predominantemente argilo areno-siltosos (baixa polarizabilidade) ou argilo silte-arenosos (alta polarizabilidade). A seguir, com base na cota de cada sondagem elétrica vertical e nas profundidades dos 76

Programa Primeiros Projetos níveis d‘água, conhecidas pelas SEVs e poços de monitoramento, determinou-se a cota do lençol freático no ponto. Posteriormente, traçando-se as linhas equipotencias, obteve-se o mapa potenciométrico (Figura 3.2). O sentido do fluxo local, observando a Figura, é no sentido das ravinas, isto é, seguindo o gradiente topográfico, conforme se observa a Figura 2.7.

Figura 3.2 - Mapa potenciométrico na área de estudo.

3.2 Interpretação dos resultados de imageamento elétrico As linhas de imageamento elétrico de resistividade e polarização induzida realizadas na área de estudo, assim como os modelos quantitativamente interpretados correspondentes obtidos por inversão, serão sucintamente descritos em função dos objetivos de: avaliar o valor médio regional de resistividade e polarizabilidade do meio natural, mapear a presença de uma possível pluma de contaminação nos arredores da área de disposição de resíduos, avaliar se a polarizabilidade e a resistividade apresentam contrastes entre os resíduos e o meio natural e se os valores de resistividade e polarizabilidade mostram alguma relação entre as épocas (condições climáticas) de aplicação do ensaio. Com os objetivos de avaliar o valor médio regional de resistividade e polarizabilidade da área, foram realizados os ensaios das linhas CE(1), CE(2) e CE(9). Considerando o sentido do fluxo das águas subterrâneas, determinado pelo mapa potenciométrico, e da posição das ravinas, utilizadas para disposição de resíduos, as linhas CE(1) e CE(2) foram posicionadas nas cotas topográficas mais 77

elevadas do terreno, enquanto a linha CE(9) foi posicionada nas cotas topográficas mais baixas, distante do local de disposição de resíduos, conforme se observa na Figura 2.6. Representativa desses ensaios, a linha CE(1) (Figura 3.3) mostra que os valores de resistividade aparente são elevados (acima de 400 Ω.m) e diminuem predominantemente com a profundidade, refletindo as zonas de repartição das águas no subsolo (zonas não saturada e saturada). Notam-se zonas anômalas de resistividade aparente mais elevadas (valores maiores que 1000 Ω.m), indicando heterogeneidade presente no subsolo (variações no conteúdo de areia e concreções lateríticas). Os valores de polarizabilidade aparente são relativamente elevados (acima de 15 mV/ V) e crescem com os níveis investigados, refletindo a predominância de material argilo siltoso com a profundidade, conforme constatado com a sondagem SPT-4.

Figura 3.3 - Seções de resistividade e polarizabilidade aparentes da linha CE(1).

Na Figura 3.4 observa-se o resultado da modelagem bidimensional das seções de imageamento elétrico de resistividade e polarizabilidade aparentes da linha CE(1). Nas figuras citadas neste trabalho, relacionadas ao processo de modelagem para cada parâmetro físico medido (resistividade e polarizabilidade), apresentam na base o modelo obtido através da inversão, que produz a seção de resistividade aparente ou polarizabilidade aparente (meio das figuras) que se ajusta da melhor forma possível à seção observada (topo da figura). No modelo de resistividade da Figura 3.4(c) são evidentes na profundidade média de 3,5 m várias zonas resistivas que tem relação com a presença do nível laterítico presente na área de estudo. No modelo, observa-se à tendência da diminuição da resistividade com a profundidade, 78

Programa Primeiros Projetos refletindo a um maior conteúdo de água em subsuperficie. Além do nível laterítico, no modelo de polarizabilidade (seção (f)) se observa na profundidade média de 7,0 m, entre as posições 45 a 70 m, uma anomalia de baixa polarizabilidade correlacionada a um elevado valor de resistividade, onde se infere como sendo uma lente composta de material predominantemente arenoso ou argilo arenoso.

Figura 3.4 - Seções de imageamento elétrico da linha CE(1) modelada.

79

Em função da resistividade e polarizabilidade reais, obtida nos modelos dos ensaios das linhas CE(1), CE(2) e CE(9), interpreta-se que o background da área de estudo, sem influência da disposição de resíduos, é de resistividade bem acima de 40 Ω.m, associada à polarizabilidade predominantemente acima de 3,3 mV/V. Com o propósito de mapear a presença de uma possível pluma de contaminação, presente nos arredores da pilha de disposição de resíduos, foram ensaiadas as linhas CE(0), CE(3) e CE(5), posicionadas próximo à pilha de resíduos, córrego e nascentes. A seção CE(0) de resistividade aparente medida (Figura 3.5(a)) mostra valores de resistividade abaixo de 60 Ω.m associado a valores baixos de polarizabilidade aparente (Figura 3.5(d)), abaixo de 4,5 mV/V. Esses valores de resistividade aparente, principalmente do primeiro nível investigado (menores que 33 Ω.m), são relativos a contaminação presente no subsolo, pois a linha CE(0) está localizada sobre um trecho de um córrego intermitente que se encontra úmido pela presença de chorume, visto in loco. Os valores de polarizabilidades aparentes não apresentaram evidência nítida de sensibilidade na presença de contaminação por chorume, apresentando valores dentro da faixa de valores associados ao meio natural úmido e/ou saturado predominantemente argiloso, como o que foi encontrado na linha CE(9). Na Figura 3.5, mostram-se os resultados das modelagens da linha CE(0) (seções (c) e (f)), que permitem observar no modelo de resistividade (seção (c)), os valores de resistividade elétrica associados ao meio natural contaminado, que são indicados pela presença na superfície, de uma zona condutiva (resistividade abaixo de 20 Ω.m). Tal inferência é confirmada por uma medida de condutividade elétrica de 314,6 mS/cm (32 Ω.m), realizada em setembro/2005, em uma amostra de água coletada em uma nascente a 7 m deste trecho, localizada aproximadamente a 30 m da pilha de resíduos, que confirma a influência de contaminantes nas águas superficiais próximo deste ensaio. Como descrito anteriormente, seção 5.2, medidas de condutividade elétrica, realizadas em amostras de água em poços situados entorno da lixeira, mostraram que a condutividade elétrica variou de 17,8 (561,8 Ω.m) a 26,5 mS/cm (377,3 Ω.m) (FERREIRA et al., 2005). A linhas CE(3), Figura 3.6, apresenta na pseudo-seção de resistividade aparente medida (seção (a)), valores que foram encontrados na linha CE(0), isto é, inferiores a 33 Ω.m, que estão provavelmente relacionados à contaminação pela presença do percolado proveniente dos resíduos. Quanto aos valores de polarizabilidade aparente medidos (seção (d)), os mesmos variaram conforme predominância de material argilo siltoso (alta polarizabilidade) ou argilo arenoso (intermediária a baixa polarizabilidade).

80

Programa Primeiros Projetos

Figura 3.5 - Seções de imageamento elétrico da linha CE(0) modelada.

81

Figura 3.6 - Seções de imageamento elétrico da linha CE(3) modelada.

82

Programa Primeiros Projetos No modelo de resistividade da Figura 3.6 (seção (c)) ou com mais detalhes em relação à escala de valores, na Figura 3.7 (seção (c)), evidenciam-se até a profundidade média de 2,6 m para toda seção do modelo, zonas condutivas (abaixo de 100 Ω.m) correlacionadas com polarizabilidade baixa (menor que 10 mV/V), que tem relação com os sedimentos saturados predominantemente argilo arenosos. Observam-se também, zonas de resistividade abaixo de 20 Ω.m indicando contaminação, como constatado na linha CE(0), cujo local de ensaio apresentava-se contaminado. Esta interpretação foi aferido pelas medidas de condutividades elétricas de amostras de água superficial e subterrânea aflorando nos locais de ensaios e por uma análise físico-quimica de uma amostra de água superfícial, realizada 8 meses após o ensaio, retirada aproximadamente 25 m da linha CE(3), exatamente sobre o eixo principal da ravina, onde a concentração de cloreto é de 829,5 mg/l, enquanto no poço do tipo amazonas, localizada acima da área de disposição de resíduos é de 8,0 mg/l (CAESA, 2006). É possível interpretar que, estando o corpo de resíduo muito próximo da drenagem, a profundidade da pluma de contaminação é pequena e/ou superficial, tendo-se, assim, um caminho mais superficial dos poluentes do aqüífero. Isso faz com que a contaminação atinja a drenagem com relativa rapidez, ocorrendo, assim, o transporte dos poluentes pelas águas superficiais, como detectados pelas medidas dos parâmetros físico-químicos e microbiológicos medidos.

Figura 3.7 - Seção de imageamento elétrico de resistividade da linha CE(3) modelada.

Com o objetivo de mapear os limites laterais da área de disposição de resíduos e avaliar se a polarizabilidade e a resistividade apresentam contrastes entre os resíduos e o meio natural, foram ensaiadas as linhas CE(7) e CE(8), localizadas conforme mostra a Figura 2.6. O fato de se ter 83

somente duas linhas, deve-se a dificuldades operacionais na realização dos ensaios geofísicos sobre os resíduos, pelo motivo de não haver a prática de cobertura dos mesmos com material inerte, geralmente solo, na conclusão de cada jornada de trabalho, além disso, os resíduos são queimados, impossibilitando caminhar sobre os mesmos. A linha CE(8) (Figura 3.8), representativa destes ensaios, mostra que os altos valores de resistividade aparente, acima de 500 Ω.m, associados a baixo valores de polarizabilidade aparente (predominantemente maiores que 10 mV/V e menores que 30 mV/V) referem-se ao background que aparecem no extremo esquerdo da pseudo-seção, como determinada pelas linhas CE(1), CE(2) e CE(9). Os valores de resistividade menores que 50 Ω.m, associados a altos valores de polarizabilidade (maiores que 40 mV/V) caracterizam a presença de resíduos. Separando essas zonas do meio natural e dos resíduo s, observam-se tanto anomalias geoelétricas de resistividade e polarizabilidade, com bastante simetria dos flancos de resistividade, localizadas na posição de 25 m, caracterizando uma descontinuidade lateral, que em aplicação ambiental, corresponde ao limite lateral da área de disposição de resíduos. O intervalo de resistividade, de 60 Ω.m a 126 Ω.m, associado ao intervalo de polarizabilidade de 30 mV/V a 40 mV/V, é interpretado como sendo relativo à zona de transição entre o meio natural e os resíduos, refletindo a zona afetada pela contaminação por chorume e/ou presença de resíduos, juntamente com os efeitos geométricos da própria anomalia que caracteriza a descontinuidade local.

Figura 3.8 - Seções de resistividade e polarizabilidade aparentes da linha CE(8).

Na Figura 3.9, mostram-se os resultados das modelagens da linha CE(8) (seções (c) e (f)), que permitem observar relações entre os valores de resistividade e polarizabilidade para o meio 84

Programa Primeiros Projetos natural e os resíduos. Nos locais ocupados pelos resíduos urbanos, que apresentam valores altos de polarizabilidade em relação ao background, refletem a presença de materiais polarizáveis dentro da zona de resíduos, tais como metais enferrujados (latas) e restos eletrônicos (pilhas, componentes de circuito elétrico) que são materiais eletricamente carregáveis, normalmente presentes em resíduos urbanos

Figura 3.9 - Seções de imageamento elétrico da linha CE(8) modelada.

85

Com respeito à repetição de linhas de imageamento elétrico em períodos climáticos distintos para comparação, escolheu-se apenas a linha CE(8) que cruza a área de resíduos, isto é, a linha inicia em meio natural e finaliza sobre os resíduos. Com a atividade de disposição de resíduos, inviabilizou-se a repetição das linhas CE(3) CE(4), devido os resíduos já ocuparem os locais destes ensaios. Na Figura 3.10, observam-se as seções de imageamento elétrico da linha CE(8), ensaiada no final do período chuvoso. Comparando as seções (Figuras 3.8 e 3.10), nota-se de forma geral, não tão visível na seção de polarizabilidade aparente, que os valores de resistividade aparente, associados ao meio natural e cava de resíduos, diminuíram, devido à precipitação pluviométrica

Figura 3.10 - Seções de resistividade e polarizabilidade aparentes da linha CE(8) (agosto, 2006).

Nas Figuras 3.11 e 3.12, observam-se, respectivamente, os perfis de resistividade e polarizabilidade aparentes dos vários níveis investigados. Nota-se na Figura 3.11 que em todos os níveis investigados os valores de resistividades aparentes do final do período chuvoso (agosto) são relativamente menores do que os valores do inicio do período chuvoso (janeiro), o que não ocorre nas medidas de polarizabilidade, Figura 3.12. Interpreta-se, com base nas medidas de resistividade, uma relação entre as condições climáticas e o comportamento da quantidade de água pluvial infiltrada no local, mostrando que é um fator indesejável, pois o aumento do volume de água ocasiona um incremento na geração de chorume, causando um risco maior de contaminação do aqüífero existente. No caso da resposta IP não variar, interpreta-se que o efeito IP medido é basicamente causado pelos resíduos. Dessa forma, conclui-se qualitativamente, que os valores de resistividade mostram alguma relação entre as épocas de aplicação do ensaio. 86

Programa Primeiros Projetos

Figura 3.11 - Perfis de resistividade aparente dos níveis investigados da linha CE(8), ensaiadas e agosto de 2006.

nos meses de janeiro

87

Figura 3.12 - Perfis de polarizabilidade aparente dos níveis investigados da linha CE(8), ensaiadas nos meses de janeiro e agosto de 2006.

88

Programa Primeiros Projetos 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na definição do modelo geoelétrico em torno da área de disposição de resíduos, a interpretação simultânea da resistividade e da polarizabilidade, além de reduzir a ambigüidade do modelo, permitiu determinar os diferentes litotipos que compõem a Formação Barreiras, identificando materiais predominantemente argilo arenosos e argilo siltosos. Nesta caracterização, a polarizabilidade foi de grande importância na identificação dos materiais, principalmente pelo fato de que os valores de resistividade sozinhos não puderam distinguir os materiais argilo arenosos e argilo siltosos, que apresentaram variações de resistividades sobrepostas. Pelas análises das curvas de SEVs, concluiu-se um aumento do valor de polarizabilidade na seqüência dos materiais predominantemente argilo arenosos e argilo siltosos. Outro resultado diz respeito ao sentido do fluxo das águas subterrâneas, que é no sentido das ravinas, isto é, concordante com o gradiente topográfico da área estudada e em conformidade com o crescimento das medidas de condutividade elétrica e teores de cloreto medidos nos poços tipo cacimba e em amostras de água superficial. As concentrações elevadas dos parâmetros condutividade elétrica, cloretos e E. coli, são indicadores da presença de contaminantes de origem orgânica e/ou inorgânica proveniente dos resíduos. O decréscimo da resistividade, simultaneamente com o crescimento da polarizabilidade, mostrou-se como uma característica da presença de resíduos, e que o efeito IP é relacionado à presença de materiais polarizáveis dispostos nas antigas ravinas, como restos de materiais de construção (pedaços de metais), latas de produtos alimentícios e restos eletrônicos (pilhas, componentes de circuito elétrico e carcaça de equipamentos elétricos). Com base nos resultados dos ensaios de imageamento elétrico foi possível a elaboração das seguintes considerações: a) a resistividade e a polarizabilidade foram sensíveis à presença dos resíduos urbanos, sendo possível mapear os limites laterais da cava natural de resíduos, como constatado pelas linhas CE(7) e CE(8). Deste modo, os métodos eletrorresistividade e IP discriminaram o que é resíduos e o que é terreno natural. b) a resistividade foi sensível à presença da contaminação no subsolo, provocada pela migração do percolado proveniente da cava natural de resíduos, como evidenciado nas linhas CE(0), CE(3) e CE(5), ao contrário da polarizabilidade, que não apresentou valores anômalos que pudesse seguramente caracterizar à presença de contaminantes. Conclui-se que a zona contaminada (resistividades abaixo de 20 Ω.m) fica de modo geral restrita à área da lixeira pública. c) ao contrário da polarizabilidade, a resistividade apresentou alguma relação entre as épocas de aplicação do ensaio, mostrando a influência da precipitação pluviométrica nas medidas realizadas fora e dentro da cava natural de resíduos, como constatado pela linha CE(8). As resistividades aparentes foram menores no período de chuvas, em todos os níveis investigados, enquanto as respostas IP, dentro da cava de resíduos, não variaram significativamente em função das épocas

89

de aplicação dos ensaios. Interpreta-se que o efeito IP deu-se devido, em grande parte, aos resíduos, e não pareceu ter alguma influência com a saturação ocasionada pela precipitação pluviométrica, como ocorreu com a resistividade. Visando diminuir o impacto ambiental causado pela disposição dos resíduos de forma inadequada, recomendam-se, como medidas de monitoramento e proteção das águas superficiais e subterrâneas, as seguintes sugestões: a) Instalação de três piezômetros, um a montante e dois a jusante da ravina utilizada na disposição de resíduos; b) A diminuição da entrada de água no corpo de resíduos, pela instalação, manutenção e reparo das canaletas de concreto, assim pelo recobrimento planejado dos resíduos com material argiloso; c) Construção de um tanque de acumulação de efluentes líquidos percolados a jusante da área de disposição de resíduos, para coleta e posterior recirculação e/ou tratamento; d) Análise química para metais pesados: Hg, Cd, Cr, Pb, Cu, Co, etc. para avaliar o grau de comprometimento dos recursos hídricos a jusante da lixeira pública de Macapá.

