Carl Schmitt e reminiscências de Nuremberg

June 3, 2017 | Autor: F. Pinto Filho | Categoria: Ciencia Politica, Filosofia do Direito, Direito Constitucional
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Carl Schmitt e reminiscências de Nuremberg 1. Notas Iniciais; 2. Weimar; 3. A adesão e a queda e 4. Nuremberg. 1. Notas iniciais. Carl Schmitt foi um jurista alemão, escritor de várias obras de cunho filosófico-político que reivindicavam a construção de uma teoria do conceito de político, onde se engendra a antítese binária amigo-inimigo, e a necessidade de se refrear a atuação de uma democracia parlamentar frágil, instável, bélica, cruel que se desenvolvia na Alemanha após a derrota de novembro de 1918. Suas mais conceituadas obras foram escritas após o primeiro conflito mundial (1914 – 1918) até ascensão do nacional-socialismo em janeiro de 1933. Era um católico apostólico romano praticante, tendo inclusive escrito uma obra bastante admirada sobre o Catolicismo: Catolicismo Romano e forma política (Römischer Katholizismus und politische Form, 1923). No seio de uma Alemanha recentemente unificada, mas muito influenciada pelo protestantismo e pelo imperialismo prussiano, a tentativa de resgate da cultura romanogermânica confessional em anos de marxismo e ateísmo não deixaria de ser um ato de bravura. Apesar de uma enorme fé, que alguns afirmam que a abandonou,1 Carl Schmitt era um admirador da formação prussiana do Estado, da construção de um estado burocratizado eficiente que era capaz de unir os povos de língua alemã e resgatar a memória Romanogermânica dos áureos tempos do Medievo das eleições imperiais para o Sacro Império Romano germânico que durara de 906 a 1806 d.C. Carl Schmitt era natural de Plettenberg, na Vestefália. A Vestefália era uma região de língua alemã, mas só veio a ser incorporada à Grande Prússia após o Congresso de Viena em 1815. Era majoritariamente protestante, embora contasse com populações que ainda guardavam a fé romana. Carl Schmitt era um de uma família de católicos e seu era pai era um pequeno comerciante.

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MCCORMICK, John P. Carl Schmitt’s Critique of Liberalism – Against Politics as Technology. 1st ed. Cambridge: Cambridge University Press, 1997, p. 43.

Em 1906, Carl Schmitt entra para a Universidade de Berlim, onde ficou apenas um ano, transferindo-se posteriormente para Munique e Estrasburgo. Sua paixão inicial fora o direito romano, mas, aos poucos, apesar da influência paterna, que gostaria que o filho seguisse a carreira sacerdotal, Carl Schmitt se engaja no estudo do Direito, sobretudo da jurisprudência alemã. Estrasburgo era um dos centros do pensamento neokantiano, que reatava a tradição de “ciências do espírito” com o idealismo alemão. Na universidade estudava-se também Laband, representante do positivismo que Schmitt não cessaria de atacar. 2 Seu primeiro orientador foi Fritz van Calker. Calker tinha inclinação pelo estudo do direito criminal. Acreditava que o direito não poderia ser uma mera inferência de conceituações jusnaturalistas ou juspositivistas. Calker se interessava pelos valores morais e políticos como fonte do direito. Esse direcionamento político-moral na análise do direito teve grandes influências sobre dois de seus principais alunos: Carl Schmitt e Max Ernst Mayer. Para David Cumin, a origem do decisionismo schmittiano está ligada à essência de um direito político, internalizada nessa fase de orientação de Van Calker.3 Os primeiros textos jurídicos de Schmitt se engajam no movimento de Direito Livre (freies Recht), em oposição ao crescente juspositivismo. O movimento do Direito livre não se interessava apenas pela inserção de novos métodos de análise da ciência jurídica, mas desenvolvia uma crítica contundente acerca dos fundamentos da teoria e da prática do Direito, especialmente relacionadas ao silogismo e à subsunção. Muitos doutrinadores atuais realçam em Carl Schmitt o esboço de teorias muitas vezes contraditórias. Essas acusações, algumas procedentes, não devem ser encaradas como mero silogismo de deduções retiradas de obras distintas, escritas em momentos diversos. Carl Schmitt, como a maioria dos filósofos políticos, é fruto de uma época, embora nitidamente busque perenizar seu pensamento na caracterização de conceitos que possam abarcar situações pretéritas e presentes. Paralelamente às suas atividades acadêmicas, Schmitt, como estudante ambicioso, aos poucos se infiltrava nos meandros na elite intelectual e artística de Munique e Estrasburgo. Teve relações de amizades com vários artistas e escritores nos anos de sua formação intelectual, que vão de 1910 a 1920. Em 1915, Schmitt se voluntaria para a guerra. Em exercícios de treinamento ele se machuca e, graças à sua formação universitária, é direcionado ao serviço burocrático em Munique, onde passaria o resto da guerra. A partir de 1916, como suboficial de Intendência, ele é encarregado de administrar os efeitos jurídicos que o Estado de Sítio causava a toda a população, desde a mobilização geral decretada pelo Imperador. Além disso, em Estrasburgo, ele dava aulas sobre o Estado de Sítio para que alunos e profissionais entendessem os efeitos

