Capítulo 4. Pensamento Político Brasileiro

May 18, 2017 | Autor: F. Pereira da Silva | Categoria: Teoría Política, Pensamento Social Brasileiro, Pensamento Político Brasileiro
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Capítulo 4. Pensamento Político Brasileiro Fabricio Pereira Luciana Veiga

Introdução

Esse capítulo apresenta um panorama dos debates em torno da área de estudos conhecida como pensamento político brasileiro. Inicialmente, serão discutidas questões básicas em torno da delimitação desse conceito: sua recorrente definição como “pensamento” (e não “teoria”), e as diferentes abordagens a partir do “político”, do “social”, do “histórico”, entre outras possibilidades. Veremos que as reflexões sobre a política e a sociedade brasileiras até muito recentemente não mereceram da parte de seus críticos, analistas e de seus próprios autores o mesmo tratamento dispensado à produção dos países centrais. Constataremos também que os estudiosos dessa literatura têm realizado sucessivos esforços de delimitação, que andam de braços dados com a institucionalização das ciências sociais no Brasil nas últimas décadas e o consequente estabelecimento de fronteiras disciplinares.

Na sequência, serão sugeridas algumas chaves analíticas que podem ser utilizadas para abordar essa literatura. Elas podem ser entendidas a partir de grandes temáticas, que se desdobram em dicotomias como modernização/identidade, cosmopolitismo/nação, autoritarismo/democracia e centralização/descentralização. Também podem ser abordadas a partir de conceitos recorrentes na reflexão sobre a política brasileira, como “patrimonialismo”, “mandonismo” e “personalismo”. E podem ser compreendidas através de noções como “linhagens”, “tradições” ou “famílias”, que procuram destacar a reprodução de ideias e as filiações entre as sucessivas gerações de pensadores brasileiros. Para concluir, serão apresentadas algumas sugestões de leitura, seguidas de uma bibliografia mais extensa reunindo autores considerados “clássicos” e trabalhos de estudiosos do tema.

O que há em um nome?

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Primeiramente, deve-se observar que não chega a ser consenso nem mesmo a existência de algo digno de ser considerado um pensamento brasileiro, “não é evidente que um país como o Brasil seja capaz de criar um pensamento político e social que dê conta de suas condições particulares” (Ricupero, 2007, p. 31). Raymundo Faoro (1994) chegou a se perguntar: “existe um pensamento político brasileiro?” E concluiu de forma pessimista, dado o bloqueio secular do desenvolvimento da sociedade imposto pelo domínio do Estado por um “estamento burocrático-patrimonial”. Foram igualmente recorrentes (e polêmicos) posicionamentos como os de Roberto Schwarz (1992), ao apresentar as ideias presentes no Brasil como importadas, produzidas originalmente para outras sociedades e contextos, nesse sentido “ideias fora do lugar”. No entanto, de modo geral pode-se considerar que, apesar de questionamentos nesse sentido, o desenvolvimento e consolidação notável de áreas de pesquisa a partir de diversas disciplinas que se dedicam a estudar o tema parecem indicar que se trata de um objeto realmente existente.

Cabe então avançar um pouco mais e perguntar a razão pela qual esse conjunto de obras tem recebido o nome de “pensamento”. A expressão remete a uma produção não científica, ou seja, não sustentada por teorias, assistemática e carente de objetividade, desse modo não sendo passível de universalização. Em suma, seriam reflexões narrativas, fragmentárias, engajadas e dedicadas a entender uma realidade contingente (a brasileira), interessando (se tanto) somente a outros desejosos em desvendar aquela realidade específica. Tal produção se expressaria através de um gênero literário igualmente não científico e basicamente narrativo: o ensaio, geralmente com abordagem histórica e dedicado a compreender a “formação nacional”.

Efetivamente, a produção que se convencionou considerar pensamento brasileiro é anterior ao momento em que as Ciências Sociais brasileiras se institucionalizaram com seus cursos, departamentos, grupos e centros de pesquisa. A partir desse momento, variável de acordo com a área (por exemplo, a partir dos anos 1930 e 1940 para a Sociologia, 1950 e 1960 para a Ciência Política), impôs-se uma abordagem que se apresentava como superior em relação ao que havia sido produzido antes. Agora se tratava de ciência, integrante de uma comunidade internacional, objetiva, sustentada por teorias, empiricamente testável, passível de contribuir para um acúmulo de

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conhecimentos universalizáveis, e expressando metodologias e uma linguagem particular.

