Caracterização do processo de Ação Simultânea (AS) na performance e percepção em tempo real

July 4, 2017 | Autor: R. Dourado Freire | Categoria: Psychology of Music, Psicologia Da Música
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ANAIS do IV SIMCAM - Simpósio de Cognição e Artes Musicais

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http://www.fflch.usp.br/dl/simcam4/anais_simcam4.htm

Artigos selecionados para o IV SIMCAM. "Cognição Musical: aspectos multidisciplinares"

APRESENTAÇÂO Organizadores: Beatriz Raposo de Medeiros e Marcos Nogueira. Os Anais do 4º. SIMCAM (Simpósio de Cognição e Artes Musicais) são o resultado da seleção de trabalhos enviados para o Simpósio, seleção esta que contou com um comitê científico realmente dedicado ao qual agradecemos o empenho e a disposição nesta etapa da organização do 4º. SIMCAM. A outra etapa foi distribuir os artigos por sub-tema do Simpósio: A mente e a percepção musical; A mente e a produção musical; Artes Musicais, lingüística, semiótica e cognição; Tecnologia, artes musicais e mente e O desenvolvimento paralelo da mente humana e das artes musicais.

São Paulo: Paulistana, 2008. ISBN:

Pronto! Já estávamos realizando o trabalho de editoração! Nesta etapa também agradecemos ao Ricardo Escudeiro, aluno da Graduação da Letras (FFLCH- USP), e à Graziela Bortz (UNESP). A Editora Paulistana, representada pela Adélia Ferreira, deu-nos o apoio então de que precisávamos para chegarmos a esta publicação on-line, com os textos devidamente formatados. Devemos agradecer à Adélia pela interlocução, pela disposição em aceitar nossas propostas de publicação dos textos, que sabemos – e isso já é uma tradição dos nossos SIMCAMs – têm tido a melhor acolhida possível no sentido de divulgá-los para que possamos ter já um conjunto inicial de referências em português, e aqui no Brasil, na área da cognição e arte musicais. Esperamos que cada leitor destes Anais possa encontrar a informação desejada, aprender com a nova e se empolgar com a inusitada. Pedimos que aguardem notícias, aqui neste site, sobre a publicação dos Anais também em CD. São Paulo, maio de 2008. Beatriz Raposo de Medeiros e Marcos Nogueira

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A mente e a percepção musical

http://www.fflch.usp.br/dl/simcam4/anais_simcam4.htm

Tecnologia, artes musicais e mente

Alexandre Porres (texto 2) Alexandre Porres (texto 3) Angelo Martingo Alexandre Porres (texto 1) César Traldi e Jônatas Manzolli Antenor Ferreira Corrêa Cristina Gerlin, Catarina Domenici e Regina Santos Luis Carlos de Oliveira, Ricardo Goldemberg, Jônatas Edmundo Hora Manzolli Patrícia Vanzella, Maria Gabriela M. de Oliveira e Orlando Scarpa Mariana Werke Ricardo Dourado Freire Ricardo Goldemberg e Cristiane Otutumi Snizhana_Drahan Zula de Oliveira e Marilena de Oliveira

A mente e a produção musical

Artes musicais, lingüística, semiótica e cognição

Alexandre Loureiro Antonio Salgado Bernardo Pellon Flávia Narita e Maria Cristina Azevedo Jorge Schroeder Lara Babbar Márcia Higuchi Márcia Higuchi e João Leite Maurício Dottori Norton Dudeque Rita de Cássia Fucci Amato (texto 1) Rosane Araujo e Letícia Pickler Thiago Cazarim Valentina Daldegan

Cristiano da Costa Cardoso e Ewelter Rocha Daniel Soares da Costa Flávia Toni Gladis Massini-Cagliari Lucas Shimoda Luis Felipe Oliveira e Jônatas Manzolli Peter Dietrich e Maria Rita Aredes Peter Dietrich Roberto Luiz Comi