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CUMIN, David. Carl Schmitt – Biographie politique et intellectuelle. 1. édition. Paris: Éditions du Cerf, 2008. p. 32. 3 CUMIN, David. Op. cit. p. 33.

da medida excepcional sobre os direitos dos súditos reais. É desse período sua convicção acerca da necessidade do estabelecimento de uma ditadura para a manutenção da ordem. Uma de suas funções era a fiscalização da propaganda de guerra do inimigo e da imprensa socialista que noticiava a necessidade de uma paz incondicional. Nesse período formam-se em Schmitt algumas de suas características marcantes: sua afeição pela linguagem política, em detrimento de uma cientificidade puramente jurídica; a criação de frases incisivas que caracterizariam vários de seus escritos posteriores e a combatividade aos escritos e ideias da esquerda radical alemã que propagandeava o derrotismo. Começa aí sua associação de que a democracia parlamentar que se desenvolveria em Weimar era produto da propaganda da esquerda socialista e do inimigo externo, todos unidos contra o estado militar prussiano, ao qual era subordinado e admirava. Para Schmitt, apesar de todo o preparo bélico que as forças alemãs mantinham no campo de batalha, faltava às forças armadas uma idealização da guerra como virtude, como resolução dos males nacionais, diante de tantas nacionalidades envolvidas no conflito. Para Schmitt era necessário desenvolver o “espírito guerreiro” no Alto Comando Alemão para que esse pudesse se opor à propaganda aliada, muito melhor elaborada e com resultados surpreendentes sobre a moral de suas tropas. 2. Weimar. Em 1921, Carl Schmitt é nomeado professor de Direito Público na Universidade de Greifswald. Já no ano seguinte, ele consegue ser transferido para Bonn, uma universidade com maior prestígio no espectro universitário. Em Bonn, Carl Schmitt permanece até 1928, quando é convidado para ministrar aulas em Berlim, na Escola Superior de Comércio, para suceder Hugo Preuss, o próprio fundador e redator da Constituição de Weimar. Carl Schmitt escrevia em várias revistas católicas e jurídicas. Seus melhores textos são escritos entre 1921 e 1932. Em 1923, ele escreve Die geistesgeschichtliche Lage des heutigen Parlamentarismus, traduzido para o português como A Crise do Parlamentarismo Democrático. Muitos autores encaram essa obra como a grande contribuição de Schmitt para a afirmação do poder do nacional-socialismo a partir de 1933. Schmitt negou categoricamente essa aproximação ao nacional-socialismo. Segundo ele, suas teorias eram justamente uma tentativa de resistência aos extremos que se apresentavam na República de Weimar, os socialistas bolcheviques de um lado, e os nacionalsocialistas, apoiados pelas classes conservadoras, de outro. A igualdade completa não tinha sentido e era fruto da ideia liberal, e não da ideia democrática. O conceito democrático é um conceito político, e por ser político tem de necessariamente assumir a existência do contrário, da desigualdade. Para Schmitt, a esfera