Seria uma longa discussão (e que fugiria das intenções desse capítulo) se esses pressupostos acerca das ciências sociais seriam solidamente sustentáveis. O que pode ser questionado é se o que se convencionou chamar pensamento brasileiro não foi capaz de teorização, de acúmulo de conhecimentos. Um acúmulo que se estendeu à produção acadêmica atual, informando-a e atravessando-a de questões que vêm sendo debatidas desde o século XIX. Nesse sentido, não haveria uma descontinuidade radical, mas uma mudança de forma, linguagem e métodos. Comparativamente, cabe questionar as razões pelas quais toda a produção anterior à institucionalização das ciências sociais na Europa Ocidental e na América do Norte (que poderia ser do mesmo modo considerada assistemática, narrativa, discursiva, engajada, etc.) é entendida como “teoria”, enquanto a produção oriunda não somente do Brasil, mas de todos os países que já se chamou de “atrasados”, “subdesenvolvidos”, “terceiro mundo”, “periferia”, “Sul”, é apenas “pensamento”. Caberia entender inclusive por que razões as primeiras aparecem nos programas de estudo dos cursos de Ciências Sociais como as disciplinas dedicadas à “Teoria”, e as segundas (quando aparecem) são as chamadas de “Pensamento”. Como propôs Christian Lynch (2013), cabe sucintamente perguntar “por que pensamento e não teoria”? Para o autor, as elites brasileiras “sempre consideraram seus produtos intelectuais mais ou menos inferiores àqueles desenvolvidos na Europa e nos Estados Unidos, em consequência de uma percepção mais ampla do caráter periférico do seu país” (pp. 730-731). Tratava-se então de uma produção periférica que se entendia como periférica, porque fruto de uma sociedade em processo de formação, civilização ou desenvolvimento, sociedade inferiorizada em relação aos centros de poder e de saber cujos caminhos ela deveria reproduzir, na medida em que estariam “atrasados” em relação a eles. Desse modo, “o ‘centro’, o ‘lugar’ produzia o ‘universal’ (filosofia, teoria, ciência); ao passo que cabia à periferia aplicá-lo às suas circunstâncias particulares. (...) [Havia] uma teoria cêntrica, valorada como universal e original, e um pensamento periférico, avaliado como local, bárbaro, ou copiado, ou deformado” (pp. 734-735).

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Outro ponto importante a ser observado é que essas “interpretações do Brasil”, essa “imaginação sobre o Brasil” vêm sendo investigada desde a institucionalização das ciências sociais (e humanas de modo geral) a partir de diversas áreas e subáreas de estudo. Assim, essas obras e autores vêm sendo abordados a partir da Ciência Política, da Sociologia, da História, da Administração Pública, da Antropologia, entre outras áreas. E têm constituído diversas subáreas e abordagens, tais como “pensamento político brasileiro”, “pensamento político e social brasileiro” (e vice-versa), “pensamento social brasileiro”, “sociologia dos intelectuais”, “história das ideias no Brasil”, “dos conceitos”, das “instituições políticas”, entre muitas outras possibilidades que são fruto de sucessivos esforços de delimitação de fronteiras disciplinares. Cabe observar que há proximidade e diálogo (ou deveria haver) entre todas elas, na medida em que as fontes estudadas se assemelham.

A principal diferença aqui colocada é o lugar do qual se realiza a observação, o que implica obviamente em recortes, preocupações, teorizações e leituras distintas. A leitura da obra de Francisco José de Oliveira Vianna pelo cientista político eventualmente será realizada por determinadas razões e suscitará questões distintas das que despertará ao olhar sociológico. Do mesmo modo, haverá abordagens teóricas distintas dentro da mesma área – por exemplo, sociologia dos intelectuais não dará os mesmos resultados que análises focadas nos textos. Mas todas essas diferenças não devem ser exageradas. Se a institucionalização e delimitação disciplinar trazem ganhos evidentes, e diferentes abordagens teóricas simplesmente refletem a riqueza irredutível da vida social, nada disso impede diálogos entre as áreas e correntes teóricas, o estabelecimento de agendas de pesquisa comuns e os esforços para a realização de reflexões e teorizações que superem o estudo monográfico.

