Características ambientais da bacia do rio Jeribucassu, Itacaré, Bahia (2005)

June 1, 2017 | Autor: P. Meliani | Categoria: Geography, Geografia Física, Geographic Information Systems (GIS)
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Anais do XI Simpósio Brasileiro de Geografia Física Aplicada – 4 a 9 de setembro de 2005 – Universidade de São Paulo

CARACTERÍSTICAS AMBIENTAIS DA BACIA DO RIO JERIBUCASSU, ITACARÉ, BAHIA Paulo Fernando MELIANI 1

RESUMO Este trabalho apresenta os resultados parciais de uma pesquisa desenvolvida junto à Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), intitulada preliminarmente como “Estudo do meio físico da bacia do rio Jeribucassu, Itacaré, Bahia”. Iniciada oficialmente em julho de 2004, a pesquisa tem se desdobrado em observações que vão além do meio físico, com a preocupação de uma análise ambiental que incorpore as questões sociais da bacia. Localizada no município de Itacaré (BA), a bacia do Jeribucassu apresenta relevante importância sócio-ambiental por apresentar remanescentes de floresta ombrófila densa (Mata Atlântica). Em sua superfície existem assentamentos de trabalhadores rurais implantados pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), e de seu rio principal (Jeribucassu) é captada parte da água que abastece o distrito-sede do município. Por meio de interpretações de fotografias aéreas, imagens orbitais e mapas em meio digital, sempre assistidas por pesquisas de campo, foi possível até aqui identificar características físicas (morfométricas) da bacia hidrográfica do rio Jeribucassu, bem como delimitar e caracterizar sistemas sócio-ambientais, reconhecendo algumas relações entre os elementos do meio físico e do espaço geográfico (clima, geologia, cobertura vegetal, geomorfologia e uso da terra). A análise morfométrica identificou as características físicas de superfície (área), extensão da rede hidrográfica, forma da bacia, hierarquia fluvial, padrões de drenagem, densidade hidrográfica e densidade de drenagem. Dois sistemas sócioambientais distintos foram identificados na bacia do Jeribucassu, sendo denominados pelas características dominantes do modelado, da estrutura geológica e do uso da terra. No setor denominado de “Morros Cristalinos Florestados”, o relevo planáltico de estrutura cristalina é dominantemente dissecado sob a forma de morros arredondados, que possuem altitude média variando entre 100 e 200 metros. Sobre as alterações argilo-arenosas bruno amareladas escuras de profundidade variável deste setor, estão os maiores fragmentos remanescentes de floresta explorada da bacia. No setor dos “Outeiros CristalinosSedimentares Desmatados”, a estrutura cristalina do planalto é eventualmente recoberta por sedimentos da Formação Barreiras. A dissecação do relevo se dá sob a forma de outeiros de até 100 metros de altitude, que por vezes apresentam topos planos em função do recobrimento sedimentar. Além de alterações do embasamento cristalino, este setor apresenta formações superficiais de origem sedimentar arenosas e areno-cascalhentas, bem como couraças ferruginosas. É neste setor que o uso da terra na bacia é mais intensivo, com corte raso da vegetação para a implantação de cultivos temporários e pastagens, além de extrativismo mineral (areia e rocha).

INTRODUÇÃO O município de Itacaré, onde se situa a bacia do Jeribucassu, localiza-se na zona “cacaueira” da Bahia, na Microrregião de Ilhéus-Itabuna, segundo a divisão regional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Figura 1). Surgido de um aldeamento indígena no início do século XVIII, Itacaré manteve-se fortemente integrado a economia cacaueira até meados da década de 1960, em função da importância regional de seu porto, na foz do rio de Contas, junto ao distrito-sede do município. A implantação de estradas entre o interior da 1

Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus, Bahia Professor Assistente de Geografia Regional [email protected]