O desenvolvimento paralelo da mente humana e das artes musicais

Abel Raimundo Silva Anahi Ravagnani Caroline Pacheco Celina Maydana e Maria de Fátima Brasil Clara Márcia de Freitas Piazzetta Elaine Kafjes, Mirna Domingos e Márcio Andriani Esther Beyer Eunice Dias da Rocha Rodrigues e Maria Cristina Azevedo de Carvalho Fernanda de Souza Graziela Bortz Hellen Ferracioli Julia Escalda Lemuel Guerra Luciane Cuervo Luís Bourscheidt Liciê Martin Liége Pinheiro dos Reis e Maria Cristina de Carvalho Cascelli de Azevedo Marcos dos Santos Moreira

Maria Carolina Cruz e Rosemyriam Cunha Mariana Werke Maristela Smith Milson Fireman Patrícia Gatti Patrícia Pederiva e Elizabeth Tunes Paula Pecker e Patrícia Kebach Rael B. Gimenes Toffolo, Luis Felipe de Oliveira e André Luiz Gonçalves de Oliveira Rita de Cássia Fucci Amato (texto 2) Rita de Cássia Fucci Amato (texto 3) Sérgio Luiz Ferreira de Figueiredo e Luciana Machado Schmidt Sandra Rocha Silvia Nassif Simone Marques Braga Vera Cury W.M. Pontuschka

Índice por autor (em ordem alfabética)

DL - FFLCH - USP 2008. Todos os dreitos reservados. Web designer: Juliana Mendes de Oliveira E-mail: [email protected]

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Anais do SIMCAM4 – IV Simpósio de Cognição e Artes Musicais — maio 2008

Caracterização do processo de Ação Simultânea (AS) na performance e percepção em tempo real Ricardo Dourado Freire UnB [email protected]

Resumo: O presente artigo apresenta parte de uma pesquisa teórica mais ampla sobre os aspectos da percepção e performance em tempo real. Introduz o conceito de Ação Simultânea (AS) como um processo mediado pela memória sensorial no contexto de interação na prática musical. O objetivo principal é caracterizar a AS como um dos processos possíveis de percepção em tempo real na prática da performance e também no treinamento auditivo. O método relaciona elementos do processo de interação musical aos aspectos do processo de aprendizagem. São dados exemplos da aplicação da AS na performance, no solfejo e no ditado musical em tempo real. Palavras-chave: Percepção Musical, Tempo Real, Performance.

Quando um músico se apresenta em grandes grupos como uma orquestra sinfônica, banda de música ou bateria de escola de samba, torna-se necessário sincronizar sua performance com a performance de outros músicos em diversos aspectos, entre eles alturas (afinação), ritmo, intensidade, timbre e articulação. Todas estas ações acontecem em tempo real, ou seja, os músicos precisam responder em milésimos de segundo aos estímulos do grupo (músicos) e do contexto musical (acústica, amplificação). A percepção musical funciona como mediadora do processo da performance musical em grupo na medida em que a ação de tocar o instrumento ocorre simultaneamente ao ato de ouvir o resultado sonoro individual e coletivo. Tais ajustes individuais são vitais uma vez que deles depende o resultado sonoro do grupo. Se inicialmente nos perguntamos quais são os processos cognitivos envolvidos nesses ajustes simultâneos, mais ainda nos interessa saber como utilizar didaticamente tais

estratégias já utilizadas espontaneamente na performance. Diante desta inquietação, alguns aspectos já têm sido experimentados em programa de música e dele resultam a discussão aqui apresentada. Este artigo aborda especificamente aspectos do processo de reprodução, identificação e decodificação das alturas sonoras a partir da interação entre duas ou mais pessoas, coordenadas em tempo real. Estas interações ocorrem por meio da voz, de instrumentos musicais, do solfejo ou aplicado na escrita musical. O aspecto rítmico não será abordado aqui, pois o processamento do ritmo difere estruturalmente do processamento de identificação das alturas, tanto no aspecto melódico quanto no harmônico. 1. Fundamentação O impulso para esta pesquisa surgiu diante das minhas próprias reflexões sobre as práticas de treinamento auditivo, inspirado pelos mesmos problemas que Bernardes (2000) expõe “da necessidade de se

