CAPOEIRA, CULTURA E LEI

May 29, 2017 | Autor: Murilo Rosa | Categoria: Physical Education
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CAPOEIRA, CULTURA E LEI: Uma análise sobre o ensino da arte em escolas
municipais de Belém à luz da LDB, pela lei 10.369/03.

Rosa, Murilo Pereira da
Discente do CEDF/UEPA
[email protected]

Nogueira, José Liberato Gomes
Docente Orientador
[email protected]


RESUMO

Este artigo tem por objetivo geral identificar o panorama atual no que se
refere ao ensino do conteúdo Capoeira no decorrer das aulas de Educação
Física em escolas públicas da rede municipal de Belém à luz da LDB, pela
lei nº 10.639/2003, além de entender como o conteúdo Capoeira foi abordado
durante a formação inicial dos professores de Educação Física das escolas
visitadas, descrever como se estabelece a relação da lei nº 10.639/03 com a
prática pedagógica dos professores de Educação Física das escolas
pesquisadas e apontar como esses professores se posicionam em relação à
prática pedagógica em E. F. no ensino da Capoeira frente aos grupos que
instalam pólos de treinamento na escola. Seguindo o caráter exploratório e
pautado no método dialético, foram entrevistados 07 professores de escolas
da rede municipal de Belém de diferentes distritos, posteriormente as falas
foram transcritas para análise do conteúdo. A partir da análise, são
apontados elementos que identificam a fragilidade no tratamento dado ao
conteúdo Capoeira e à lei 10.639/03 e, com isso, elencam-se diversas
problemáticas envolvendo a prática docente na Educação Física. A falta de
conhecimento dos professores entrevistados nas escolas da rede municipal de
Belém acerca da lei nº 10.639/03 dificulta a promoção de uma educação
voltada para a diversidade, neste caso para a diversidade étnico-racial,
intrínseca ao povo brasileiro. Dessa forma, a escola continua sendo um
espaço reprodutor de várias formas de discriminação.
PALAVRAS CHAVE: Capoeira, escola, lei 10.639/03, relações étnico-raciais.


INTRODUÇÃO
A Capoeira possibilita ao praticante o desenvolvimento de várias
habilidades, tanto físicas (melhora da percepção do próprio corpo em
relação ao espaço, melhora da coordenação motora, melhora do equilíbrio,
melhora da força e da flexibilidade), quanto cognitivas e afetivas, já que
a prática está associada a princípios de respeito e de igualdade. Ademais,
a Capoeira detém uma valiosa carga histórica e cultural referente ao
Brasil, sobretudo à herança afro, o que a torna um conteúdo chave para a
formação cidadã. 


A escolha pelo tema proposto ocorreu pela afinidade com o tema
Capoeira e após inúmeras observações, leituras e vivências das práticas de
ensino em Educação Física as quais privilegiam determinados conteúdos em
detrimento a outros e das mazelas pelas quais passam algumas escolas da
capital paraense, sobretudo as de ensino público.
Nesse sentido, este estudo visa identificar as relações existentes
entre a prática em questão e o ambiente escolar, ambos sob a ótica da LDB,
pela lei nº 10.639/03, que torna obrigatório o ensino da Cultura e História
Afro-Brasileira nas instituições de ensino fundamental e médio, sendo as
escolas municipais de Belém as elencadas para levantar o panorama atual no
que se refere ao ensino do conteúdo Capoeira no decorrer das aulas de
Educação Física.
Outrossim, deve-se entender como o conteúdo Capoeira foi abordado
durante a formação inicial dos professores de Educação Física das escolas
visitadas, descrever como se estabelece a relação da lei nº 10.639/03 com a
prática pedagógica dos professores de Educação Física das escolas
pesquisadas e apontar como os professores de Educação Física se posicionam
em relação ao próprio papel e prática pedagógica no ensino da Capoeira
frente aos grupos que instalam pólos de treinamento nas escolas.
A Capoeira figura na lista dos conteúdos invisibilizados pela Educação
Física e, dada sua pertinência, no contexto da lei estudada e das relações
étnico-raciais no Brasil[1], saber qual a compreensão dos professores
acerca da relevância do conteúdo Capoeira nas aulas de Educação Física,
saber se o tratamento dado ao conteúdo em questão durante a formação
inicial garante subsídios para que esses se sintam seguros para abordar o
tema durante as aulas e, como a lei nº 10.639/03 permeia a prática
pedagógica do professor de Educação Física na escola são questões que
ajudarão a encontrar respostas para este quadro problemático e assim propor
mudanças nesse.


METODOLOGIA
Metodologicamente, este estudo se caracteriza pelo caráter
exploratório, seguindo uma abordagem qualitativa com relação à
interpretação dos resultados. O método dialético será usado, já que esse
penetra o mundo dos fenômenos através de sua ação recíproca, da contradição
inerente ao fenômeno e da mudança dialética que ocorre na natureza e na
sociedade (MARCONI; LAKATOS, 2003). Para a coleta dos dados foi utilizada a
entrevista seguindo um roteiro de perguntas previamente elaboradas.
Ao todo, 07 professores de diferentes escolas da rede municipal de
Belém foram entrevistados. As escolas selecionadas foram: E. M. Rui da
Silveira Brito; E. M. Prof. Francisco da Silva Nunes; E. M. Antonio de
Carvalho Brasil e E. M. Padre Leandro Pinheiro.
Foram escolhidos dois critérios de seleção, um para as escolas e o
outro para os sujeitos entrevistados: As instituições deveriam ter grupos
tradicionais de Capoeira desenvolvendo atividades nas mesmas há no mínimo
06 meses e os professores de Educação Física deveriam já atuar na área
escolar há pelo menos 01 ano.
Os sujeitos responderam a um conjunto de 10 perguntas sobre a prática
docente e o ensino da Capoeira, formação inicial e relações étnicas. As
falas foram gravadas com uso de material próprio e, posteriormente,
transcritas para análise do conteúdo.