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região e a cidade de Ilhéus (centro regional e porto exportador), bem como as condições naturais do porto de Itacaré (de baixo calado), entre outros fatores, estabeleceram uma desintegração regional do município. Apesar da proximidade física com Ilhéus, Itacaré vivia de certo modo em isolamento até o final do século XX, resultante das precárias condições de estradas não pavimentadas em um meio natural planáltico de elevada pluviosidade. Antes de 1998, um percurso de automóvel entre Itacaré e Ilhéus, que hoje leva em torno de uma hora, durava de quatro a seis horas, ainda assim apenas quando a ausência de chuvas permitia. Este isolamento foi em parte responsável pela manutenção de florestas costeiras no município, pequenas manchas (fragmentos) de Mata Atlântica que compõem parte das paisagens de Itacaré. Ainda dominadas por aspectos naturais (praias, costões, restingas, estuários, florestas, rios e cachoeiras), as paisagens de Itacaré são o atrativo para o desenvolvimento de atividades turísticas em Itacaré. Dos incontáveis e informais guias de praias, trilhas e cachoeiras até os grandes empreendedores hoteleiros, todos estão pretensamente envolvidos em atividades turísticas “ecológicas” (“ecoturísticas”) em Itacaré. 390W

400W

Teolândia

Venezuela Guiana

Guiana Francesa Suriname

Colômbia

Wenceslau Guimarães 00

Gandu Itamari Nova Ibis

Brasil Peru

Bahia

Ibirataia Ipiaú Ibirapitanga Barra do Rocha Ubatã Itagibá Ubaitaba Gongogi

Bolívia Paraguai

200S

Chile

0

Uruguai

600W

1.100 Km

Uruçuca Coaraci Itajuípe Almadina Barro Preto Floresta Itabuna Ibicaraí Azul Firmino Sta.Cruz Alves da Vitória

Pernambuco Alagoas 0 10 S

48O53’56.27’’

Tocantins

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Itapitanga

400W

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Maranhão

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140S

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0

Canavieiras

15 S

160S

Belmonte Minas Gerais

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0

280 Km 0

45 W

Espirito Santo 0 40 W

0

20

40

60 Km

Figura 1. Localização geográfica do município de Itacaré, Microrregião de Ilhéus-Itabuna, Estado da Bahia

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Situado entre 14°13‘ S e 14°29’ S e 38°59’ W e 39°2 0’ W, o município de Itacaré encontra-se sob domínio de um clima tropical quente e úmido a superúmido, que abrange uma faixa longitudinal da costa baiana com cerca de vinte quilômetros de largura, estendida entre os municípios de Itaparica e Una (NUNES, RAMOS e DILLINGER, 1981). Nesta faixa costeira ocorrem elevadas temperaturas médias anuais, entre 24° e 25° C, e baixas amplitudes térmicas anuais, ao redor de 7°a 8° C (CEPLAC, 1975 ). Entretanto, segundo NIMER (1979), a influência dos ventos alísios provoca um efeito moderador no litoral nordestino, tornando-o menos quente em relação à média regional, que varia entre 26° e 28° C. Esta faixa climática que abarca toda a zona cacaueira do Estado da Bahia tem como característica marcante a elevada umidade, com médias pluviométricas que superam os 2.000 milímetros anuais, sem a ocorrência de uma estação seca típica (GONÇALVES e PEREIRA, 1981). Em Itacaré, a média de precipitação é de 2.482,5 milímetros anuais segundo os dados pluviométricos registrados entre 1964 e 1991, em uma estação meteorológica da SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste), então instalada no município. IMPORTÂNCIA SÓCIO-AMBIENTAL DA BACIA DO RIO JERIBUCASSU Localizada ao sul da cidade de Itacaré, em uma faixa costeira do Estado da Bahia atualmente valorizada pelo potencial turístico, a bacia do Jeribucassu é dominada por uma paisagem planáltica de “mar de morros”, alguns deles florestados com remanescentes explorados de Mata Atlântica. Além do valor paisagístico e ecológico, a bacia do Jeribucassu assume destacada importância social, tanto por abrigar assentamentos de trabalhadores rurais, quanto por ter parte das águas do seu rio principal captada para o abastecimento da cidade de Itacaré. O relevo movimentado do planalto dificultou a integração do espaço costeiro do município à histórica dinâmica econômica da produção cacaueira, limitando o uso agrícola das terras e contribuindo para a manutenção de remanescentes florestais na costa sul de Itacaré. Para o Departamento de Desenvolvimento Florestal do Estado da Bahia (DDF, 1997), a atual crise regional da lavoura cacaueira, iniciada nos primeiros anos da década de 1980, deu origem a alternativas econômicas danosas às florestas costeiras de Itacaré, como a extração de madeira e o desmatamento para a implantação de cultivos agrícolas temporários. ALGER e ARAÚJO (1994) citados por DDF (op. cit.), afirmam que pequenos agricultores têm ocupado terras desabitadas no sul da Bahia, derrubando florestas e implantando roças de subsistência. CAVALCANTI (1994), referindo-se provavelmente a década de 1980 e ao início dos anos 1990, afirma que as florestas das terras próximas à costa de Itacaré têm sido ocupadas por trabalhadores rurais insatisfeitos com as condições recebidas nas roças de cacau. Assentamentos de trabalhadores rurais na bacia do rio Jeribucassu, como o projeto da Marambaia, que teve sua área desapropriada pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) em 1986, confirmam o processo de ocupação recente desta faixa costeira. Além das transformações sócio-espaciais advindas das questões agrárias, a emergente inserção turística também tem requerido mudanças no uso das terras do município, como a pavimentação de estradas, a abertura de caminhos, a edificação de residências, pousadas e instalações de infra-estrutura, como as necessárias para o setor de comércio e serviços. As paisagens de Itacaré, dominadas por aspectos naturais - praias, costões, restingas, estuários, florestas, rios e cachoeiras – são o atrativo turístico do município, tanto que o Governo do Estado da Bahia criou uma unidade de conservação na faixa costeira entre a sede de Itacaré e o distrito de Serra Grande, em Uruçuca, município vizinho. A “Área de Proteção Ambiental (APA) da Costa de Itacaré-Serra Grande”, criada em 1993, possui cerca de 168 km2 delimitados por uma faixa de 6 quilômetros de largura por 28 quilômetros de comprimento, entre o rio de Contas em Itacaré e o rio Sargi em Serra

