Carolina Primavera Português

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Descrição do Produto

M AR I A C R IST INA DAM I A N OV I C

R EC I F E, 2 015

Copyright © Maria Cristina Damianovic Universidade Federal de Pernambuco Reitor: Prof. Anísio Brasileiro de Freitas Dourado Vice-Reitor: Prof. Sílvio Romero Marques Diretor da Editora: Prof. Lourival Holanda Comissão Editorial Presidente: Prof. Lourival Holanda Titulares: Ana Maria de Barros, Alberto Galvão de Moura Filho, Alice Mirian Happ Botler, Antonio Motta, Helena Lúcia Augusto Chaves, Liana Cristina da Costa Cirne Lins, Ricardo Bastos Cavalcante Prudêncio, Rogélia Herculano Pinto, Rogério Luiz Covaleski, Sônia Souza Melo Cavalcanti de Albuquerque, Vera Lúcia Menezes Lima. Suplentes: Alexsandro da Silva, Arnaldo Manoel Pereira Carneiro, Edigleide Maria Figueiroa Barretto, Eduardo Antônio Guimarães Tavares, Ester Calland de Souza Rosa, Geraldo Antônio Simões Galindo, Maria do Carmo de Barros Pimentel, Marlos de Barros Pessoa, Raul da Mota Silveira Neto, Silvia Helena Lima Schwamborn, Suzana Cavani Rosas. Editores Executivos: Edigleide Maria Figueiroa Barretto, Rogério Luiz Covaleski e Silvia Helena Lima Schwamborn Catalogação na fonte: Bibliotecária Joselly de Barros Gonçalves, CRB4-1748

D158c

Damianovic, Maria Cristina, 1968- . Carolina primavera [recurso eletrônico] Damianovic. – Recife : Editora UFPE, 2015.

/

Maria

Cristina

ISBN 978-85-415-0645-8 (on line)

1. Prosa brasileira. 2. Ficção brasileira. I. Titulo.

B869.8

CDD (23.ed.)

Todos os direitos reservados à Rua Acadêmico Hélio Ramos, 20, Várzea Recife, PE | CEP: 50.740-530 Fone: (0xx81) 2126.8397 | Fax: (0xx81) 2126.8395 www.ufpe.br/edufpe | [email protected]

UFPE (BC2015-062)

Para minha bisavó Carolina. Dela que me lembro só de colo. Há colos que são para sempre. Para uma Madrinha da família que não conheci, Mas sempre ouvi sobre ela palavras de muito amor. Para meu padrinho e para minha madrinha. Para meus tios e tias. É muito importante ter vocês no meu coração. Para Paulo, meu esposo amado.

Sumário

Os degraus secretos e eu Loiro ou ruivo? Posso dormir com você? Nicole e o spirit de corp A pedra que salta Nicole e a crendice A parrillada argentina e a lagartixa do Marquinho O pardal e o jacaré Chega!!! O cardaço com dois olho Caíque e a ficção-realidade Copia, Madrinha? Copio, Arthur A conta de água siamesa Arthur não é bobo Nathália A aranha estressada Mais um voto para o Tio Justino O anticoagulante de cabeça para baixo Nomes para as personagens A égua que abraçou o poste Geraldo Marcelo Geraldo Marcelo e Arthur querem o crocodilo O desmaio das lágrimas do crocodilo Tio Justino O casamento na casa da árvore

Os degraus secretos e eu

- Luiz Augusto?

- Sim, Madrinha. - Você não vem? - Vou. - E por que já não chegou? - Já cheguei e foi você quem não viu. Eu estou vendo você aí no quarto. - Luiz Augusto, de novo? E a Madrinha sai me procurando na floresta no quintal. Tenho doze anos! Ela me deu um celular de aniversário. Meus pais acharam um absurdo, mas eu adorei. E foi dele que eu liguei para ela. - Luiz Augusto, por onde você entrou hoje? – ela me achou dentro de um tronco de árvore. A árvore estava com o tronco oco, mas ao invés de cortar a árvore, a Madrinha mandou fazer um reforço no tronco e todos os galhos estão sobre vigas de aço. É toda uma estrutura para manter a árvore viva. E ela está vivíssima! Há ninhos à beça nos galhos. E nós adoramos o tronco oco. - Não conto. - Conta. - Não conto.