democrática, como princípio político, só se concretizava em níveis específicos de um povo, não era possível pensar em uma democracia universal. A democracia não é significado de humanidade, mas de conceito de povo, como conceito político. Essas ideias de Schmitt são constantemente consideradas como de abertura e prospecção para o nacional-socialismo. Afinal, se a democracia não podia ser universal, e sim cultural, essas afirmações permitiriam a cada povo criar o seu próprio sustentáculo democrático. E fora isso que o nacional-socialismo tentara levar os alemães a acreditar: a necessidade de formar um único povo, uma única vontade, um único partido, enfim, um estado forte que “recebesse” a todos os que fossem verdadeiramente alemães. 3. A adesão e a queda. Em maio de 1933, Carl Schmitt adere formalmente ao partido nacional-socialista dos trabalhadores alemães. Para qualquer intelectual de seu jaez, a adesão significava a continuidade de uma vida normal e a possibilidade de não se afastar da Academia, seu maior prazer naqueles tempos de perseguição que se iniciavam. Embora suas principais obras tivessem sido escritas antes da ascensão do nacionalsocialismo, muitos membros da sociedade alemã e dos aliados vencedores da guerra de 19391945 enxergassem em seus escritos a teorização de muitas práticas que vieram a ser engendradas pelo partido para a conquista do poder total. Carl Schmitt era um jurista e efetivamente teve aproximação com alguns líderes do partido, como explicamos acima, mas jamais teve qualquer aproximação com o líder Adolf Hitler, muito menos com qualquer dos perpetradores das mais dramáticas crueldades na história do racionalismo científico mundial, os membros da GESTAPO, comandados por Heinrich Himmler. Até 1936, Schmitt foi considerado um aliado, pois suas teorias escritas antes da ascensão do nacional-socialismo eram úteis aos propagandistas, pois elas emanavam a necessidade da imposição de uma autoridade em uma sociedade conflituosa. Mas na sua vida pessoal, ela não coadunava com qualquer das teorias racistas e persecutórias defendidas pelos membros da GESTAPO e os mais próximos ligados ao seu líder. O primeiro fato a registrar era que Schmitt fora casado por duas vezes com mulheres não alemãs. Suas mulheres eram ambas de naturalidade sérvia. Logicamente que ao tempo de seus casamentos, as leis arianas que proibiam o casamente inter-racial ainda não vigoravam, mas as preferências de Carl Schmitt já demonstravam sua completa aversão a qualquer intromissão estatal sobre o íntimo-privado do cidadão. Antes da ascensão nacional-socialista, Schmitt não era identificado como um escritor, jurista engajado, nem no campo conservador, muito menos no campo do Estado Total. Seus