1. APONTAMENTOS INICIAIS: O histórico afro-brasileiro e da capoeira

1.1 A diáspora africana
Quando se fala em "origem da Capoeira", é necessário se fazer um
traçado histórico sobre o processo de translado de navios através do Oceano
Atlântico cheios de negros africanos para serem usados como mão-de-obra
escrava no Brasil. A esse processo dá-se o nome de Diáspora Africana.
Benedito (2011) relata que o movimento de diáspora do povo afro é
anterior aos "descobrimentos" do séc. XV, quando os negros eram deslocados
para regiões da Ásia e Oceania. Todavia, é válido ressaltar que as relações
escravistas já existiam, também, dentro da própria sociedade africana,
conforme Chaves (2012), formas de escravidão doméstica eram muito
praticadas por esses povos.
Na África Subsaariana, os escravos eram obtidos por meio de guerras,
de sequestros ou oriundos de condenações para crimes como roubo, adultério
e assassinato. Segundo Mattos (2007), a fome também era uma fonte geradora
de escravidão e, além disso, caso o seu senhor fosse acusado de algum
delito cuja pena fosse a morte, seu escravo era penalizado em seu lugar, já
nos rituais de sacrifícios humanos, os escravos eram oferecidos às
divindades.
Na época das grandes navegações européias, lideradas pelos portugueses
e espanhóis, o fluxo imigratório forçado ganha dimensões nunca antes
vistas, abrangendo inúmeras regiões tanto das Américas quando do restante
do mundo, intensifica-se tráfico negreiro.
No início da colonização do Brasil, os nativos foram usados como mão-
de-obra, porém, logo que os africanos desembarcaram em terras brasileiras
para esse fim, destituídos de sua humanidade e "coisificados" pelos povos
opressores, neles, o colonizador imprimiu o código dos europeus e deles se
apossou, na condição de proprietário, senhor (DEUS, 2011).
Para o Brasil, os escravos vieram de diversas localidades do
continente africano, sobretudo de áreas costeiras. Mattos (2007) relata que
no início do séc. XVI, os escravos desembarcados no Brasil eram oriundos,
em sua maioria, da região do Senegâmbia, na porção ocidental da África,
onde os portugueses há tempos se estabeleceram em terra firme. Já nos
séculos seguintes, os escravos vindos do Congo e de Angola eram
predominantes. Os grandes centros de chegada de navios de escravos no
Brasil foram as cidades de Salvador, Rio de Janeiro e Recife.


1.3 Capoeira Brasileira ou Capoeira Africana?
Vassalo (2008) expõe sobre o discurso da africanidade da Capoeira e
afirma que esse é muito antigo, vindo de quando a elite brasileira a
pensava como primitiva e negroafricana. Os trabalhos relacionados à sua
origem no continente africano, aportam-se à comparação da prática com
algumas danças angolanas e outras práticas similares como a ladja,
observada na Martinica. Cascudo (1967 apud Barão, 1999) elenca o N'ngolo[2]
como uma dessas danças que serviu de base para a formatação da Capoeira.
Já Silva (2008) acredita que a capoeira é uma criação nacional, e
relata não haver nada, no continente africano, que tenha um desenvolvimento
e uma estrutura similar à arte. Os estudos de Rego (1968), também apontam
para uma capoeira brasileira:

"[...] tendo em vista de uma série de dados colhidos em
documentos escritos e, sobretudo, no convívio e diálogo
constante com pessoas da época ou mais antigas, que
praticavam a capoeira na Bahia, sustenta que a capoeira
nasceu no Brasil, criada pelos africanos e desenvolvida
pelos seus descendentes afrobrasileiros". (REGO, 1968)

Em concordância com os escritos de Carlos Eugênio, este trabalho
ancora-se à corrente defensora de uma capoeira nascida em território
nacional. Segundo Soares (2004), a experiência da escravidão e do ambiente
urbano são variáveis importantes na equação da gênese da Capoeira.
Quanto à etimologia do termo Capoeira também existem divergências de
pensamento. Para Porto (2010), a palavra "capoeira" (CAÁPUÉRA) é um
vocábulo Tupi-guarani, e significa "mato ralo" ou "mato que foi cortado".
Rego (1968) remete ao vocábulo indígena "capuera", que significa "mato
miudo", ou "có-puera", que significa "roça que deixou de existir", ambos os
termos indicam o local onde a Capoeira era praticada.
Pires (1996) aponta para o cenário urbano do Rio de Janeiro do século
XIX como responsável pela origem do termo, mais precisamente nos arredores
da cidade onde se escondiam os marginais da época. A esses locais dava-se o
nome de "capoeira".
Barão (1999) ressalta que independente do contexto de gênese da
palavra Capoeira, o fator comum é que o termo advém dos lugares onde a arte
era praticada. Pires (1996) considera esses lugares como "palcos" onde
"manifestavam-se expressões culturais étnicas, seja na hora de descanso ou
como fuga ao trabalho escravo".


4. A dialogização de corpos na Capoeira
A Capoeira é uma prática permeada de ritualismos e rica pela carga
histórica, passada, tanto pela tradição oral quanto por meio da fala pelo
corpo, assim configura-se como um espaço de mediação cultural e linguística
(BARBOSA, 2005).
A Roda de Capoeira é o momento máximo de todo o misticismo que envolve
a prática, é o local onde o capoeirista, experiente ou iniciante, lança mão
de toda a habilidade adquirida durante os treinos, é o ritual mor da
Capoeira e de onde os outros adquirem sentido.