- Então eu vou ler seus pensamentos – ela disse, colocando sobre a minha cabeça um massageador de cabeça que, segundo ela, é uma máquina de ler pensamentos. Depois de emitir uns sons meio que rapsódicos, ela me diz: - Foi pelo muro, não foi? - Foi. - Seu pai viu? - Claro que não. - Que bom! E você subiu pelos degraus secretos? - Sim. Sabe, Madrinha, é bom colocar mais folha seca ali, senão mais gente vai perceber os degraus. Ah! Aquela escada que você colocou para a gente descer está meio capenga. Eu preciso consertar um degrau ali antes que alguém se esborrache no chão. - Você faria isso? - É pra já. E lá vou eu para a marcenaria da Madrinha. Tinha sido do avô dela, ou seja, do meu bisavô. “Luiz Augusto parece que puxou ao biso. Ele é muito hábil com madeiras. E num instante, arruma a escada. A mão dele é grande e firme. Maneja instrumentos de carpintaria como ninguém, ou melhor, como o bisavô. Ai se os pais dele o veem mexendo no serrote e com o martelo...”, pensa a Madrinha, acompanhando o que eu faço por uma das dezenas de câmaras de segurança que ela tem no quintal. Mas a Madrinha permite certas atividades de seus sobrinhos quando ela tem certeza de que somos capazes de cumpri-las sem comprometer a segurança. E nós, os sobrinhos, ganhamos confiança no que fazemos por causa disso. -Tá pronta, Madrinha. - Deixe a escada lá porque algum primo pode se lembrar dos degraus e querer entrar por aí. - Já vou levar lá. - E aproveite e coloque as folhas secas também. Tem um monte ali apinhada embaixo do Ipê Amarelo. Essa Madrinha foge dos padrões das madrinhas normais. A começar

por sua casa. Enorme! São dez mil metros quadrados que ocupam um quarteirão inteiro em uma avenida importantíssima de São Paulo. Ela a herdou do avô, meu bisavô Rodolfo. Foi a única dos seis netos que quis aquela casa velha, cheia de mato. Assim os outros enxergam o que para a Madrinha é um palacete no meio de uma floresta com uns degraus secretos. Para a Madrinha, se é sobrinho, é afilhado. Então, somos em nove afilhados. Mas de verdade, só um: eu, o Luiz Augusto! Meu pai fez questão que a Madrinha me batizasse. Que sorte! Todos os meus primos chamam a Madrinha de Madrinha. Segundo ela, batizou todos! E é verdade. Dizem que depois dos padrinhos reais cumprirem o ritual, ela repetia o mesmo logo em seguida. O Frei Antônio já conhece a família há tempos e sempre brinca em todos os batizados. Os padrinhos fulano e fulana e a Madrinha do coração, Carolina Primavera. Até o nome dela é meio gozado.

Em volta da casa, há um pequeno lago com carpas que é alimentado com água de uma cachoeira artificial que a Madrinha mandou construir. A água vem de uma mina no terreno. Há um poço também. Todo maravilhoso e tudo na floresta tem um viço por causa da água, que é abençoada. Há muitas pedras grandes no terreno. São todas mágicas. Sabe que há até um parquinho! Há gangorra, gira-gira, trepa-trepa, escorregador e muitos balanços espalhados pelos troncos das árvores. Há um que a cadeira do balanço vai mais alto do que a estrutura do próprio balanço. E há um outro em que a gente consegue dar trezentos e sessenta graus sem cair! O mais extraordinário é que nós só conseguimos fazer isso quando a Madrinha nos balança e diz: - Bem baixinho, quase ralando o pé no chão... bem devagarinho... coisas da Madrinha!!! A Madrinha nos conhece como ninguém. Ela também lê nossos pensamentos e sempre sabe no que estou pensando. Eu e todos os meus primos e primas a amamos. A gente adora ir para a casa dela, que não tem campainha. É um sino e, por incrível que pareça, ninguém bate o sino desnecessariamente. Ela é respeitada no bairro. Ou não sei se as pessoas têm um pouco de medo. Ela espalha que a casa é malassombrada para que ninguém nem ande pela calçada. Os únicos que caminham por ali são engenheiros de construtoras, que batem a sua porta com frequência. Ela responde: - Quando eu morrer vocês compram o terreno, está bem assim? - Carolina, a casa será tombada e faremos um museu e uma biblioteca para o público infanto-juvenil. Eu prometo que não corto nenhuma de suas primaveras aqui da entrada. E parte da sua floresta será transformada num jardim público. Não espere sua morte para ver tudo isso vivo. - E o resto do terreno? - Prédio. Mas lembre-se que a senhora ganhará três andares de cada uma das cinco torres que subirão. - Sei, sei, sei. Nem pensar. Quando eu morrer, a gente conversa. Depois de realizar minhas tarefas nos degraus secretos, entro na cozinha da Madrinha, que estava tirando um quibe do forno.

