CARNAVAL MADEIRA

June 9, 2017 | Autor: Alberto Vieira | Categoria: Island Studies, Historia Da Madeira
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N.º 39

fevereiro 2016

Carnaval com histórias dentro Fevereiro é o mês do Carnaval. O Memória das Gentes que fazem a História, mantendo a tradição, foi em busca de lembranças do Entrudo de outros tempos. Quisemos saber como era festejada esta época e que caras se escondem por detrás de uma tradição que se tornou num cartaz turístico na Madeira.

José Sainz-Trueva, ao debruçar o seu olhar sobre o Carnaval Madeirense, lamenta que não haja referências específicas aos “primitivos” entru­ dos e conclui que é o Vicentes Photographos, com a sua coleção de fotografias, que permite retratar a folia de outros tempos, onde o disfarçe etnográfico – o vilão e a viloa, ganham protagonismo.

fevereiro 2016 - Memória das gentes que fazem a História

Tendo passado por várias fases, o carnaval de rua ganhou a preferência dos ilhéus e em particular o da Rua da Carreira, onde verdadeiras batalhas tomavam conta dos foliões. De acordo com Alberto Vieira, nem as proibições determinadas pelo Governo Civil em 1910 no sentido de proibir “a tradicional batalha de aremesso de objectos”, nem tão pouco a proibição

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do uso de máscaras em 1948 foram suficientes para diminuir o espírito carnavalesco. Gradualmente, os bailes abandonam o conforto das residências e passam para outros salões – Teatro Baltazar Dias, o Ateneu, o solar D. Mécia, a Associação dos Estudantes Pobres, os Artistas e os Guerrilhas. É nos anos 70 que os hotéis chamam os festejos para as suas salas, sobressaindo nomes como o Sheraton, o Savoy entre outros. Em 1977, o grupo de Jovens Cristãos da Madeira organizou o primeiro cortejo de Carnaval, tal como refere o Jornal da Madeira a 5 de fevereiro do referido ano,

“O movimento dos Jovens Cristãos da Madeira levará a efeito um atraente cortejo de Carnaval, manifestação artística que desfilará nas ruas da nossa cidade…” A partir de 1980, o cortejo alegório começa a ser organizado por uma comissão sob a alçada da Secretaria de Turismo, passando assim, a fazer parte do cartaz turístico do arquipélago madeirense. Quando João Carlos Abreu toma a liderança da animação turística da Madeira, forma uma equipa e juntos vão desenhando um carnaval “pensado e feito” por Madeirenses e para Madeirenses.

“O importante era trazer a animação para as ruas da cidade. Era preciso apelar à participação de todos, dos madeirenses. Os turistas vieram depois”. fevereiro 2016 - Memória das gentes que fazem a História

Carnavais de outros tempos vistos de fora Fevereiro, dia 6. Não observei aqui sintomas de festividades carnavalescas até que na Terça-feira de Entrudo vi que as pessoas tinham licença de atirar água e farinha das janelas, sobre os que passavam na rua. Deste modo tive a honra de ser lindamente encharcado e empoeirado por algumas senhoras, ao passar ontem, pela Carreira. Houve também um baile de máscaras na noite passada, oferecido pelo cônsul inglês. Os portugueses, que compunham grande parte dos presentes, contribuíram bastante, com o seu esforço, para o brilho da paródia. Um grande grupo deles realizou uma espécie de baile de fantasia realizado com muita graça e vivacidade, enquanto outro criticou humoristicamente um baptismo em zona rural, com efeitos muito cómicos. (…) Alfred Lyall, 1827, in Passaram Pela Madeira, António Marques da Silva, p. 107 Aqui,o Entrudo ou Carnaval é uma época de desordem e confusão. Na Terça-feira gorda e nos dois dias que a antecedem, água, farinha e até ovos são atirados das janelas e varandas para as pessoas que passam pela rua. Em momentos mais dramáticos a quantidade de água e farinha é tanta que transforma os transeuntes em criaturas cheias de pó tal como os caminhantes do deserto. (…) A elite, em vez de optar por água e ovos, enche as cascas de ovo com água de rosas e vai-se perfumando com estes inofensivos misseis. T. Hughes, 1845, The Ocean Flower, p. 71-72 A batalha principal ocorre na Rua da Carreira. É possível chegar a esta rua por uma artéria lateral mas estaremos imediatamente envolvidos na bagunça. No começo da tarde quando o espírito carnavalesco está a despontar, é muito agradável observar correndo, todavia, o risco de sermos alvos de bombardeamento. Os sacos voam das janelas, das varandas e de todos os sítios surgem cabeças e corpos já cobertos de farinha. Os combates dão-se entre janelas mas as varandas são o lugar privilegiado. Se porventura, algum dos intervenientes se torna mais agressivo, é alvo de um ataque de um grupo que, entretanto, junta forças. Aí, chovem mísseis de todos os lados. Koebel, 1909, Madeira Old and New, p. 181 A rua da Carreira é o palco principal e é o sítio a evitar durante este dia em particular se não quiser ficar coberto de farinha e ovos que são atirados por grupos rivais de uma varanda para a outra. J.G. Hutcheon, 1928, Things seen in Madeira, p. 103