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Grande. Por meio de um Plano de Manejo, que determina um ordenamento do uso da terra, inclusive no distrito-sede de Itacaré, pretende-se a conservação das paisagens numa tentativa de sustentar a atividade turística no município.

Itacaré Camamu

O

Ibirapitanga Maraú

14 17’30”S

Bacia do rio Jeribucassu

14 10’S

Ubaitaba Aurelino Leal

Itacaré APA da Costa de Itacaré Serra Grande

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O

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14 40’S

Barro Preto Itabuna

14 22’ 30”S

20 Km

0

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39O 15’W

0

6 Km

39O 05’W

39 04’09”W 14 18’16”S

39O 00’W

39 00’07”W 14 18’16”S

Itacaré

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1 -00 BA

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Taboquinhas

e Ubaitaba BA-654

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CONVENÇÕES CARTOGRÁFICAS

01

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39 04’09”W 14 22’07”S

o

Limite da bacia Limite Oeste da APA da Costa de Itacaré - Serra Grande Local da captação de água no rio Jeribucassu Rodovia pavimentada (BA-001) Rodovia não pavimentada (BA-654)

Serra Grande 0

1

2 Km

e Ilhéus

39 00’07”W 14 22’07”S

Figura 2. Localização geográfica da bacia do rio Jeribucassu, Itacaré, Estado da Bahia

Desde 1996, o sistema de abastecimento de água da cidade de Itacaré recebe contribuição do rio Jeribucassu, em virtude do riacho da Ribeira, onde está a captação de água mais

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antiga e utilizada, não contemplar a demanda em determinadas épocas do ano, especialmente quando ocorre aumento da demanda motivado pela presença de turistas. O ponto de captação de água no rio Jeribucassu localiza-se à aproximadamente oito quilômetros ao sul do distrito-sede de Itacaré e dali, por meio de bombas de recalque e transporte por gravidade, as águas do Jeribucassu vão alimentar o reservatório da estação de captação e tratamento do riacho da Ribeira, para daí prover o abastecimento da cidade.