- Hum, que delícia! Você usou a hortelã que a Nicole plantou? - Claro! É tão perfumada. - Madrinha, que balas são essas aqui na estante? - Velhas. Velhíssimas! É que hoje é sexta-feira. - E aí? - Bom, vou contar uma história para você entender a razão das balas. Essa história se chama: Loiro ou ruivo? - É sua e do Tio Justino? - É. Foi numas miniférias que tiramos e fomos para a Serra da Canastra. - Onde é que fica isso? - Pegue o guia do Brasil ali para você achar. - E o que você contará aconteceu mesmo? - Mesmo, mesmo, sim! Mas, assim, assim, não muito. Eu sempre coloco uma pitada literária no texto. Você sabe. - Conta.

Loiro ou Ruivo?

A estrada acaba ali, onde começa a represa. Esta é gigante e abastece inúmeras cidades da região desta serra, que tem o formato de um baú enorme. Desse baú sai cada coisa... À espera da pequena balsa que os transportará para o outro lado, onde está o vilarejo no qual passarão uns dias de férias, Fiorella e Elisson admiram a lua cheia! Naquela escuridão, a lua, com seu tamanho, enche quase que todo o céu. De tão grande, se podem ver, a olhos nus, as crateras e os tons prateados daquela superfície, que é sempre enigmática. Quando uma nuvem negra passa e cobre a lua, uma voz gutural grita: - Podem subir! Já vamos. Eles sobem, no único carro que iria, àquela hora da noite, para o outro lado. - Nossa, só vamos nós? – pergunta Fiorella, já meio desconfiada de tamanha solidão naquele local. “No guia dizia que era um lugar isolado, mas eu não pensei que era assim”, reflete a esposa, já um pouco ansiosa com os 7 km que ainda iriam percorrer até chegarem ao povoado no qual iriam se hospedar. - Aqui está o recibo de vocês – entrega o cobrador, que também é quem navega a balsa.

Para quebrar o silêncio e espantar o início de uma inquietude interna, a esposa pergunta ao suposto comandante da embarcação: - Por que tão pouca gente? Eu pensei que, por ser a última balsa do dia, haveria mais gente a bordo. - É, mas hoje é sexta-feira. - Então, deveria haver mais gente ainda para ir para o outro lado para aproveitar o final de semana. - Isso é, mas hoje não é qualquer sexta-feira... E só estou aqui porque tenho que estar aqui. Mas olha o que eu tenho de crucifixo para me proteger. - E para que tudo isso? – incrédula e sem ter a mínima ideia do que iria ouvir, escutou: - Hoje é sexta-feira treze e noite de lua cheia, a senhora já tomou tento? - Ave Maria, Cruz Credo, eu nem lembrava disso. Só saí de casa pensando em passear. - Ah, vocês que vivem na capital nem se lembram disso, não é mesmo? - Nem passou pela minha cabeça. E agora? - E agora? Nada. Vão rápido que logo chegam na pousada. Já vamos atracar. Pronto. Chegamos. Até domingo. -Será? – tremendo de medo, a mulher pergunta, com um olhar duvidoso. - Se ele quiser, sim – num tom irônico amedrontador, se despede o homem carrancudo em sua balsa. Elisson olha a placa que dizia que teriam sete quilômetros pela frente. Sem comentar nada, Fiorella tira discretamente de sua bolsa um tercinho que carrega com ela há muitos anos. Também deixa à mão um gás de pimenta, que ela também sempre tem para espantar assaltante na cidade grande. - O quê que é isso? Que estresse é esse, Fiorella? Para quem está se armando? – pergunta, desanimado, o marido. - Elisson, o senhor da balsa disse que hoje é noite de lobisomem. - Quê? Lá vem você com sua veia literária folclórica.