O mesmo pode ser dito em relação aos diálogos com os países vizinhos, que podem ampliar a perspectiva dessas áreas e subáreas de estudos. Raramente as “interpretações do Brasil” ampliaram o foco. Por exemplo, podemos mencionar as reflexões de Sérgio Buarque de Holanda acerca das diferenças entre a colonização espanhola e a portuguesa ([1936] 1999); as proposições de Caio Prado Júnior acerca de colonizações de povoamento e de exploração ([1942] 2011); e poucos momentos além desses. Mais recentemente, alguns estudiosos do pensamento brasileiro vêm procurando estabelecer

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agendas de investigação comparativas. E trabalhos recentes têm abordado o “Pensamento Latino-Americano”, aí incluído o brasileiro (Devés Valdés, 2003, 2000).

Principais chaves analíticas

Vejamos agora algumas chaves que podem ser utilizadas de modo a organizar toda essa produção que se convencionou chamar “pensamento”. Deve-se recordar que toda forma de classificação implica em simplificação da realidade: excluir autores ou encaixá-los em esquemas, ignorar especificidades, deixar de visualizar associações insuspeitas, forçar situações. Por isso, esta não é uma estratégia aceita por parte dos estudiosos da área. Mas pode apresentar também vantagens importantes, especialmente quando se quer apresentar o tema a novos leitores: permite sistematizar e encontrar sentido numa produção que parece fragmentária, e demonstrar um acúmulo reflexivo mesmo entre gerações que muitas vezes não dialogaram explicitamente com as anteriores.

Uma primeira forma de classificar essa produção é definir eixos temáticos. Entre muitas possibilidades, vejamos algumas. O eixo modernização/identidade é um dos mais recorrentes, expressando a maior ênfase na necessidade de reproduzir ideias, instituições e trajetórias dos países centrais de modo a “civilizar”, “modernizar”, “desenvolver” o Brasil; ou inversamente de se debruçar sobre a identidade nacional, sobre o que é “próprio”. Esse eixo se aproxima da dicotomia cosmopolitismo/nação, que poderia ser entendida como maior abertura ou fechamento à produção dos grandes centros. A discussão entre soluções autoritárias ou democratizantes constitui outro eixo das reflexões sobre o Brasil, agregando no primeiro grupo quem argumentou pela incapacidade momentânea ou essencial do brasileiro (“incivilizado”, “racialmente inferior”, “ignorante”) ou de sua sociedade (“amorfa”, “autoritária”, “ibérica”, “país sem povo”) em conviverem com instituições democráticas, liberdades e direitos de cidadania; e no segundo grupo os liberais, reformadores sociais ou revolucionários interessados em variadas alternativas de iniciativa individual, associativismo, organização popular, libertação da sociedade do jugo do Estado patrimonialista ou repressor. Por vezes, esse eixo se sobrepõe à dicotomia centralização/descentralização, na medida em que os autoritários costumam propugnar a necessidade do Estado centralizado para manter a coesão social, evitar a desordem e restringir o poder de senhores rurais, famílias tradicionais, clãs e clientelas políticas; enquanto isso, os 5

democratas insistem em diversas propostas como divisão entre poderes, federalismo, organização social, liberdade sindical, desenvolvimento da sociedade civil, garantia da soberania popular.