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABEM INSTRUMENTS. Geoeletrical Imaging 2D & 3D – RES2DINV, ver. 3.3 for Windows 3.1, 95 and NT. Rapid 2D Resistivity & IP inversion using the least-squares method. By M. H. Loke. Bromma, Sweden: ABEM Instruments, 1998. Paginação irregular. AMAPÁ. Relatório Técnico Preliminar da Qualidade das Águas Superficiais e Subterrâneas na Região de Influência da Lixeira Pública de Macapá. Macapá: DAQ: CCF: SEMA, 2005. 7 p. CAESA. Resultado da análise de água. Macapá, 2006. 2 p. CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE. Resolução n°357 de 17 de março de 2005. Disponível em: http://www.mma.gov.br/conama. Acesso em: 16 out. 2006. DeGROOT-HEDLIN, C.; CONSTABLE, S. Occam’s inversion to generate smooth, twodimensional models form magnetotelluric data. Geophysics, v. 55, n. 12, p. 1613-1624, 1990. FERREIRA, A. L. C.; ANDRADE, A. P. G.; SOUZA, J. A. Relatório técnico preliminar. Macapá: SEMA, 2005. INMAN, J. R. Resistivity inversion with ridge regression. Geophysics, n. 40, p.789-817, 1975. INSTITUTO DE PESQUISA TECNOLÓGICAS. Lixo municipal: manual de gerenciamento integrado. 2. ed. São Paulo, 2000. 370 p. INTERPEX LIMITED. RESIX-IP v.2.0 – Resistivity and induced polarization data

90

Programa Primeiros Projetos interpretation software: User’s manual. Golden, Colorado, 1993. Paginação irregular. KELLER, G. V.; FRISCHKNECHT, F. C. Electrical methods in geophysical prospecting. Oxford: Pergamon Press, 1977. 517 p. LIMA, M. I. C.; BEZERRA, P. E. L.; ARAÚJO, H. J. T. Sistematização da Geologia do Estado do Amapá. In: SIMPÓSIO DE GEOLOGIA DA AMAZÔNIA, 3., 1991, Belém, PA. Anais... Belém, PA: SBG, 1991. p. 322-335. LOKE, M. H.; BARKER, R. D. Rapid least-squares inversion of apparent resistivity pseudosections by a quasi-Newton method. Geophysical Prospecting, v. 44, p. 131-152, 1996. MARTINS, A. S. F. Prospecção geotécnica na área da lixeira pública de Macapá. Macapá: Fort Lages, 2005. Relatório Técnico. OLIVEIRA, M. J. et al. Vulnerabilidade natural e sazonalidade do aquífero livre no loteamento Marabaixo-III-Macapá-AP. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ÁGUAS SUBTERRÂNEAS, 13., 2004, Cuiabá. Anais... Cuiabá: ABAS, 2004. PARASNIS, D. S. Principles of applied geophysics. 5th ed. [S.l.]: Chapman & Hall, 1986. 402 p. SACASA, R. J. V. et al. Aplicação de sondagens elétricas de resistividade no estudo dos recursos hídricos subterrâneos da localidade de Marabaixo III-Macapá/AP. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ÁGUAS SUBTERRÂNEAS, 13., 2004, Cuiabá. Anais... Cuiabá: ABAS, 2004. SCINTREX LIMITED. SARIS-Scintrex automated resistivity imaging system: operation manual. Canada, 2001. Paginação irregular. SEARA, J. L.; GRANDA, A. Interpretation of IP time domain/resistivity soundings for delineating sea – water intrusions in some coastal areas of the northeast of Spain. Geoexploration, n. 24, p. 153-167, 1987. SILVA, A. Q.; SANTOS, V. F.; FERREIRA, N. Relatório técnico da nova lixeira do município de Macapá-AP. Macapá: IEPA, 1998. 17 p. SUMNER, J. S. Principles of induced polarization for geophysical exploration. New York: Elsevier Scientific Publishing Company, 1976. 277 p. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA. Laboratório de Mecânica dos Solos. Relatório de Ensaios de Laboratório de Mecânica dos Solos. Baurú, 2005. 30 p. (Projeto de remediação/ recuperação do atual lixão e implantação do aterro controlado do Município de Macapá/AP).

91

92

Programa Primeiros Projetos

CAPÍTULO 4 A DETECÇÃO DE PRODUTOS NATURAIS BIOLOGICAMENTE ATIVOS EM ESPÉCIES DA FLORA DO ESTADO DO AMAPÁ Jorge Federico Orellana Segovia1; Magda Celeste Álvares Gonçalves2; José Carlos Tavares Carvalho2 Amabel Fernandes3; Viviane Lima de Oliveira3, Dâmaris Silveira3; Luis Isamu Barros Kanzaki3 1 INTRODUÇÃO

A história da humanidade sempre foi marcada pelo empenho que todos os povos mantiveram, desde seus primórdios até os dias atuais, em acumular conhecimentos sobre produtos disponíveis no seu meio que apresentassem qualquer atividade biológica para as mais diversas finalidades, que pudessem ser convertidos para melhoria da sua qualidade de vida. A fitoterapia apresenta-se como uma prática milenar praticada pelos chineses, egípcios, gregos, celtas, maias e as mais diversas culturas. Atualmente, o mercado farmacêutico, até então dominado pelas grandes empresas, começa a ser explorado nos países emergentes. Neste ambiente favorável, existe uma corrida dos centros de pesquisa ligados às empresas farmoquímicas/farmacêuticas do mercado, no afã de identificar, extrair e investigar substâncias derivadas de espécies encontradas nos mais diferentes habitats, como são as espécies vegetais provenientes de ecossistemas de florestas tropicais que se encontram em franco processo de extinção. E apesar de que a conjuntura macroeconômica seja desfavorável e as políticas governamentais inadequadas, constituindo-se em sério obstáculo à competitividade farmoquímica, considera-se que a atuação do Estado brasileiro na área fitofarmacêutica deveria ser marcada na definição de políticas que visem proteger a indústria ou os produtos nacionais da concorrência internacional, tanto as de cunho sanitário como as de ordem econômica, de forma a impulsionar este setor. Sobre tudo se levar em conta o agravamento da crise econômica, a qual gera instabilidade, repercute sobre o custo de capital, desincentivando o investimento e reduzindo o mercado.

1. Doutorando em Desenvolvimento Sustentavel, NAEA/UFPA, Pesquisador da Embrapa Amapá 2. Mestranda em Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Amapá 3. Doutor, Professor da Universidade Federal de Brasília

93

Portanto, os investimentos em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação, devem buscar de forma racional, evitar desperdícios com duplicação de esforços em pesquisas feitas por diferentes instituições, devendo visualizar as oportunidades de mercado dentro da perspectiva nacional e mundial, incorporando seus novos paradigmas e identificando os nichos de competitividade na área. A simples consulta das pesquisas realizadas em instituições de pesquisa/universidades mostra como há ausência de pesquisadores em doenças infecto-parasitárias negligenciadas e/ou emergentes, como tuberculose, leishmaniose, contaminação hospitalar por bactérias resistentes e malária. É necessário assim, um aumento do investimento tecnológico, buscando sintetizar novos produtos, especialmente aqueles voltados para o atendimento de mercados potenciais. Sobretudo, dos países em desenvolvimento e/ou desenvolvidos, tais como América Latina e África. Sobretudo, considerando que o Brasil é um país rico de vasta diversidade vegetal, e que com muita freqüência espécies pouco ou praticamente nunca estudadas podem ser encontradas, embora seu uso medicinal seja bastante restrito a pequenos povoados da zona rural. Na Amazônia, muitas espécies são popularmente conhecidas para diversos usos, inclusive medicinal. Algumas dessas plantas, cujo valor inerente às vezes é pouco conhecido, correm o risco de serem extintas, sem sequer terem sido catalogadas e, conseqüentemente, sem que se saiba sua potencialidade como bem economicamente valioso. Sendo que, nesta região encontra-se um inestimável estoque vegetal com perspectivas de ser amplamente utilizado para as mais diversas aplicações na ceara da fitoterapia. Entretanto, apesar de que algumas destas espécies foram estudadas, as combinações químicas e farmacodinâmicas e sua atividade biológica aguardam por maiores investigações, sobretudo, quando se considera a problemática da resistência antimicrobiana, que é um assunto de grande preocupação em saúde pública brasileira na atualidade. Todavia, vale lembrar, que muitas destas espécies com importante potencial terapêutico também sofrem erosão genética pelo aspecto insustentável das lesivas práticas de utilização de seus ecossistemas, principalmente as promovidas pela agropecuária, pelas atividades madeireiras e de mineração. Considera-se assim, que a utilização desse patrimônio genético de importância não só econômica, mas também científica, política e social, não devendo ser explorado de forma extrativista e predatória e sim, de forma sustentável. Assim, novas drogas, incluindo um arsenal de reserva com menos efeitos colaterais, vêm merecendo especial atenção na Região Amazônica. Nesta linha, alguns programas nacionais de Ciência & Tecnologia implementados no Estado, vêm convergindo esforços no sentido de promover a qualificação das estruturas internas e a valorização local, e conseqüentemente dinamizar a sociedade, criando condições para a geração e atração de novas atividades produtivas, dotando a região para converter a riqueza de recursos naturais disponíveis em produtos que venham promover melhorias à assistência na saúde da população e promover simultaneamente a valoração do desenvolvimento de seus atores e espaços de gestão.

94

Programa Primeiros Projetos Então, no início de 2004, em parceria firmada entre a Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado do Amapá, SETEC, e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq, foram financiados no estado do Amapá projetos de pesquisa científica, dentre os quais este, ora descrito sob o título “Detecção de Produtos Naturais Biologicamente Ativos no Amapá” o qual se propunha a coletar plantas de utilização popular na região, descrevê-las quanto à taxonomia e, após obtenção de seus extratos, submetê-las a análise de atividade biológica contra microorganismos patogênicos. Desta maneira, o presente trabalho objetiva, a prospecção de atividade antimicrobiana em espécies da flora amapaense e avaliar potencialidades de desenvolvimento de novos fármacos e formulações que venham ao encontro da valoração do potencial da diversidade biológica de espécies da flora amapaense.

2 CARACTERIZAÇÃO E POTENCIALIDADES BIOLÓGICAS DA FLORA

A história da humanidade sempre foi marcada pelo empenho que todos os povos mantiveram, desde seus primórdios até os dias atuais, em acumular conhecimentos sobre produtos disponíveis no seu meio que apresentassem qualquer atividade biológica para as mais diversas finalidades, que pudessem ser convertidos para melhoria da sua qualidade de vida. Neste sentido, Eldin e Dunford (2001), apresentam a fitoterapia como uma prática que está intrínseca na história da humanidade, mencionando que em 2.800 a.C., os chineses já apresentavam uma lista com mais de 360 espécies de plantas utilizadas como remédio, em 2.000 a.C., bem como o fato de um grande número de médicos egípcios, utilizarem de forma efetiva esta prática alternativa, e no século IV a.C., os gregos também já apresentam listas das plantas medicinais que comercializavam. Estes autores relatam ainda a corrida dos centros de pesquisa para identificar, extrair e investigar substâncias derivadas de diversas espécies encontradas em variados habitats. E apesar de que a conjuntura macroeconômica seja desfavorável e as políticas governamentais inadequadas, constituindo-se em sério obstáculo à competitividade farmoquímica considera-se que a atuação do Estado brasileiro na área fitofarmacêutica deveria ser marcada na definição de políticas que visem proteger a indústria ou os produtos nacionais da concorrência internacional, tanto as de cunho sanitário como as de ordem econômica, de forma a impulsionar este setor. Sobre tudo se levar em conta o agravamento da crise econômica, a qual gera instabilidade, repercute sobre o custo de capital, desincentivando o investimento e reduzindo o mercado. Portanto, os investimentos em Pesquisa, Desenvolvimento & Inovação devem buscar de forma racional, evitar desperdícios com duplicação de esforços em pesquisas feitas por diferentes instituições e explorar nichos em que as empresas estrangeiras poderiam estar interessadas. A simples consulta das pesquisas realizadas em instituições de pesquisa/universidades mostra como há ausência de pesquisadores em doenças infecto-parasitárias negligenciadas e/ou emergentes, 95

como tuberculose, leishmaniose, contaminação hospitalar por bactérias resistentes e malária. Denota-se assim como é necessário o aumento do investimento tecnológico, buscando sintetizar novos produtos, especialmente aqueles voltados para o atendimento de mercados potenciais. Sobretudo, em regiões menos desenvolvidas do país, como o Estado do Amapá. Em região rica em diversidade vegetal como o Amapá, espécies pouco ou praticamente nunca estudadas podem ser encontradas, embora seu uso medicinal seja bastante restrito à zonas rurais. Conforme a Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Estado do Amapá - SEMA (AMAPÁ, 1997), o Estado do Amapá, possui diferentes ecossistemas. Entre os principais encontram-se a floresta de Terra-Firme, que ocupa cerca de 71,9 % dos 143.276 km2 de extensão; a floresta de Várzea, com 5,4%; a Florestas de Transição com 2,7%; o Campo Cerrado com 6,9%; os Campos Inundáveis com 11,2% e os Manguezais, com 1,9%. A diversidade biológica do estado do Amapá, típica de região tropical sul-americana, tal qual ao restante da Região Amazônica é caracterizada por vegetação exuberante em extratos em que alojam desde árvores centenárias como as castanheiras (Bertolletia excelsa) na Terra-Firme e as sumaúmas (Ceiba pentandra Gaertn.), na várzea, assim como diversas espécies de dossel e subosque, incluindo lianas e igualmente grande variedade de epífitas, constituindo-se entre os maiores reservatórios de diversidade genética, das mais diferentes espécies que nela habitam encontrados em sistemas evoluídos e nos mais diferentes graus de complexidade.

Figura 1 - Vista aérea da floresta de terra-firme.

O levantamento fitossociológico realizado por Queiroz (2004), já demonstra a enorme diversidade da floresta de Várzea, chegando a ocorrer cerca de 8.879 indivíduos por hectare, dos quais 4.085 são Liliópsidas e 4.794 Magnoliópsidas, principalmente das famílias Arecaceae, Caesalpinaceae, Mimosaceae, Myristicaceae, Anacardiaceae e Lecythidaceae.

96

Programa Primeiros Projetos

Figura 2 - Vista aérea da floresta de várzea amapaense.

Composição Química e Atividade Biológica das Espécies Coletadas A revisão bibliográfica das espécies vegetais coletadas comprovou que pouco se conhece sobre sua composição química e/ou sua atividade biológica. Os relatos da literatura mostram que esse parco conhecimento é oriundo, em grande parte, de pesquisas realizadas por grupos de pesquisadores não brasileiros. Das espécies com restrita informação quanto à composição micromolecular e seu potencial biológico/terapêutico podem ser citadas:

Uncaria guianensis A espécie Uncaria guianensis, vernaculmente conhecida como “Unha-de-gato”, “Jupindá”, “Cipóde-Garimpeiro”, pertence à família Rubiaceae-Coptosapelteae. Quanto à composição química de U. guianensis, foram isolados vários glicosídeos triterterpênicos, alcalóides do tipo oxindolicose e compostos fenólicos (LAVAUT; MORETTI; BRUNETON, 1983; LEE et al., 1999; LEMAIRE et al., 1999; LAUS; KEPLINGER, 2003; CARBONEZI et al., 2004; VALENTE et al., 2006). Em indivíduos apresentando osteoartrite, o extrato de U. tomentosa mostrou-se eficaz na redução do processo inflamatório e dor, sem efeitos deletérios (PISCOYA et al., 2001; WALKERBONE, 2003). Miller e colaboradores mostraram que extratos dessa espécie têm ação protetora sobre cartilagem de joelho (MILLER et al., 2006). Em patente norte-americana fora descrito um suplemento nutricional contendo U. guianensis para osteoartrite (BENTLEY, 2006). Herrera e colaboradores observaram a ação de extratos de U. guianensis sobre inflamação gastrointestinal (HERRERA; SANTIYÁN; CASCOS, 2001). Os extratos aquosos não demonstraram atividade citotóxica, mas apresentaram atividade antimutagênica em fotomutagênese induzida por 8-metoxipsolareno e radiação UV em Salmonella spp. Os alcalóides indólicos isolados desse extrato apresentaram atividade imunoestimulante e imunorreguladora (KITAJIMA et al., 2003; WINKLER et al., 2004). Também apresentaram ação 97

reparadora de DNA com redução da morte de células epiteliais da pele, o que os torna promissores para formulações de protetores solares (MAMMONE et al., 2006). Simaba cedron / Quassia cedron A Simaba cedron (sinon. Quassia cedron), espécie da família Simaroubaceae, popularmente conhecida como “Pau-pára-tudo” e “Pau-de-gafanhoto” é rica em quassinóides, sendo utilizada como antimalárico (KREBS; RUBER, 1960; POLONSKY, 1960; KOIKE; OHMOTO, 1994; CURCINO VIEIRA et al., 1998; HITOTSUYANAGI et al., 2001; OSORIO-HERRERA et al., 2005). Os compostos, cedronina e cedrin isolados de sementes, apresentaram atividade antimalárica in vitro e in vivo contra cepas resistentes e sensíveis à cloroquina. A cedronina também apresentou atividade citotóxica em células (O’NEILL et al., 1986; MORETTI et al., 1994). Brosimum acutifolium (Moraceae) Conhecida como “Mureré”, “Mururé-Pajé da seiva vermelha” ou “Muirapiranga”, é espécie madeireira popularmente usada como antiinflamatório, antireumático (TORRES et al., 2000) e antianêmico (COUTINHO; TRAVASSOS; AMARAL, 2002). A composição química dessa espécie é diversificada apresentando principalmente flavonóides e lignóides (TORRES et al, 1997; TEIXEIRA; CARVALHO-ALCANTARA; PILÓ-VELOSO, 2000; TORRES et al., 2000; TAKASHIMA et al., 2005), bem como amina alucinógena (MORETTI et al., 2006). Das cascas dessa espécie foram isoladas algumas flavonas que apresentaram toxicidade a células P388 vincristina-resistentes (TAKASHIMA et al., 2005), flavolignanas que apresentaram atividade inibitória das proteinaquinases A e C (TAKASHIMA et al., 2002). Um flavonóide apresentou atividade citotóxica dose-dependente sobre feocromocitomas (PC12) (COSTA et al., 2005) . Duas patentes citam essa espécie como ativos em produtos cosméticos e cosmecêuticos (UEDA; ISHIMARU, 2001; MIO et al., 2003). Algumas de suas substâncias têm mostrado atividade inibitória da hialuronidase, sendo ativos promissores no tratamento da pele, em cremes, sabonetes, xampus, antiperspirantes, entre outros (UEDA; ISHIMARU, 2001). Copaifera sp. A espécie Copaifera sp, popularmente conhecida como Copaíba, pertence à família Caesalpinaceae. O uso medicinal do “óleo de copaíba” extraído do cerne é relatado como antiinflamatório, cicatrizante e nas infecções de garganta (MING; GAUDÊNCIO; SANTOS, 1997; MACIEL et al., 2002; VEIGA-JUNIOR; PINTO, 2002; PASA et al., 2005). Patente do processo de obtenção de extratos, frações e substâncias isoladas da C. reticulata foi depositada (BRUNHAROTO et al., 2005). Copaifera reticulata Ducke apresentou ácido copaífero, á-cubeno, â-cariofeleno, áhumuleno e d-candieno, utilizado como antinflamatório e cicatrizante, com ação contra o bacilo do tétano e herpes (VIEIRA, 1992). O óleo de C. reticulata foi avaliado quanto à atividade antiinflamatória e cicatrizante em ratas ooforectomizadas e apresentou resultados superiores aos controles (BRITO et al., 2000; GOMES et al., 2006). Os extratos da casca de C. reticulata foram avaliados quanto à atividade antioxidade e captadora de radicais livres. Os autores observaram que o extrato aquoso apresentou alta atividade que foi posteriormente atribuída a taninos (DESMARCHELIER et al., 1997; DESMARCHELIER et al., 2001; DESMARCHELIER; BARROS, 2003). 98