"O ritual é um complexo de ações que constroem
simbolicamente um mundo paralelo, abrindo uma fenda no
tempo e espaço para que se processe a comunicação com o
extra-ordinario, com o aquilo que está sobre-o-natural".
(BARÃO, 1999)

É na Roda, onde de fato ocorre a expressão máxima do diálogo entre os
corpos. Soares (2010) relata que o corpo no jogo da Capoeira é pleno –
espírito e físico –, portanto o praticante, ao jogar, está imerso no mundo
da Capoeira, o qual é apreciado de diferentes formas por cada um, segundo a
própria sensibilidade. Nesse momento de interação intrínseca entre corpo e
espírito, o praticante fala através da movimentação o que o verbo não é
capaz de transmitir. A postura do capoeira, durante o Jogo, revela muito da
personalidade do praticante e o modo como este se movimenta revela suas
intenções.
É necessário elencar a relação direta existente entre a construção e
as constantes reconstruções dos movimentos da Capoeira com o contexto sócio-
cultural o qual essa vive, pois assim como os signos verbais se modificaram
e se adaptam ao contexto histórico, a linguagem corporal passa pelo mesmo
processo.


"O desejo de progresso e de novas técnicas não está
relacionado só às práticas corporais, esse é um processo
cuja amplitude envolve outros aspectos da vida social".
(SANTOS, 2005)


No contexto atual, a eterna ânsia da mente humana em aprender,
evidenciada nas construções culturais de que é sempre necessário progredir,
é a mola propulsora dos constantes processos de ressignificação da
linguagem corporal. Parece que há uma relação quase natural que diz que é
preciso modernizar-se! (SANTOS, 2005)
A comunicação através do corpo gera cultura e permite o aprendizado
dela. Chauí (2000 apud Vago, 2006) diz que a cultura é o meio pelo qual os
humanos se humanizam e criam sua existência social, política, religiosa,
intelectual e econômica. Portanto, a Capoeira é o que é hoje por conta dos
diferentes significados atribuídos a ela.
Atualmente, existem muitos movimentos e ações governamentais que lutam
pelo crescimento da valorização da cultura nacional[3], e a cultura
corporal do movimento não deve ficar à margem desse processo.


1.5 A Capoeira no contexto das relações étnico-raciais no Brasil
A abolição da escravidão em 1888[4] não significou a completa
emancipação do negro, uma vez que continuava sob o olhar preconceituoso da
elite dominante e de outras esferas da sociedade brasileira e, seguindo
essa lógica, a Capoeira cai na marginalização. Como lembra Porto (2010), o
nome capoeira era associado ao de malandro, desordeiro e ladrão, sendo
fortemente combatida pelas autoridades da época, principalmente nas cidades
do Rio de Janeiro, Salvador e Recife.
Estudiosos como Florestan Fernandes e Carlos Hasenbalge fazem uma
análise acerca do papel que o negro assumiu na ordem de produção
capitalista. Em seu texto, Fernandes (1978) mostra a triste constatação de
que o negro foi largado à própria sorte pela sociedade, portanto esse
deveria, por conta própria, encontrar seu espaço na então nova organização
social pós-escravista.
A grande problemática é que o negro, recém-liberto, não estava
preparado para tal condição, não no contexto urbano nacional. De acordo com
Hasenbalge (1979), a mudança de status de escravos para homens livres em
pouco modificou a posição social desse grupo étnico.
A repressão às manifestações afro-brasileiras explica o processo de
criminalização da própria Capoeira. Rodrigues (1935) relata que a elite
brasileira, na época, concebia a criminalidade do ser negro como uma
herança genética, nesse sentido ainda se sustentava o ideológico da
superioridade de "raças", portando os "malnascidos" deveriam ser deixados à
margem do convívio social, em um projeto de embranquecimento do povo.
Com objetivo de garantir a manutenção da liberdade recém-adquirida, os
negros formaram a Guarda Negra, direcionada para a proteção da Princesa
Isabel, assim os recém-libertos estavam inseridos na dinâmica política da
época, cujo jogo pelo poder se encontrava polarizado entre monarquistas e
republicanos (MIRANDA, 2005).
A presença de praticantes de Capoeira durante a Guerra do Paraguai
também exemplifica a inserção daquela e de seus atores nos processos
políticos. Ao fim desse episódio, os capoeiras encontravam-se sem ofício e
a partir daí surgem as Maltas como, também, um modo de evitar a
invisibilização social.
Os capoeiristas vinculados às Maltas eram contratados como espécies de