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– A ideia não era copiar a matriz brasileira, não fazia sentido. O que se pretendia era resuscitar a Terça–feira de Carnaval que estava morta e bem morta!

Jorge Diniz recorda com emoção os finais dos anos 70. Nessa altura, e como membro do grupo de Jovens Cristãos da Madeira, esteve na linha da frente daquele que foi o primeiro cortejo de carnaval. – A ideia não era copiar a matriz brasileira, não fazia sentido. O que se pretendia era resuscitar a terça– feira de Carnaval que estava morta e bem morta! O desafio foi lançado por toda a ilha aos vários grupos de jovens, no sentido de trazerem à cidade algo que

fosse típico da zona de onde vinham, assumindo assim uma linha mais etnográfica. Para animar, contactouse as bandas municipais mas foi muito difícil porque não havia financiamento. Foi combinado um local de concentração, – …uma vez foi no Colégio de Santa Teresinha. Uma das vezes, um temporal destruiu tudo o que já estava preparado e tivemos que voltar a decorar os carros na terça feira de manhã.

MEMÓRIAS DO PRIMEIRO CORTEJO DE CARNAVAL fevereiro 2016 - Memória das gentes que fazem a História

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A ideia resultou. Os grupos de jovens pediram para repetir a iniciativa e assim foi – Tínhamos sempre um tema central e cada grupo com a sua criatividade dava asas à imaginação decorando um carro e fazendo a idumentária apropriada. O último foi em 1979. Foi o melhor porque, além da experiência ganha nos anos anteriores tiveram uma ajuda preciosa – a escultora Manuela Aranha. Nesse ano, tudo foi preparado na antiga FAOJ. Se nos dois primeiros anos, a comunicação social criticou ferozmente esta iniciativa dizendo que o cortejo nada tinha a ver com o Carnaval, já nesse ano de 1979, o sucesso foi largamente publicitado. Nessa sequência, a Direção Regional do Turismo foi falar com o padre Ângelo Barreto, elogiando o evento, dizendo que iriam continuar com um cortejo e que seria criada uma comissão onde o grupo seria integrado. A partir daí, o cortejo Trapalhão ganhou lugar na Terça feira de Carnaval mas, – nós nunca fomos chamados. Até hoje.

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O Carnaval tem de ir para a rua

João Carlos Abreu João Carlos Abreu nasceu em 1935 na Travessa das Violetas. Os pais tiveram cinco filhos. O pai era jornalista e a mãe doméstica. Ainda era pequeno quando a família se mudou para a Rua de Santa Maria. A mãe era muito ativa e divertida. Sempre que alguém fazia anos, ela gostava de organizar a festa. E já nessa altura gostava do Carnaval. Tinha um grande sentido de estética e gostava de planear os disfarçes. Fez até cinema mudo. João ganhou uma bolsa de estudo. Em 1962, vai trabalhar para Roma como jornalista. Regressa à Madeira por uns tempos mas, depois, vai para o sul de Inglaterra onde queria aprender mais sobre hotelataria. Trabalhou num hotel. Uma vez mais, regressa à ilha. Trabalha na Star e é convidado para o Hotel Lidosol. Daí, recebeu um convite para o fevereiro 2016 - Memória das gentes que fazem a História