Programa Primeiros Projetos Mimusops huberi/Manilkara huberi Mimusops huberi/Manilkara huberi, espécie da família Sapotaceae, é conhecida vernacularmente por Maçaranduba. Existem poucas referências quanto a fitoquímica e atividade biológica dessa espécie. Do fuste se extrai um látex, do qual foram isolados hidrocarbonetos, triterpenos, esteróides, ligninas e açúcares (MARCHAN, 1946; HORN, 1948; ALTMAN, 1956; SOUZA, 1956). Rodrigues (2006) menciona que esta espécie apresenta 7,5% de tanino na casca. Brosimum rubescens O Brosimum rubescens, espécie da família Moraceae, é conhecida popularmente por vários nomes, como “Mururé-Pajé-da-seiva-branca”, “mureré seiva branca” (no Brasil), “ muirapiranga”, “amapá amargoso”, “pau-rainha”, “falso-pau-brasil” e “palo de sangre” (no Peru). Existem alguns estudos prospectivos quanto à composição micromolecular dessa espécie. Foram isoladas cumarinas, chalconas e outros flavonóides (SHIROTA et al., 1998; POULIQUEN et al., 2000; HARBORNE; WILLIAMS, 2001; McGLACKEN; FAIRLAMB, 2005). Duas chalconas apresentaram atividade antiandrogênica por antagonismo à diidrotestosterona-5 (SHIROTA et al., 1997; SHIROTA et al., 1998). Stryphnodendron adstringens O Stryphnodendron adstringens (Mart.) Coville, espécie da família Fabaceae, é conhecida como barbatimão, sendo utilizada popularmente no tratamento de feridas, dor de garganta, anemias, leucorréias, inflamações, entre outros casos. Os extratos obtidos dessa espécie são utilizados em preparações farmacêuticas e cosméticas, principalmente para uso tópico, devido ao seu alto teor de taninos (ARDISSON et al., 2002). Contém ainda galactomanana e flavonóides (GANTER et al., 1993; GANTER et al., 1995; TOLEDO, 2002). Os extratos hexânico e etanólico de S. adstringens apresentaram atividade moluscicida contra Biomphalaria glabrata, tanto para caramujos adultos quanto para ovos (MENDES et al., 1984). O extrato aquoso das cascas apresentou atividade cicatrizante em equinos (MARTINS et al., 2003). Sua atividade cicatrizante foi comprovada ainda em úlceras gástricas induzidas em ratos (AUDI et al., 1999). Enzima isolada das sementes de barbatimão apresentou atividade anticoagulante in vitro (NAKAHIRA et al., 2004). As sementes apresentaram propriedades abortiva e infertilizante em ratas (BÜRGER et al., 1999). O extrato aquoso apresentou atividade contra o ácaro rajado Tetranychus urticae (OLIVEIRA et al., 2005). Já o extrato acetônico foi ativo contra Herpetomonas samuelpessoai (HOLETZ et al., 2005). Apresentou ainda atividade tripanossomicida in vitro (HERZOG-SOARES et al., 2002). Aspidospermum carapanauba O Aspidospermum carapanauba, espécie da família Apocynaceae, é conhecida como “Quinaranada-fruta-grande” ou “Carapanaúba” é utilizada na medicina popular como antiinflamatório, anticoncepcional, hepatoprotetor, anti-úlcera, adstringente, anti-malárica, febrífuga, cicatrizante, 99

além de ser usada no tratamento do diabetes e de várias afecções pulmonares, como a asma e bronquite (SILVA et al., 2006). Das cascas de A. caranapauba foi extraído um alcalóide, a carapanaubina (GILBERT et al., 1963). O extrato aquoso das cascas apresentou efeito gastroprotetor em ratos (SILVA et al., 2006). Ouratea hexasperma Ouratea hexasperma, especie da família Ochnaceae, conhecida popularmente como Barbatimão do Cerrado, é utilizada popularmente como tônico, adstringente e vermífugo. É nativa brasileira ainda pouco estudada. Dos extratos de O. hexasperma foram isolados vários flavonóides, principalmente flavonas, isoflavonas diméricas (MOREIRA et al., 1994; MOREIRA et al., 1999; DANIEL et al., 2005; CARVALHO et al., 2005) e hidrocarbonetos aromáticos (WILCKE et al., 2004). Quanto à atividade biológica, alguns diflavonóides isolados dessa espécie apresentaram atividade de inibição da DNA-topoisomerase (GRYNBERG et al., 2002), inibição do crescimento de células tumorais Sarcoma 180, tanto ex vivo, quanto in vivo (GRYNBERG et al., 1994; MOREIRA et al., 1999). Virola multicostata / Virola surinamensis A espécie Virola multicostata / Virola surinamensis, pertence à família Myristicaceae, sendo conhecida vernacularmente como “Virola”, “Ucuúba branca” ou “Ucuúba de igapó”. É considerada de múltiplo uso, inclusive sua utilização medicinal da Amazônia . A resina da casca é utilizada nas erisipelas e o chá das folhas nas cólicas e dispepsias (LOPES et al., 1999). De extratos de V. multicostata foram isolados lignanas e neolignanas, ácidos orgânicos, flavonóides, principalmente flavonas e isoflavonas, policetídeos, triglicerídeos, esteróides, mono- sesqui- e triterpenos (BLUMENTHAL; SILVA; YOSHIDA, 1997; LOPES et al., 1999; BARATA et al., 2000; BORGES, 2003; LOPES; YOSHIDA; KATO, 2004; NIHEI et al., 2004; LOPES et al., 2005). Quanto à atividade biológica, substâncias isoladas dos extratos de V. multicostata apresentaram ação antifúngica contra Cladosporium cladosporioides (LOPES; KATO; YOSHYDA, 1999). Além disso, extratos e compostos isolados dessa espécie apresentaram atividade esquistossomicida (ALVES et al., 1998, 2002) e inibição de penetração de cercárias em camundongos (BARATA, 1976); tripanossomicida (LOPES et al., 1998; NIHEI et al., 2004), antimalárica, sendo ativos contra Plasmodium falciparum (LOPES et al., 1999). Dalvergia monetária A espécie Dalvergia monetária/D. subcymosa, pertence à família Dalbergieae, sendo conhecida vernacularmente como Verônica. Conforme Rodrigues (1989) e Vieira (1992), as cascas são utilizadas em infusão no controle de anemia (15g em 1/2L de água) e na lavagem em inflamações uterinas (20g em 1/2L de água), assim como no tratamento de afecções pulmonares (catarros, bronquites e tosses tísicas). Carapa guianensis A espécie Carapa guianensis Aubl., pertence à família Meliaceae, sendo conhecida vernacularmente no Brasil como andiroba, adirobinha, andiroba branca, andiroba-do-igapó, caraper, jandiroba e penaiba. 100

Programa Primeiros Projetos Conforme Taylor (1998), o azeite de andiroba filtrado, apresenta na sua composição, através do processo da cromatografia gasosa, os seguintes ácidos FATTY: palmítico (28,18%), palmitoléico (1,04%), esteárico (8,11%), oléico (50,5%), linoléico (8,5%), araquídico (1,2%), linolênico (10,3%). Esta mesma autora apresenta na composição do azeite de andiroba, os seguintes fitoquímicos: 11-beta-acetoxi-gedunina; 6-alfa-acetoxi-epoxiazadiradiona; 6-alfa-acetoxi-gedunina; 6-betaacetoxi-gedunina; 6-alfa, 11-beta-diacetoxi-gedunina; 6-alfa-hidroxigedunina; 6-beta, 11-betadiacetoxi-gedunina; 7-deacetoxi-7-oxigedunina; 7-desacetoxi-7-cetogedunina; andirobina; epoxiazadiradiona.

3 PROCEDIMENTOS TÉCNICOS E METODOLÓGICOS DA PESQUISA As coletas de plantas foram realizadas nos campos experimentais da Embrapa Amapá. As análises foram realizadas em laboratórios do PIADICUFAP na Unifap e nos laboratórios do Curso de Farmácia da UnB. Cascas e folhas de diferentes espécies vegetais da flora nativa foram coletadas no Estado do Amapá, com base em informações etnobotânicas. Essas amostras estão sendo objeto de avaliação sobre sua atividade biológica com o intuito de fornecer subsídios que corroborem sua utilização popular, bem como buscar evidências de outras atividades biológicas até então desconhecidas. Da floresta de Terra-Firme, estão sendo avaliadas: Geissospermum argentum (Quinarana-dafruta-pequena), Simaba cedrun (Pau-pára-tudo), Brosimum acutifolium (Mururé-Pajé seiva vermelha), Copaifera sp (Copaíba), Ptychopetalum olacoides (Muirapuama), Hymenaea coubaril (Jatobá), Mimusops huberi (Maçaranduba), Tabebuia serratifolia (Ipê Amarelo), Brosimum rubescens (Mururé-Pajé seiva branca), Stryphnodendron barbatiman (Barbatimão verdadeiro), Aspidospermum carapanauba (Quinaranada-fruta-grande), Batocydia unguis (Unha-de-Morcego), Cassia occidentalis (Mata-pasto-pequeno), CipóSanto, Aristolochia cf. rodriguesie (Cipó-pára-tudo), Glycoxylon praelatum (Casca-doce), Parhancornia amapa (Amapá amargo), Brosimum potabile, B. ovalifolium (Amapá doce), Elephantopus scaber L. (Língua-de-vaca) e Himathanthus articulatus (Sucuúba). Do ecossistema de Cerrado apenas encontram-se em avaliação as espécies Ouratea hexasperma (Barbatimão do Cerrado) e Himathanthus articulatus (Sucuúba). E, finalmente, do ecossistema de Várzea, estão em estudo: Callophyllum brasiliense (Jacareúba), Uncaria guianensis (Unha-de-gato ou Jupindá), Lycania macrophylla (Anauerá), Dalbergia monetaria (Verônica da várzea), Virola multicostata ou V. surinamensis (Virola ou Ucuúba), Vatairea guianensis (Fava-verde), Carapa guianensis (Andiroba), Erythrina glauca (Açacurana). As exsicatas dos espécimes estudados foram depositadas no Herbário do Instituto de Investigação Científica e Tecnológica do Estado do Amapá (IEPA), no Brasil, sob os números de protocolos de 016603 para Uncaria guianensis, de 016595 para Copaifera sp, de 016602 para Simaba Cedron, de 016594 para Licania macrophylla de 016594 e de 016600 para Dalbergia subcymosa. A espécie 101

Calophyllum brasiliense, Geissospermum argenteum, Brosimum acutifolium, Ptycopetalum olacoides e Hymenaea coubaril são mantidos provisoriamente sob números de registo BRM1, BRM2, BRM5, BRM8 e BRM10 respectivamente, na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária do Amapá - EMBRAPA-Amapá. Preparação dos extratos crus O material vegetal foi seco artificialmente em estufa de circulação forçada, à temperatura de 50º C durante três dias para folhas e ramos finos e durante cinco dias para cascas e lenhos das árvores, para eliminação de agentes deletérios como fungos e bactérias. O referido material foi pulverizado em moinho de faca tipo Willy, equipado com peneira de 20 mesh.

Figura 3 - Moinho de faca tipo Willy.

Em seguida, os extratos secos foram postos a macerar por sete dias, durante quatro semanas consecutivas, através da imersão em etanol e/ou extrato hexano como meio solvente. A solução extrativa foi decantada e concentrada à temperatura de 50oC, realizando-se para tanto, a secagem do soluto através da evaporação do solvente em um evaporador rotativo mergulhado em banho-maria.

Figura 4 - Obtenção de extratos crus em evaporador rotativo

102

Programa Primeiros Projetos Ensaio preliminar de citotoxicidade. Com intuito de esclarecer os efeitos farmacológicos de extratos crus de plantas medicinas da flora amapaense investigou-se a toxicidade aguda pela determinação da dose letal para 50% dos animais (DL50), frente ao microcrustáceo Artemia salina Leach (ovos e larvas). A solução salina foi preparada com sal marinho sintético, a 36,5g/L. Para o preparo das diluições de cada extrato foram solubilizados em 200µL de dimetilsulfóxido (DMSO) e o volume completado para 20mL com a solução salina (1000ppm, primeira diluição). A partir dessa solução foram preparadas diluições sucessivas até 125 ppm. Os ovos de A. salina foram colocados a eclodir, sob luz e aeração constante. As amostras foram divididas em tubos de ensaio e a cada um foram adicionadas 10 larvas, que foram mantidas por mais 24 horas à luz natural. O experimento foi realizado em triplicata. Para o controle positivo foi utilizado dicromato de potássio em concentração de 40ppm. A análise foi feita comparativamente ao controle positivo por concentração letal média (CLM), ou seja, a concentração que dizima a metade de uma população (DOLABELA, 1987).

Figura 5 - Artemia salina em solução.

103

Estirpes de Bactérias ATCC Os extratos crus das espécies vegetais foram selecionados (screened) para atividade antibacteriana de 7 microorganismos resistentes clínicos que utilizam como controle espécies bacterianas da American Type Culture Collection - ATCC. Foram utilizadas as cepas padrão de Proteus mirabilis ATCC 7022, Klebsiella pneumoniae ATCC 27853, Pseudomonas aeruginosa ATCC 27853, Escherichia coli ATCC 25922, Staphylococcus aureus ATCC 29213, Enterococcus faecalis ATCC 29212, Streptococcus pneumoniae ATCC 46619, e também das mesmas espécies obtidas a partir de coleta hospitalar de cepas resistentes e multirresistentes, em Brasília, Brasil.

Ensaio biológico Buscando-se encontrar alguma atividade inibitória dos extratos vegetais no desenvolvimento das bactérias, foi utilizado no teste o método de difusão em ágar de Kirby-Bauer. Para tanto, foram utilizados discos de papel filtro estéril (papel Hartman No.1) medindo 6 milímetros de diâmetro, embebidos em extratos crus dissolvidos em etanol, e secos à temperatura ambiente.

Figura 6 - Extatos crús de espécies da flora amapaense.

Os estoques de crescimento bacteriano congelado e conservados em glicerol são cultivados em ágar com nutrientes semi-sólidos e mantidos na incubadora por 24 H em 37oC. Colônias típicas e homogêneas foram transferidas para o meio líquido de crescimento de Mueller-Hinton até atingir 2 X 108 cfu/mL (0,5 na escala McFarland). Sequencialmente, os extratos crus previamente secos e embebidos em etanol foram dispostos na superfície do ágar. Como controles, os discos secos embebidos em penicilina G sódica e etanol foram distribuídos igualmente nas placas. Todos os ensaios foram realizados em triplicata, incluindo os controles. As placas foram incubados em estufa a 37oC durante 24 horas. 104

Programa Primeiros Projetos Passado este período, as placas foram retiradas da estufa, observando-se no crescimento dos microrganismos, a ocorrência ou não de halos de inibição. Sendo medidos os halos de inibição, quando presentes e comparado ao redor dos discos de inibição com o disco contendo penicilina G sódica e o crescimento em torno de discos contendo etanol.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Ocorrência das Espécies na Flora e Tipos de Solo e Clima ocorrentes no Estado As espécies coletadas apresentam, em sua maioria, baixa densidade de ocorrência nas áreas de estudo. A exploração destas espécies medicinais no Estado é completamente extrativista, sem nenhum critério ou regulamentação para sua extração e, quase sempre, predatória.

Figura 7 - Ramo de Uncaria guianensis.

Tal fato determina a implementação de estudos complementares que promovam o cultivo racional das espécies medicinais em estudo, de forma a proporcionar a sustentabilidade de programas que primem pela inovação com novos produtos, especialmente aqueles voltados para o atendimento da assistência à saúde da população e a promoção da valoração do desenvolvimento local. As análises de solos observadas nas tabelas 1 e 2, revelam que as espécies encontradas nos ecossistemas de Cerrado e de floresta de Terra-Firme, ocorrem sobre solos classificados como Latossolos Amarelos ou Vermelhos, em sua maioria de textura média, ácidos e pobres em nutrientes essenciais para as plantas como fósforo, potássio, cálcio, magnésio, portanto de baixa fertilidade natural e geralmente apresentando teores médios a elevados de alumínio tóxico e acidez elevada.

105

Isto vem a ser um indicativo da alta adaptabilidade das espécies destes ecossistemas a solos argilosos, ou franco argilosos, pobres e ácidos, bem como tolerantes a níveis elevados de alumínio. Nas análises de solos observadas na tabela 3, observa-se que as espécies encontradas nos ecossistemas de Várzea, estão localizadas apenas numa faixa estreita ao longo do rio Amazonas e seus afluentes, ficando grande parte do ano submersas. Estes ecossistemas apresentam solos classificados como Gleysolo Háplico, geralmente siltosos, ricos em potássio, fósforo, cálcio e magnésio, de acidez entre média e baixa. Portanto as espécies ocorrentes nestas áreas de Várzea estão condicionadas a solos férteis e de baixa acidez, no entanto, com aeração deficiente, sofrendo constantes inundações pelo fenômeno das mares, as quais carreiam grandes quantidades de nutrientes repondo constantemente sua fertilidade natural. Estes solos são considerados eutróficos quando a saturação de bases é maior que 50% e distróficos quando esta é menor que 50%.

Tabela 1 - Análise físico-química de amostras de Latossolos Amarelos sob Ecossistemas de Cerrado Amapaense. K+ Al 3+ Ca 2++Mg 2+ (Cmolc/ (Cmolc/ (Cmolc/dm3) dm3) dm3)

H++Al 3+ P M.O. Silte A G A F Argila (Cmolc/ (mg/ (g/ (%) (%) (%) (%) dm3) dm3) dm3)

Local

pH(H2O)

Macapá (km 09)

4,8

0,04

0,65

0,85

4,54

4

3,5

26

23

20

31

I. do Piririm

4,6

0,08

0,20

0,80

4,25

3

3,4

11

62

6

21

Ferreira Gomes

5,1

0,01

0,25

0,40

1,90

1

1,2

12

39

31

18

Tartarugalzinho

4,5

0,04

1,35

0,90

8,09

7

3,3

49

2

14

35

Amapá

4,8

0,05

1,05

0,5

8,25

2

3,6

54

2

29

15

Fonte: Embrapa Amapá

Tabela 2 - Análise físico-química de amostras de Latossolos Amarelos e Vermelhos sob ecossistemas de Floresta de Terra-Firme Amapaense. Local

pH(H2O)

K+ Al 3+ Ca 2++Mg 2+ (Cmolc/ (Cmolc/ (Cmolc/dm3) dm3) dm3)

H++Al 3+ P M.O. Silte A G A F Argila (Cmolc/ (mg/ (g/ (%) (%) (%) (%) 3 3 3 dm ) dm ) dm )

Oiapoque

4,1

0,09

0,40

1,8

14,03

2

5,5

25

21

7

47

Pedra Branca

5,0

0,04

0,90

1,0

4,29

1

2,3

20

25

8

47

L.l do Jari

4,6

0,05

1,70

0,50

13,53

6

4,0

34

12

5

49

Porto Grande

4,1

0,03

0,15

0,9

4,79

1000,00 >1000,00 >1000,00 >1000,00 >1000,00 >1000,00 534,24 868,44 >1000,00 561,21 >1000,00 >1000,00 >1000,00 >1000,00 548,53 >1000,00 340,56 713,11 >1000,00 992,87 >1000,00 >1000,00 >1000,00 >1000,00 >1000,00 >1000,00 470,37 >1000,00 >1000,00 -

H - extrato hexânico; E - extrato etanólico.