seguranças. Fizeram da Capoeira seu meio de vida como aponta Lopes (2010),
mas eram vistos como arruaceiros, jagunços e desordeiros, metiam-se em
confusões e desafiavam a lei e a ordem vigente. As maiores maltas eram os
Nagoas e os Guaiamus.
Embora muitos relatem as Maltas como meros grupos de arruaceiros e
desordeiros que adoravam viver na boemia juntamente a prostitutas, as
maltas podem ser entendidas como um posicionamento político por uma escolha
de modo de vida, de acordo com Cavalcanti (2008), referenciada numa
experiência social e cultural, alimentada pela vontade de participar em
processos culturais e políticos, e levada a cabo com uma maneira de agir,
lúcida, inteligente, malandra.
Mesmo em uma sociedade ainda não receptiva à diversidade, os libertos,
ex-escravos e seus descendentes instituíram os movimentos de mobilização
racial negra no Brasil e organizavam-se de várias formas, sempre em defesa
da valorização da Cultura Afro-Brasileira.
Assim, foram criados Clubes, Grêmios e Associações, além dos
movimentos negros de maior consistência como a Frente Negra Brasileira
(FNB), o Teatro Experimental Negro (TEN) e, pós-ditadura, o Movimento Negro
Unificado (MNU).
Nesse sentido, a Capoeira começa a se fortalecer, quando no séc. XX
surgem figuras importantes em sua defesa. Vicente Joaquim Ferreira
Pastinha, o Mestre Pastinha, e, Manoel dos Reis Machado, o Mestre Bimba,
são dois dos mais relevantes defensores da Capoeira nesse contexto.
Mestre Pastinha é ícone da Capoeira Angola, dita como Capoeira
Tradicional e caracterizada por movimentos mais lentos e elementos menos
acrobáticos quando comparada à Capoeira Regional. Essa dicotomia é fonte de
ferrenhas discussões entre estudiosos e entre os próprios grupos.
Já Mestre Bimba, Nascido em Salvador, Bahia, filho de um ex-escravo
(Luiz Cândido Machado) e de uma descendente de índios (Maria Martinha do
Bonfim), iniciou no mundo da Capoeira aos 12 anos de idade, quando aprendeu
os primeiros golpes com um antigo mestre conhecido pelo nome de Bentinho.
Foi responsável pela sistematização da prática, pela criação de
sequências, configurando um novo modo de ensinar Capoeira, e pela criação
da primeira academia a receber autorização oficial para o ensino da
Capoeira, logo após sua legalização em 1937, quando o Presidente Vargas
revogou o artigo 402 do Código Penal de 1890[5], convencido do grande
expoente que a Capoeira se tornara na época e da adequação do método
desenvolvido por Bimba às pretensões do modelo disciplinar de homem
ideologizado pelo Estado Novo.
Dividida ou una, pensar em Capoeira, hoje, é fazer uma relação de
sinonímia com parte da história de construção da identidade do povo
Brasileiro, além de contribuir para o fortalecimento do debate sobre as
questões raciais.
Na última década, a comunidade internacional passou a ter um olhar
diferenciado acerca das relações étnico-raciais, preocupando-se mais com a
questão. No segundo semestre do ano de 2001, vários chefes de Estado se
reuniram em Durban na África do Sul para a realização da III Conferencia
Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e
Intolerância Correlata. No dia 31 de Setembro do referido ano, foi assinada
a declaração e o plano de ação dessa conferência, contendo proposições e
esclarecimentos.
O texto nos ajuda a traçar um panorama inicial da dinâmica das
relações étnico-raciais no Brasil, quando ao tratar sobre a origem e as
causas do racismo e outras formas de preconceito contra africanos e afro-
descendentes, aponta a escravidão e o tráfico de escravos como motivos para
tal. Nesse sentido, a declaração traz medidas a serem tomadas pelos Estados
para que sejam feitas reparações à dignidade dos povos vítimas de racismo.
Seguindo o forte debate integracionista do início do séc. XXI, no
Brasil, surgem planos de ação governamentais voltados para a esfera
escolar. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-Raciais deixam claro que o Estado e a população devem adotar medidas
para reparar os danos, tanto políticos quanto sociais e materiais, sofridos
pelos descendentes de africanos durante a época escravista e perpetuados
após 1888.
Já o parecer CNE/CP nº 03/2004 elenca conteúdos a serem trabalhados
nas aulas referentes às contribuições de diferentes povos em várias
atividades humanas como agricultura e mineração, além de orientar para a
abordagem positiva sobre a História da África e sobre a escravidão no
Brasil sob o ponto de vista do escravo.