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repensar pedagogicamente a Percepção musical, disciplina que pode ser entendida como básica na formação dos músicos”. Neste caso específico será a necessidade de repensar o processo cognitivo da percepção musical e quais novos paradigmas poderão auxiliar neste processo. O modelo preponderante de ensino da Percepção musical é o ditado musical tradicional. Vários autores brasileiros, entre eles Grossi (2001), Bernardes (2001) e Freire (2003, 2007) têm questionado a validade e utilidade destes procedimentos como ferramentas efetivas para a aprendizagem da leitura e escrita musicais. Verticalizando um pouco essa questão, o que é um ditado musical na concepção pedagógica tradicional? Seria o professor tocar, geralmente ao piano, para serem escritos pelo aluno, melodias a uma, duas ou mais vozes, intervalos melódicos e/ ou harmônicos, acordes isolados ou encadeados, enfim, toda sorte de signos musicais isolados ou na forma de fragmentos musicais geralmente criados por ele ou tomados ao repertório musical e que apresentem determinadas questões que necessitam ser trabalhadas auditivamente. Quando um professor faz (toca) um ditado espera que o aluno escreva exatamente aquilo que ele tocou. Normalmente o que não é literalmente decodificado, de acordo com a versão que o professor tem em mãos, é considerado errado. Cada nota, ritmo, cifra, enfim, o que for objeto do ditado, vale pontos. (Bernardes, 2001, p. 75)

Grossi, após revisar diversos modelos de testes auditivos desenvolvidos na psicologia da música, pôde avaliar que “os testes buscam respostas relacionadas aos aspectos ‘técnicos’ da música e, neste contexto, a percepção é ‘objetivamente’ avaliada através do emprego de questões padronizadas e mensurações quantitativas.” (Grossi, 2001, p. 51). Outro aspecto que interfere no processo de identificação das alturas musicais é a dicotomia entre solfejo e

percepção que agrava ainda mais a situação. Muitos alunos não possuem segurança no solfejo e assim perdem a principal ferramenta de mediação na percepção musical (Freire, 2003). Aulas de percepção musical são sempre cheias de surpresas, principalmente surpresas de alunos que conseguem ouvir e tocar, mas não conseguem escrever com fluência o que ouviram. Alguns alunos provenientes da música popular são, muitas vezes, capazes de tocar e acompanhar uma música “de primeira”, sem o auxílio da partitura, mas não são capazes de escrever ou transcrever o que tocaram. Deutsch (2008) apresentou e testou um modelo teórico sobre formas de funcionamento da mente e como a mente representa e guarda a informação musical em vários níveis de abstração. Seu trabalho aborda a relação entre intervalos e também a identificação de padrões musicais organizados a partir de hierarquias musicais. Nesta proposta, Deutsch investiga quais os tipos de abstrações que dão suporte à percepção de elementos específicos, como intervalos, acordes e notas específicas. (Deutsch, 1999) Krumhansl (1990) apresenta um modelo teórico para a percepção musical no qual “os elementos sonoros são percebidos dentro de um contexto, organizados em alturas e ritmos, e compreendidos nos termos das suas funções dentro do contexto musical, sendo que cada altura faz parte de padrões melódicos e harmônicos extendidos”. A perspectiva de Krumhansl foca nos aspectos da experiência musical que podem ser diretamente relacionados com estruturas musicais objetivas (notas, escalas, padrões). Sua abordagem cognitiva está centrada no processo de identificação de escalas e tonalidades a partir de experimentação controlada e testes para