A Tabela 1 apresenta o resultado do teste de toxicidade a larvas de Artemia salina e o rendimento dos extratos das diferentes espécies da flora amapaense em estudo. O ensaio para determinar a dose letal (a quantidade de uma substância administrada para provocar a morte a pelo menos 50% da população) utilizando o crustáceo Artemia salina, mostrou que o extrato cru de Aspidospermum carapanauba apresentou-se como o mais ativo (340,56ppm) frente às larvas de Artemia salina dentre os demais compostos testados. 108

Programa Primeiros Projetos Enquanto que Andira retusa, Aniba canellila, Aristolochia cf. rodriguesi, Brosimum acutifolium, Brosimum rubescens, Calophyllum brasiliense, Copaifera sp, Elephantopus scaber L., Geissospermum argentum, Glycoxylon prealtum, Hymenaea coubaril, Lycania macrophylla, Mimusops huberi, Tabebuia serratifolia, Uncaria guianensis e Vatairea guianensis apresentaram-se como os menos ativos (>1000ppm) frente a espécie Artemia salina. A utilização do bioensaio de letalidade da Artemia salina na avaliação de extratos crus de diferentes espécies da flora amazônica foi eficiente mostrando a toxicidade específica de cada um destes extratos. Na avaliação do rendimento dos extratos brutos obtidos de espécies medicinais da flora amazônica, pode-se observar que houve diferenças de rendimento entre as diferentes espécies em estudo. Assim, os extrato obtidos a partir do óleo de Carapa guianensis (99,1%), e das seivas de Parhancornia amapa e Brosimum potabile apresentaram os maiores rendimentos relativos de extrato. Quando se avaliou os rendimentos de extratos obtidos a partir das cascas e caule das espécies em estudo, os maiores rendimentos foram das espécies Mimusops huberi (22,5%) e Stryphnodendron barbatiman (27,5%). E, avaliando-se os rendimentos de extratos obtidos a partir das folhas das espécies em estudo, o maior rendimento foi obtido com a espécie Elephantopus scaber (8,0%). Portanto, os rendimentos na produção de extratos mostraram-se variáveis em função da espécie e da parte da planta em estudo (folha, casca, óleo e seiva). Os extratos vegetais de Geissospermum argenteum, Uncaria guianensis, Brosimum acutifolium, Copaifera sp., Lycania macrophylla, Ptycopetalum olacoides e Dalbergia subcymosa, mostraram atividade contra as bactérias Staphylococcus aureus e Pseudomonas aeruginosa, ambas resistentes a maioria dos antibióticos em uso atualmente.

Figura 8 - Antividade antibacteriana de extratos crus de epécies da flora amapaense.

109

Estão em curso análises quanto à atividade anti-viral (retrovírus da Imunodeficiência Humana e Felina) e antineoplásica (linhagens celulares transformadas de tecido pulmonar). Os resultados alcançados na prospecção de atividade biológica são um indicativo de que a região depende da capacidade de se especializar naquilo que consiga estabelecer vantagens comparativas efetivas e dinâmicas, decorrentes do seu estoque de atributos e da capacidade local de promoção continuada de inovação. Portanto, a relação existente entre as diferentes instituições da rede de pesquisa nacional podem promover transformações criadoras de soluções aplicativas e/ou integradas, potencializando um fluxo de informações científicas, tecnológicas e culturais. Portanto, canalizou-se esforços na pesquisa aplicada, com a realização de testes e adaptações, promovendo processos de inovação cuja força poderá alterar a natureza da produção e consumo de farmacoquímicos, inclusive possibilitando o crescimento e ampliando a capacidade contínua de agregação de valor sobre a produção da flora amazônica, através da introdução de novos produtos; novos métodos de produção; criação de novos mercados; a exploração de novas fontes de matérias-primas, podendo-se constituir em fontes do avanço econômico local e regional. Tem-se assim o entendimento, que com um processo de criatividade e inovação tecnológica será possível conquistar novos mercados, inclusive de fitoterápicos e outros produtos químicos de origem vegetal, de forma a poder promover a valoração de novas fontes de matérias-primas da floresta tropical amapaense, podendo constituir-se em fontes de avanço econômico para o Estado. Desta maneira, as expectativas no processo de inovação tecnológica de fito-fármacos vêm ao encontro da sinergia das relações interinstitucionais e do crescimento do mercado fundamentado na tecnologia fitofarmacêutica.

5 CONCLUSÃO

Algumas espécies com potencial para utilização terapêutica e/ou industrial, provavelmente estão irremediavelmente sob domínio de pesquisadores e/ou instituições estrangeiras. Entretanto, existem ainda espécies pouco estudadas e outras ainda por serem descobertas. Os rendimentos na produção de extratos mostraram-se variáveis em função da espécie e da parte da planta em estudo (folha, casca, óleo e seiva) Extratos vegetais crus de certas espécies amazônicas apresentaram atividade contra as bactérias Staphylococcus aureus e Pseudomonas aeruginosa, ambas resistentes à maioria dos antibióticos, e Staphylococcus aureus ATCC. Os resultados obtidos, são um indicativo de que os estudos de bioprospecção na flora amapaense, certamente ratificam a potencialidade de fabricação de produtos fitoterápicos no Estado e denotam o importante papel da academia na criatividade e inovação tecnológica voltado ao desenvolvimento regional, contribuindo para atender às demandas por novos medicamento da 110

Programa Primeiros Projetos população em geral. Portanto, existem expectativas futuras no Estado do Amapá, através da inovação com medicamentos e o desenvolvimento tecnológico de fármacos e formulações que venham ao encontro da valoração do potencial da diversidade biológica de sua flora, apostando no crescimento do mercado fitofarmacêutico.

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALTMAN, R. F. A. Analysis of the latex of Manilkara huberi. Boletim Técnico do Instituto Agro Norte, v. 31, p. 81-95, 1956. ALVES, C. N. et al. Structure-Activity Relationship of Compounds which are Anti-Schistosomiasis Active. Journal of the Brazilian Chemical Society, v. 9, n. 6, p. 577-582, 1998. ALVES, C. N. et al. A Structure-Activity Relationship (SAR) Study of Neolignan Compounds with Anti-schistosomiasis Activity. Journal of the Brazilian Chemical Society, v. 13, n. 3, p. 300-307, 2002. AMAPÁ. Secretaria Estadual do Meio Ambiente. Plano Estadual Ambiental. Macapá, 1997. 39 p. ARDISSON, L. et al. Preparação e caracterização de extratos glicólicos enriquecidos em taninos a partir das cascas de Stryphnodendron adstringens (Mart.) Coville (Barbatimão). Revista Brasileira de Farmacognosia, v. 12, n. 1, p. 27-34, 2002. AUDI, E. A. et al. Gastric antiulcerogenic effects of Stryphnodendron adstringens in rats. Phytotherapy Research, v. 13, n. 3, p. 264-266, 1999. BARATA, L. E. S. Isolamento e Síntese de Neolignanas de Virola Surinamensis (rol.) Warb. 1976. 250 f. Tese (Doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas. BARATA, L. E. S. et al. Anti-leishmanial activity of neolignans from Virola species and synthetic analogues. Phytochemistry, v. 55, n. 6, p. 589-595, Nov. 2000. BENTLEY, M. Nutritional supplement for osteoarthritis. US 20060018876 A1, 26 jul. 2004, 26 jan. 2006. 5 p. BLUMENTHAL, E. E. A.; SILVA, M. S.; YOSHIDA, M. Lignoids, flavonoids and polyketides of Virola surinamensis. Phytochemistry, v. 46, n. 4, p. 745-749, 1997. BORGES, F. C. Estudo fitoquímico, alelopático e farmacológico de constituintes químicos das folhas de Virola michelii (Heckel) e Virola surinamensis (Rol. Warb.). 2003. 148 f. Dissertação (Mestrado em Química) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2003. BRITO, N. M. B. et al. Aspectos Morfológicos e Morfométricos do Colo Uterino de Ratas Ooforectomizadas após Aplicação de Óleo de Copaíba. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, v. 22, n. 8, p. 489-493, 2000. 111

BRUNHAROTO, A. R. F. et al. Process to obtain extracts, fractions and isolated compounds from Copaifera species and their use for the treatment of urinary lithiasis in humans and animals. [S.l.: s.n.], 2005. BÜRGER, M. E. et al. Analysis of the abortive and/or infertilizing activity of Stryphnodendron adstringens (Mart. Coville). Brazilian Journal of Veterinary Research and Animal Science, v. 36, n. 6, 1999. CARBONEZI, C. A. et al. Determinação por RMN das configurações relativas e conformações de alcalóides. Quimica Nova, v. 27, n. 6, p. 878-881, 2004. CARVALHO, M. G. de et al. Carbon-13 and proton NMR assignments of a new agathisflavone derivative. Magnetic Resonance in Chemistry, v. 44, n. 1, p. 35-37, 2005. COSTA, D. M. R.; OLIVEIRA, C.C.F. ; TORRES, S.L. ; ARRUDA, M. ; MULLER, A.H. ; SILVA, E.O. ; NASCIMENTO, J. L. M. . Antiproliferative Effect and Induction of Apopstosis on PC12 Cells by BSA-1, a Flavonoid Isolated From Brosimum acutifolium. In: CONGRESSO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE MICROSCOPIA E MICROANÁLISE, 20.; SIMPÓSIO BRASILEIRO DE MICROSCOPIA APLICADA ÀS CIÊNCIAS FORENSES, 2005, Águas de Lindóia. [Anais...]. Campinas: Sociedade Brasileira de Microscopia e Microanálise, 2005. COUTINHO, D. F.; TRAVASSOS, L. M. A.; AMARAL, F. M. M. do. Estudo etnobotânico de plantas medicinais utilizadas em comunidades indígenas no estado do Maranhão – Brasil. Visão Acadêmica, v. 3, n. 1, p. 7-12, Jan.-Jun./2002. CURCINO VIEIRA, I. J. et al. Quassinoids and protolimonoids from Simaba cedron. Fitoterapia, v. 69, n. 1, p. 88-90, 1998. DANIEL, J. F. S. et al. Others flavonoids from Ouratea hexasperma (Ochnaceae). Journal of the Brazilian Chemical Society, v. 16, n. 3b, p. 634-638, 2005. DESMARCHELIER, C. et al. Total Reactive Antioxidant Potential (TRAP) and Total Antioxidant Reactivity (TAR) of Medicinal Plants Used in Southwest Amazonia (Bolivia and Peru). Pharmaceutical Biology (Formerly International Journal of Pharmacognosy), v. 35, n. 4, p. 288-296, 1997. DESMARCHELIER, C. J.; BARROS, S. B. de M. Pharmacological activity of South American plants: effects on spontaneous in vivo lipid peroxidation. Phytotherapy Research, v. 17, n. 1, p. 80-82, 2003. DESMARCHELIER, C. J. et al. Profisetinidin type tannins responsible for antioxidant activity in Copaifera reticulata. Pharmazie, v. 56, n. 7, p. 573-577, Jul. 2001. DOLABELA, M. E. Triagem in vitro para atividade antitumoral e anti T.cruzi de extratos vegetais, produtos naturais e substâncias sintéticas. 1987. 198 f. (Ciências Farmacêuticas) Faculdade de Farmácia, Universidade Federal de Minas Gerais, Minas Gerais, 1987. ELDIN, S.; DUNFORD, A. Fitoterapia: na atenção primária à saúde. São Paulo: Manole, 2001. 163 p. 112

Programa Primeiros Projetos GANTER, J. L. et al. Galactomannans from Brazilian seeds: characterization of the oligosaccharides produced by mild acid hydrolysis. International Journal of Biological Macromolecules, v. 17, n. 1, p. 13-19, 1995. GANTER, J. L. M. S. et al. Structural studies on galactomannas from Brazilian seeds. Journal of carbohydrate chemistry, v. 12, n. 6, p. 753-767, 1993. GOMES, N. M. et al. Antinociceptive activity of Amazonian Copaiba oils. Journal of Ethnopharmacology, v. 109, p. 486-492, 2006. GILBERT, B. et al. Mass Spectrometry in Structural and Stereochemical Problems. XX. 1 Carapanaubine, a New Alkaloid from Aspidosperma carapanauba and Some Observations on Mass Spectra of Oxindole Alkaloids2. Journal of the American Chemical Society, v. 85, n. 10, p. 1523-1528, 1963. GRYNBERG, N. F. et al. DNA topoisomerase inhibitors: biflavonoids from Ouratea species. Brazilian Journal of Medical and Biological Research, v. 35, n. 7, p. 819-822, Jul. 2002. GRYNBERG, N. F. et al. Inhibition of murine tumor growth by natural biflavone and mesoionic compounds. In: INTERNATIONAL CANCER CONGRESS, 16., 1994, New Delhi. Free Papers and Posters. New Delhi: [s.n.], 1994. p. 63-66. HARBORNE, J. B.; WILLIAMS. C. A. Anthocyanins and other flavonoids. Natural Product Reports, v. 18, p. 310-333, 2001. HERRERA, P. A.; SANTIYÁN, M. P. M.; CASCOS, P. M. Oxido nitrico I. Inflamación gastrointestinal y plantas medicinales. 2001. Disponivel em: < http:// www.lalibertad.cqfperu.org/download_archivos/articulos/rv_ArtBSQP.pdf>. Acesso em: 18 jan. 2007. HERZOG-SOARES, J. D. A. et al. Atividade tripanocida in vivo de Stryphnodendron adstringens (barbatimão verdadeiro) e Caryocar brasiliensis (pequi). Revista Brasileira de Farmacognosia, v. 12, supl., p. 1-2, 2002. HITOTSUYANAGI, Y. et al. Cedronolactone E, a novel C(19) quassinoid from Simaba cedron. Journal of Natural Products, v. 64, n. 12, p. 1583-1584, Dec. 2001. HOLETZ, F. B. et al. Biological effects of extracts obtained from Stryphnodendron adstringens on Herpetomonas samuelpessoai. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v. 100, n. 4, p. 397401, 2005. HORN, E. F. Brazilian substitutes for gutta-percha. Caribbean Forester , v. 9, p. 45-47, 1948. KITAJIMA, M. et al. Two New Nor-triterpene Glycosides from Peruvian “Un a de Gato”(Uncaria tomentosa). Journal of Natural Products, v. 66, n. 2, p. 320-323, 2003. KOIKE, K.; OHMOTO, T. Quassinoids from Quassia indica. Phytochemistry, v. 35, n. 2, p. 459-463, 1994. KREBS, K. G.; RUBER, H. E. The ingredients of the seed of Simaba cedron Planchon. Part 1.

113

Cedrin. Arzneimittelforschung, v. 10, p. 500-505, Jul. 1960. LAUS, G.; KEPLINGER, K. Alkaloids of peruvian Uncaria guianensis(Rubiaceae). Phyton(Horn), v. 43, n. 1, p. 1-8, 2003. LAVAUT, M.; MORETTI, C.; BRUNETON, J. Alkaloids of Uncaria guianensis. Planta Medica, v. 47, p. 244-245, 1983. LEE, K. K. et al. Bioactive indole alkaloids from the bark of Uncaria guianensis. Planta Medica, v. 65, n. 8, p. 759-760, Dec. 1999. LEMAIRE, I. et al. Stimulation of interleukin-1 and-6 production in alveolar macrophages by the neotropical liana, Uncaria tomentosa (una de gato). Journal of Ethnopharmacology, v. 64, n. 2, p. 109-115, Feb. 1999. LOPES, N. P. et al. Antimalarial use of volatile oil from leaves of Virola surinamensis (Rol.) Warb. by Waiapi Amazon Indians. Journal of ethnopharmacology, v. 67, n. 3, p. 313-319, Nov. 1999. LOPES, N. P. et al. Flavonoids and lignans from Virola surinamensis twigs and their in vitro activity against Trypanosoma cruzi. Planta Medica, v. 64, n. 7, p. 667-668, Oct. 1998. LOPES, N. P. et al. New Butenolides in Plantlets of Virola surinamensis (Myristicaceae). Chemical and pharmaceutical bulletin, v. 36, n. 17, p. 10-15, 2005. LOPES, N. P.; KATO, M. J.; YOSHIDA, M. Antifungal Constituents from Roots of Virola surinamensis. Phytochemistry, v. 51, p. 29-33, 1999. LOPES, N. P.; YOSHIDA, M.; KATO, M. J. Biosynthesis of Tetrahydrofuran Lignans in Virola surinamensis. Brazilian Journal of Pharmaceutical Sciences, v. 40, n. 1, p. 53-57, 2004. MACIEL, M. A. M. et al. Plantas medicinais: a necessidade de estudos interdisciplinares. Química Nova, Brasil, v. 25, n. 3, p. 429-435, 2002. MAMMONE, T. et al. A Water Soluble Extract from Uncaria tomentosa (Cat’s Claw) is a Potent Enhancer of DNA Repair in Primary Organ Cultures of Human Skin. Phytotherapy Research, v. 20, n. 3, p. 178-183, 2006. MARCHAN, F. J. The lignin, ash, and protein content of some neotropical woods. Caribbean Forester, v. 7, n. 2, p. 135-138, 1946. MARTINS, P. S. et al. Comparison between phytotherapics on equine wound healing. Archives of Veterinary Science, v. 8, n. 2, p. 1-7, 2003. McGLACKEN, G. P.; FAIRLAMB. I. J. S. 2-Pyrone natural products and mimetics: isolation, characterisation and biological activity. Natural Product Reports, v. 22, n. 3, p. 369-385, 2005. MENDES, N. M. et al. Ensaios preliminares em laboratório para verificar a ação moluscicida de algumas espécies da flora brasileira. Revista de Saúde Pública, v. 18, n. 5, p. 348-354, 1984. MILLER, M. J. et al. “The chrondoprotective actions of a natural product are associated with the