- Que viés de crendice, que nada. Hoje é sexta-feira treze e noite de lua cheia, percebe? - Ah, admire a vista que o medo passa. Veja esse milharal. Que beleza! Como balançam esses pés de milho! E aquele silo ali no meio da plantação, tá vendo? – procurando distrair a amada, o motorista acelera um pouco mais para chegar mais rápido.

- Você escutou isso, Elisson?- questiona a esposa, já arrepiada de medo. - Escutei. Da onde será que veio? Deve ser algum animal se espojando por aí. - Cuidado! Olha a encruzilhada. A placa diz, à esquerda. - Que calor! E os vidros estão abaixados! Que quente! De repente, Fiorella nota uma mudança no semblante do marido, que mirava consternado o espelho retrovisor do lado esquerdo externo do carro. - Que foi, Elisson? - Tem alguma coisa vindo aí atrás do carro – diz ele, já sentindo um bafo nauseabundo entrar pelo vidro do carro. Fiorella sente pavor e já começa a ficar com vontade de ir ao banheiro, sua marca clássica de quando está acometida de um temor visceral. Elisson, amedrontado, acelera o carro ainda mais. Já estão a 70 km por hora. Quando Fiorella olha para trás, dois olhos fuzilantes e afogueados perseguem o carro. O casal escuta a respiração da coisa por suas ventas.

Sem saber a razão, Elisson não consegue acelerar mais e de uma boca peluda e babenta, dois caninos agudos são projetados para fora. A baba voa sobre o espelho retrovisor, que fica todo embaçado, impedindo uma visão clara. Naquela situação aterradora, Elisson, destemido, coloca o braço para fora, abanando uma flanela amarela, na tentativa de espantar aquela coisa abominável e fétida. - Põe o braço para dentro. Que besteira é essa? Quer ser mordido por essa assombração? - implora Fiorella, já descontrolada. E jogue essa flanela fora, por favor. Que absurdo! Ao ver umas sobrancelhas espessas adentrarem o automóvel, Fiorella tenta fechar o vidro elétrico. – Ele vai te comer, cuidado!!! – ela alerta o esposo, apertando o botão para o vidro subir. Quando este está quase fechado, uma unha do dedo médio da fera tenta evitar o cerramento da janela. Fiorella passa seu gás de pimenta para Elisson, que aperta o cilindro com gosto. É pimenta para todos os lados daquele ser lendário. - Eu consegui empurrar a cabeça dele para longe do vidro. Que juba! Olha, ficou um chumaço de pelo loiro na minha mão – jogando o tufo no piso do carro, os dois ouvem ao longe vinte e quatro baladas. Era meia-noite. Com a janela fechada, finalmente o carro parece estar sob o controle do marido novamente. Já a cem por hora, eles conseguem deixar para trás aquela súbita aparição, que se dissolveu sorrateiramente sob a luz lunar. Num silêncio de profundo bem-estar após serem perseguidos por algo da natureza primitiva, o casal chega à pousada. Ao aproximarem o carro do portão, este abre automaticamente. - Será que não aparecerá alguém para nos receber, Elisson? - Boa-noite! – se aproxima uma jovem linda, com cabelos que, a esta altura da luz da lua, tinham um tom dourado de moedas de ouro em uma arca. - Vocês estão bem? Estão com as feições pálidas. Parecem assustados – preocupada, ela os inquire. Querem tomar algo? Venham aqui na cozinha.