MÉTODOS e TÉCNICAS ANÁLISE MORFOMÉTRICA DA BACIA DO JERIBUCASSU O município de Itacaré não possui uma base cartográfica de onde seja possível extrair informações suficientes para uma análise detalhada da rede hidrográfica da bacia do rio Jeribucassu. Para o município existem apenas as cartas topográficas, Itacaré (SD.24–Z.A.I) e Ubaitaba (SD.24–Y.B.III), elaboradas pela SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) em 1977, em escala incompatível (1: 100.000) à análise de redes hidrográficas. Segundo BOTELHO (1999: 284), o estudo da rede de drenagem como um indicador ambiental necessita de um mapa hidrográfico detalhado, elaborado a partir de fotografias aéreas em escalas grandes, preferencialmente não inferiores a 1: 25.000, onde estejam mapeados todos os cursos de água, inclusive os efêmeros. Nesse sentido, o mapa da rede hidrográfica da bacia do rio Jeribucassu, em escala 1: 25.000, elaborado por MELIANI (2001), foi a base cartográfica digital da análise morfométrica, sendo os dados extraídos por meio do programa de mapeamento digital “CAD (Computer Aided Design) Microstation”. CARACTERIZAÇÃO DE SISTEMAS SÓCIO-AMBIENTAIS A caracterização de sistemas ambientais teve como ponto de partida uma síntese geomorfológica elaborada por MELIANI (2003), que distingue os modelados e as formações superficiais da bacia do Jeribucassu. A esta síntese geomorfológica incorporou-se, por meio de cruzamento de informações, uma síntese geológica (MELIANI, op. cit.) e outra da cobertura vegetal (MELIANI, 2001). Este cruzamento preliminar evidenciou uma primeira configuração espacial de sistemas ambientais da bacia do Jeribucassu que, pelo alto grau de generalização que apresenta, deve ser considerada apenas em sua escala de análise (1: 25.000), fora da qual perde seu sentido explicativo. Nesta generalização inicial não foram considerados os espaços intersistemas nem as possíveis subdivisões dos sistemas, mas foi possível fazer uma série de relações referentes à hidrografia, a litologia, petrografia e estrutura tectônica, aos modelados e formações superficiais, à cobertura vegetal e uso da terra. Na denominação dos setores, que compõem sistemas ambientais relativamente distintos, considerou-se o modelado, a estrutura geológica e o uso da terra dominantes em cada setor.

RESULTADOS CARACTERÍSTICAS FÍSICAS (MORFOMÉTRICAS) DA BACIA DO JERIBUCASSU SUPERFÍCIE (ÁREA) E REDE HIDROGRÁFICA A bacia do rio Jeribucassu possui uma área de 29,70 km² drenada por uma rede hidrográfica composta por 342 cursos d’água, que totalizam 130,08 quilômetros de canais fluviais. Desta rede hidrográfica, 80 cursos d’água são afluentes diretos do rio Jeribucassu, ou seja, 23,39% dos 342 canais que a compõem. Portanto, a maioria dos cursos d’água da bacia do Jeribucassu é constituída de sub-afluentes e formadores, que interligados por meio de confluências, configuram uma ramificada rede hidrográfica.