O pensamento político brasileiro pode ser igualmente abordado a partir de conceitos ou categorias recorrentes naquela tradição (e nas ciências sociais contemporâneas também). Frederico Lustosa (2009) destaca três deles: o “patrimonialismo”, o “mandonismo” e o “personalismo”, geralmente associados a “males nacionais” como o clientelismo, o autoritarismo ou o formalismo das instituições. O patrimonialismo, que teria heranças ibéricas, remete à apropriação do Estado por uma classe estamental, à confusão entre público e privado, ao bloqueio das energias da sociedade a partir de um Estado centralizador. Por outro lado, a noção de mandonismo destaca a fortaleza do potentado rural, do grande proprietário, em relação tensa ou complementar com o poder central que vai se desenvolvendo. Tal conceito recorda a presença do latifúndio como elemento central da colonização brasileira, e deriva daí o peso do patriarca, dos coronéis, das famílias, dos “clãs”, das clientelas. Já a noção de personalismo caracteriza a sociedade brasileira como atravessada por relações informais e hierárquicas entre pessoas. O que seria típico de sociedades que ainda não se modernizaram, ou seja, não estabeleceram relações impessoais, entre “indivíduos” portadores de direitos e iguais perante a lei. O personalismo remete a características como o “jeitinho brasileiro”, a informalidade, a distância entre o legal e o real.

Por fim, outra abordagem comum tem sido o estabelecimento de famílias intelectuais ou genealogias: o que Gildo Marçal Brandão chamou de “linhagens do pensamento político brasileiro” (2005). O autor delimitou principalmente duas tradições, que poderiam ser chamadas de conservadora e liberal. Essas linhagens remeteriam respectivamente aos “saquaremas” e “luzias” do Império, podendo ser associadas ao menos em parte a formulações propostas por outros autores – por exemplo, “idealismo orgânico” e “idealismo constitucional” (Oliveira Vianna), “iberismo” e “americanismo” (Luiz Werneck Vianna). A primeira linhagem defende a impossibilidade de se construir um Estado liberal e democrático numa sociedade amorfa e autoritária, e considera que o Estado deve ser forte e tutor da sociedade (nem que seja de forma “instrumental”, com o intuito de transformá-la em material humano mais adequado para a construção de instituições anglo-saxônicas num futuro distante, como sugerem Wanderley Guilherme 6

dos Santos e José Murilo de Carvalho). A segunda linhagem considera que as instituições devem ser reformadas de forma a liberar as potencialidades sociais que têm sido abafadas desde a colonização (para alguns desde a criação do Estado português). Desse modo, ambos reconhecem “a centralidade do papel do Estado na formação social brasileira, com a radical diferença de que para os primeiros é o caráter inorgânico da sociedade que põe a necessidade de um Estado forte que a tutele e agregue, enquanto, para os segundos, é a presença do Estado todo poderoso que sufoca a sociedade e a fragmenta” (Brandão, ibid., p. 248).

Brandão aponta também o surgimento ao longo do século XX de linhagens mais radicais (“antiaristocráticas”), como o que chama de “pensamento radical de classe média” e o “marxismo de matriz comunista”. Finalmente, sugere que os trabalhos das últimas décadas que se debruçam sobre o pensamento político brasileiro são “momentos eles próprios de reconstrução das orientações ideais de correntes ideológicas socialmente enraizadas”. Seriam novas versões repostas em outros termos, apresentadas agora de uma posição mais objetiva e desde as formas narrativas próprias das diversas Ciências Sociais institucionalizadas, de críticas anteriormente existentes; e “que, sem deixar de representar um notável esforço de absorção dos ‘avanços metodológicos’ da ciência social internacional, os (a maioria dos) trabalhos mais importantes que foram publicados no país nas últimas décadas sobre eleições, partidos e sistemas partidários, governo, instituições e políticas públicas podem ser enquadrados em uma ou outra orientação” (Brandão, ibid., p. 239). Octavio Ianni (2000) apresenta detalhada delimitação de temáticas e “famílias” de interpretação do Brasil (articulando-as), com a qual podemos concluir nossa sumária apresentação. Para o autor, o Brasil é um país que se pensa contínua e periodicamente, de forma sistemática a partir de contextos, dilemas e perspectivas decorrentes das rupturas históricas. Dentre os temas de estudo recorrentes, enumera: a colônia, a monarquia e a república; centralismo e federalismo; Estado forte e sociedade civil débil; história incruenta e revoluções brancas; conciliação e reforma; luso-tropicalismo e democracia racial; economia primária exportadora e industrialização substitutiva de importações; mercado emergente e neoliberalismo. Ianni faz um esforço no sentido de aglutinar tais interpretações em oito “famílias”, assim definidas:

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Quadro: Família de interpretação por temas e autores Família de