114

Programa Primeiros Projetos activation of IGF-1 production by human chondrocytes despite the presence of IL-1beta.” BMC Complementary Alternative Medicine, v. 6, p. 13, 2006. MING, L. C.; GAUDÊNCIO, P.; SANTOS, V. P. Plantas Medicinais: Uso Popular na Reserva Extrativista “Chico Mendes” - Acre. Botucatu: CEPLAN: UNESP, 1997. 165 p. MIO, K. et al. Oral hair growth stimulants containing odd-numbered fatty acids or alcohols, plant or algae extracts, and/or tocotrienol and foods containing them. [S.l.: s.n.], 2003. MOREIRA, I. C. et al. A flavone dimer from Ouratea hexasperma. Phytochemistry, v. 51, n. 6, p. 833-838, 1999. MOREIRA, I. C. et al. Isoflavanone dimers hexaspermone A, B and C from Ouratea hexasperma. . Phytochemistry v. 35, n. 6, p. 1567-1572, 1994. MORETTI, C. et al. Antimalarial activity of cedronin. Journal of ethnopharmacology, v. 43, n. 1, p. 57-61, Jun. 1994. MORETTI, C. et al. Identification of 5-hydroxy-tryptamine (bufotenine) in Takini (Brosimum acutifolium huber subsp. Acutifolium C.C. berg, moraceae), a shamanic potion used in the Guiana Plateau. Journal of ethnopharmacology, v. 106, n. 2, p. 198-202, 2006. NAKAHIRA, M. et al. Isolation and structural studies of proteic coagulation inhibitors from Stryphnodendron barbatiman seeds. In: REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE BIOQUÍMICA E BIOLOGIA MOLECULAR, 33., 2004, Caxambu. [Anais...]. São Paulo: SBBQ, 2004. NIHEI, K. et al. Synthesis of trypanocidal tetrahydrofuran lignans. Arkivoc, USA, v. 2004, n. vi, p. 112-126, 2004. OLIVEIRA, R. C. G. et al. Efeito de produtos naturais para o controle do ácaro rajado tetranychus urticae (Koch, 1836)(acari: Tetranychidae) em casa de vegetação. Arquivos do Instituto Biológico, São Paulo, v. 72, n. supl 2, p. 47, 2005. O’NEILL, M. J. et al. Plants as sources of antimalarial drugs: in vitro antimalarial activities of some quassinoids. Antimicrobial Agents and Chemotherapy, v. 30, n. 1, p. 101-104, Jul. 1986. OSORIO-HERRERA, S. et al. Isolation and characterization of a novel quassinoid compound from dichlorometane extract of Simaba cedron Planch seeds. Actualidades Biologicas, v. 27, n. Supl. 1, p. 43-48, 2005. PASA, M. C.; SOARES, J. J.; NETO, G. G. Estudo etnobotânico na comunidade de ConceiçãoAçu (alto da bacia do rio Aricá Açu, MT, Brasil). Acta Botânica Brasileira, v. 19, n. 2, Apr./ June 2005. PISCOYA, J. et al. Efficacy and safety of freeze-dried cat’s claw in osteoarthritis of the knee: mechanisms of action of the species Uncaria guianensis. Inflammation research, v. 50, n. 9, p. 442-448, Sep. 2001. POLONSKY, J. Study of constituents of Simaba cedron seeds; structure of two crystalline

115

compounds: cedronin and cedronylin. Bulletin de la Societe Chimique de France, p. 18451847, 1960. POULIQUEN, Y. B. M. et al. Estudo da toxicidade de produtos obtidos da reação da xantiletina com hipoclorito de sódio sobre Artemia salina. In: REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE QUÍMICA, 23., 2000, Poços de Caldas. Livro de resumos...[São Paulo]: Sociedade Brasileira de Química, 2000. QUEIROZ, J. A. L. Fitossociologia e Distribuição Diamétrica em Floresta de Várzea do Estuário do Rio Amazonas no Estado do Amapá. 2004. 101 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Florestal) – Setor de Ciências Agrárias, Universidade Federal do Paraná, Curitiba. RODRIGUES, R. M. A flora da Amazônia. Belém, PA: CEJUP, 1989. 462 p. RODRIGUES, E. Plants and Animals Utilized as Medicines in the Jaú National Park (JNP), Brazilian Amazon. Phytotherapy research, v. 20, n. 5, p. 378-391, 2006. SHIROTA, O. et al. Two chalcone-prenylcoumarin Diels-Alder adducts from Brosimum rubescens. Phytochemistry, v. 47, n. 7, p. 1381-1385, 1998. SHIROTA, O. et al. Antiandrogenic natural Diels—Alder-type adducts from Brosimum rubescens. Journal of natural products, v. 60, n. 10, p. 997-1002, Oct. 1997. SILVA, V. R. C. et al. Efeito do extrato aquoso de Aspidosperma carapanauba nas lesões gástricas induzidas por indometacina em ratos da espécie Wistar. In: REUNIÃO ANUAL DA FEDERAÇÃO DE SOCIEDADES DE BIOLOGIA EXPERIMENTAL, 21., 2006, Águas de Lindóia. [Resumos...]. São Paulo: Federação de Sociedades de Biologia Experimental, 2006. SOUZA, H.B. Chemical studies of Amazonian plants. IV. Technological study of balata from Manilkara huberi. Boletim Tecnológico do Instituto Agronômico do Norte, v. 31, p. 97-102, 1956. TAKASHIMA, J. et al. Three new lignoids from Brosimum acutifolium and their protein kinase inhibitory activity. Planta Medica, v. 68, n. 7, p. 621-625, Jul. 2002. TAKASHIMA, J. et al. Brosimacutins J - M, four new flavonoids from Brosimum acutifolium and their cytotoxic activity. Planta medica, v. 71, n. 7, p. 654-658, 2005. TAYLOR, L. Herbal secrets of the rainforest. Rocklin, CA: Prima Health, 1998. 253 p. TEIXEIRA, A. F.; CARVALHO-ALCÂNTARA, A. F.; PILÓ-VELOSO D. Structure determination by 1H and 13C NMR of a new flavan isolated from Brosimum acutifolium: 4 ,7-dihydroxy-8prenylflavan. Magnetic Resonance in Chemistry, v. 38, n. 4, p. 301–304, 2000. TOLEDO, C. E. M. Estudos anatômico, químico e biológico de cascas e extratos obtidos de barbatimão (Stryphnodendron adstringens (Mart.) Coville, Leguminosae). 2002. 115 F. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2002. TORRES, S. L. et al. Flavonoids from Brosimum acutifolium. Phytochemistry, v. 53, n. 8, p.

116

Programa Primeiros Projetos 1447-1050, Apr. 2000. TORRES, S. L. et al. Two flavans from Brosimum acutifolium. Phytochemistry, v. 44, n. 2, p. 347-349, Jan. 1997. UEDA, Y.; ISHIMARU, H. Hyaluronidase inhibitors containing plant extracts for cosmetic or pharmaceutical uses. [S.l.: s.n.], 2001. VALENTE, L. M. M. et al. Development and application of a thin layer chromatographic method for the determination of the pentacyclic oxindole alkaloid profile in South-American species of the genus Uncaria. Revista Brasileira de Farmacognosia, v. 16, n. 2, p. 216-223, Apr. 2006. VEIGA-JÚNIOR, V. F.; PINTO, A. C. O gênero Copaífera L. Química Nova, v. 25, p. 273-286, 2002. VIEIRA, L. S. Fitoterapia da Amazônia. 2. ed. São Paulo: Ed. Agronômica Ceres, 1992. 347 p. WALKER-BONE, K. Natural Remedies’ in the Treatment of Osteoarthritis. Drugs & Aging, v. 20, n. 7, p. 517-526, 2003. WILCKE, W. et al. Polycyclic aromatic hydrocarbon storage in a typical Cerrado of the Brazilian savanna. Journal of Environment Quality, v. 33, n. 3, p. 946-955, May-Jun, 2004. WINKLER, C. et al. In vitro effects of two extracts and two pure alkaloid preparations of Uncaria tomentosa on peripheral blood mononuclear cells. Planta Medica, v. 70, n. 3, p. 205-210, 2004.

117

118

Programa Primeiros Projetos

CAPÍTULO 5 INTERAÇÃO VERBAL E AFETIVIDADE ENTRE TRÍADES DE ALUNOS NA SOLUÇÃO DE PROBLEMAS MATEMÁTICOS Marinalva Silva Oliveira1 Ilça Daniela Monteiro Tomaz2 Hozana Machado Mendonça3 Maria do Carmo Lobato da Silva4 1 INTRODUÇÃO

Os indivíduos, durante o decorrer de sua vida, se encontram em contextos interacionais nos quais, através de ações mutuamente reguladas e/ou dirigidas, estão continuamente co-construindo significados ou conceitos sobre um determinado tema. Nestes contextos, os processos interativos e de comunicação possibilitam que os atores construam e compartilhem significados construídos por ele e pelo outro canalizando o processo de aprendizagem e desenvolvimento humano (BOESCH, 1997; BOESCH, 1991; VALSINER, 1998; VALSINER, 1997). Para Boesch (1991, 1997), esta construção envolve três aspectos que são fundamentais: escolha, emoção e futuridade. Durante o decorrer das interações as ações, tais como contentamento, ansiedade ou nostalgia são sempre acompanhadas de sentimentos e emoções. As escolhas são sempre reguladas pelo emocional e voltadas para o futuro. O pensar sobre o futuro e o esforço em antecipá-lo, são aspectos relevantes para o desenvolvimento humano, os quais implicam possibilidades subjetivas e transformam o futuro em uma área de antecipação, duplicando o atual campo de ação (BOESCH, 1991; OLIVEIRA, 2003). Assim, a relação com o outro traz várias possibilidades de direcionamento e pode ter uma multiplicidade de significados (SIMÃO, 2005). O outro pode ser uma fonte de gratificação ou frustração; um modelo a ser imitado ou um anti-modelo a ser evitado; avaliado positivamente ou negativamente (SIMÃO, 2005, p. 566). Para Boesch (1997), portanto, o desenvolvimento afetivocognitivo é assentado sobre a relação empática com o outro. O desenvolvimento das capacidades dos sujeitos resulta da interação com o outro. Este outro faz parte da interação necessária

1. Doutora em Psicologia pela USP, Professora de Psicologia da Educação e Pesquisa Educacional, Professora e Orientadora de Mestrado em Desenvolvimento Regional, Coordenadora do Núcleo de Educação e Cultura da Universidade Federal do Amapá (NEC/UNIFAP). 2. Aluna da Iniciação Científica do NEC e graduanda do curso de Pedagogia da UNIFAP. 3. Bolsista SETEC, NEC/UNIFAP e graduanda do curso de Pedagogia da UNIFAP. 4. Bolsista CNPq, NEC/UNIFAP e graduanda do curso de Pedagogia da UNIFAP.

119

favorecedora da formação de funções interpsíquicas e intrapsíquicas (VYGOTSKY, 2003) que ocorre dentro de um contexto cultural, campo de ação do sujeito e funciona como regulador da ação. Portanto, cultura é entendida como o ambiente onde o sujeito age, construindo e transformando sua subjetividade enquanto interage com os objetos presentes. Este ambiente, tanto material quanto social, é um campo onde oportunidades e condições para a ação estão disponíveis, ou seja, um campo de ação (BOESCH, 1991; BOESCH, 1997). De uma forma mais ampla, a cultura é um complexo de campos de ações, tanto do indivíduo quanto dos grupos a que pertence. Nesta inter-relação, a cultura, em uma relação dialética, passa a ser construída pela interação entre os indivíduos, ao mesmo tempo em que os constrói (BOESCH, 1991). Ao agir cognitiva e emocionalmente, o indivíduo constrói significados que, na dinâmica dos significados construídos por outros atores, constituirão a cultura (SIMÃO, 2002). Desta forma, ação e cultura são interdependentes e o outro se constitui como parte do ambiente. Sob esta ótica, a cultura se configura como um espaço de ação coletiva dotado de objetivos e significados distintos que oferecem oportunidades e limites para a ação do indivíduo estabelecendo zonas de tolerância (VALSINER, 1997) que proporcionam o surgimento de diferentes valores visado e com isto as barreiras (BOESCH, 1991; OLIVEIRA, 2002). É importante notar, ainda, que o indivíduo usa estes limites para agir sobre a cultura e que, segundo essa lógica, o indivíduo é, também, construtor da sua cultura (SIMÃO, 2002).Portanto, as ferramentas culturais e a relação empática do indivíduo com os outros construtores da cultura proporcionam ao sujeito a construção da sua identidade, da significação que ele faz de si, do outro e da relação que ele estabelece com o outro (SIMÃO, 2002). Neste sentido a interação social se configura como fomentadora do desenvolvimento do raciocínio lógico, graças ao processo de regulação cognitiva e emocional provocado pelo surgimento dos conflitos. Para Cool (1994) é durante a interação social que a criança aprende a regular os seus processos cognitivos. A regulação destes processos cognitivos ocorre a partir das indicações e diretrizes de pessoas mais habilidosas resultando no processo de internalização. Este processo, que a princípio ocorre com a ajuda dos mais habilidosos (regulações interpsicológicas), transformase progressivamente em algo que pode fazer ou conhecer a si mesmo (regulações intrapsicológicas) estabelecendo assim uma relação dialógica entre fatores interpsicológicos e intrapsicológicos e fomentadora da origem social do conflito cognitivo (COLL, 1994). Estas explicações têm origem no conceito elaborado por Vygotsky sobre a origem dos processos mentais. Segundo Vygotsky (2003), as funções psicológicas superiores aparecem duas vezes no curso do desenvolvimento da criança: a primeira nas atividades coletivas e sociais, ou seja, em forma de funções interpsicológicas e a segunda, nas atividades individuais, em forma de processos internos inerentes ao pensamento da criança, ou seja, como funções intrapsíquicas. Assim a interação social estabelece a função de regulação do processo intrapsicológico a partir das regulações interpsicológicas produzidas pelo conflito sociocognitivo e, desta forma, a interação social tem fundamental importância para o desenvolvimento intelectual e sócio-afetivo como também é capaz de fazer com que o sujeito conheça a si mesmo como instaurador de situações de cooperação e coordenações de operações fundamentais para o desenvolvimento humano 120

Programa Primeiros Projetos (OLIVEIRA, 2002). Dentro das interações sociais, a interação verbal tem papel fundamental para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores pois o outro, através da mediação, que ocorre essencialmente por meio de interações verbais, proporciona ao sujeito o estabelecimento de uma relação dialógica entre fatores internos e externos provocando mudanças que serão refletidas no meio (OLIVEIRA, 2002). Para Simão (2000), a interação verbal, numa perspectiva dialógico–sistêmica, vai além da sua função imediata de comunicação e troca de informações sobre um conteúdo específico, e se torna possibilitadora da co-construção não apenas do conhecimento a respeito de um determinado tema, mas também da significação que, a partir daí, o sujeito faz da realidade, entendida como versão pessoal, datada e culturalmente contextualizada. Realidade entendida não apenas como o mundo que o sujeito percebe como exterior a ele, mas também a significação que o sujeito faz de si, do outro e da relação eu-outro (SIMÃO, 2002). Neste sentido, “falar do papel da interação social nos processos de construção do conhecimento é, portanto, falar do papel do outro enquanto representante e concretizador singular, a cada momento, de possibilidades e limites em uma dada constelação sociocultural” (SIMÃO, 2002, p. 90). Dependendo do grau de compromisso e reciprocidade entre os interatores, as relações sócioculturais estabelecidas durante a interação verbal, podem ser fundamentais para a presença de conflitos gerados pela atuação do outro que permitem o auto-conhecimento e regulações cognitivas e emocionais, pois “a interação tem o papel de oportunizar que o sujeito conheça o outro, objetivando e subjetivando-o, e a partir das diferenças e semelhanças construa a sua própria identidade” (SIMÃO, 2002, p. 94). Desta forma a interação parece ser possibilitadora da construção de significações e de contínuas mudanças que se caracterizam pela presença do outro e pelos conflitos gerados pela atuação dos sujeitos pois, essa significação caracteriza-se pela representação mental dos objetivos reais compartilhados pelos grupos sociais. (SIMÃO, 2002). Configura-se, assim, no diálogo, uma relação de interdependência mútua constitutiva entre o sujeito, o interlocutor, a experiência esperada, a divergente do esperado e o significado relacional, em que o papel significativo do interlocutor se dará à medida que eles se colocarem como alteridade um para o outro: como alguém que dá oportunidade para serem construídas novas margens (significados) possíveis, pela interação no diálogo (HOLQUIST, apud SIMÃO, 2002, p. 19/20). A interação verbal abre espaço para a discussão do significado da ação do outro pelo sujeito onde o outro é, em parte, co-autor das conquistas, fracassos e desenvolvimento do sujeito provocando reflexão e regulações cognitivas e emocionais (SIMÃO, 2002). Neste processo interativo, portanto, o sujeito depara-se com barreiras e fronteiras que são dadas por ações verbais do outro, que podem requerer que o sujeito desenvolva regulações para ultrapassá-las (BOESCH, 1991; OLIVEIRA, 2002; OLIVEIRA, 2003; SIMÃO 2002). Nesta perspectiva, ao agir, o sujeito entra em confronto com diferentes visões de mundo criando conflitos que podem possibilitar o surgimento de barreiras que se configuram como uma área difícil de ser 121

ultrapassada e exigindo ações específicas para a ultrapassagem. E, uma vez ultrapassada a barreira, a ação pode retomar as características anteriores à ultrapassagem (BOESCH, 1991; OLIVEIRA, 2003). Isto ocorre mediante o confronto de diferentes valores visados, ou seja, mediante o padrão imaginado ou o valor referência para o atingimento da meta, o que faz com que os sujeitos regulem suas ações para o valor real que se caracteriza com valor correspondente a meta e que realmente poderá ser alcançado, o que requer do sujeito regulações para ultrapassá-las instaurando assim o conflito sociocognitivo (BOESCH, 1991). Trazendo este enfoque para a situação de interação verbal entre três sujeitos, podemos supor que, durante o diálogo, cada um busca convencer o outro a aceitar o seu valor visado. Ou seja, há uma negociação entre diferentes valores visados e, conseqüentemente, de diferentes desenvolvimentos ontogenéticos a partir da cultura. Os indivíduos da interação se valem de argumentações e concordâncias, tentando um levar o outro a aceitar seus valores e estabelecendo seus limites para que a ação realmente siga em frente (SIMÃO, 2000). Os sujeitos agem, assim, no sentido de interferir cognitivamente e afetivamente no outro, independente do fato de terem consciência ou não sobre o que estão fazendo (BOESCH, 1991). É essa interferência mútua que possibilitará mudanças e, conseqüentemente, desenvolvimento cognitivo-afetivo nos interatores. A interação aluno-aluno está dentre as interações sociais apresentadas por muitos autores como um meio eficiente de levar à construção do conhecimento, tendo se tornado um importante foco de interesse dos pesquisadores nas últimas décadas (COLL; COLOMBINA, 1996; FORMAN, 1989; LABORDE, 1996; TUDGE; ROGOFF, 1989; OLIVEIRA, 2002). Fundamentalmente, a interação aluno-aluno permite que as crianças conversem em nível de igualdade, o que pode conduzir a interações ricas em ações verbais; bem como conduzir as crianças à autonomia pelo fato de torná-las responsáveis e autoras das suas decisões. A autonomia tanto propicia uma maior motivação em busca da construção de conhecimento e possibilita que a criança exerça influência sobre os colegas, ou seja, que atue como mediadora, papel que antes parecia reservado com exclusividade ao professor, quanto parece, também, ser muito mais freqüente, intensa e variada que a interação professor-aluno ou adulto-criança. Além disso, a relação entre iguais e a autonomia decorrente propiciam uma maior relativização de papéis e visões da situação que as encontradas na interação adulto-criança, já que os indivíduos conversam em nível de igualdade, estando mais disponíveis para transmitir e receber informações. A relativização é a capacidade de compreender como uma situação é vista por outra pessoa e como esta pessoa reage cognitiva e emocionalmente a tal situação. Assim, a relativização dos pontos de vista é um elemento essencial do desenvolvimento cognitivo e social e se relaciona com a capacidade de apresentar adequadamente a informação, a solução construtiva dos conflitos, a disponibilidade para transmitir a informação, a cooperação e as atitudes positivas para com os demais; além de possibilitar o uso de uma linguagem comum facilitando o entendimento, bem como a negociação em caso de discordâncias (OLIVEIRA, 2002). Assim na relação aluno-aluno ou criança-criança, em que os níveis de conhecimento são similares, a distribuição de poder e/ou conhecimento tende a ser mais simétrica, gerando uma reciprocidade que pode favorecer a relativização e a construção de conhecimento. Entretanto, em 122