2. A ESCOLA E A CAPOEIRA: A lei nº 10.639/2003 e sua implementação para
uma educação plural
Em um contexto de fortes reivindicações sociais referentes à Cultura
Afro-Brasileira, temos a discussão das questões raciais na LDB. No final do
séc. XX, fatos como o centenário da Abolição da Escravidão, em 1988, e o
tricentenário da morte de Zumbi dos Palmares, em 1995, fortaleceram os
movimentos em prol do grupo social negro e afrodescendente. Ainda em 1995,
houve a Marcha de Zumbi, composta por cerca de dez mil pessoas e, durante a
manifestação, de acordo com Rocha (2013), foi entregue ao então presidente
Fernando Henrique Cardoso um documento contendo reivindicações da
comunidade negra em prol da cidadania.
Em 9 de Janeiro de 2003, sob o mandato do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, são alterados os artigos 26 e 79 da LDB, sendo publicada a lei nº
10.639/03.


§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste
artigo incluirá o estudo da História da África e dos
Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra
brasileira e o negro na formação da sociedade nacional,
resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social,
econômica e política pertinentes à História do Brasil.


§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-
Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo
escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de
Literatura e História Brasileiras. (BRASIL, 2003)


Após dez anos da promulgação da lei 10.639/03 e o adendo à LDB pela
lei 11.645/08, percebe-se que o debate sobre a cultura e história afro-
brasileira ainda se constitui como temática pouco privilegiada nos locais
de ensino.
Conceber a Capoeira como componente fundamental do currículo escolar
de Educação Física ainda é um desafio, tanto para graduados quando para os
graduandos, pois a morfologia das grades de disciplina dos cursos de
formação não contemplam a diversidade da Cultura Nacional, portanto não
levam em consideração a real importância de se trabalhar a Cultura
Corporal, a qual traz diferentes possibilidades para dar conta de se
alcançar os objetivos da "escola para todos".
Na proposta do ensino plural, saberes e referências afro dentro do
contexto da Educação formal podem ser trabalhados, suscitando conceitos
como ubuntu, energia vital, circularidade, oralidade, ancestralidade,
musicalidade, ludicidade, corporeidade, memória – todos eles presentes na
capoeira.
Ubuntu refere-se a uma filosofia africana que se baseia no "sou porque
vós sóis" – a minha existência só "é", em razão da existência da alteridade
(ROCHA et al., 2013). Essa concepção demonstra que tudo o que existe no
mundo se relaciona entre si e é interdependente, alimenta o espírito de
generosidade, compassividade e comunitarismo.
Ademais, tudo possui uma energia vital (axé), portanto tudo é sagrado
(religiosidade) e, assim, deve ser cuidado. A palavra pode ser cantada.
Música, som, melodia e ritmo transmutam-se para contar a história, para
fortificar a ciranda de cultura e de saberes. Na ludicidade mora uma forma
de resistência de um povo que foi escravizado, subjugado e desenraizado de
suas terras.
O corpo é instrumento do lúdico e, outrossim, da vida individual e
coletiva. Guarda e conta histórias, é linguagem, contato e possibilidade. A
corporeidade é também uma memória a ser resguardada. Sob a memória do
corpo, da história e da cultura africana foram construídos muros,
patrocinados pelo racismo, que urgem serem destruídos.
Por meio da memória resgatada e de orientações pedagógicas voltadas à
africanidade, a tarefa de ensino-aprendizagem possibilita que o aluno
compreenda a diversidade e que exerça a sua Cidadania plena, dispondo das
mesmas oportunidades, em igualdade de condições, independentemente, da
etnia, gênero ou grupo social. Portanto em seu teor político, a escola deve
ser um espaço socializador e promotor de igualdade social e racial, sempre
buscando fazer, dentre outras singularidades, um resgate à cultura e aos
valores.
A Capoeira apresenta-se como uma forma significativa de aprendizagem,
sendo uma enorme fonte para o desenvolvimento de quem a pratica. Os
múltiplos enfoques os quais a Capoeira contempla, ressaltam a justificativa
de sua inserção no currículo escolar. Soares et al. (1992) apontam que o
objetivo da Educação Física é o estudo da cultura corporal, composta por
conteúdos como jogos, lutas, dança e esportes. Logo, a Capoeira pode ser
trabalhada de diversas maneiras, seja luta, arte, dança, jogo ou filosofia
de vida, Entretanto, são poucas as Universidades brasileiras que oferecem a
disciplina Capoeira.
A difícil introdução da Capoeira na escola, em uma abordagem
significativa, dá-se, também, pela dicotomia entre o que é capacitado para
atuar no ambiente escolar (Professores de Educação Física), mas tem pouca
ou nenhuma experiência com a Capoeira e os que possuem tal experiência, mas
não estão habilitados para o ensino na escola (Capoeiristas não formados em
Educação Física). Essa divisão pode gerar uma transferência de
responsabilidade de ensino.
Santos (2009) chama atenção para a fragilidade no trato dado ao
conhecimento sobre o povo africano lançando mão do questionamento "como
ensinar o que não se conhece?", salientando a importância de se estudar
essa cultura que assim como a dos europeus, também formaram a nação
brasileira.
Há uma insensibilidade de diversos professores para a necessidade de
uma educação abrangente, conforme destaca os PCN's (1997), o corpo docente
tem a responsabilidade de introduzir na escola o debate sobre o
multiculturalismo e pluralidade cultural. Borges (2013) fala sobre a não
efetivação do que consta na lei, nem nos currículos da educação básica e
nem durante a formação dos professores.
A correlação existente entre a Capoeira e a Lei nº 10.639/03 ocorre
quando a escola assume seu papel social enquanto lugar de cultura, produtor
de conhecimento e importante instrumento de formação cidadã.
A escola, porém, assim como é espaço fomentador de cultura,
infelizmente, é espaço de reprodução de desigualdades. Cavelleiro (2006)
relata o resultado de pesquisas que apontam a presença do racismo em
diversos espaços socializadores. 
Cavalleiro (2006) elenca algumas situações que podem contribuir
significativamente para o surgimento e a reprodução das formas de
preconceito racial no ambiente escolar, a exemplo do próprio material
didático usado nas instituições de ensino compostos, em grande parte, por
referências não afro, além do universo semântico pejorativo, das
deficiências na formação dos grupos profissionais presentes na escola e da
minimização das consequências do racismo, quando a comunidade escolar
naturaliza essas ações.
Nesse contexto, o professor pode ser pensado, de acordo com Vago
(2006), como mediador de cultura, aonde o mesmo organizará seu plano de
intervenção para a formação cultural dos alunos e, nesse planejamento,
deverá constar elementos de resgate cultural relacionados à identidade da
nação, sempre agregando valor aos temas trazidos, e deverá se articular
juntamente ao restante da equipe escolar para erradicar qualquer forma de
preconceito.
Desse modo, a Capoeira surge como um importante instrumento para o
professor de Educação Física (MONTEIRO, et al. 2011), com a premissa de ser
trabalhada sob vários ângulos. A riqueza de elementos na Capoeira
possibilita a pluralidade do ensino-aprendizado, assim como o resgate às
origens e à valorização da Cultura Afro-Brasileira, atendendo aos anseios
da lei nº 10.639/03.


3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir da análise do conteúdo, são apontados elementos que
identificam a fragilidade no tratamento dado ao conteúdo Capoeira e à lei
10.639/03 e, com isso, elencam-se diversas problemáticas envolvendo a
prática docente na Educação Física.
Primeiramente, nota-se que o conceito de Cultura Brasileira é expresso
pelos professores entrevistados como um processo abrangente e de difícil
definição, vinculado a idéias de costumes, danças, comidas e músicas.