principais escritos da década de 1920 eram publicados em revista católicas, juntamente com intelectuais alemães como Carl Muth, um atuante advogado durante o período de Weimar.4 Schmitt influenciou vários escritores esquerdistas contemporâneos e pósteros, como Walter Benjamin, Ernst Fraenkel, Otto Kirchheimer, Robert Michels e Franz Neumann.5 Schmitt tinha como amigos próximos intelectuais judeus. Moritz Julius Brown, aluno e assessor acadêmico acompanhou-o até o fim da República de Weimar. Uma de suas obras primas no constitucionalismo, a Teoria da Constituição foi dedicada a um amigo judeu, Fritz Eisler, que perdeu a vida durante a Primeira Guerra Mundial. Schmitt escreveu uma obra em homenagem a Hugo Preuβ, o pai da Constituição de Weimar e judeu de nascimento.6 Seus escritos anteriores que incluíam além da Crise do Parlamentarismo Democrático (1923), obras sobre a Ditadura (1921), Teologia Política (1922), O Guardião da Constituição (1931) e o Conceito de Político (1932) chamaram atenção dos líderes do movimento nacionalsocialista. Schmitt estreitou amizade com Hermann Göering, ao tempo, ainda Ministro do Interior da Prússia, e Hans Frank, posteriormente Ministro da Justiça do Reich. É verdade que após suspeitas de sua aderência tardias ao nacional-socialismo, o próprio Schmitt escreveu pequenos textos desacreditando as contribuições de pensadores judeus às teorias estatais alemãs, corroborando algumas leis de Nuremberg que enunciavam o banimento racial não só de semitas, com de quaisquer raças não-arianas. Ainda assim, a GESTAPO estava vigiava-o. Em seu periódico Das Schwarze Korps, Schmitt foi acusado de não aderência às políticas antissemitas do Reich. A partir de finais de 1936, Schmitt teve que se recolher às suas atividades estritamente acadêmicas e deixa de ser um exemplo de jurisconsulto para o regime nacional-socialista. 4. Nuremberg. Com o fim da guerra, nas próprias palavras de Schmitt, soviéticos e norte-americanos perpetraram prisões “automáticas” de toda a classe pensante que de alguma forma ainda contribuía com o regime derrotado. Na primavera de 1945, Schmitt era apenas professor de Direito da Universidade de Berlim. Preso pelos norte-americanos, passou algum tempo em Berlim, depois foi trasladado para a prisão de Nuremberg. Em suas próprias palavras, na condição de “testemunha”, mas a

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BENDERSKY, Joseph W. The Conservative Revolution. In TELOS – A quarterly of Critical Thought, 1 edition. Telos Press Ltd.: New York, 1987, n.° 72, p. 37. 5 BENDERSKY, Joseph W. Idem, p. 40. st 6 BENDERSKY, Joseph W. Schmitt at Nuremberg. In TELOS – A quarterly of Critical Thought, 1 edition. Telos Press Ltd.: New York, 1987, n.° 72, p. 95.

curiosidade de sua situação vem do direito norte-americano: ao mesmo tempo em que detinham-no como testemunha, ele era um potencial acusado de guerra.7 Seu interrogador era Robert Kempner. Advogado, Kempner tivera participação em alguns processos políticos durante a República de Weimar, sobretudo na acusação dos líderes do Putsch de Munique, quando Adolf Hitler e vários líderes do recente NSDAP foram encarcerados e julgados.8 Kempner pleiteava a dissolução do partido. Com a ascensão do nacional-socialismo imigrou para Itália, depois para os Estados Unidos. Como profissional do Direito e com alemão perfeito, foi convocado pelos Aliados de guerra para interrogar vários líderes nacional-socialistas encarcerados em Nuremberg. A preocupação de Schmitt era “do que” era acusado, pois já esclarecera ao seu interrogador que já fora questionado na prisão em Berlim e todas as suas respostas e subsequentes perguntas do interrogador da época, Osssip K. Flechtheim, terminaram em discussões acadêmicas.9 Kempner foi direto ao ponto: eu quero saber se o senhor teve alguma participação direta ou indireta nos planos de agressão de guerra, nos crimes de guerra e nos crimes contra a humanidade? Schmitt respondeu que a conceituação do que fossem planos de agressão de guerra tinha tomado um conceito “largo” definido pelos próprios aliados vencedores. Seus escritos não incentivavam, não justificavam qualquer atitude nesse sentido, embora estivesse convencido que alguns países realmente foram invadidos pela máquina de guerra alemã, sem provocação prévia. Nos seus escritos sobre direito internacional era desenvolvera a conceituação do que seria o Groβraum em relação ao direito internacional que se desenvolvia no seio das nações europeias. Em verdade, Schmitt fazia uma análise da política das nações europeias de colonização e busca de territórios coloniais para demonstrar sua força e reforçar suas capacidades econômicas. A análise de Schmitt era sobre a situação fática europeia, não havia, segundo a sua interpretação, qualquer incitamento à conquista. Literalmente o Groβraum significa grande espaço, grande área. O espaço indispensável ao desenvolvimento. Para a Alemanha, Adolf Hitler desenvolvera em seus discursos uma ideologia biológica que fora desenvolvida no século XIX que tratava especialmente do espaço vital necessário à perpetuação das espécies. Os nacional-socialistas quiseram adaptar essa noção biológica à noção de conquistas territoriais onde houvesse população de origem alemã. Schmitt responde a Kempner que os conceitos eram distintos e a sua definição tinha rigor político-científico e ele jamais coadunara com qualquer política de conquista territorial com essa definição. 7