Ao adentrarem o ambiente, notam uma prateleira cheia de balas de revólver, de carabina, de espingarda e de outras armas de fogo. Eram balas revestidas de algo branco. - Que são essas balas? – pergunta Fiorella, atemorizada. - Dizem que para a gente se proteger de lobisomem, a gente precisa estar preparada para atingi-los. E essas balas estão untadas com cera de vela acesa durante três missas de domingo. Aquela arma ali está cuidadosamente carregada com nove balas com muita cera. Também eu tenho, ali no jardim, a erva veneno de lobo. É um veneno mortífero e espanta qualquer tipo de lobisomem. - Que foi isso na sua mão, rapaz? – a dona da pousada pergunta, já secando com um guardanapo um fiozinho de sangue que escorria da mão esquerda de Elisson. - Eu não sei como contar o que foi. Eu fui mordido por uma coisa loira, de pelo eriçado, que correu atrás do carro por muitos segundos a 70 km/h. Saía fogo pelas ventas. O pelo dele está no chão do carro. Num instante de espanto, a dona da pousada pega o chumaço de pelos e o analisa. - A sorte de vocês é que foi o lobisomem loiro. Esse é do bem e só vem atrás da gente para nos fazer fugir de algo pior que está por vir. Agora, se vocês fossem pegos pelo lobisomem ruivo, aí você chegaria aqui sem o braço. O ruivo tem um potencial maléfico e carniceiro. O loiro só cumpre um castigo e vive sua maldição na sexta-feira treze de lua cheia. Aqui na cidade já tentaram persegui-lo, mas nada. Já houve até busca pelo círculo protetor no qual ele deixa as roupas enquanto é lobisomem, mas nada. É difícil achar, porque ele urina no círculo e tudo o que está dentro se petrifica. Ser mordido pelo loiro não é nada. É só um furinho. Agora, se o lobisomem ruivo morde a gente, a gente passa a virar lobisomem também. - Eu, hein! E como a gente pode ter certeza de que é o bom ou o ruim? – pergunta Fiorella, aflita e preocupada. - Bom, dizem que quando o ruivo morde, aparece um pentagrama na palma da mão do mordido.

“Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come” – pensa o marido. – Você tem água oxigenada aí e algo para eu passar na ferida, por favor? - pede o rapaz, querendo que a jovem se afastasse por uns instantes. - É melhor a gente ir para o quarto já e vamos embora amanhã mesmo. A gente inventa algo e pé na estrada, Fiorella. Não dá para ficar aqui não e também quero ir ao médico. - Vamos embora já. - Não tem balsa. Lembra-se? Temos que aguentar firme. - Boa noite! – cumprimenta-os o esposo da jovem, com um copão de água na mão. – Que sede! Em noite de lua cheia, tenho mais sede do que nunca! - Oi! Nossa, o que houve com seus olhos? - Uma alergia a alguma coisa. Não sei o que foi. De repente, abri os olhos e eles ardiam muito. Já está passando. - Ah! - suspirou a mulher, com vontade de fugir e olhando Elisson pelos cantos dos olhos. - Aqui está a água oxigenada e o cicatrizante. Amanhã é bom ir ao centro de saúde – sugere a dona do local, afetuosamente. - Sim, claro. Na primeira hora da manhã. Já, já, não é mesmo? Loguinho o sol sobe. - Aqui estão as chaves. Acompanharei vocês até o quarto – oferecese o dono, expondo um sorriso que revela um fiapo amarelo entre os dentes da frente. - Não se preocupe, estamos bem. Vamos sozinhos. Obrigada e boa noite – numa diligente recusa, lá vai o casal, em alta velocidade, em direção a sua habitação. Trancam-se e nem desfazem as malas. Tampouco desejam dormir. De olhos abertos olhando a ferida, analisam a cada instante se o tal pentagrama aparece. Sem perceber, caem no sono. Ao fundo, à luz da lua, um uivo. A maldição se perpetua...

Posso dormir com você?

- Luiz Augusto!!! – bradou a Madrinha. – Por que você está arfando?

Parece que está hipnotizado. - E são para isso essas balas? Elas também estão cobertas de cera? - Claro! De três missas ali da igreja da esquina. Você acha que eu vou marcar bobeira com o Lobisomem? - Não. - Gostou do quibe? - Ahã. - Que foi, Luiz Augusto? - Eu posso dormir com você? - Vamos lavar a louça aqui e já subimos. Sem roncar, hein? Você quer o sofá-cama ou o colchonete? - O sofá-cama fica mais próximo da sua cama, né? - É. Do lado. - Madrinha, e você também plantou a tal erva no quintal? - Um montão delas. Amanhã eu mostro. - Fico mais tranquilo. - Eu também. - Madrinha, por que o Tio Justino não dorme aqui? - Ele dorme, mas de vez em quando.