Sheraton. Propôs trabalhar com eles em part-time. Acabou por ficar a tempo inteiro durante largos anos. Quando foi para o Turismo, decide que o Carnaval tem de ir para a rua. Até então era só no Ateneu, nos Estudantes Pobres, nos Artistas, nos Guerrilhas e nas casas particulares. Arranjou uma equipa. Por ali passaram muitos nomes, não só os que formaram o grupo de trabalho mas também aqueles que acabaram por liderar as trupes que animavam o cortejo de Sábado.

ilha dentro da ilha e isso estava mal, tinhamos de ser Universais. Agora e passados estes anos, sente-se realizado. E confessa: – A grande vitória é isto! Conseguimos ir mudando as mentalidades. Daqui passamos para a Festa da Flor e assim por diante. E a participação dos governantes tem tudo a ver com isto. Foi uma ação pedagógica. Se queríamos que a população participasse, tínhamos de dar o exemplo.

– O objetivo era que os Madeirenses fossem os obreiros e participantes do seu próprio Carnaval. Era esta a novidade e tudo isto era apenas um pretexto para tentar mudar o individualismo do Madeirense. Era preciso colocar as pessoas a trabalhar em grupo, todos em conjunto para o mesmo. Eu achava que o Madeirense era uma

Quanto à população e apesar das dificuldades [nos primeiros cortejos ninguém se mexia porque as pessoas estavam apenas habituadas a ver passar as procissões}, a aceitação foi gradual, mas muito postiva. O número de participantes no cortejo é prova disto, assim como a animação das gentes que hoje vem ao Funchal ver passar o cortejo.

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Grupo do Alto da Pena Chico morava no Alto da Pena. Naquela altura, quando ainda andavam na escola, fechavam a rua pelo S. João e montavam umas barracas com ajuda dos pais. Eram os adultos que faziam as iguarias e cozinhavam a ceia. Faziam teatro e até tinham um grupo de dança, que volta e meia atuava no Colégio de Santa Teresinha. Tinham até um jornal que era impresso na FAOJ. Era com a venda do jornal que depois conseguiam organizar os convívios. A passagem para o grupo de carnaval perdeu-se por entre os meandros da memória mas Chico lembra-se de que este primeiro cortejo não foi organizado pelo departamento de animação da Secretaria do Turismo. Foi um cortejo durante o dia. Na primeira participação no cortejo, já organizado pelo Turismo, vestiram-se de lagarta e a meio do trajeto transformaram-se em borboletas. Esta foi a primeira lição para os projetos futuros. A ideia não resultava, já que nem todos assistiam à metamorfose. Portanto, a partir daí, já não houve mais transformações. Os fatos eram os mesmos do ínicio ao fim do cortejo. A “oficina de trabalhos” era a casa dos pais mas a minha mãe nunca se chateava, a casa ficava cheia de esponja, de tecidos e tanta quinquilharia. O tecido utilizado era a flanela porque era o mais fevereiro 2016 - Memória das gentes que fazem a História

barato e porque tinha muitas cores. Tudo isto era custeado pelos pais. A mãe era costureira e dava uma ajuda preciosa, mas todos coziam, rapazes e raparigas, - Não havia cá esquisitices. Cada um fazia o seu fato e sobretudo ajudavam-se uns aos outros. Eu aprendi a cozer à mão. E os outros também. Se no ínicio, o grupo [do Alto da Pena] era composto por vizinhos, aos poucos, o número de participantes foi aumentando, já que um amigo trazia outro e assim adiante. Passaram de cerca de 20 para 50 elementos. Não havia nem limite de idade, nem qualquer outro critério. Apenas a vontade de querer participar. O resto não era importante. Também não havia grande disciplina. À medida que as coisas avançavam, Chico dava orientações e supervisonava tudo.