Programa Primeiros Projetos que pese a pertinência geral destas afirmações, é necessário considerar as relações entre simetria/ assimetria e equilíbrio/desequilíbrio cognitivo como fatores relevantes nos processos de construção de conhecimento, ou seja, remete-se aqui à questão da relevância do desequilíbrio nos processos de desenvolvimento. E, ainda mais, é necessário que se considere que estas relações se dão em contextos sócio-afetivos particulares criados, mantidos e alterados pelos atores, embora não apenas por eles.(OLIVEIRA, 2002). Laborde (1996) chama esta forma de desenvolvimento, onde duas crianças interagindo podem melhorar suas performances, de zona das potencialidades, que é homóloga à zona de desenvolvimento proximal proposta por Vygotsky (2003). Contudo, na zona das potencialidades, mesmo que um indivíduo da interação não seja mais experiente que o outro, isto é, em uma interação onde os indivíduos tenham potencial similar, ocorrerá desenvolvimento. Assim, em pares com o mesmo potencial cognitivo, o crescimento cognitivo pode ser alcançado pela tentativa de obter consenso (LABORDE, 1996). Laborde (1996) afirma que: A colaboração com o outro contribui para a emergência e o desenvolvimento destas características, devido às explicitações e refutações que o trabalho com outra pessoa requer: pôr-se de acordo acerca de uma solução comum exige comunicar ao outro o seu próprio procedimento, eventualmente situá-lo em relação ao do parceiro, ou até mesmo argumentar contra o projeto do parceiro. (p. 42).

Segundo Bednarz (1996) as interações sociais ganham espaço dentro da sala de aula entre alunos e professor, e entre alunos que têm expectativas semelhantes e interpretam as mensagens transmitidas pelo outro através de um processo de negociação. Assim, estrutura e organização da interação social são fatores importantes para a construção do conhecimento (BEDNARZ, 1996; GARNIER, 1996; LABORDE, 1996). Laborde (1996), propõe ainda algumas condições que devem ser levadas em consideração para ocorrência de uma interação social que resulte em desenvolvimento cognitivo: escolha dos parceiros (a diferença cognitiva entre os parceiros não pode ser grande); escolha da tarefa (as tarefas devem requerer uma maior verbalização, portanto não podem ser estritamente algorítmicas); e duração da interação (o tempo deve ser suficiente para ocorrerem as concordâncias e discordâncias necessárias durante uma interação, bem como a familiarização dos parceiros com a situação do trabalho proposto). Assim, a interação em pares pode ser uma importante forma de ensejar o desenvolvimento cognitivo, por permitir à criança a restruturação de suas idéias através das trocas verbais. Neste sentido, considerando que a interação social facilita o desenvolvimento em certas circunstâncias, tais como o envolvimento conjunto na solução de problemas, Semenov (1978 citado por TUDGE; ROGOFF, 1989) e Tudge e Rogoff (1989), propõem o trabalho durante a interação de pares como valioso no entendimento de conceitos. A partir desse pressuposto, Rogoff (1995, 2005) propõe, por sua vez, o conceito de “participação orientada”, onde os sujeitos passam a negociar uma estratégia que poderá ser mais econômica e eficiente na solução de um determinado problema. Este conceito se refere aos processos e sistemas de envolvimento entre pessoas, ou seja, como elas comunicam e coordenam esforços, enquanto participam em atividades culturalmente válidas, sendo este processo administrado colaborativamente pelos indivíduos e seus parceiros sociais, 123

face a face, ou em outros tipos de interações. O que a autora sugere é enfocar a atenção sobre o sistema de engajamento e arranjos interpessoais que estão envolvidos na participação em atividades, promovendo alguns tipos de envolvimentos e restringindo outros. A “participação” se refere à observação, assim como ao envolvimento na atividade, enquanto a “orientação” se refere à direção oferecida pela cultura e valores sociais, assim como pelos pares sociais (ROGOFF, 2005; ROGOFF, 1995). Na concepção de Rogoff (1995, 2005) uma pessoa que observa ativamente uma atividade e segue as decisões tomadas por outras é participante, quer contribua ou não diretamente para as decisões que estão sendo tomadas. Quanto as aspecto de orientação, crianças, mesmo trabalhando sozinhas sobre um conteúdo, estão participando em uma atividade culturalmente orientada, que envolve desde interações com o professor e os colegas de classe, até com os autores e com a editora, todos ajudando a criança a agrupar ensinamentos e determinando materiais e abordagens a serem usadas. Assim, orientações ocorrem no plano interpessoal que pressupõem o envolvimento mútuo dos sujeitos e seus companheiros sociais, comunicando e coordenando seus envolvimentos à medida que participam na atividade coletiva estruturadas culturalmente, a partir de seu envolvimento em alguma tarefa os indivíduos transformam seus entendimentos e responsabilidades para com a atividade através de sua participação, aceitando-os ou rejeitando-os, para chegar a uma solução de um determinado problema. Na visão de Valsiner (1998) entretanto, a pessoa não é afetada pelo ambiente cultural de forma passiva, mas de modo ativo, isto é, em condições de reconstruir as mensagens de acordo com seus valores e crenças. Assim, no discurso, por exemplo, os participantes estão constantemente renegociando a organização dos campos semânticos dos termos que usam. Durante a interação, a fala do outro, bem como suas ações, restringem algumas ações do sujeito, tomando a forma de negociações de limites (VALSINER, 1998). Em síntese, durante a interação os pares podem aprender pela orientação do parceiro e pela iniciativa própria em observar, imitar e sugerir. Contudo, segundo Azmitia (1988), pesquisas futuras deveriam examinar o processo interativo, momento a momento, para permitir destacar quais processos e sub-processos entre observação, imitação, orientação e discussão são mais eficientes durante a construção do conhecimento. Estudos diversos, como os colocados anteriormente, tanto na abordagem piagetiana como vigotskiana, têm enfatizado que podem ocorrer desenvolvimento cognitivo e afetivo em sujeitos que necessitem coordenar suas ações ou confrontar seus pontos de vista diante de uma situaçãoproblema a ser solucionada. A coordenação e o confronto entre ações podem ser maximizados em situações que requerem a resolução conjunta de problemas, onde cada sujeito traz uma abordagem cognitivo-afetiva particular a respeito de si, do outro e da natureza da atividade a ser desenvolvida, além do chamado “conhecimento objetivo” sobre o assunto-problema. Esta relação de aspectos cognitivos-afetivos no processo de desenvolvimento humano e da passagem do mundo concreto para o mundo das idéias analisadas em trabalhos com díades abre uma perspectiva para a discussão da importância da interação verbal das relações afetivas entre tríades e das ferramentas culturais utilizadas durante as interações sociais para o desenvolvimento humano. Diante do exposto, o objetivo do presente trabalho foi analisar e compreender o papel do 124

Programa Primeiros Projetos outro durante a interação verbal entre tríades de alunos com relação afetiva (CRA) e sem relação afetiva (SRA) na solução de problemas matemáticos a partir de conceitos analíticos de valor visado, valor real e barreiras. Estes conceitos fazem parte da Teoria da Ação Simbólica de Ernest Boesch e podem ser definidos como: Valor visado – padrão imaginado ou valor de referência para o atingimento de uma meta. Valor Real – corresponde à meta que realmente poderá ser alcançada. Barreira – área difícil de ultrapassar, exigindo ações específicas para ultrapassagem; após a ultrapassagem da barreira, ação poderá retornar às características anteriores à ultrapassagem.

2 MATERIAIS E MÉTODOS

2.1 Sujeitos participantes da pesquisa: Participam desta pesquisa 12 alunos da 4ª série do Ensino Fundamental da Escola Estadual Zolito de Jesus Nunes do município de Macapá-AP, agrupados em tríades.

2.2 Materiais Os materiais utilizados para a obtenção de informações empíricas foram os seguintes: papel, lápis, borracha, filmadora, fita para filmadora 8 (oito) milímetros.

2.3 Procedimentos de obtenção de informações empíricas: Inicialmente visitamos a escola onde foi solicitada autorização para desenvolvimento da pesquisa. Obtida a concordância da escola, entramos em contato com os professores da 4ª série do ensino fundamental e conversamos sobre os objetivos do estudo. O objetivo do contato com os professores foi verificar quais os conteúdos de matemática com que estes alunos tiveram contato. Num segundo momento, solicitamos à professora que indicasse 12 alunos que pudessem ser organizados em 2 tríades de alunos com relações de amizade (CRA) e 2 tríades sem relações de amizade (SRA). A partir da indicação da professora, os alunos foram conduzidos a uma sala onde foi realizada entrevista com o intuito de obter informações sobre o vínculo afetivo entre os mesmos. Os alunos indicavam o nome de cinco colegas com os quais consideravam ter vínculo afetivo e cinco com os quais não consideravam ter vínculo afetivo; o tempo de amizade entre eles; se gostavam ou costumavam realizar trabalhos em grupo em sala de aula e com quais colegas e em quais disciplinas estes trabalhos eram realizados; bem como a indicação da disciplina que mais gostavam e por quê. As informações obtidas através da entrevista com os alunos e com a professora, apresentaram fundamentos para a construção das tríades com e sem relação de amizade. Em dias subseqüentes, os participantes foram encaminhados em tríades a uma sala separada, para obtenção das informações empíricas em horário diferentes. As interações entre as crianças foram registradas com o auxílio de uma câmera de vídeo com o consentimento das crianças, da 125

professora e da direção da escola. Cada tríade participou de uma sessão, onde solicitamos que fossem resolvidos três problemas matemáticos diferentes quanto ao enunciado, mas semelhantes quanto ao aspecto conceitual. Os problemas matemáticos foram escolhidos baseados nas informações dadas pela professora sobre o conteúdo programático já ministrado, portanto em conteúdos que deveriam ser de domínio dos alunos. Durante a sessão, solicitávamos as tríades de alunos que tentassem solucionar os problemas matemáticos sempre verbalizando para os outros interatores da tríade as dúvidas, as estratégias e as metas utilizadas no decorrer da resolução dos problemas. Após essas explicações, entregávamos à tríade o papel com os problemas a serem solucionados por escrito, colocando lápis e papel à disposição dos mesmos. Era disponibilizado uma única folha com o problema a ser resolvido e um único lápis. O objetivo era dispor de condições que pudessem forçar a realização conjunta dos problemas. . Após a finalização do trabalho, as fitas foram transcritas e analisadas segundo o método microgenético. Os critérios para análise foram utilizados sempre comparando o processo de negociação em tríades com e sem relação afetiva. Para identificação dos participantes, utilizamos os termos T1 para o participante mais habilidoso, T2 para o segundo participante mais habilidoso e T3 para o participante menos habilidoso, assim como para a identificação das tríades foram utilizadas as seguintes siglas: para as tríades com relação de amizade a sigla utilizada foi CRA e para as tríades sem relação de amizade a identificação foi SRA.

3 RESULTADOS

Para analisarmos os dados, utilizamos o método microgenético que segundo Siegler e Crowley (apud OLIVEIRA, 2002) apresenta as seguintes características: (a) Observações que se estendem pelo período inteiro da mudança ao tempo no qual se obtém um estado relativamente estável; (b) Alta densidade de observações relativamente a taxa de mudança do fenômeno; (c) Comportamento observado submetido a intensa análise, tentativa por tentativa, com o objetivo de inferir os processos que dão origem aos aspectos quantitativos e qualitativos da mudança (p. 41).

A importância deste método para o nosso trabalho se fundamenta no fato de permitir um estudo de todo o processo interativo e não apenas da análise final da interação, permitindo ao pesquisador a verificação mais detalhada das estratégias, regulações de diferentes valores visados e o surgimento de barreiras durante a resolução dos problemas possibilitando uma análise que revele as formas pelas quais o sujeitos negociam seu diferentes valores visados. Esta perspectiva de análise parte do pressuposto de que, ao resolverem problemas os sujeitos tentavam coordenar seus espaços de ação individuais, criando um campo de ação. Durante a resolução de problemas matemáticos, a interação possibilitou, provavelmente, a construção do conflito sócio-cognitivo o que pode ter ensejado maior intersubjetividade. Isto ocorreu porque ao colocar o sujeito em confronto com diferentes visões de mundo surgiram conflitos que 126

Programa Primeiros Projetos possibilitaram maior coordenação e cooperação com o outro, e construção de novos significados que dirigiram futuras ações (SIMÃO, 2002). Durante a ação, o indivíduo buscou estabelecer uma relação dialógica entre fatores internos e externos para construir uma intenção ao equilibrar, coordenar e ajustar entre si, diferentes valores visados para a construção de metas em comum e planejar a ação na tentativa de atingir a meta selecionada (OLIVEIRA, 2002). Neste sentido, o objetivo da ação comunicativa foi compartilhar com o outro a mesma visão sobre o assunto em questão, de modo que as ações do sujeito sejam aprovadas. Na tríade CRA os sujeitos definiram seus valores de acordo com a importância que atribuíram aos outros membros da tríade. Para ilustrar, apresentaremos trechos dos processos interativos, a partir dos quais explicaremos nossa análise. Tríade 2 CRA: T1, T2: 3+6+1. T1 diz para T2: faz três na mão T2 mostra 3 nos dedos para T1 T1 diz para T3: Faz 3 eu faço 1 T2: Para T3: faz 6 T1 aponta para mão de T3 e diz: 6+ (contando nos dedos de T2) 7,8,9, (e aponta para a sua mão), 10 T2: (acrescenta mais três números com a mão e continua a contar) 11, 12, 13. (E diz) não é mais 1 é 11. T1 para T2: não, R... presta atenção, conta aqui ó, (apontando para a mão de T3) 1, 2, 3, 4, 5, 6 (e conta na mão de T2) 7, 8, 9, (e mostra 1 na mão) 10. T2: tá! T1: (escreve no papel) T2: 0 sobe o 1 T3: (aponta para o papel) tá errado T1: (interrompe T3) não essa daqui sobe o 1 (apontando para o papel) fica o 0 sobe o 1 entendeu? (olhando para T3) entendeu? T3: Ah! Eu não tinha prestado atenção. Do trecho acima, pode-se compreender que o objetivo de T1 não era apenas resolver o problema corretamente, mas também colocar T2 e T3 em condições de resolver conjuntamente possibilitando a participação de todos os membros da tríade na interação. Com esta ação, T1 ultrapassava as barreiras dispostas por T2 e T3, quando os mesmos colocavam em dúvida a resolução proposta por T1 . Neste momento T2 e T3 apresentavam formas de pensar distintas de T1 criando assim a barreira, e, para superar esta barreira, T1 tinha que interromper e explicar sua ação convencendo T2 e T3 que a estratégia utilizada estava correta para continuar a resolução do problema. Assim, diante destas barreiras, T1 tinha que fazer a regulação explicitando aspectos intrasubjetivos que proporcionaram a T2 e T3 entrar em contato com o conhecimento que T1 tinha sobre a resolução do problema.