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De um total de 164 sub-bacias, 3 destacaram-se na análise pela extensão de suas redes hidrográficas e pela área que ocupam: as sub-bacias dos riachos Vitorino e das Piabas e a bacia do córrego Duas Irmãs. A sub-bacia do riacho Vitorino possui a maior área (5,5 km²) e a mais extensa rede hidrográfica (27,5 km) entre todas as sub-bacias da bacia do rio Jeribucassu. A sub-bacia do riacho das Piabas é a segunda maior sub-bacia em superfície (4,6 km²) e em extensão de rede hidrográfica (19,8 km). O córrego Duas Irmãs, que é o mais longo afluente do rio Jeribucassu (4.489,87 metros), drena as águas de uma sub-bacia com 3,4 km² de superfície, encaixado em um vale de encostas íngremes e conectado a uma rede hidrográfica de 16,3 quilômetros de extensão. HIERARQUIA FLUVIAL, PADRÕES DE DRENAGEM E FORMA DA BACIA A ordenação dos cursos d’água, voltada à identificação da hierarquia fluvial, permitiu a identificação de canais de diferentes ordens e o reconhecimento do grau de ramificação das redes hidrográficas. A ordenação proposta por Strahler (1952) apud CHRISTOFOLETTI (1980) estabelece um aumento sucessivo do número de ordem de um curso d’água, a medida em que ele vai recebendo afluentes de mesma ordem. Desta maneira, a seção final do rio principal de uma bacia indica, por meio de sua ordem, a hierarquia fluvial do rio principal frente a sua rede hidrográfica. Assim, a rede hidrográfica da bacia do rio Jeribucassu possui uma hierarquia de 5ª ordem. Com a organização hidrográfica em parte adaptada a estrutura geológica, a bacia do Jeribucassu tem suas águas escoadas diretamente para o oceano Atlântico. A rede hidrográfica segue as orientações estruturais dominantes NE-SW ou NW-SE, perceptíveis no encaixe do fundo de vales ou no alinhamento de interflúvios. A influência estrutural sobre as redes hidrográficas é reconhecida pelo padrão de drenagem paralelo ou sub-paralelo dos rios e afluentes principais, enquanto que os pequenos afluentes e os menores cursos d’água formam um padrão dendrítico. As condições estruturais parecem refletir também na forma da bacia, visto que os divisores de água seguem, grosso modo, as mesmas orientações dominantes do embasamento (NESW e NW-SE). A forma da bacia do Jeribucassu aproxima-se muito mais do aspecto retangular do que do circular, base de comparação da forma de uma bacia hidrográfica. O índice de circularidade indica que a forma da bacia pouco se assemelha a de um círculo. A bacia do rio Jeribucassu tem uma forma retangular, quase quadrada, apresentando um índice de circularidade de 0,52, estando portanto bastante afastada da forma circular absoluta correspondente ao valor 1,0. DENSIDADE HIDROGRÁFICA E DENSIDADE DE DRENAGEM Segundo CHRISTOFOLETTI (op. cit.), “...na natureza, sob condições geográficas e climáticas similares, a descarga e outras características hidrológicas dependem, em grande parte, do número de canais existentes na área” (p. 108). A relação entre a quantidade de canais fluviais com a área de sua bacia indica a densidade hidrográfica, um índice que permite conhecer a média de canais por km2 em uma bacia. A bacia do Jeribucassu possui cerca de 11,51 canais por km2. A bacia do Jeribucassu apresenta elevado índice de densidade de drenagem: 4,38 km de canais por km² , indicando a intensa dissecação do relevo, um verdadeiro labirinto de pequenos vales relativos aos canais de 1ª ordem, onde o conjunto de interflúvios forma uma paisagem típica de “mar de morros”. Na bacia do rio Jeribucassu, dos 342 cursos d’água que compõem a rede hidrográfica, 276 (80,70%) são canais de 1ª ordem. O atual clima superúmido de Itacaré intensifica o entalhamento dos vales e a dissecação das encostas das elevações dominantemente cristalinas da área de estudo.

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Tabela 1. Características morfométricas da bacia do rio Jeribucassu Características 2 Área da bacia (km ) Quantidade de canais fluviais Extensão da rede hidrográfica (metros) Perímetro da bacia (metros) Índice de circularidade Hierarquia fluvial (ordem) Quantidade de afluentes diretos Extensão do rio principal (metros) 2 Densidade hidrográfica (quantidade de canais por km ) Padrão de drenagem Quantidade e % de canais de 1ª ordem Quantidade e % de canais de 2ª ordem Quantidade e % de canais de 3ªordem Quantidade e % de canais de 4ª ordem Quantidade e % de canais de 5ª ordem Densidade de drenagem (metros de canais por km²)

Bacia do Jeribucassu 29,70 342 130.088,50 26.596,04 0,52 5ª 80 17.959,10 11,51 (Sub)paralelo-dendrítico 276 (80,70%) 53 (15,50%) 09 (2,63%) 03 (0,88%) 01 (0,29%) 4.388,95