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uma melhor definição das formas de percepção dos elementos musicais. Os modelos de Deutsch e Krumhansl estabelecem parâmetros para o processo de hierarquização das estruturas cognitivas na relação entre as notas musicais e seu contexto. Estes modelos são fundamentais para a elaboração de abordagens de percepção musical, no entanto o foco não está na resposta em tempo real e sim na interpretação e compreensão dos contextos musicais. 2. Objetivos Este trabalho tem o objetivo de caracterizar uma abordagem interativa da percepção na qual o foco de atuação é a resposta imediata na identificação de notas e acordes musicais em atividades de performance, solfejo ou ditado musical. Neste caso, os exemplos e estímulos musicais devem ser processados em tempo real, ou seja, a repetição das notas em um instrumento, a identificação das notas por meio do solfejo ou a transcrição para a partitura ocorrerão quase simultaneamente ao exemplo original. Este tipo de abordagem será denominada Ação Simultânea (AS), caracterizada pela simultaneidade entre estímulo sonoro e resposta (performance, solfejo ou escrita). A ação ocorrerá como um pequeno atraso do estímulo principal, mas antes do estímulo subseqüente, em tempo real. 3. Método Este trabalho está baseado na discussão teórica de elementos que influenciam na percepção musical em tempo real e na pesquisa de aplicações práticas para atividades musicais a partir do conceito de Ação Simultânea. A performance acontece em tempo real, quando os músicos precisam

responder em milésimos de segundo aos estímulos do conjunto e do contexto musical. Quando um músico se apresenta em grupos grandes como uma orquestra sinfônica, banda de música ou bateria de escola de samba, a necessidade de sincronizar seus instrumentos em termos de ritmo, intensidade, timbre e altura/afinação acontece durante um processo contínuo de feedback em tempo real. Entretanto, no processo de aprendizagem musical, principalmente da percepção musical, existem poucas atividades realizadas em tempo real. A grande maioria das atividades é realizada por repetição, ou realizadas após a memorização de trechos musicais. O fato de a percepção ser mediada pela memória torna o processo distinto do processo realizado na performance prática. A percepção musical em tempo real pode ser observada claramente em pessoas que apresentam ouvido absoluto, ou seja, pessoas capazes de identificar notas musicais em tempo real. (Ouvido absoluto) A habilidade de nomear ou produzir (vocalmente) a nota de determinada altura na ausência de outras notas de referência. Esta habilidade, conhecida também como “altura pefeita” (perfect pitch), é muito raro na nossa cultura, com uma estimativa geral de prevalência de menos de 1 para cada 10.000 (< 0,01%). Pessoas com ouvido absoluto conseguem nomear notas tão rapidamente e sem esforço quanto a maioria das pessoas consegue identificar cores. No entanto, ouvido absoluto é geralmente considerado uma dotação misteriosa que é disponível para poucos indivíduos privilegiados. (Deutsch, 2007)

Uma das características principais das pessoas com ouvido absoluto era a resposta rápida, quase instantânea, na identificação de notas ou acordes. A capacidade de identificar a partir de uma interiorização das alturas

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musicais e não a partir de um elaborado processo cognitivo de hierarquização das estruturas tonais. O processo de funcionamento da memória sensorial em pessoas com ouvido absoluto foi o ponto de partida desta investigação. Neste caso, o questionamento principal estava relacionado com o processo temporal de identificação de notas, e a velocidade durante o processo de identificação. Analisando o processo de transcrição de um ditado musical é possível observar três aspectos: 1) audição do trecho musical, 2) memorização do trecho e 3) Transcrição. A memória musical atua como um processo de acúmulo de informações que deverão ser processadas durante a percepção de trechos musicais. A memória pode funcionar de uma maneira benéfica para criar hierarquias e grupos de notas (padrões musicais) ou de maneira oposta e interferir negativamente ao aumentar o número de informações que deverão ser processadas. A memória na música precisa ter o funcionamento de um sistema heterogêneo, no qual as várias subdivisões se diferenciam a partir da pré-existência de elementos a partir do qual irão reter a informação. O modelo assume que a informação musical está inicialmente sujeita a um conjunto de análises perceptivas, que são processadas em diferentes subdivisões do sistema auditivo. Estas análises resultam na atribuição de valores de alturas, volume, duração, e outros, assim como informações abstratas como intervalos harmônicos e melódicos, relações de durações e timbre. (Deutsch, 1999, p. 390)