SCHMITT, Carl. Ex Capitivitate Salus. Experiencias de la época - 1945-1947. 1ª. Édicion. Minima Trotta: Madrid, 2010, p. 21. 8 Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores alemães (Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei). 9 Ossip. K. Flechtheim era advogado junto à missão militar norte-americana para o interrogatório de autoridades. Um fato peculiar neste interrogatório inicial era o fato de Carl Schmitt tê-lo rejeitado como professor na Universidade de Colônia em 1933.

Schmitt admite a Kempner que dirigira a revista nacional-socialista de Direito (Die Deutsche Juristenzeitung) durante dois anos, de 1934 a 1936, e Kempner arguiu-o se não seria preferível que ele não tivesse presidido a revista e Schmitt simplesmente responde: sim, neste momento, qualquer um pode dizer isso! Com relação à perseguição a professores de origem judaica, Schmitt esclareceu um único caso. Quando assumiu a Universidade de Berlim já não mais havia judeus entre os professores, apenas um único: Erich Kaufmann. Apesar de convertido ao protestantismo, Erich Kaufmann era reconhecido pelos membros do partido como um judeu de nascimento e precisava ser banido, de acordo com as novas leis aprovadas. Nas explanações a Kempner, Schmitt esclareceu que Kaufmann era um socialista militante e em uma de suas obras (Die Clausula rebus sic stantibus) ele havia escrito que o ideal social é uma guerra vitoriosa. Arguiu Schmitt que Kaufmann era um beligerante e sua atitude em dispensá-lo era porque ele era um causador de problemas dentro da Universidade. Kempner continua a interrogá-lo sobre a participação e escrito antissemitas. Cita a Schmitt uma passagem de um livro de sua autoria – Völkerrechtliche Grossraumordnung – onde claramente afirma que os pensadores judeus não tinham qualquer relação com a construção de um Groβraum e sua própria história confirmava que eles, os judeus, tinham responsabilidade direta sobre a dissolução de uma ordem territorial concreta. Schmitt não nega o escrito, inclusive admite que Goebbels havia se apropriado de algumas ideias para difundir o antissemitismo, contudo, ele arguiu que em seu escrito sua intenção era puramente científica. Os judeus, realmente, não haviam colaborado para concretização de uma ordem internacional de convivência territorial. A parte mais forte dos depoimentos orais de Schmitt a Kempner começam quando este último pergunta a Schmitt se ele teria ciência do que o Tribunal Militar Internacional de Nuremberg havia definido como “guerra de agressão”. Não fica muito claro no diálogo escrito, mas em algum momento Kempner cita o nome de Radbruch. Gustav Radbruch era um socialista e fora Ministro da Justiça durante um curdo período na República de Weimar.10 Schmitt o interrompe dizendo que gostaria de ter acesso às cópias dos depoimentos e conceituações do Tribunal Militar para que ele pudesse entender o conceito. Ademais, ele afirma: você mencionou Radbruch. Eu o conheço vagamente. Se você quer saber sobre minhas atividades universitárias como professor durante os últimos 10 anos, eu desejo que você converse com meus colegas universitários que realmente me conhecem! A reação de Schmitt tem uma explicação. Embora neste diálogo com Kempner não se admita isso, era voz comum no Tribunal Militar de Nuremberg que Gustav Radbruch pleiteava a condenação de Schmitt à morte!