Temas

Autores

O estado como

Concentra-se na missão do estado como

Alberto Torres,

demiurgo da

“demiurgo da sociedade e da história”,

Oliveira Vianna,

sociedade

mediante uma sociedade civil tida como

Azevedo Amaral,

débil e pouco organizada. Sobressaem

Francisco Campos,

ainda as raízes coloniais e escravocratas

Hélio Jaguaribe,

da sociedade nacional, com suas tradições

Oliveiros Ferreira e

patrimoniais, coronelismos, caciquismos,

Bolívar Lamounier.

interpretação

políticas de campanário. A sociedade

Debruça-se na formação e mudança da

Gilberto Freyre,

patriarcal

sociedade com foco na família, no

Renê Ribeiro,

parentesco, na casa grande, na fazenda, no

Thales de Azevedo,

patriarcalismo; e enfatiza aspectos

José Lins do Rego,

psicossociais e socioculturais, em

Jorge Amado,

detrimento da economia e da política. Há

Darcy Ribeiro,

também ênfase nas heranças da

Roberto da Matta.

colonização portuguesa, do lusitanismo. Culturalista com

Destacam-se o “homem cordial” em

Sérgio Buarque de

tipos ideais

contraposição ao “racional”; o

Holanda, Ribeiro

“bandeirante”, o “índio”, o “negro”, o

Couto, Graça

“imigrante”, o “sertanejo”, o

Aranha, Menotti del

“seringueiro”, o “colonizador”, o

Picchia, Sílvio

“desbravador”, o “aventureiro”, o

Romero, Rui

“macunaíma”, “jeca-tatu”, todos de uma

Barbosa, José de

história ahistórica.

Alencar e vários autores da Semana de Arte Moderna, Mário de Andrade, Cassiano Ricardo, Paulo Prado e Monteiro Lobato.

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Um país católico

O catolicismo é tomado como fundador e

Jackson

de

fundante de toda a história do país, com

Figueiredo,

Alceu

presença na catequese das populações

Amoroso

Lima

indígenas, na cultura do escravismo e do

(Tristão de Atayde),

senhor da casa-grande, nas esferas

Gustavo

políticas do poder colonial, monárquico e

Augusto Frederico

republicano.

Schmidt,

Corção,

Álvaro

Lins, Farias Brito e Nestor Victor. A formação do

O debate se dá sobre a vocação agrária

Roberto C.

capitalismo

e/ou industrial do Brasil e a sucessão e a

Simonsen, Romulo

nacional

coexistência de “ciclos econômicos” (as

de Almeida, Jesus

crises da “economia primária

Soares Pereira,

exportadora”, a “industrialização

Celso Furtado,

substitutiva de importações”, o projeto de

Francisco de

“capitalismo nacional”).

Oliveira, Paul Singer.

A formação do

Desenvolve-se a tese de que a economia

Eugênio Gudin,

capitalismo

brasileira deveria beneficiar-se ao máximo Octávio Gouvêa de

transnacional

da “inserção” na economia mundial.

Bulhões, Roberto

Trata-se de pôr em prática o projeto de

de O. Campos,

“capitalismo associado”; contra as

Mário H.

fórmulas nacionalistas; preconiza-se o

Simonsen, Delfim

internacionalismo, o multinacionalismo e,

Neto.

nas décadas finais do século XX, o globalismo. A ideia de

Concentra-se na análise da formação e

Caio Prado Júnior,

socialismo

transformação da sociedade brasileira em

Astrogildo Pereira,

termos de classes sociais e lutas de

Nelson Werneck

classes. Volta-se para as formas de

Sodré, João Cruz

organização social e técnica do trabalho e

Costa, Leandro

da produção, as relações entre escravos e

Konder, Carlos

senhores, operários e burgueses,

Nelson Coutinho

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camponeses e latifundiários, nacionalistas e imperialistas e outras categorias. O Brasilianista

A “questão racial”, tomada pelo

Alain Touraine,

contraponto “negros e brancos” na

Albert O.

formação e dinâmica da sociedade

Hirschmann e

brasileira, ganha centralidade. Tais

Thomas E.

estudos contribuem para o esclarecimento

Skidmore, Hélio

do tema “raça, povo e nação”.