127

T2: essa é de menos ou de mais (apontando para o papel) T1: vamos ler de novo T1, T2, T3: Sérgio faz pipas ... T3: é de mais T1: não é de menos T2 e T3: como? T1: (aponta para o papel) olha tá aqui no problema ele tem entrega 2478 no estoque quantas faltam para 837 T2: é mesmo a gente faz de menos e depois de mais pra... T3: de mais T2: é pra ver se tá certo T1: Entendeu? (para T3) T3: ah, tá Neste momento interativo T1, T2 e T3 ao dialogarem sobre o problema buscam influenciarse mutuamente com o intuito de coordenar suas ações para atingir um valor visado. Isto se configura à medida que os interatores verbalizam o seu raciocínio. Destacamos também que na medida em que T1 verbalizava a estratégia a ser utilizada para a resolução do problema, a qual não foi compreendida por T2 e T3, isto se configurava como uma barreira. T1 buscou assim explicar o raciocínio que estava utilizando na resolução ao mesmo tempo em que T2 completava o raciocínio de T1 propondo uma estratégia para verificar se a resolução estava correta. No ensino formal este conceito é denominado de prova real. Nesta perspectiva, como afirma Vygotsky (2003) a participação dos meninos e das meninas nas atividades culturais, em que compartilham com os colegas mais capazes os conhecimentos e instrumentos desenvolvidos por sua cultura, permite que interiorizem os instrumentos necessários para pensar e atuar. Em síntese, nesta tríade as estratégias de resolução eram discutidas coletivamente, pois, os interatores da tríade não estavam preocupados apenas em solucionar o problema, mas também em colocar o outro em condições de resolver e compreender a resolução do mesmo. Esta ação possibilitou maior intersubjetividade entre os atores ao confrontar diferentes visões de mundo, possibilitando maior coordenação e cooperação com o outro, e construção de novos significados que poderão dirigir futuras ações. A análise demonstra que na tríade 2 com relação de amizade prevaleceu o método cooperativo. A tríade se envolveu na resolução conjunta dos problemas coordenando e regulando suas ações evidenciando, ao longo do processo, que os sujeitos pareciam estar comprometidos tanto em atingir o valor visado quanto em superar barreiras e colocar os outros em condições de resolver juntos os problemas. Tríade 1 CRA: Nesta tríade se estabeleceu uma relação de cooperação entre díades, ou seja, o terceiro sujeito da tríade foi excluído. Este fato está possivelmente relacionado ao fato de T1 e T2 possuírem uma relação afetiva que se estabeleceu no pré-escolar e perdurou até o presente momento. Esta

128

Programa Primeiros Projetos relação ensejava maior intersubjetividade, fazendo com que ambos coordenassem suas ações com o intuito de construir metas e objetivos em comum. Neste sentido, pode-se inferir que a construção de metas é de ordem subjetiva-afetiva onde na interação eu-outro, o outro é visto como figura afetivo-cognitiva que nutre, a cada momento, diferentes expectativas (SIMÃO, 2002). T1para T2: nós temos que ler de novo, a gente se enrolou um pouco T2: olha só A ... (para T1) eu acho que soma esse aqui com esse (aponta para o papel) T3: (aponta para o papel) essa aqui é de vezes. T1 e T2 - (não dá atenção para T3) T1: vou fazer tipo uma linha para dividir as contas (olhando para T2) T3: (se afasta da mesa) é de vezes, mais não Com a exclusão de T3, a intervenção de T2 funcionava como facilitadora quando tentava construir junto com T1 estratégias para a resolução do problema ou como barreira para o atingimento de valores visados quando não concordava com a metodologia de resolução proposta pelo outro. T1, nesta relação, se sente comprometido em resolver o problema e obter a concordância de T2, por isso o coloca em condições de participar da resolução. Desta forma podemos inferir que os aspectos afetivos direcionavam a coordenação de metas comuns reiterando a relação intrapessoal e a intersubjetividade, enquanto um tenta influenciar o outro para atingir seus objetivos. Tríade 1 SRA: T1, T2 e T3 (olham para ao papel). T 3: (pega o lápis da mão de T2 e puxa o papel para ele) T3: (tenta resolver sozinho) T3 (olha pensativo para o papel, ri e entrega o lápis empurrando o papel para T2 que estava ao seu lado) dizendo: eu não sei. T2: Ah! (pega o lápis e tenta resolver sozinha). T1: (puxa o papel para mais próximo dela) T1: Pega no papel e vira para visualizar melhor. T1: (puxa o papel e pega o lápis e tenta resolver sozinha). T1: (diz para T2 e T3) é de dividir T2: não, acho que é de mais Nesta tríade, os sujeitos tiveram como meta resolver os problemas individualmente, tentando afirmar seu potencial de ação. Ao perceber a distância entre o valor visado e valor real e que a meta, proposta inicialmente, não seria alcançada, T1 solicitava a participação de T2 e T3. Esta ação de T1 fez com que se iniciasse uma tímida interação, o que prevaleceu durante todo o processo. É interessante analisarmos também que a interação verbal foi muito restrita e aborda apenas aspectos relacionados ao problema. No momento em que os sujeitos perceberam que não conseguiriam solucionar os problemas individualmente, a meta se alterou, pois o esforço para atingir a meta diminuiu de valor e sofreu

129

adaptações ao buscar reduzir a distância entre valor visado e real. Desta forma o surgimento de barreiras fez com que os sujeitos criassem estratégia para alcançar o valor mais próximo do visado resultando em novas ações. Tríade 2 SRA: T1: (Puxa o lápis de T2 e resolve o problema sozinha) T2 e T3: (fazem careta para a câmera) T1: (olha para T2) T2: tá bom ( apaga algo no papel e entrega para T2) já resolvi T2: olha para o papel T3: (aponta para o papel e diz para T1) tu falou que esse aqui já estava resolvido T1: nem uma tarefa resolvi aqui T2: resolvi sozinho T3: (olha para ver o que T2 está fazendo, conta no dedo, pega o lápis da mão de T2 e escreve no papel) T1 e T2: olham o que T3 escreve T2 para T3: tá bom T1: (olhando para o papel) Ah, meu Deus! Palitos! T3: 6 x 6 (conta os palitos) T3 (continua contando os palitos) T2: (escreve na mesa) T2: termina de escrever e tenta pegar o lápis de T3 mas T3 não entrega) T1 (aborrecida) já terminou Na T2 SRA os sujeitos procuraram resolver o problema de forma competitiva, sempre impedindo a participação do outro no processo e sem estabelecer a heteroregulação o que nos permite inferir que os participantes tinham como valor visado afirmar o seu potencial de ação através da resolução dos problemas. Podemos inferir que a afetividade significava maior coordenação social entre os parceiros e, conseqüentemente, direcionamento para objetivos comuns. Neste sentido, o afeto é de fundamental importância para a aprendizagem e para o desenvolvimento cognitivo, pois a imagem que a criança tem de si e do outro, assim como o grau de confiança que deposita em si e no parceiro, interfere no processo de construção de conhecimentos. É durante estas regulações e coordenações de diferentes valores visado que se configura a origem social da cognição (COLL, 1994), processos fundamentais para o desenvolvimento humano.

4 DISCUSSÃO

O presente trabalho buscou analisar e compreender o papel do outro durante a interação verbal entre tríades de alunos com e sem relação de amizade, em contextos interativos, a partir de conceitos analíticos de valor visado, valor real, barreira e potencial de ação abordados na teoria de ação simbólica de Ernst Boesch, a qual “apóia-se fundamentalmente na tríade sujeito (indivíduo)130

Programa Primeiros Projetos cultura-ação (BOESCH, 1991, 2001; SIMÃO, 1998, 1999, 2001), onde a ação que ocorre sobre os objetos lhes confere seu caráter simbólico, já que é a ação de um sujeito simbolizador” (BOESCH apud SIMÃO 2002, p.87). Assim, as relações em tríades aqui estudadas, se caracterizaram como interações constituídas por um conjunto complexo de variadas formas de atuação entre os sujeitos, ou seja, o agir estava intimamente relacionado com a atuação do outro e com o vínculo afetivo entre eles, o que determinou a ação seguinte. Esta perspectiva coloca-se no marco conceitual da biodirecionalidade do processo de socialização (VALSINER, 1998; WERTSCH, 1993), segundo o qual cada ator em interação transforma ativamente as mensagens comunicativas recebidas do outro, tentando integrálas em sua base cognitiva e emocional que podem, por sua vez, sofrer transformações nesse processo (SIMÃO, 2002, p. 86). Nas tríades com relação de amizade identificamos não apenas comentários sobre a atividade desenvolvida, mas também o esclarecimento de dúvidas e a atenção dada à ação do outro pelo sujeito no momento em que a ação de um se torna barreira para a atuação do outro nesta perspectiva. Assim, “falar do papel da interação social nos processos de construção de conhecimento é, portanto, falar do papel do outro enquanto representante e concretizado singular, a cada momento, de possibilidades e limites em uma dada constelação sociocultural” (SIMÃO, 2002 p. 90). É importante destacarmos que nas tríades com relação de amizade a verbalização das ações foi maior, o que demonstra a segurança que se caracteriza pela influência positiva do relacionamento entre os interatores, no processo da mediação. Em síntese, nas tríades com relação de amizade, observou-se que a interpretação da ação do outro pelos membros da tríade estava centrada na relação afetiva estabelecida entre os interatores. Através desta análise foi possível verificar como os sujeitos das tríades com relação de amizade se sentem diante da ação do outro e mediante a isto, como coordenam e regulam suas ações na tentativa de diminuir a distância entre valor visado e valor real. Além disso, durante as análises realizadas, evidenciou-se que havia uma preocupação em coordenar diferentes valores visados com o intuito de construir metas e objetivos em comum. Desta forma, a relação afetiva estabelecida durante a mediação constitui-se como fator fundamental para determinar a relação entre os interatores. É importante afirmar que a inter-relação entre os diferentes valores visados dos sujeitos com mais e menos habilidades sobre o tema abordado, enseja maior coordenação, pois, a interação de crianças mais ou menos habilidosas é fundamental para o desenvolvimento como também para a construção de uma identidade positiva na medida em que os sujeitos desempenham o papel de mediador na construção do conhecimento. A relação com o outro traz várias direções e pode ter uma multiplicidade de significados. O outro pode ser uma fonte de gratificação ou frustração; um modelo a ser imitado ou um antimodelo a ser evitado; avaliado positivamente ou negativamente (SIMÃO, 2005). Nesta perspectiva a interação verbal transcende a sua função mediada de comunicação e troca de informações sobre um determinado assunto, para se tornar possibilitadora da co-construção não apenas de conhecimento, mas da compreensão que o sujeito constrói da realidade e também da significação

131

que o sujeito faz de si e da sua relação com o outro. A partir desta relação dialógica a sua identidade é construída através da passagem do nível interpsicológico para o intrapsicológico, envolvendo relações densas medidas cognitiva e afetivamente. Partindo deste pressuposto, definimos a afetividade como fonte de conhecimento que está intimamente vinculado ao ambiente cultural/social. Esta relação se mostra claramente nas tríades que tinham relação de amizade, pois, o tempo da interação era maior, o que possibilitou maior auto e heteroregulação com a superação de barreiras ensejando maior intersubjetividade. No entanto, há duas situações que devemos destacar entre as duas tríades com relação de amizade. Primeiro, em uma das tríades ouve a exclusão de T3 (menos habilidoso). Esta exclusão estava, possivelmente, relacionada a menor afetividade, haja vista que T1 (mais habilidoso) e T2 (menos habilidoso) possuíam vínculo de amizade desde a pré-escola, portanto maior tempo de amizade, o que permite inferir que as relações afetivas são fundamentais para a construção do conhecimento. Numa interação entre pessoas, onde o afeto está presente, a relação intersubejtiva tende a ser mais intensa, adquirindo novas formas de manifestações como toque, olhares e outros gestos e falas. Nesta tríade tanto T1 (mais habilidoso) como T2 dirigiam suas ações para atingir o valor visado e a intervenção de T2 funcionava como facilitadora ou como barreira para o atingimento de valores visados. Por outro lado, quando T3 se tornava barreira, T1 e T2 sugeriam que a mesma resolvesse o problema sozinha. Desta forma os aspectos afetivos direcionavam a coordenação de metas comuns reiterando a relação intrapessoal e a intersubjetividade, enquanto um tenta influenciar o outro para atingir seus objetivos. Assim, pode-se inferir que a construção de metas é de ordem subjetiva-afetiva, estando a afetividade presente em todos os momentos da interação, não se restringindo apenas as decisões e escolha de metas onde o outro apresenta inúmeras situações com implicações afetivas para o outro.(SIMÃO, 2005; OLIVEIRA, 2002). Neste sentido, analisar aspectos da afetividade para a interação significa analisar condições oferecidas para que se estabeleça um vínculo entre os sujeitos, ou seja, discutir efetivamente, a própria relação eu-outro em um de seus aspectos essenciais: o caráter afetivo das experiências vivenciadas na relação eu-outro que pode se caracterizar como prazerosa ou aversiva. Portanto a aprendizagem é um processo dinâmico, onde a ação do outro é fundamental para o desenvolvimento do sujeito, pois, essa ação é sempre mediada por elementos culturais construídos a partir do conflito sócio-cognitivo, o que nos permite inferir que a qualidade da mediação determina, em grande parte, a qualidade da relação sujeito e construção do conhecimento. Assim, a interação parece ser possibilitadora de significados e de contínuas mudanças que se caracterizam pela presença do outro e pelos conflitos gerados pela atuação dos sujeitos. É interessante destacarmos que a interação verbal se produz a partir de uma coordenação cognitiva cujos efeitos se manifestam posteriormente nas produções individuais e na formação da identidade do sujeito caracterizando o desenvolvimento humano a partir da interação social. Neste contexto, a relação estabelecida entre tríades de crianças com e sem relação de amizade em ambientes interativos evidencia que a interação verbal pode ser uma via para a construção de processos cognitivos e de desenvolvimento. Ao destacarmos estes aspectos, pretendemos neste

132

Programa Primeiros Projetos trabalho abrir a discussão sobre o papel do aspecto afetivo em ambientes interativos no qual se estabelece o conflito sócio-cognitivo em termos da cognição, emoção e da afetividade da relações em tríades de crianças. Neste contexto a interação parece ser possibilitadora de significados e de contínuas mudanças que se caracterizam pela presença do outro e pelos conflitos gerados pela atuação dos sujeitos.

5 CONCLUSÃO

A afetividade, neste estudo, significou maior coordenação social entre os parceiros e, conseqüentemente, direcionamento para objetivos comuns. Podemos inferir que o afeto é importante na aprendizagem e no desenvolvimento cognitivo, pois a imagem que a criança tem de si e do outro, assim como o grau de confiança que deposita em si e no parceiro, interferem no processo de construção de conhecimento. O outro, possivelmente, desempenhou o papel, durante a interação verbal, de suporte emocional. Os aspectos afetivos estabelecidos nesta interação entre as tríades, se configuraram em aspectos essenciais para a relação eu-outro na medida em que permitiram coordenação de valores visados, surgimento de barreiras, construção de metas, definição de objetivos comuns e a formação da identidade dos sujeitos. Desta forma os aspectos afetivos, independentemente de serem caracterizados como prazerosos ou aversivos, proporcionaram aos sujeitos, a oportunidade de analisar as condições oferecidas para que regulassem e coordenassem suas ações na busca da construção de metas e objetivos em comum. Os resultados aqui encontrados são fundamentais para compreendermos os meios pelos quais em ambientes interativos como a sala de aula os indivíduos regulam suas ações na busca de atingir uma meta e como os aspectos afetivos interferem neste processo. Sob esta perspectiva, a aprendizagem é entendida como um processo dinâmico que ocorre através da ação do sujeito e que é sempre mediada por elementos culturais construídos a partir do conflito sócio-cognitivo. A aprendizagem é, portanto, semiótica, e a qualidade da mediação determina, em grande parte, a relação entre sujeito e construção do conhecimento. Esta relação foi percebida nas interações triádicas, pois à medida que a intensidade da relação afetiva aumentava os participantes se mostravam mais motivados e estimulados para esclarecer os questionamentos dos outros e vice-versa. Deste modo, os resultados apresentados neste trabalho evidenciam que a relação estabelecida entre tríades de crianças, com e sem relação de amizade em ambientes interativos, pode se configurar na forma de ambientes sócio-cognitivos conflitantes de diferentes valores visados que requerem regulações e coordenações contínuas entre os interatores. Assim, a interação verbal se configura como uma via para a construção de processos de aprendizagem e desenvolvimento. Contudo, deve ser ressaltado que, para esse processo efetivamente resultar em construção do conhecimento é necessário que haja uma reduzida distância entre as habilidades conceituais dos interatores e que ocorra uma intensa freqüência de interação.

133

A idéia de desenvolvimento humano, sob esta ótica, aparece como resultante da construção conjunta, onde a intervenção de uma criança sobre a outra é uma das formas de promover mudanças e transformações. O conhecimento disponibilizado pelo outro é pessoal mas a construção e internalização ocorem a partir da participação conjunta em tarefas oportunizadas pelo outro. Daí a importância da interação verbal no contexto da sala de aula, pois oportuniza ao outro o acesso à subjetividade que na sua origem é social. Assim, é no processo interativo e, portanto, nas relações sociais com a disponibilização de aspectos intrasubjetivos, que se origina o conhecimento. Na interação é necessário também que aspectos afetivos-emocionais como confiança no outro e auto-confiança estejam presentes, pois na medida em que estão envolvidos em uma relação, a aceitação de valores visados do outro pode ocorrer mais facilmente (OLIVEIRA, 2002). Desta forma a interação verbal desempenha papel tanto no desenvolvimento cognitivo-racional quanto no afetivo-emocional. A escola precisa estar atenta a estes aspectos e trabalhar no sentido de valorizar a educação enquanto um processo de construção conjunta, oportunizando aos seus alunos a interação verbal como forma de permitir avanços que não ocorreriam individualmente. Contudo, ao empregar os processos interativos na promoção da aprendizagem, é necessário que se perceba que eles não se limitam a relação entre professores e alunos. Nesse sentido é importante ressaltar o papel da interação entre coetâneos porque na medida em que os alunos interagem com seus pares lhes é oportunizada a ocorrência de conversas em nível de igualdade. Coll e Colombina (1996) têm defendido que quando alunos apresentam problemas de aprendizagem a interação entre eles pode ser de extrema significância. O processo interativo aluno-aluno pode permitir ultrapassar os problemas porque os coetâneos têm mais facilidade de entender a linguagem e o repertório do outro colega pois são similares. Assim, um aluno mais habilidoso pode exercer uma estruturação de participação mais ampla sobre seus pares desempenhando o papel de mediador que, anteriormente, era reservado única e exclusivamente aos professores (OLIVEIRA, 2002). Este tipo de abordagem pode ter forte influência sobre o sistema educacional. Faz-se necessário, portanto, destacar que a escola deve, ao realizar seu planejamento educacional, considerar o aluno enquanto um ser interativo, dentro de uma concepção monista, onde cognição e afeto se fundem como se fossem únicos. Em nossos estudos, durante a interação entre as tríades, a construção da solução do problema dependeu da cognição, emoção e afetividade. Nas tríades onde existia amizade as interações eram mais intensas, surgiam mais barreiras e podemos verificar que durante o diálogo, cada um buscou convencer o outro a aceitar o seu valor visado buscando a heteroregulação e também fazendo a auto-regulação durante situações de conflito. A elaboração de metas, sub-metas e a busca de estratégias durante a resolução de problemas em tríades, visando atingir o objetivo final, ensejou um processo de construção do conhecimento através de ações verbais. Desta forma na interação entre tríades ocorre uma negociação entre diferentes valores visados e, conseqüentemente, de diferentes desenvolvimentos ontogenéticos a partir da cultura. Diferentemente da situação entre díades, a interação entre tríades apresenta o quadro de maior conflito sócio-cognitivo à medida que são três valores visados diferentes. Nesse caso, o 134