Pode-se observar que a atividade de percepção pela memória envolve vários aspectos que formam este sistema complexo e diversificado de estímulos e processos de decodificação da informação. De acordo com a psicologia cognitiva (Stenberg, 2000), a

memória pode ser processada de diversas maneiras: 1) armazenamento sensorial, períodos de tempo muito breves, 2) armazenamento de curto prazo, e 3) armazenamento de longo prazo. (Attkinson & Shiffrin, 1971 apud Stenberg, 2000) O armazenamento de curto e longo prazos da memória não pode ocorrer em tempo real, desta maneira o foco de investigação passou a ser o armazenamento sensorial. O foco do armazenamento sensorial é a capacidade de vincular os sentidos a respostas específicas por períodos muito breves de tempo. A abordagem do processo de Ação Simultânea foi desenvolvida a partir do pressuposto de que o processo de interação deve lidar com um número reduzido de informações de cada vez, ou seja, cada nota apresentada auditivamente deverá ser identificada imediatamente, antes da apresentação de novos estímulos musicais. O processo de Ação Simultânea diferencia-se do processo de Repetição no qual um estímulo sonoro é apresentado, memorizado e em seguida repetido. Na Ação Simultânea o ocorre o estímulo sonoro e imediatamente a resposta, de maneira direta, sem a mediação da memória de curto ou longo prazos. O processo de Repetição está centrado em uma ação que foi realizada no passado enquanto a Ação Simultânea está baseada em uma situação realizada no presente. Foco

Repetição Passado

Ação Simultânea Presente

O processo de Ação Simultânea está presente em várias atividades coletivas, de uma forma direta e produtiva para líderes e participantes de grupos musicais ou de atividades esportivas. Uma aula de ginástica aeróbica é um bom exemplo de uma situação em que os participantes conseguem seguir em tempo

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real, as indicações dos movimentos corporais do professor de educação física. Nestas aulas, o movimento é observado e repetido simultaneamente com a música, sendo que o estímulo visual do professor é observado, copiado e reproduzido como em um espelho ao mesmo tempo em que é apresentado pelo instrutor. Nesta situação, o estímulo visual é o fator que permite a ação simultânea entre os movimentos dos instrutores e os movimentos dos alunos. Um Coral de Leigos é um bom exemplo de situação musical na qual as pessoas conseguem acompanhar a performance musical, mesmo sem saber a leitura musical. Nesta situação os participantes seguem as indicações musicais do regente e os líderes de naipe, ouvindo, olhando os movimentos labiais, seguindo a letra da música, sendo que muitas partes da música não estão memorizadas e necessitam de exemplos musicais (colegas, piano, instrumentos, regente) para que as pessoas possam acompanhar e participar da performance musical. Agora, como explicar esses fenômenos apresentados nos exemplos acima? Como tais fenômenos ocorrem especificamente na performance musical/melódica? De acordo com Pierce (1999), o tempo de resolução do ouvido pode ser considerado entre 1,5 e 20 milissegundos (0,0015–0,020 seg) em situações de laboratório e entre 30 e 50 milissegundos (0,030–0,050 seg) em situações musicais. Esta diferença ocorre pela estrutura dos instrumentos musicais e também da acústica nas salas de concerto, nos quais a reverberação influencia no discernimento da simultaneidade entre sons. Pode-se observar que o músico é capaz de processar individualmente as informações de maneira bastante rápida, no entanto a acústica dos ambientes musicais torna o processo de identificação de simultaneidades mais lento. Esta diferença entre o tempo de processamento