Chico lembra-se da dificuldade em arranjar sabrinas. Hoje, ao olhar para trás, lamenta a falta de visão dos comerciantes locais que, sabendo que durante esta época haveria procura, tinham contudo, medo de arriscar. Havia o mesmo problema com os tecidos. Eram sempre uma dificuldade. - Penso que foi por isso que alguns grupos optaram por ir buscar tecidos às Canárias. Soubese que lá havia tudo em grandes quantidades e variedade e alguns meteram-se no avião e lá foram. A partir daí, todos os anos, o grupo apresentava uma proposta ao Turismo que foi sempre aprovado. Criou-se uma grande confiança. Alguns anos mais tarde, surgiu a ideia de lançar um tema a cada grupo. Isto foi no tempo do Sr. Pereira Júnior.

Mas as trupes não aceitaram muito bem. Sentiamse limitados na sua criação. Depois achou-se por bem lançar um tema mais abrangente. Ainda hoje é assim. Chico já não se lembra do último cortejo em que participou. A dada altura foi convidado pela Associação Geringonça e trabalhou alguns anos com eles, assumindo a responsabilidade do projeto. - o Joel Camacho dava-me carta branca. Mas eu não tinha conseguido mobilizar todo o meu grupo anterior e depois deu aquela vontade de voltar a ter uma trupe minha. Surge assim a Chico e Cª de novo a desfilar na Avenida.

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No início, os “bonecos” eram feitos em pasta de papel sobre um suporte de arame. Não só era difícil moldar como depois eram incómodos e pesados.

Oficina de Carnaval no Orfeão Jorge Sousa nasceu em Santa Maria Maior, no ano de 1946. Depois de ter andado na Escola Industrial foi para o Ultramar. Esteve dois anos por Angola e quando regressou começa a trabalhar no Serviço Nacional de Emprego. Certo dia, o proprietário da Casa Tavares, Raul Rodrigues, que tinha um grupo que se disfarçava e ia para os hotéis, partilhou o seu entusiasmo e

sugeriu a Jorge arranjar também um grupo. Foi aí que tudo começou. – A primeira trupe foi o Espaço 1999. Foi muito divertido. A passagem para o cortejo organizado pelo Turismo, acabou por ser natural, explica. O grupo era composto por amigos. Todo o trabalho era feito depois do expediente e aos fins de

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semana. À medida que o número de participantes ia crescendo e que os fatos se iam tornando mais complicados, apresentaram um pedido à Direção do Orfeão Madeirense no sentido de usarem as instalações. E assim foi. A “oficina” era ali na Rua dos Ferreiros. Jorge e Maria Carlos eram os projetistas embora os restantes elementos do grupo também colaborassem na

idealização. Assim que a ideia era lançada e aprovada, deitava-se mãos à obra e ao mesmo tempo que os fatos eram executados, ia-se alterando aqui … ajeitando acolá. – sim, muitos bonecos foram desmanchados … era assim mesmo. Nós montávamos mas se não resultasse, tinhamos de o fazer de novo.

No início, os “bonecos” eram feitos em pasta de papel sobre um suporte de arame. Não só era difícil moldar como depois eram incómodos e pesados. Por isso, mudou-se para a esponja. A moldagem era mais fácil e sobretudo eram mais leves, facilitando assim o desfile nas ruas da cidade. Os anos foram passando e o grupo manteve-se no ativo. Por vezes, novos

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elementos eram aceites. Havia gente de todas as idades, alguns mais velhos e até crianças. Tinham ainda alguns colaboradores que nem participavam no cortejo, apenas ajudavam porque gostavam daquela alegria e da criatividade. Era o caso do Sr. Humberto. Ele adorava “pensar” nos detalhes. Ia para o trabalho e ao final da tarde chegava com alguma ideia inovadora para “melhorar” os fatos. Os trabalhos começavam logo a seguir ao Natal. À medida que o tempo se aproximava, já não havia mãos a medir: – trabalhávamos até de madrugada e aos fins de semana nem íamos a casa. Ficávamos a dormir por ali, em cima da esponja. A comida

também era feita ali já que o Orfeão tinha cozinha. Os miúdos faziam os trabalhos de casa, os adultos montavam bonecos e depois todos comiam à mesa. Era um ambiente muito descontraido e familiar. A última participação do grupo já foi feita em parceria com a Associação Gerigonça. Foram as Aves do Paraíso – passáros e borboletas. Já se passaram 20 anos. As memórias dos dias do Carnaval vivem lado a lado de Jorge e Maria Carlos. – Sabes, tenho andando a pensar. Para o ano gostava de voltar. Até já tenho duas ideias. Acho que resultariam bem. O que achas?

