CAROL RAMA DEVORANDO A TODOS

July 6, 2017 | Autor: Paulo Celso | Categoria: Visual Arts, Comunicação Social
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Carol Rama devorando a todos


Com 97 anos, a artista italiana Olga Carolina Rama, ou simplesmente Carol Rama é uma ilustre desconhecida para muitos de nós. Ao mesmo tempo, conhece-la é compreender a necessidade de sua visão-obra para saber que houve um algo mais no século XX e que no XXI devemos redobrar a atenção, pois tudo pode estar em todos os lugares a espreita do olhar certeiro.
Nascida em Turim, cidade industrial do norte italiano, berço da Fiat que em seus momentos de glória era uma verdadeira cidade dentro da cidade, viveu os extremos: uma vida burguesa com seus pais donos de uma indústria de bicicletas e quando completa seus 15 anos a mãe é internada em um sanatório, a fábrica de seu pai entra em falência, resultando no suicídio do patriarca dos Rama. A melhor forma que Carol encontrou de lidar com tudo isso foi pintando de maneira autodidata: "Descobri que pintar me liberava da angústia". Era, então, uma jovem solteira de 21 anos vivendo a Itália fascista.
Em 1945, a polícia fascista fecha a sua primeira exposição na Galeria Faber de Turim, por 'obscenidade'. Ela assinava Olga Carolina Rama nas obras expostas que nada tinham com o ideal estético político pregado e aprovado pelo fascismo e assumido pela burguesia local [e internacional, vide os fascistas brasileiros!!] que glorificavam a paisagem, os rostos familiares e seus aportes consumistas, como carros e outras bugigangas tecnológicas, muito ao gosto daqueles que louvavam as máquinas como símbolos de progresso. A estética Carol Rama compunha um corpo que vai para além da normatividade, dos gêneros fechados, ou seja, um corpo político que representa, não apenas o corpo das mulheres apartadas da estética/política do fascismo, mas todos os corpos "minoritários" da sociedade, sejam eles "homossexuais", "deficientes", "anormais" ou "estrangeiros", corpos "enfermos", corpos sem voz e sem representatividade política em uma sociedade industrial, capitalista e moderna.
Dessa fase, a aquarela em estado bruto Dorina (1940) é emblemática, nela vemos uma cobra verde saindo de uma mulher nua e que olha diretamente para a língua vermelha e ereta da modelo, esta retribui o olhar da cobra com outro de desdém e sensualidade. A filósofa Beatriz Preciado (autora do livro Manifiesto Contrasexual, 2000) analisando a obra afirma que, Rama, "dará visibilidade para esses corpos, exaltando-os por meio de uma representação vitalista e sexualizada e reclamando-os como sujeitos políticos e de prazer".
Ser censurada e ter sua exposição fechada, mostrou a Carol Rama, uma outra possibilidade artística, a qual chamou de "guerra abstrata", buscando uma posição estética diferente, inclusive assinando daí para frente sem o "Olga", nome censurado com suas obras figurativas, portanto, nome figurativo que poderia ser extirpado da história da arte. Busca o geométrico do Movimento de Arte Concreto nos anos 1950.
Retorna ao corpo na década seguinte, que será tão marcada por revoluções e transformações sociais. Mas não ao corpo figurativo de Dorina. Produz, alheia ao que ocorre na Itália da Arte Povera (Arte Pobre) que utilizava os produtos e formas industrializados simples em suas composições (papéis, papelão, rodas, pratos, etc). Além desses materiais simples e cotidianos, inclui em suas criações sangue, sémen, leite, cabelos, pelos, unhas, dentes, olhos trabalhados pelos taxidermistas, pneus e câmaras, seringas usadas e novas, compondo uma obra "mais viceral e suja que pobre.. O Povera dela era um Queer Povera" , conforme bem define Beatriz Preciado. Uma leitura precisa dos anos 1960 em que os produtos, a produção industrial, o capitalismo eram revistos, ela inclui o corpo, que também deveria ser revisto e apropriado pelos artistas. contudo, alheia à produção da moda daquele momento, o mundo não a pode conhecer ainda.
Nos anos anteriores ao final do século XX, eis a artista apresentando sua visão das enfermidades que afetavam toda a sociedade, aproximando humanos e animais pela doença da Vaca Louca, uma dialética entre devorar e ser devorado, um devorando o outro. Sem dualismo (feminino-masculino; humano-animal, entre outros) ,seu caminho é da universalidade, na qual predominam feminino, animal, enfermidade e morte simbolizados na vaca moribunda: " o animalismo ce carol Rama é um feminismo expandido e não antrocêntrico", reafirma Preciado.
Em 2003, a Bienal de Veneza concede-lhe o Leão de Ouro pela carreira e em 2014, duzentas obras da artista Italiana são expostas no Museu de Arte Contemporânea de Barcelona (MACBA). Reconhecimento, mas nunca recolhimento. s arte de Carol Rama nos tira da simples representação, mostra e re-confirma o que temos de pior como humanos, é dura.

Paulo Celso da Silva - discente e coordenador do PPG- Comunicação e Cultura da Uniso. E-mail: [email protected]







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