individual e o tempo de processamento em situações reais permite que os músicos possam fazer uma série de ajustes antes da identificação de alguma diferença musical para o público. A aplicação deste princípio permite que, caso um estímulo musical e suas respostas ocorram em um tempo inferior a 30 milissegundos, eles possam ser percebidos como um único estímulo. 4. Resultados A partir deste objetivo pode-se caracterizar que a função da AS como a ação que permite a interação musical em tempo real cujo estímulo e resposta musical ocorrem tão rápido de maneira que o estímulo e a resposta sejam percebidos como realmente simultâneos. O conceito de AS é, portanto, um princípio teórico sobre uma forma de interação temporal com aplicações essencialmente práticas para a performance musical. Dessa forma, atividades de AS incorporadas no contexto da performance e da percepção devem ser estruturadas com base no tempo de resolução do ouvido contribuindo para que o tempo de resolução entre um estímulo musical e sua resposta seja cada vez mais contíguo. Por razões didáticas, as atividades de AS devem ser intercaladas com atividades de imitação ou audição por trechos para que haja uma comparação e diferenciação entre as diversas formas de processamento da informação musical. Foram elaboradas atividades específicas voltadas para o solfejo, performance melódica, performance harmônica e ditado musical. Estas atividades são experimentais e ainda estão em fase de investigação sobre seus efeitos diretos na percepção musical.

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Atividades de solfejo podem ser realizadas das seguintes maneiras: A partir de um pulso constante, relativamente confortável (semínima = 60), o líder apresenta um exemplo com sílabas neutras e o grupo deverá acompanhar o exemplo musical e tentar “cantar junto”, da mesma maneira que um coral de leigos. Em seguida, outro exemplo musical poderá ser feito com um instrumento musical (flauta, piano, violão) e o grupo deverá acompanhar o exemplo baseado apenas na audição. Conforme o grupo consiga acompanhar com sucesso os exemplos, o andamento poderá ser gradativamente acelerado até o limite de resposta do grupo. O mesmo exercício poderá ser realizado com o grupo cantado os exemplos com sílabas de solfejo, começando em um andamento mais lento e acelerando pouco a pouco. O ensino do instrumento melódico também pode ser beneficiado por exercícios de AS. Neste caso, poderão ser trabalhados aspectos específicos de afinação, articulação, timbre e dinâmica,. O princípio do exercício é o mesmo do anterior: um líder inicia uma linha melódica dentro de uma tonalidade estabelecida ou definindo um grupo de notas como Ré, Mib, Fá#, Sol, Lá e mantendo um pulso constante em andamento lento. Neste caso, o acompanhante deverá seguir a princípio as notas que estão sendo tocadas, mas em seguida deverá prestar atenção em manter a mesma afinação, efetuar os mesmos tipos de articulação, adaptar o timbre e equilibrar a dinâmica para que os dois instrumentos toquem como se fossem um só. Este exercício é muito proveitoso para que o performer adquira recursos para a prática em conjunto e habilidades específicas para a interação dentro do grupo. No caso da performance harmônica, o processo é semelhante ao que ocorre em uma roda de choro ou roda