SISTEMAS SÓCIO-AMBIENTAIS DA BACIA DO JERIBUCASSU MORROS CRISTALINOS FLORESTADOS O relevo planáltico que domina toda a bacia é dissecado sob a forma de interflúvios e vales e é, neste setor, que se encontra em posição mais elevada na bacia, superando em média a cota 100 e alcançando no alto dos morros altitudes muito próximas dos 200 metros. Os interflúvios assumem em geral formas a forma de morros arredondados, um reflexo do clima úmido e quente de Itacaré. Cristalinas, as rochas que sustentam o relevo constituem um complexo metamórfico de provável natureza granulítica com considerável presença de corpos máficos, como uma amostra de rocha coletada no leito de uma nascente do rio Jeribucassu, nos altos da Serra do Capitão, que foi classificada por MELIANI (2003) como granulito máfico. A decomposição das rochas metamórficas dá origem a formações superficiais bem drenadas com intensa lixiviação de bases e sílica, restando em superfície um manto de alteração argilo-arenoso residual, quase sempre bruno-amarelado escuro de profundidade variável, em função da posição no modelado. A recorrência de morros e vales que caracteriza a paisagem da bacia do Jeribucassu associa-se a um denso padrão de drenagem dendrítico, que é estabelecido pela menor nervura da rede hidrográfica. O padrão dendrítico, típico de redes hidrográficas formadas sobre rochas pouco permeáveis e submetidas a clima úmido, é estabelecido pelos numerosos cursos d’água de pequena ordem que escavam os vales entre os morros, cerca de 4,8 km de canais fluviais por km2 neste setor de Morros Cristalinos Florestados. No fundo dos vales, a rede hidrográfica tem um padrão de drenagem sub-paralelo estabelecido pelo encaixe dos cursos d’água na estrutura geológica, notadamente em falhas, fraturas e foliações de direção dominante norte-nordeste. Outro aspecto característico da paisagem neste setor é a cobertura arbórea dominante por sobre os morros, notadamente nas encostas e topos da Serra do Capitão, onde estão os mais contínuos remanescentes florestais da bacia (entre 6 e 7 km2 de floresta ombrófila densa), bem como as nascentes dos principais cursos d’água da bacia, o riacho Vitorino e o próprio Jeribucassu. O uso da terra nas áreas dos morros cristalinos florestados se caracteriza pela manutenção dos remanescentes florestais como reservas das grandes e médias propriedades rurais, bastante explorados pelo extrativismo seletivo das árvores da floresta. Cortadas em tábuas e pranchas no interior da floresta, as árvores são retiradas pelos muitos caminhos e trilhas por meio de tração animal, provavelmente para atender a crescente demanda de construções em Itacaré.

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OUTEIROS CRISTALINOS-SEDIMENTARES DESMATADOS Este setor distingue-se pela ocorrência dispersa de recobrimentos sedimentares, provavelmente da Formação Barreiras, por sob o embasamento cristalino, bem como pela extensiva degradação da cobertura florestal em função de usos anteriores e mais intensivos da terra. Levemente rebaixado em relação a Serra do Capitão, o relevo planáltico encontrase aqui em cotas altimétricas que variam do nível do mar, na desembocadura do rio Jeribucassu, até cerca de 100 metros de altitude, nível topográfico dos maiores interflúvios do setor. Os interflúvios são dissecados dominantemente sob a forma de outeiros, denominação usada para elevações mais modestas que os morros. Como em toda a bacia, o relevo se sustenta em um embasamento cristalino que, neste setor, segundo MELIANI (2003), possui natureza granulítica ou milonítica e apresenta composição mineralógica predominantemente quartzo-feldspática. Dispersos por sobre alguns setores do embasamento cristalino, recobrimentos sedimentares (Formação Barreiras?) estabelecem um aspecto tabular aos topos de alguns outeiros distribuídos em um nível topográfico de aproximadamente 100 metros de altitude, notadamente nos divisores de água localizados ao sul, na divisa com a bacia do Burundanga, e à nordeste na divisa com a bacia do rio Canoeiro. Os outeiros com coberturas sedimentares possuem formações superficiais associadas a esta natureza, como as formações arenosas bruno-amareladas com evolução latossólica, bem como as formações areno-cascalhentas com evolução de podzol gigante, identificadas por MELIANI (op. cit.) no nordeste e no sul da bacia do Jeribucassu, respectivamente. Intimamente relacionadas ao substrato sedimentar que recobre alguns outeiros cristalinos, estas formações apresentam-se sempre muito profundas, por vezes chegando a ultrapassar os 7,00 metros de profundidade. Na interface entre as formações de origem sedimentar e o embasamento cristalino é comum a ocorrência de couraças ferruginosas consolidadas, identificadas no campo em rupturas convexas de vertentes. Couraças ferruginosas têm origem na ação de soluções ferruginosas descendentes, procedentes da lixiviação de horizontes superiores do solo com posterior deposição em profundidade, onde hidróxidos de ferro são imobilizados. CAVALCANTI (1994) identificou em Itacaré pavimentos lateríticos correlacionáveis às couraças ferruginosas consolidadas, que teriam se originado da migração do ferro existente nos sedimentos que capeiam o manto de intemperismo argiloso do embasamento, por ação da infiltração da água. Na interface com o manto argiloso impermeabilizado, a menor infiltração da água provocaria um escoamento lateral concentrado que transportaria o ferro em solução até alcançar a borda do platô quando, em contato com o ar atmosférico, se oxidaria dando origem ao pavimento laterítico. Apesar dos topos planos dos outeiros com recobrimentos sedimentares favorecerem a infiltração das águas precipitadas, os interflúvios desta natureza ocorrem em pequeno número e de forma localizada na bacia do Jeribucassu. As elevações que predominam na bacia são as de natureza unicamente cristalina, que em geral apresentam topos convexos, estreitos e que configuram por vezes cristas alongadas, como os outeiros posicionados ao largo do estuário do rio Jeribucassu. Evidente na imagem de satélite, a influência geológica é marcante nos alinhamentos dos vales e interflúvios, onde os desníveis são abruptos, com declividades muitas vezes superando os 45º de inclinação. A pouca permeabilidade das rochas cristalinas, associada às linhas estruturais exploradas pelos cursos d’água, estabelece uma elevada densidade de drenagem no setor, cerca de 8,3 quilômetros de canais fluviais por Km2. O uso da terra neste setor de outeiros cristalino-sedimentares desmatados tem características de maior diversificação e dinamismo. A cobertura arbórea só é dominante no topo de alguns dos interflúvios, notadamente naqueles com encostas mais íngremes,