Programa Primeiros Projetos processo de negociação é mais demorado possibilitando maior interação verbal e, conseqüentemente, mais possibilidade de construção do conhecimento. Assim, os resultados obtidos neste estudo possibilitaram compreender que a tríade trabalha numa dinâmica intersubjetiva mais complexa que a díade, desde que exista uma relação de amizade entre os atores, e que, portanto, poderá se constituir como um modelo adequado para o estudo da compreensão do desenvolvimento humano. Na tríade com relação de amizade, cada sujeito desempenhou papel de mediador na construção de conhecimento pelo outro, já que sua ação auxiliava no processo de construção de conhecimento, que representa aqui um dos aspectos do desenvolvimento humano. Especificamente alguns fatores, como o reduzido distanciamento entre o desenvolvimento cognitivo dos interatores, a confiança no potencial de ação do outro e no de si mesmo, a empatia e a história de relacionamento entre as crianças, bem como o tipo de questionamento que um fazia para o outro, interferiram claramente na intensidade da interação durante a resolução das tarefas, indicando sua importância no processo de desenvolvimento. Este trabalho analisou a importância da interação verbal como promotora de avanços no desenvolvimento dos sujeitos, os quais provavelmente não ocorreriam na ausência da intervenção interativa. Analisar a interação verbal entre tríades na construção do conhecimento significa buscar as condições concretas pelos quais se estabelecem os vínculos entre o sujeito e o objeto do conhecimento compreendendo que estão envolvidos aspectos cognitivos e afetivos. A natureza afetiva da experiência envolve prazer ou aversão nesta interação e depende, portanto, da qualidade da mediação vivenciada pela criança. É durante a interação, e em razão da experiência afetiva, que ocorre a ultrapassagem dos limites ou barreiras que permitem ao sujeito criar novos campos de ação e, conseqüentemente, o desenvolvimento cognitivo e afetivo. Ou seja, o desenvolvimento ocorre porque o sujeito insere em sua área objetos que lhe eram acessíveis mas que ele ainda não tinha apreendido, ampliando seu campo de ação. Portanto, na medida em que a análise desvelava o fenômeno, aos educadores era ressaltada a importância dos processos interativos e afetivos como possibilitadores de alargamento da zona de desenvolvimento potencial, posto a ocorrência da ultrapassagem de limites que em situações individuais seriam intangíveis aos alunos. Em síntese, esta pesquisa evidenciou que, considerados alguns aspectos que interferem na interação entre crianças com e sem relação de amizade, a tríade pode ser descrita como um ambiente ideal para o desenvolvimento. Isto porque, em tríades coetâneas, as crianças admitem espontaneamente que não entenderam, oferecendo ao outro a oportunidade de explicar o modo de resolução do problema, e, portanto, de demonstrar o seu nível de entendimento. Outro fator importante refere-se ao fato do sujeito receber feedback imediato sobre suas ações, o que dificilmente ocorreria na relação com a professora. A linguagem que as crianças utilizam para falar entre si, por sua vez, proporciona um maior entendimento inclusive quanto às dificuldades experimentadas. A linguagem permeia todo o processo relacional, de modo que as interações verbais podem ser vistas, portanto, como formas eficientes e necessárias para a ocorrência da construção dos processos cognitivos intra-individuais. 135

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AZMITIA, M. Peer Interaction and Problem Solving: When are Two Heads Better Than One? Child Development, n. 59, p. 87-96, 1988. BEDNARZ, N. Interações sociais e construção de um sistema de escrita dos números no ensino fundamental. In: GARNIER, C. et al. Após Vygotsky e Piaget. Trad. Eunice Gruman. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. BOESCH, E. The story of a cultural psychologist: Autobiographical observations. Culture & Psychology, v. 3, p. 423-431, 1997. BOESCH, E. Symbolic action theory and cultural psychology. Berlin: Springer, 1991. BOESCH, E. E. Symbolic action theory in cultural psychology. Culture & Psychology, v. 7, n. 4, p. 479- 483, 2001. COOL, C. Aprendizagem escolar e construção do conhecimento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. COOL, C.; COLOMBINA, R. Interação entre alunos e aprendizagem escolar. In: COLL, C.; PALACIOS, J.; MARCHESI, A. (Org.). Desenvolvimento psicológico e educação – Psicologia da Educação. v. 2. Trad. Angélica Mello Alves. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. p. 280-293. FORMAN, E. A. The Role of Peer Interaction in the Social Construction of Mathematical Knowledge. International Journal of Educational Research, n. 13, p. 55-70, 1989. GARNIER, C. Ação e interação- sua contribuição para a construção do conhecimento/ Um exemplo: a noção de composição de forças. In: GARNIER, C. et al. Após Vygotsky e Piaget. Trad. Eunice Gruman. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. p. 75-91. LABORDE, C. Duas utilizações complementares da dimensão social nas situações de aprendizado da Matemática. In: GARNIER, C. et al. Após Vygotsky e Piaget. Trad. Eunice Gruman. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. p. 29-46. OLIVEIRA, M. S. Construção do conhecimento em interações verbais aluno-aluno durante solução de problemas matemáticos: uma análise semiótica-construtivista. Revista Ciência, Educação e Cultura, v. 1, n. 1, dez. 2003. OLIVEIRA, M. S. Interação verbal e construção do conhecimento por díades de crianças uma analise segundo a concepção boeschiniana de “valor visado” e “valor real”. 2002. 176 f. Tese (Doutorado) - Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo. OLIVEIRA, M. S.; SIMÃO, L. M. Construção de conhecimento em interações verbais aluno-aluno durante solução de problemas matemáticos: uma análise semiótico- construtivista. In: CONGRESSO NORTE-NORDESTE DE PSICOLOGIA, 3., 2003, João Pessoa. Anais... João Pessoa: [s.n.], 2003. OLIVEIRA, M. S.; SIMÃO, L. M. Coordenação de formas de agir em situações de resolução conjunta de problemas: análise segundo a concepção boeschiana de valor visado e valor real. In: CONGRESSO 136

Programa Primeiros Projetos NORTE-NORDESTE DE PSICOLOGIA, 2., 2001, Salvador. Anais... Salvador, 2001. ROGOFF, B. A natureza cultural do desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artmed, 2005. ROGOFF, B. Observing sociocultural activity on three planes: participatory appropriation, guided participation, and apprenticeship. In: WERTSCH, J. V.; DEL RIO, P.; ALVAREZ, A. (Org.). Sociocultural Studies of Mind. Cambridge: Cambridge Univ. Press, 1995. SIMÃO, L. M. Bildung, Culture and Self- A possible dialogue with Gadamer, Boesch and Valsiner? Theory & Psychology, v. 15, n. 4, p. 549-574, 2005. SIMÃO, L. M. The role of the other in the process of knowledge construction during interactions: Developments from the Symbolic Action Theory of Ernst Boesch. In: SYMPOSIUM INTERACTION: MODELS IN DISCUSSION, 3.; CONFERENCE FOR SOCIOCULTURAL RESEARCH, 3., 2000, Campinas. Proceedings... Campinas: Conference for Sociocultural Research, 2000. SIMÃO, L. M. O Significado da Interação Verbal Para os Processos de Construção do Conhecimento: Proposta a Partir da Ótica Boeschiana. In: LEITE, S. A. da S. (Org). Cultura cognição e afetividade: a sociedade em movimento. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002. p. 22-37. SIMÃO, L. M. Cultura como Campo de Ação: uma introdução à teoria da ação simbólica de Ernst Boesch. In: REUNIÃO ANUAL DE PSICOLOGIA, 28., 1998, Ribeirão Preto. Resumos. Ribeirão Preto: Sociedade Brasileira de Psicologia, 1998. SIMÃO, L. M. Ação, interação, objeto e cultura: a contribuição de Ernst Boesch. In: CONGRESSO NORTE NORDESTE DE PSICOLOGIA; SEMANA BAIANA DE PSICOLOGIA, 1., 1999, Salvador. Anais... Salvador:[s.n.], 1999. 1 CD-ROM. SIMÃO, L. M. Boesch´s symbolic action theory in interaction. Culture & Psychology, v. 7, n. 4, p. 485-493, 2001. SIMÃO, L. M.; SOUZA, M. T. C. C. de; COELHO, N. Noção de objeto, concepção de sujeito: Freud, Piaget e Boesch. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002. 162 p. SOUZA, M. T. C. C. de. Os sentimentos de construção: O si mesmo e o mundo. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. TUDGE, J.; ROGOFF, B. Peer influences on cognitive development: Piagetian and Vygotskian perspectives. In: BORNSTEIN, M.; BRUNER, J. (Org.). Interaction in Human Development. Hillsdale, NJ: Erlbaum, 1989. p. 54-73. VALSINER, J. Crossroads of the deductive and inductive lines of knowledge construction in psychology. In: VALSINER, J. (Org.). Culture and the development of children’s action. 2. ed. [Chichester, New York: Wiley], 1997. p. 68-85. VALSINER, J. The guided mind: A sociogenetic approach to personality. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1998. VYGOSTSKY, L. S. A Formação social da mente. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. WERTSCH, J. V. Voices of the mind. A sociocultural approach to mediated action. Cambridge: Harvard University Press, 1993. 137

138

Programa Primeiros Projetos

CAPÍTULO 6 COMUNIDADE DE INSETOS EM SISTEMA AGROFLORESTAL DE VÁRZEA EM MAZAGÃO, AP Ricardo Adaime da Silva1 Cristiane Ramos de Jesus2 Lúcia Massutti de Almeida3 Iane Celice Pantoja dos Santos4 Hendrio Rian Lacerda4 Cláudio Henrique Sá da Cruz4 Angélica Sousa Lobato4 José Madson de Freitas Gama5 1 INTRODUÇÃO

O Estado do Amapá, integrante da Amazônia Legal, mantém praticamente intacta as suas áreas cobertas com florestas nativas. No entanto, as áreas de várzea do Estuário Amazônico vêm sofrendo intensa pressão antrópica, o que pode colocar em risco a sustentabilidade desse importante ecossistema. Muito embora a várzea seja considerada um ecossistema rico, do ponto de vista ambiental pode ser considerada frágil, pois seus solos margeiam os rios, igarapés e lagos, sob florestas alagadas ou campos inundáveis. A utilização irracional desse ecossistema pode resultar em sérios danos ao meio ambiente (FORTINI et al., 2006). Historicamente, a economia da região de várzea tem sido baseada no extrativismo vegetal (madeira, borracha, palmito e frutos) e animal (pesca). A agricultura praticada pelas populações ribeirinhas é meramente de subsistência, com a derrubada e queima da floresta, cultivo por dois ou três anos e posterior abandono da área, devido principalmente à grande ocorrência de plantas invasoras e redução da fertilidade do solo. Este sistema de exploração não tem contribuído para a melhoria do nível de vida do produtor rural, além de causar prejuízos ao meio ambiente. A implantação de sistemas produtivos que sejam viáveis, tanto do ponto de vista econômico quanto ecológico, é uma alternativa a ser buscada para a utilização racional destes ecossistemas (MOCHIUTTI; QUEIROZ, 2002; KOURI; GAZEL FILHO, 2003). Para os ecossistemas de várzeas do estuário do Rio Amazonas pode ser indicada a implantação dos Sistemas Agroflorestais, que são considerados uma opção viável e sustentável para a recuperação 1. Engenheiro Agrônomo, Dr. Entomologia, Pesquisador da Embrapa Amapá. Professor do Curso de Mestrado Integrado em Desenvolvimento Regional e do Programa de Pós-graduação em Biodiversidade Tropical. 2. Bióloga , Dra. Entomologia, Bolsista DCR CNPq/SETEC/Embrapa Amapá. 3. Bióloga, Dra. Entomologia, Professora da Universidade Federal do Paraná. 4. Graduando(a) em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Amapá, Estagiário(a). 5. Tecnólogo em Gestão Ambiental do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá.

139

e utilização contínua de áreas desmatadas, pois criam um ambiente com características ecológicas semelhantes aos ecossistemas originais, nos quais há um aproveitamento mais intensivo de recursos como água, radiação solar e nutrientes do solo, pela decomposição da folhagem. Além disso, requerem a utilização de poucos insumos e provocam menos danos ao ambiente (MOCHIUTTI; QUEIROZ, 2002; KOURI; GAZEL FILHO, 2003). Os insetos constituem o grupo animal mais numeroso e diverso da natureza. São considerados adequados para estudos de avaliação de impacto ambiental e qualidade dos ecossistemas, pois apresentam diversidade de espécies e habitats, habilidade de dispersão, capacidade de seleção de hospedeiros e de respostas rápidas à qualidade e quantidade de recursos disponíveis. Além disso, apresentam densidades populacionais elevadas e sua dinâmica é extremamente influenciada pela heterogeneidade do habitat. Apresentam, também, importante papel no funcionamento dos ecossistemas, atuando como predadores, parasitos, fitófagos, saprófagos, polinizadores, entre outros (THOMAZINI; THOMAZINI, 2000). Assim, o conhecimento da diversidade de insetos, principalmente aqueles associados às culturas agrícolas, é fundamental para estudos ecológicos e de manejo destas espécies (SILVA; CARVALHO, 2000). Este trabalho teve como objetivo estudar a comunidade de insetos associados às plantas de um Sistema Agroflorestal, em uma área de várzea, no município de Mazagão, Estado do Amapá.

2 MATERIAL E MÉTODOS

A área experimental fica localizada na Ilha das Barreiras (00005’12,3’’ S e 51018’03,1’’ W), município de Mazagão, no sul do Estado do Amapá (Figura 1). As coletas de insetos foram realizadas em um Sistema Agroflorestal cuja área acompanha longitudinalmente o furo do Mazagão.

Figura 1 - Localização da área de estudo em Mazagão, AP.

140

Programa Primeiros Projetos O Sistema Agroflorestal, que ocupa uma área de 2 ha, foi implantado há 10 anos, sendo composto por aproximadamente 800 plantas de cupuaçuzeiro (Theobroma grandiflorum), 400 plantas de açaizeiro (Euterpe oleracea), 200 plantas de cacaueiro (Theobroma cacao) e cerca de 30 touceiras de bananeira (Musa sp.). Outras espécies, como goiabeira (Psidium guajava), mangueira (Mangifera indica) e taperebazeiro (Spondias mombin) nasceram espontaneamente e foram preservadas (Figura 2). A área, de janeiro a maio, está sujeita a inundações diárias.

Foto: Cristiane Ramos de Jesus

Figura 2 - Sistema Agroflorestal de várzea em Mazagão, AP.

Para avaliar a estrutura da comunidade de insetos existentes na área experimental, no período de janeiro a dezembro de 2005, foram utilizados três métodos de coleta: armadilha Malaise, batida nas plantas de cupuaçu e rede de varredura. Armadilha Malaise: foram realizadas coletas mensais, durante 12 meses, sendo a armadilha instalada no centro da área experimental (Figura 3A), permanecendo no local por 5 dias consecutivos. Batida nas plantas de cupuaçu: o método consistiu em estender uma tela de nylon com 4 m de comprimento, sob a copa das plantas de cupuaçu (Figura 3B). Os ramos com projeção sobre a tela, foram sacudidos vigorosamente durante 5 segundos e os insetos obtidos foram rapidamente retirados da tela e acondicionados em frascos. Foi realizada uma coleta por mês, durante 12 meses, em 10 plantas tomadas ao acaso. Rede de varredura: foi realizada uma coleta por mês, no período da manhã, durante os meses de verão no Amapá (julho a dezembro). Cada coleta foi constituída por 200 golpes de rede, subdivididos em 20 golpes em 10 transectos.

141

Foto: Ricardo Adaime da Silva

A

B

Figura 3 - Métodos de coleta de insetos em Sistema Agroflorestal de várzea, em Mazagão, AP. (A) armadilha Malaise; (B) batida nas plantas de cupuaçu.

Os insetos coletados foram acondicionados em frascos de plástico contendo álcool a 70%, devidamente etiquetados e levados ao Laboratório de Entomologia da Embrapa Amapá. Em laboratório, foram triados em nível de ordem e contabilizados. Os insetos da ordem Coleoptera foram montados e identificados ao nível taxonômico mais inferior possível, no Laboratório de Sistemática e Bioecologia de Coleoptera, do Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Paraná, em Curitiba, PR. Para avaliar a possível influência da precipitação pluviométrica na composição da comunidade de insetos, os resultados obtidos foram agrupados em período chuvoso e seco para fins de análise faunística. Para análise de ocorrência e dominância das ordens de insetos capturados foi utilizada a classificação proposta por Palma (1975), citada por Scatolini e Penteado-Dias (2003), definida a partir das fórmulas abaixo:

Índice de ocorrência: (No de amostras onde foi registrada a ordem/No total de amostras em cada período) x 100. Por este método ocorrem as seguintes classes: 0% a 25% = acidental; 25% a 50% = acessória; 50% a 100% = constante. Índice de dominância: (No de indivíduos da ordem/No total de indivíduos em cada período) x 100. Desta forma é possível obter três classes: 0% a 2,5% = acidental; 2,5% a 5,0% = acessória; 5,0% a 10,0% = dominante. A combinação destes índices permite classificar as ordens de insetos em: comum, aquela que é constante e dominante; intermediária, aquela que é constante e acessória, constante e acidental, acessória e acidental, acessória e dominante, acessória e acessória; e rara, aquela que é acidental e acidental. 142

Programa Primeiros Projetos 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

A comunidade de insetos foi representada por 19 ordens, totalizando 14.612 indivíduos (Tabela 1). Diptera foi o táxon que apresentou o maior número de indivíduos, representando 48,78% do total coletado (Tabela 1). Esta ordem reúne as moscas, pernilongos, borrachudos, mutucas, varejeiras e moscas-das-frutas, dentre outros. De acordo com Gallo et al. (2002), as larvas e os adultos apresentam hábito extremamente variado. As larvas podem se desenvolver tanto em meio aquático como terrestre, alimentando-se de matéria orgânica em decomposição. Outras são pragas da agricultura, inimigos naturais de outros insetos ou parasitos tanto do homem como de outros animais. Do ponto de vista agrícola, têm importância as moscas-das-frutas, cujas larvas atacam frutos de várias espécies; a mosca-da-madeira, cujas larvas abrem galerias nos troncos de árvores; as espécies que causam galhas em plantas cultivadas; as espécies minadoras, cujas larvas abrem galerias nas folhas, além de larvas que atacam as raízes de plantas.

Tabela 1 - Ordens, número e percentual de indivíduos coletados em Sistema Agroflorestal de várzea, em Mazagão, AP. No de indivíduos

%

Diptera

7.129

48,78

Hemiptera

3.074

21,04

Hymenoptera

2.332

15,96

Coleoptera

708

4,85

Lepidoptera

521

3,57

Orthoptera

326

2,23

Plecoptera

160

1,09

Strepsiptera

110

0,75

Thysanoptera

95

0,65

Embioptera

59

0,40

Thysanura

37

0,25

Blattodea

17

0,12

Mantodea

14

0,10

Isoptera

13

0,09

Phasmatodea

8

0,05

Psocoptera

5

0,03

Mallophaga

2

0,01

Neuroptera

1

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.