Jaguaribe e Roberto

Outros brasilianistas preocuparam-se com

de Oliveira

as responsabilidades das Forças Armadas

Campos.

na preservação da “Lei e Ordem”, ou “Segurança e Desenvolvimento”. Com o término da ditadura militar, têm-se os estudos sobre a “nova ordem econômica mundial e a economia brasileira”, a “reforma do Estado”, a “inserção” da economia brasileira, como “mercado emergente” na economia global, entre outros temas. Fonte: Ianni (2000).

Conclusão Os autores “clássicos” que se debruçaram sobre as questões consideradas por eles essenciais para a compreensão do Brasil vêm sendo assim retomados por cientistas sociais contemporâneos nas últimas décadas, não somente com a preocupação de realizar uma história ou um inventário das ideias desenvolvidas no país, mas crescentemente como parte essencial no desenvolvimento de reflexões que ajudam a explicar o Brasil. Daí a consolidação das disciplinas de “pensamento” nos currículos dos cursos de graduação nas diversas áreas das Ciências Sociais, bem como o interesse dedicado às obras e trajetórias de autores como Euclides da Cunha, Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Holanda, entre muitos outros.

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Faltaria então refletir mais cuidadosamente sobre a utilização da noção de pensamento para enquadrar essa produção, como esse texto procura sugerir, propondo que ela poderia ser definitivamente englobada numa linha de desenvolvimento das reflexões sobre os problemas brasileiros que não precisaria ser entendida em chave “evolucionista”, sob qualquer narrativa de “progresso”. Não seria demais também ir um pouco mais longe e, a partir dos problemas suscitados pela utilização do conceito de “pensamento”, questionar até que ponto a produção brasileira (e periférica de um modo geral) segue sendo entendida como parte menor numa divisão do trabalho (intelectual) internacional.

Finalmente, deve-se procurar estreitar os diálogos entre as diversas abordagens acerca do pensamento (ou teoria) brasileiro, tanto a partir das crescentes delimitações de áreas e subáreas das Ciências Sociais, quanto desde os diversos enfoques conceituais e recortes propostos, muito mais numerosos do que os apresentados nas páginas anteriores.

Ideias básicas • Esse campo de estudos foi recorrentemente definido como “pensamento”, de modo a diferenciá-lo de uma “ciência” e de uma “teoria”. • A diferenciação deriva de um entendimento dessa produção como assistemática, engajada, narrativa e, mais do que tudo, de sua condição periférica. • Essa produção vem sendo abordada a partir de diversas áreas e subáreas, delimitação relacionada à institucionalização das ciências sociais no Brasil nas últimas décadas, e o consequente estabelecimento de fronteiras disciplinares mais nítidas. Guardadas suas próprias especificidades, essas áreas devem dialogar. • Ela pode ser abordada igualmente a partir de diversas chaves analíticas. São sugeridas algumas delas, tais como temas, conceitos, linhagens e famílias.

Sugestões de leitura •

BRANDÃO, Gildo Marçal. “Linhagens do Pensamento Político Brasileiro”. Dados, v. 48, n. 2, 2005.



RICUPERO, Bernardo. Sete lições sobre as interpretações do Brasil. São Paulo: Alameda, 2007. 11

Perguntas para discussão •

Por que essa área de reflexões é denominada “pensamento”? Faz sentido seguir tratando-a dessa maneira?



Apresente diferentes chaves analíticas a partir das quais essa área de reflexões pode ser sistematizada.

Proposta de exercício Dividir a classe em oito grupos. Pedir a cada um deles a apresentação da obra de um autor pertencente a uma das famílias de interpretação definidas por Octavio Ianni (2000, conferir quadro no corpo do texto), associando-o a temas da respectiva família. Tomar o cuidado para que os grupos apresentem autores de famílias distintas, de modo a completar um mosaico das diferentes reflexões sobre o Brasil a partir do conjunto das apresentações.

Bibliografia

Apresentamos a seguir uma bibliografia que, sem pretender ser exaustiva, relaciona obras clássicas do Pensamento Político Brasileiro, além de alguns dos principais estudos sobre o tema.

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