"É bem amplo né? Cultura Brasileira envolve não só o nosso
Estado mas como o Brasil como um todo, ela é bem
diversificada, vai do esporte à dança, à música, à comida
e religião, e hoje em dia tá cada vez mais ampla".
(Professor 07)

Além disso, foi observada a insegurança durante a fala dos
entrevistados, o que os levou a diversas quebras nas linhas de pensamento,
constituindo-se como um ponto importante a ser considerado.
Quando questionados, desta vez sobre a concepção de Cultura Afro-
Brasileira, os entrevistados reproduziram as idéias gerais mencionadas nas
respostas à primeira pergunta, definindo outrossim esse elemento como
produto da mistura entre costumes do continente africano e do Brasil,
ligada aos descendentes de negros escravos e ex-escravos.


"A Cultura Afro-Brasileira, ela seria como se fosse um
anexo, eu definiria como um anexo da Cultura Brasileira,
principalmente, evidenciado a história e a ligação do povo
brasileiro com a África ou com os afrodescendentes".
(Professor 01)


Em se tratando da autodeclaração étnica dos entrevistados, quatro se
autodeclararam como pardos, dois como negros e um dos entrevistados relatou
não saber qual a própria etnia. Já ao serem indagados acerca das
representações sobre o ser negro, os sujeitos foram unânimes ao relatar que
o "ser negro" ainda está fortemente vinculado ao estigma da discriminação.
Dessa forma, entre as falas foram enfáticos termos como "preconceito",
"sofrimento" e "exclusão".


"Sofrido, ainda hoje se percebe que há o preconceito, é
muito forte". (Professor 07)


"Eu acredito que ser negro no Brasil é cruel, ainda é
cruel, pela discriminação de ser negro". (Professor 04)


A idéia de uma Identidade Nacional – embora apenas um dos professores
não acredite em um elemento ou elementos que nos distinguem enquanto
brasileiros – permaneceu pouco precisa entre as falas, no sentido de os
entrevistados relatarem diversos exemplos de como seria tal identidade, que
vão desde o esporte até questões como a corrupção.


"O samba, o futebol, a política também eu defendo como uma
identidade nacional". (Professor 01)

"Nós temos assim uma Identidade Nacional, você vai achar
até graça, mas é a 'identidade do ladrão' que se tem hoje
em dia, me desculpe tá dizendo isso, mas você abre a
televisão pra assistir alguma coisa e só é roubo no nosso
país". (Professor 06)


Ao serem indagados sobre se teriam o conhecimento da lei nº 10.639/03,
todos os sete entrevistados responderam não ter conhecimento sobre essa,
por conseguinte também não teriam conhecimento sobre os esforços da
comunidade escolar em cumpri-la.
Nas questões inerentes à Capoeira, todos os sujeitos alegaram não
terem tido contato com o conteúdo Capoeira durante a formação inicial e,
nesse sentido, não a ministraram de fato durante as próprias aulas. No
máximo, a Capoeira foi brevemente comentada ou alguns movimentos foram
usados em apresentações de dança.


"Eu não ministrei Capoeira na prática, mas falei dela na
teoria, sobre origem e tudo mais". (Professor 01)


"Não, a gente só usa os passos de Capoeira na dança, eu já
usei muitos passos de Capoeira na dança". (Professor 05)


Em razão de a Capoeira não ter sido abordada durante os cursos de
formação, os sete entrevistados responderam não se sentir plenamente
confiantes para ministrar o conteúdo.


"Não, Capoeira não, porque eu não tenho conhecimento dos
fundamentos e da dança em si, então eu não dou aula".
(Professor 04)