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caracterizando-se por uma dispersão de pequenos fragmentos de capoeiras e florestas exploradas. A maior parte da área sofreu corte raso da vegetação, objetivando a implantação de culturas agrícolas e, eventualmente, pastagens em pequenas propriedades, como as dos assentamentos da Marambaia e Camboinha. Os agricultores que adquiriram a terra por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) em Itacaré, em entrevista a CAVALCANTI (1994), afirmaram que encontraram as terras recobertas por florestas ou capoeirões. nga RioPiraca

39° 07’ W 14° 14’ S

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Morros Cristalinos Florestados

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Marambaia

Outeiros CristalinoSedimentares Desmatados

Praia do Jeribucassu

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Praia da Engenhoca Praia do Havaizinho Camboinha

39° 00’ W 4

Rio Tijuípe

14° 24’ S

Figura 3. Bacia do rio Jeribucassu em imagem de satélite LANDSAT (1994).

Na bacia do Jeribucassu, a agricultura é praticada por médios e pequenos produtores rurais, que possuem diferentes níveis de manejo e de estrutura de produção, apesar de cultivarem basicamente os mesmos produtos. Cultivos cíclicos, como o da mandioca e o do milho, além de cultivos permanentes como o do abacaxi, do cacau, do côco-da-bahia, da seringa e do cravo-da-índia, são culturas presentes nas pequenas e médias propriedades rurais das bacias. A criação de animais, apesar de pouco difundida, está representada pela criação de aves, de bovinos e eqüinos, voltada basicamente para a subsistência e ao transporte de pessoas e de carga. Nas médias propriedades, a agricultura tem caráter comercial com práticas agrícolas tradicionais aplicadas a cultivos mistos de culturas cíclicas e permanentes. Nas pequenas propriedades rurais, como no assentamento da Marambaia, a prática é a de uma agricultura de subsistência, destacando-se o cultivo da mandioca que é, por vezes, processada em farinha por pequenos engenhos próprios ou comunitários. A

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atividade agrícola nas pequenas propriedades é praticada com a finalidade de alimentar o produtor e sua família, sendo que as sobras da produção, eventualmente comercializadas, têm seu valor utilizado na compra de alimentos complementares às necessidades da família. CONCLUSÕES O reconhecimento de sistemas ambientais na bacia do Jeribucassu, por meio de uma análise estrutural e dinâmica do meio físico e do uso da terra, exige uma visão de conjunto do meio ambiente, atitude que se reveste de limitações por se tratar de um espaço de resistência, tanto da floresta quanto das populações que ali vivem, bem como por abordar questões metodológicas para a pesquisa em Geografia. Assim, a caracterização aqui apresentada deve ser considerada em seus limites: o de ser uma concepção geográfica com alto grau de generalização e, por ser uma procura, o de não se apresentar como uma proposta metodológica definitiva. Inspirada pela perseguição do paradigma dos “geossistemas como elemento de integração na síntese geográfica e fator de promoção interdisciplinar na compreensão do ambiente” (MONTEIRO, 1996), esta análise procura setores da bacia com padrões ambientais semelhantes que considerem o meio físico e o espaço geográfico. Apesar de ter sido possível delimitar dois setores com sistemas ambientais relativamente distintos (Morros Cristalinos Florestados e Outeiros Cristalinos-Sedimentares Desmatados), bem como reconhecer algumas relações entre os elementos do meio físico e do espaço geográfico, os resultados aqui apresentados se revestem de limitações metodológicas. Em primeiro lugar, a grandeza espacial da bacia (cerca de 30 km2) é incompatível com a teoria geossistêmica que se serviu de inspiração para a análise. Outra limitação analítica diz respeito a perspectiva qualitativa das relações ambientais apresentadas, quase sempre associadas as características naturais, como as encontradas entre os índices morfométricos, o substrato e o relevo, bem como do clima, a geologia e as formações superficiais. A histórica dificuldade de se “antropizar” o sistema ambiental (MONTEIRO, op. cit.) mostrou-se neste estudo como mais uma limitação, talvez pela incompatibilidade entre as escalas temporais da natureza e da cultura. As relações sócio-naturais restringiram-se a apontar fatores de degradação ambiental, notadamente de extrativismo mineral e vegetal.