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A Geringonça começou por ser um misto entre a escola de Carnaval e os grupos de criação original. Eram estes últimos que faziam a diferença e que marcava a nossa identidade carnavalesca. Emanuel Egídio tem 53 anos. Pertencia ao grupo do Movimentos dos Estudantes Católicos com sede na Rua dos Ferreiros. A génese de todo o Carnaval como forma artística partiu destes vários grupos que exisitam no Funchal. Estes grupos vinham de todos os concelhos da ilha e cada um apresentava um tema, – era uma espécie de trapalhão mais etnográfico. Era muito criativo embora os valores tradicionais estavam bem presentes. O local de trabalho eram garagens e armazéns de comerciantes que cediam estes espaços. Era tudo na base do voluntariado e da amizade.

Do MECM à Geringonça fevereiro 2016 - Memória das gentes que fazem a História

Quanto à passagem para o cortejo de sábado, Egídio recorda-se do papel preponderante de João Carlos Abreu. No seu entender, a ideia de João Carlos Abreu foi unir toda esta gente que já animava os hotéis mas que também já estava

“metido” no carnaval de rua. Surge assim o convite para participar no Grande Cortejo Alegórico. Cada grupo tinha um plafond e funcionava com o sistema de requisições através das quais os materiais eram comprados nas lojas locais. No caso da Associação Geringonça, fundada em 1987, levamos anos até conseguirmos ganhar estatuto e conseguirmos um plafond igual ao das outras trupes. Egídio recorda que chegaram a ir ao banco pedir um empréstimo bancário e que o gerente recusou dizendo que estavam sem juízo. Recorda também que tanto ele como a mulher assinaram letras em nome pessoal para poderem financiar o projecto. Só mais tarde é que o orçamento da Associação permitiu a ida a Canárias para comprar todo o tipo de material, podendo assim, o grupo “lutar” ao mesmo nível que as trupes mais antigas. Egídio refere que havia trupes de primeira e segunda categoria. E recorda ainda a dificuldade em contratar músicos profissionais para animar o

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Cada grupo tinha um plafond e funcionava com o sistema de requisições através das quais os materiais eram comprados nas lojas locais. No caso da Associação Geringonça, fundada em 1987, levamos anos até conseguirmos ganhar estatuto e conseguirmos um plafond igual ao das outras trupes.

cortejo. Por exemplo, a Caneca Furada contratava a maioria dos elementos das bandas e pagava bem. Assim, as outras trupes não tinham hipótese.

– os grupos primavam pelo secretismo .. havia uma corrente que era as criações originais … faziam animais e outros …

A Associação Geringonça surge da vontade de um grupo de amigos e foi buscar várias pessoas que já andavam nisto do Carnaval desde o princípio. A Geringonça começou por ser um misto entre a escola de Carnaval e os grupos de criação original. Eram estes últimos que faziam a diferença e que marcava a nossa identidade carnavalesca.

Egídio lembra-se do trajeto do antigo cortejo [que oferecia algum perigo, sobretudo com os carros alegóricos] e refere que a alteração do percurso foi bem aceite. Ao longo destes 30 anos, a evolução está à vista de todos mas,

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– ainda há muita coisa para fazer. Há sempre que melhorar.

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De repente, o tempo andou quarenta anos para trás. Dina Pimenta, artista plástica, traz-nos a história de um carnaval que cruza, a cada instante, com a sua vida. Não traz nada nas mãos: nem fotografias, nem recortes de jornais, nada, – não fui capaz.