Ao final da entrevista, ao serem questionados acerca dos grupos de
Capoeira, os quais implementam atividades nas respectivas escolas, opiniões
diversas foram encontradas.
Na linha de pensamento da valorização do professor de Educação Física
devidamente graduado – defendida pelos Professores 01, 03, 04 e 06 –,
justificou-se que tal teria as bases do estudo da didática e de
metodologias para trabalhar o conteúdo de forma adequada às diversas faixas
etárias.
O conhecimento escasso da Capoeira fez com que o resto dos
entrevistados não se posicionasse diante da questão.
Ao se discutir o conteúdo contido nas falas dos entrevistados,
evidencia-se o quanto as concepções dos professores revelam o trato
preconceituoso dado às questões étnico-raciais, demonstrando a
invisibilização da cultura negra ainda hoje.
A falta de segurança nas falas dos sujeitos acerca das próprias
concepções do que seria a Cultura Brasileira, repercute no modo impreciso
de como esses falam da Cultura Afro-Brasileira. Ao relatarem que a Cultura
Afro-Brasileira é resultado da mescla entre África e Brasil, os professores
se referem ao continente africano como uma unidade étnico-cultural,
enquanto definem o Brasil como um espaço de pluralidade cultural com
singularidades que variam de região para região. Logo, há uma lacuna
presente no sentido da desconsideração e/ou do desconhecimento da
diversidade das sociedades que compõem o continente africano.
Apesar de, quando questionados acerca do ser negro, os entrevistados
se declararem como livres de preconceitos e reconhecedores da importância
desse grupo social para o desenvolvimento do Brasil.
Chauí (2008) ao expor que "os negros são considerados infantis,
ignorantes, raça inferior", ajuda a compreender o evidenciado no decorrer
das entrevistas, sobre o modo reducionista delegado às contribuições do
negro para a sociedade brasileira. Isso ocorreu quando a maioria dos
entrevistados relatou que a cultura negra teve participação apenas na
culinária e nas danças.
O conhecimento superficial dos entrevistados acerca da relevância do
ser negro para a construção da nossa sociedade é, conforme os escritos de
Gomes (2007), um reflexo da falta de representação dos elementos da
diversidade cultural brasileira nos variados setores da sociedade, como nos
meios acadêmicos. Lara (1988 apud Chauí 2001) relata que nas concepções
sobre o período escravista os negros não foram percebidos como o que
realmente foram, assim, desses indivíduos foram tiradas "sua capacidade de
criar, de agenciar e ter consciências políticas diferenciadas, numa
palavra, despojando-os da condição de sujeitos sociais e políticos".
Ao serem indagados sobre Identidade Nacional, verifica-se a
dificuldade dos entrevistados em elencar elementos que nos diferenciam
substancialmente de outros povos e nos caracterizam como puramente
brasileiros.
Portanto construções como a da índole dos nossos representantes nas
esferas governamentais e da prática esportiva de maior mobilização coletiva
nacional figuram no pensamento da maioria dos entrevistados como
iconografias do "ser brasileiro". A isso, muito se deve a gama de
interesses, expressos nos projetos de identidades formulados por
intelectuais, cooptados pelo Estado (ANDRADE, 2010).
Entretanto, além dos elementos citados, a idéia de que a Identidade
Nacional também está ligada ao fato de o povo brasileiro ser mestiço foi
relatada pelos sujeitos, e, partindo deste pressuposto os posicionamentos
anti-racistas dos professores configuram-se como universalistas, pois se
baseiam nos valores universais do respeito à natureza humana, sem
discriminação de cor, raça, sexo, cultura e religião (MUNANGA, 2006).
Munanga (2006) diz que no sistema racial brasileiro, o mestiço é visto
como ponte transcendente, onde a tríade branco-índio-negro se encontra e se
dissolve em uma categoria fundante da nacionalidade, nesse sentido surge a
ideologia da democracia racial.
O mito da democracia racial, interpretado, sobretudo, a partir da obra
"Casa Grande e Senzala" de Gilberto Freyre nos anos 30, serviu de pano de
fundo para a elite "pensante" do Brasil conceber a organização do sistema
escolar nacional e a própria organização dos conteúdos estudados nos cursos
de formação de professores.
Silva (2006) aponta para o fato de os currículos dos cursos de
formação terem sido elaborados e desenvolvidos unicamente a partir de
teóricos ocidentais, de pensamento em bases eurocêntricas. Portanto, as
falhas na formação docente, que não fornece subsídios aos professores para
levar com propriedade as discussões étnicas à sala de aula, dão-se também
por esse motivo, reflexo da ameaça sentida pela elite brasileira quando o
assunto era a pluralidade étnico-racial, transfigurada na ideologia do
gradativo branqueamento da nação.
O fato de os entrevistados não terem ciência da lei nº 10.639/03,
mesmo após dez anos de vigência, é um ponto chave para compreendermos os
motivos pelos quais as relações étnico-raciais são pouco trabalhadas nas
escolas e ainda nos deparamos com a supervalorização de um currículo
eurocêntrico (ALVES, 2007).
Gomes e Silva (2006) nos dizem que o trato à diversidade deve ser uma
competência político-pedagógica a ser adquirida pelos profissionais da
educação nos seus processos formadores e, ainda segundo as autoras, não
pode ficar a critério da boa vontade de cada um.
Nesse sentido, foi percebido que a instituição formadora dos
entrevistados, formados de 2003 até agora, não explicitou a referida lei a
eles. Ademais, a comunidade escolar (diretoria, coordenação pedagógica e
afins) não cobra a efetivação da lei e parece não haver interesse
individual dos professores em buscar o conhecimento dessa.
Esta sequência de fatores influencia diretamente o elemento central
deste trabalho: o modo como o conteúdo Capoeira tem sido abordado durante
as aulas de Educação Física. Constata-se que esse têm sido aplicado por uma
parcela mínima dos entrevistados e de modo superficial durante as
atividades de dança, quando se limitam a usar apenas o movimento da ginga
junto a um ou dois golpes traumáticos (benção e martelo), porém a Capoeira
deveras, não é trabalhada durante as aulas, conforme relatado pelos
sujeitos.
Dentre os principais motivos, o que se configura como primordial é a
falta do domínio teórico e do domínio técnico sobre o conteúdo,
justificados pela não abordagem da Capoeira durante a formação inicial.
Portanto, não se sentem confortáveis para realizar qualquer tipo de
tratamento mais específico do conteúdo durante as aulas. Ehrenberg e
Fernandes (2012), relatam que 70% dos professores entrevistados em sua
pesquisa acreditam que para trabalhar com o conteúdo Capoeira é preciso ser
praticante ou ex-praticante, ou seja, mais uma vez a questão da falta do
domínio técnico é evidenciada.
Os professores entrevistados não são cobrados de modo algum pela
gestão escolar quanto ao conteúdo e não demonstraram interesse em buscar
conhecimentos teórico-metodológicos acerca da Capoeira em uma abordagem
escolar, o que é reflexo da ausência de sensibilização quanto à discussão
étnico-racial na formação inicial dos professores.
Campos (2001) ao fazer um levantamento sobre a presença da Capoeira em
instituições de Ensino Superior em território nacional, conclui que o
conteúdo aparece nesses locais de forma predominantemente informal, ou
seja, poucas são as instituições nas quais a Capoeira é componente da grade
curricular dos cursos superiores de Educação Física.
Outro ponto importante na fala dos entrevistados, salvo os omissos,
foi o relato de que os grupos de Capoeira não dão conta de promover uma
aprendizagem significativa, no sentido de abranger satisfatoriamente as
esferas teóricas e práticas da Capoeira, que deveriam ser contextualizadas
à realidade de cada aluno ou grupo de alunos. Isso ocorre, por partirem do
pressuposto de que o professor de Capoeira não teria domínio didático-
metodológico e teórico sobre aquilo que se propõe a fazer.
Os fatos acima expostos mostram divergências entre os pensamentos dos
professores e suas reais práticas pedagógicas, quando relatam julgarem
importante o ensino da Capoeira durante as aulas de Educação Física, mas
não buscam subsídios para integrar o conteúdo às próprias aulas.