REFERÊNCIAS BOTELHO, Rosangela Garrido Machado. Planejamento ambiental em microbacia hidrográfica. Erosão e conservação dos solos: conceitos, temas e aplicações. GUERRA, A.J.T.; SOARES DA SILVA, A.; BOTELHO, R.G.M. (orgs.). RJ: BertrandBrasil, 1999. pp.269-300. CAVALCANTI, Márcio Alves. Estratificação de ambientes, com ênfase no solo, da região de Itacaré – BA. Dissertação de Mestrado em Solos e Nutrição de Plantas. Viçosa, Minas Gerais: Universidade Federal de Viçosa, 1994. 73 p. CEPLAC. Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira. Diagnóstico Sócio-econômico da Região Cacaueira – Reconhecimento Climatológico (Volume 4). Ilhéus, Bahia: CEPLAC/IICA (Instituto Interamericano de Ciências Agrícolas), 1975. CHRISTOFOLETTI, Antonio. Geomorfologia. 2a ed. SP: Edgard Blücher, 1980. DDF. Departamento de Desenvolvimento Florestal. Projeto de criação do Parque Estadual da Serra do Conduru. Salvador, BA: Secretaria de Agricultura, Irrigação e Reforma Agrária, janeiro de 1997. GONÇALVES, Ronaldo do Nascimento; PEREIRA, Regina Franscisca. Climatologia em Uso potencial da Terra. Projeto RADAMBRASIL. Folha SD. 24 Salvador: Geologia, Geomorfologia, Pedologia, Vegetação e Uso potencial da terra. (Acompanha material cartográfico em escala 1: 1.000.000). RJ: Ministério das Minas e Energia, 1981. pp. 582-620. MELIANI, Paulo Fernando. Análise geomorfológica das bacias dos rios Jeribucassu e Burundanga, Itacaré, Bahia – Mapeamento em escala 1: 25.000. Dissertação de Mestrado em Geografia. Florianópolis, Santa Catarina: Universidade Federal de Santa Catarina, 2003. 150 p.

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_____. Mapeamento e análise quantitativa da rede hidrográfica da bacia do rio Jeribucassu, Itacaré, Bahia. Monografia de Bacharelado em Geografia. Florianópolis, Santa Catarina: Universidade Federal de Santa Catarina, 2001. 64 p. MONTEIRO, Carlos Augusto de Figueiredo. Os geossistemas como elemento de integração na síntese geográfica e fator de promoção interdisciplinar na compreensão do ambiente. Revista das Ciências Humanas. Florianópolis, SC: UFSC. Volume 11. Número 19. pp. 67-101, 1996. NIMER, Edmon. Climatologia do Brasil. Rio de Janeiro, RJ: IBGE, 1979. 421 p. NUNES, Bernardo Thadeu de Almeida; RAMOS, Vera Lúcia de Sousa; DILLINGER, Ana Maria Simões. Geomorfologia. Projeto RADAMBRASIL. Folha SD. 24 Salvador: Geologia, Geomorfologia, Pedologia, Vegetação e Uso potencial da terra. (Acompanha material cartográfico em escala 1: 1.000.000). RJ: Ministério das Minas e Energia, 1981. pp. 183-276.

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