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De 26 de outubro de 1921 a 14 de novembro de 1922.

Schmitt pede a Kempner que questione um amigo professor de longa data, Carl Brinkmann. Carl Brinkmann conseguira passar todo o tempo do nacional-socialismo dando aulas em várias universidades sobre História e Sociologia e resistira a qualquer aproximação com o regime. Para Schmitt, Brinkmann seria uma pessoa isenta para falar sobre o mito que haviam construído sobre ele. Kempner não declina da sugestão, mas desvia-se da sugestão de Schmitt alegando que ele teria “suas próprias fontes”. Nesse ponto, Schmitt tinha convicção que ele insistiria no testemunho de Radbruch, por isso ele prossegue: Radbruch é um político. Ele enxerga os acontecimentos de um modo particular e não entende como uma pessoa pode se sentar calmamente em frente a uma mesa! Kempner: E Rousseau deixou a sua mesa? Schmitt: Não. Kempner: Quem mais não teria deixado a sua mesa? Schmitt: Thomas Hobbes. Schmitt estava diante de um investigador inteligente, mas sua perspicácia é admirável. Para desfazer a compostura de Radbruch como pensador do Direito, ele alega que Radbruch não era exatamente um pensador do Direito e sim um político. Por isso, Radbruch teria deixado “a sua mesa” de professor e abraçado a política partidária. Neste momento, Kempner indaga se Rousseau, um evidente socialista primitivo que acreditava que os homens nasciam bons e eram corrompidos pela vida social, se ele, Rousseau teria deixado sua mesa e Schmitt responde que não! Ao perguntar sobre Hobbes, talvez uma figura oposta a Rousseau, pois acreditava que os homens nasciam maus e deveriam ser contidos por um sistema soberano, Schmitt mantém a resposta: Thomas Hobbes também não deixara a sua mesa. Ou seja, apesar da influência que esses pensadores deixaram sobre toda teoria política póstera, eles continuaram sendo pensadores. Não tiveram participações políticas diretas. A afirmação de Schmitt estava no fato de como os dois pensadores antagônicos eram eminentemente cientistas, como ele, e Radbruch, um desacreditado político que se metera a pensador. Gustav Radbruch tem seus méritos em ter combatido ferozmente, ao lado de Rudolf Smend, a teoria positivista que em suas visões deram ao mundo a justificação para a barbárie que ocorrera durante o nacional-socialismo. Contudo, Schmitt tinha razão ao desqualificar o testemunho de Radbruch, pois este pertencera ao partido socialista alemão (até quando ele existiu!) e Schmitt era um conhecido pensador conservador. Radbruch queria uma vingança pessoal e partidária contra Schmitt e Schmitt queria ser julgado por seus atos e não apenas por indagações científicas que o regime nacional-socialista se apoderara. Ao fim e ao cabo, após mais interrogatórios e respostas escritas sobre suas teorias, Schmitt ainda ficaria encarcerado por cerca de um ano. Foi inocentado como criminoso de guerra e autorizado a retornar para casa. Retornou para sua cidade natal, Plettenberg. Recusou-se a se submeter ao programa do governo alemão de desnazificação.

Por isso, ficou fora da vida acadêmica até o fim de sua vida. A partir de 1950 continuou a escrever sobre Direito Internacional e era frequentemente visitado por intelectuais alemães e de outras nacionalidades. Schmitt faleceu em abril de 1985. A partir dos anos 2000, ele foi redescoberto por vários pensadores jus-políticos europeus e latino-americanos. A maior ironia é que arrebataram seu anti-liberalismo construído dentro do contexto de Weimar para resgatá-lo como redenção de um novo marxismo que se coloca ostensivamente contra o sistema econômico e político surgido após a queda do Muro em 1989. Será que ele descansa em paz?

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