CONCLUSÃO
Muito ainda deve ser feito para que os anseios de uma Educação Física
escolar contempladora dos variados conteúdos que a ela são pertinentes
sejam supridos. Os resultados deste estudo revelam que ainda hoje nos
deparamos com problemas já antigos no sistema educacional brasileiro. Tais
problemas são oriundos de várias fontes, pois perpassam por elementos como
os moldes dados à formação inicial do professor e ações administrativas das
escolas articuladas com os respectivos órgãos públicos de educação, ambos
os elementos atrelados às concepções da hierarquização de raças, que são
tão antigas quanto a própria história do Brasil pós "descobrimento".
A falta de conhecimento dos professores entrevistados nas escolas da
rede municipal de Belém acerca da lei nº 10.639/03 dificulta a promoção de
uma educação voltada para a diversidade, neste caso para a diversidade
étnico-racial, intrínseca ao povo brasileiro. Dessa forma, a escola
continua sendo um espaço reprodutor de várias formas de discriminação, o
que fica evidente nas falas dos sujeitos que apontam para um pensamento
segregador do ser negro.
A Capoeira, enquanto prática afrobrasileira, padece da herança do
ideológico racial construída no Brasil. Perde-se, portanto, a abordagem de
um elemento valioso da Cultura Nacional, de várias formas, e o conteúdo
permanece ausente de currículos de inúmeras escolas e dos cursos de
formação de professores, nesse sentido, continua sendo perpetrada a
invisibilização da História e Cultura Afro, aos alunos é negada uma
possibilidade de vivência riquíssima para sua aprendizagem.
Tendo alcançado os objetivos propostos, os resultados deste estudo
mostram que o debate acerca da presença da Capoeira nas aulas de Educação
Física e o cumprimento efetivo das disposições da LDB, sob a ótica ampla
das relações raciais, devem ser trazidos à baila de modo consistente em
diversas esferas da sociedade, a exemplo do âmbito acadêmico ou
governamental. Assim, planos de ação coerentes poderão ser concebidos e
executados.
Com relação à Capoeira, poderia ser integrada à grade curricular das
instituições formadoras de professores de Educação Física e também serem
ofertados cursos de formação continuada. Destarte, os professores levariam
o conteúdo Capoeira até o discente, em uma abordagem tanto teórica quanto
prática, contextualizando a arte com as temáticas étnico-raciais e
promovendo a tão almejada educação para a diversidade. Por meio dessas e de
outras medidas, pode-se conceber uma sociedade na qual seja derrubada a
ditadura das práticas discriminatórias, uma sociedade sob a luz da
emancipação crítica, capaz de garantir uma formação de qualidade a todos.








CAPOEIRA, CULTURE AND LAW: An analysis of art education in
municipal schools of Belém to light the LDB, by the law 10.369/03.




ABSTRACT

This article aims to identify the current situation regarding the teaching
of the content of Capoeira during physical education classes in public
schools of the city of Belém according to the LDB, by the Law No.
10.639/03, besides understanding how Capoeira content was discussed during
the initial training of physical education teachers of the schools visited,
verify how was established the relationship of the law No. 10.639/03 with
the pedagogical practice of physical education teachers of the surveyed
schools and analyze how these teachers are positioned in pedagogical
practice in relation to P. E. in teaching Capoeira with groups that install
poles for training in school. Following the explanatory character and
guided by the dialectical method, we interviewed 07 teachers of municipal
school in different districts of Belém, the lines were later transcribed
for content analysis. From the analysis, some elements are pointed out to
indentify the weakness in the treatment given to the content Capoeira and
the law 10.639/03, and, therefore, we listed several issues involving the
teaching practice in Physical Education. The lack of knowledge of the
interviewed teachers in municipal school in Belém, about the Law No.
10.639/03 complicates the promotion of an education focused on diversity,
in this case for ethnic and racial diversity, intrinsic to the Brazilian
people. Thus, the school remains a space thar reproduces several forms of
discrimination
KEYWORDS : Capoeira , school , law 10.639/03 , ethnic and racial relations
.


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[1] Deve-se contextualizar a prática pelas relações Étnico-Raciais em
nosso país, partindo dos estudos sobre as origens da travessia de escravos
de regiões da África para o Brasil, conforme os estudos de Mattos (2007),
além de traçar o histórico de preconceitos para com a população negra e
como as formas de preconceito figuram, sobretudo, no âmbito escolar.
[2] A dança N'ngolo é um rito de passagem à puberdade, feita por jovens do
sexo masculino, quando esses se exibem para as jovens se suas tribos em uma
dança permeada por elementos de luta.
[3] Grupos como o "Brasil: Ame ou Lute" e o "MV-Brasil" são exemplos de
organizações engajadas na valorização da Cultura Brasileira.
[4] Promulgada a Lei de 13 de Maio de 1888, os escravos agora livres são
descritos por alguns autores como a primeira horda de sem terras do Brasil,
haja vista que mais de três séculos de escravidão consolidaram o
preconceito e o desrespeito no imaginário popular. Portanto, mesmo libertos
continuavam à mercê da elite dominante, que os marginalizava.
[5] "Artigo 402 – Fazer nas ruas e praças públicas exercícios de agilidade
e destreza corporal conhecida pela denominação capoeiragem, andar em
carreiras, com arm gh{"}~ —¨¬­®×Øîïðñ
! >
ôéôÞôÞÓéÅ·ª??ˆ ˆoˆbUÅGªUhÕxìhT.r5?OJ[6]QJ[7]^J[8]hÕxìhT.rOJ[9]QJ[10]^as ou
instrumentos capazes de produzir lesão corporal, provocando tumulto ou
desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum
mal; Pena de prisão celular por dois a seis meses". (ESTADOS UNIDOS DO
BRAZIL, 1890)
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