Sonho de um dia [ou a trupe do Artur] (no caminho da saudade, com Dina Pimenta Ferreira) Apenas as palavras. E os gestos. E a memória de um homem que a morte lhe roubou há quase treze anos. – Não posso falar do Carnaval sem falar do Artur. Vamos até 1975. São colegas. Estão na escola. Vão dar aulas juntos, porque, naquele tempo, era assim: era preciso e pronto. O lugar de muitos começos é a Escola Gonçalves Zarco, O Batalhão, como era conhecida na altura. Este é o

lugar da vontade de rir e de estar junto, o lugar da invenção de festas porque a escola – no entendimento destes colegas-namorados - é muito mais do que as salas de aula: recriaram a matança do porco, no Carnaval; trouxeram África para os recreios da escola; imaginaram palhaços e outras coisas; divertiramse; ensinaram os colegas e os alunos a divertirem-se também. Dina lembra-se. Tem nomes e rostos à boca das palavras. Conta dos amigos

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que vão crescendo – na sala de professores, nas casas de cada um, nos hotéis para onde iam dançar nas noites já permitidas [nas liberdades adquiridas]. O Artur tinha as ideias. Dina desenhava. E conseguiam imaginar o resultado final, na alegria de um trabalho de uma equipa que, aos poucos, ia aumentando. Um dia - e isto, Dina tem muito claro na sua memória – o grupo vestiu-se

de “rãs e nenúfares”: eles, grandes, elas, delicadas. (Os braços de Dina são pétalas de flores ao vento e coreografam os gestos dançarinos daquelas noites). Marcaram esse carnaval nos hotéis. Receberam prémios: fins de semana, vinho, champanhe, um bolo coberto enorme que comiam depois da festa. Um dia, vestiram-se de flores. – Estavam lindas, as flores… João Carlos Abreu já os conhecia do

Sheraton e pediu-lhes que integrassem um cortejo que o Pe. Agostinho Barreto dinamizava com os jovens. E pronto. Pela mão do Diretor do Turismo, Dina e Artur foram entrando: era o Carnaval, a Festa da flor, a Festa do Vinho… Uma honra. Aos olhos de hoje, já sem o Artur à sua beira, Dina considera-se parte da missão de transformar a cidade: o Funchal sabia rezar, saía para ver sair as procissões, mas era um lugar triste que

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não passava alegria aos turistas que a vinham visitar. Daí a animação que era preciso construir. Dina e Artur fizeram parte desse sonho de João Carlos Abreu. E trabalharam. Muito. Sacrificaram-se. Muito. Gasta­ ram. Muito. Foram muitas noites de desenhos e de construção daquela que viria a ser conhecida durante muito

tempo, como a “trupe do Artur”. É claro que se perdeu o espírito do princípio. A trupe cresceu. Foi preciso procurar lugares para construir os fatos, para ensaiar os passos, para viver o carnaval antes dos cortejos: alugaram salas, ensaiaram nos campos das escolas – nas Mercês, por exemplo, durante muitos anos.

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Passaram a chamar-se “Sonho de um dia” [título da letra do hino que o Artur escreveu num ano em que o sol namorava a lua]. Dina gosta de falar desse grupo como uma escola. Na verdade, ele compunhase de professores, de alunos, de amigos. Mas era uma escola de vida, de trabalho de equipa, de cidadania. Artur e Dina

acompanhavam o grupo. Eram os mentores. De muitas vidas também. Em 2001, fizeram 25 anos. Foi “A noite e o dia”. O princípio e o fim. O fim. Estavam cansados. Um pouco desiludidos talvez, com o excesso de plumas e de samba que abrasileirava o carnaval.

– Não podia. O Carnaval tinha a alma do Artur. Se valeu a pena? Dina Pimenta não sabe. Nunca chegou a perguntar ao marido. – Tenho tantas saudades do Artur!

O Artur faleceu em 2003. A Dina nunca mais pensou carnaval.

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A SUA HISTÓRIA DE VIDA

É CARNAVAL 1 3 5

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CARNAVAL COM HISTÓRIAS DENTRO MEMÓRIAS DO PRIMEIRO CARNAVAL JOÃO CARLOS ABREU: O Carnaval tem ir para a rua

6 GRUPO DO ALTO DA PENA 7 OFICINA DE CARNAVAL NO ORFEÃO 9 DO MECM À GERINGONÇA 11SONHO DE UM DIA

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