de samba. A partir de um universo harmônico específico, ou a partir da escolha de uma tonalidade e certas funções harmônicas, o líder poderá escolher um repertório diversificado e os participantes deverão acompanhar nos instrumentos as músicas que estão sendo tocadas ou cantadas. Esta prática é muito eficiente e divertida, pois os participantes treinam a partir de uma situação muito semelhante ao que irão realizar em com os amigos. A definição do “ambiente harmônico” e escolha das músicas será o fator de estímulo, pois cada participante deverá identificar os acordes que estão sendo usados e aplicá-los imediatamente nas músicas. Neste caso, muitas vezes o estímulo visual é fundamental no início, mas em seguida deverá ser substituído pelo estímulo auditivo. As atividades de ditado musical foram avaliadas em um artigo específico (Freire, 2007) no qual ficou demonstrado o processo de transferência no uso de ditados em tempo real. Nesta situação, o ditado musical torna-se o processo no qual a escrita musical deverá ser desenvolvida. Dentro da escrita existe o aspecto mecânico, no qual o participante deverá estar apto a escrever com fluência e rapidez as alturas musicais. Aqui os ditados poderão ser trabalhados com o auxílio do solfejo, uma vez que o foco será a capacidade de transcrição mecânica e também oferecer uma referência forte para a continuidade do processo. A princípio os exercícios podem começar com graus conjuntos e gradativamente serem enriquecidos com saltos intervalares para que seja possível trabalhar a capacidade de escrita espacial vertical dos participantes. Os andamentos dos exercícios também devem ser cuidadosamente observados, pois o andamento é o fator central para o sucesso ou fracasso na realização da atividade.

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5. Conclusão A prática musical é realizada essencialmente em tempo real. Tocar, cantar, compor, improvisar seja na música popular ou na música erudita, são realizados “ao vivo” mediante interações dentro dos grupos musicais e sociais. A percepção musical também pode ser trabalhada e desenvolvida a partir de atividades em tempo real nas quais o foco será a memória sensorial focada no momento presente. Neste contexto, o conceito de Ação Simultânea pode enriquecer as práticas de treinamento auditivo por oferecer atividades nas quais o foco é a interação imediata entre estímulo e resposta musical. O foco de processamento no tempo real permite uma percepção voltada para a sincronia de detalhes musicais como afinação, articulação, timbre e dinâmica, fatores fundamentais para uma performance musical de qualidade. 6. Referências bibliográficas BERNARDES, Virgínia. A percepção musical sob a ótica da linguagem. Revista da ABEM, Porto Alegre, n. 6, p. 73-85, 2001. CLARKE, Eric. Rhythm and Timing in Music. In: Psychology of Music, ed. Diana Deutsch , second edition. San Diego: Academic Press, 1999. Pag. 478. DEUTSCH, Diana. The Enigma of Absolute Pitch. Acoustics Today, 2006, 2, 11-19. [PDF Document] acessado em março de 2008 no sítio http://deutsch.ucsd.edu/psychology/deut sch_research9.php.

DEUTSCH, Diana. The Puzzle of Absolute Pitch. Current Directions in Psychological Science, 2002, 11, 200204. [PDF Document] acessado em março de 2008 no sítio http://deutsch.ucsd.edu/psychology/deut sch_research9.php. DEUTSCH, Diana. The processing of pitch combinations. In: Psychology of Music, ed. Diana Deutsch, second edition. San Diego: Academic Press, 1999. p. 390. FREIRE, Ricardo J. D. Avaliação do ditado musical como ferramenta didática na percepção musical. In: Anais do XIV Encontro Nacional da ANPPOM. Porto Alegre-RS, PPPGMUS da UFRGS, CD, 2003. FREIRE, Ricardo J. D. O Processo de Transferência na percepção e transcrição do Ditado Musical. In: Anais do III Simpósio de Cognição e Artes Musicais - Internacional, 2007. Salvador: PPPG-MUS da UFBA, v.1. p.74 – 82, 2007. GROSSI, Cristina. Avaliação da percepção musical na perspectiva das dimensões da experiência cultural. Revista da ABEM, Porto Alegre, n. 6, p. 49-58, 2001. KRUMHANSL, C. L. Cognitive Foundations of Musical Pitch. New York: Oxford University Press, 1990. PIERCE, John R. The Nature of Musical Sound. In: Psychology of Music, ed. Diana Deutsch, second edition. San Diego: Academic Press, 1999. p. 3-5 STERNBERG, Robert. Psicologia Cognitiva. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.

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