- Por que você não casa com ele? - Um dia eu caso. - Você me diz isso já há muito tempo. Essa casa é muito grande para você dormir aqui sozinha todo dia. - Vocês estão sempre aqui comigo. - Mas não é a mesma coisa que marido. - Vou pensar. - O Tio Justino é o máximo! - Bons sonhos. - Sem lobisomem, espero. - Eu também. - Madrinha? Você reparou que na sua história do lobisomem, o sino dá vinte e quatro badaladas? Não seriam doze? Eu nunca vi relógio normal e sino de igreja dar vinte e quatro badaladas. - Nem eu, mas coloquei assim para criar mais medo. Você não ficou arrepiado ao ouvir vinte e quatro badaladas? - Boa noite, Madrinha. No dia seguinte... - Tchau, Madrinha! Mais tarde chega a Nicole. - Mais tarde, que horas? - Eu vou para a festa às 20:00h, então eu acho que, por aí, meus pais a deixam aqui. - Você não quer ver a tal erva espanta-lobisomem? - Quando eu voltar, você me mostra. - Ele não passou, né? - Eu não o vi. E você? - Eu também não. A madrinha cumprimenta meus pais e para mim ela levanta sua égide, que sempre fica perto da porta de entrada e tem uma borboleta dourada sobre um fundo azul. Ela não gosta de dizer tchau.

Nicole e o spirit de corps

O carro parte e a Madrinha volta para seus afazeres domésticos e profissionais. Ela é jornalista, escritora e professora. Na maior parte do tempo, trabalha em casa. Um luxo! Quando ela acaba as matérias e os livros, envia-os por e-mail. Na faculdade, ela dá aula duas vezes por semana, de manhã e à tarde. Nos outros dias, recebe os orientandos dela em casa, ou melhor, na sala de estudos, que tem computador e uma biblioteca particular. Ali é um de nossos recantos favoritos. Há sofás, pufes, colchonetes, cadeiras dos estilos mais variados e o canto da Madrinha, que é impenetrável. Ele é todo decorado com plantas e muitos penduricalhos de vidro, cristal, espelho e de qualquer coisa que brilhe. Ela aprecia tudo o que se dependura e tem forma de pássaros e flores. Que orgulho tenho da Madrinha! Ela escreve para um jornal grande aqui da cidade. No seu blog, conversa com leitores do jornal e de seus livros. Adora fazer chats com alunos de escolas pelo Brasil afora. Nesses dias, ninguém pode ir à casa dela porque ela precisa de silêncio na sala e isso é difícil quando estamos por ali. Como ela não gosta de dizer que não podemos ir ali, ela tem um quadro na sua sala de trabalho com um calendário gigante e nele ela escreve suas tarefas, seus chats, suas viagens e outros compromissos. Sempre olhamos e dessa forma organizamos nossas idas.

A hora passa... De repente, uma lufada de ar invade a sala de trabalho da Madrinha, que está suando com tanto calor. Ela escuta um farfalhar das árvores. Os móbiles tilintam. - Que susto, Nicole! Como você entrou a essa hora da noite? - Eu vim com o vento e estacionei a vassoura ali. - Veio bem, hein? Nem os cachorros latiram. - Eu sei conversar com eles, Madrinha, e pedi silêncio. Estou aprendendo os seus poderes, e também, há quinze anos eu tento dar um sustinho em você. Hoje eu consegui. - Sustinho? - Madrinha. O que você está escrevendo? - Uma matéria para segunda-feira. - E sobre o que é? - Ataques de Lobisomem. - Madrinha. - Sim? - O que meu irmão contou é verdade? Minha mãe ficou nervosa. Meu pai pediu para ela relaxar porque era somente mais um de seus contos fantásticos. - O que o Luiz Augusto contou? - Que você tem uma arma com nove balas cobertas de cera para matar lobisomem. - É verdade. - Minha mãe disse que a gente não pode mais vir aqui a não ser que você dê fim na arma. - Não dou não. - Então, a gente não poderá vir mais. Que chato. - Eu dou um jeito. - Que jeito? - O meu jeito. - Ah! - Por que você não foi à festa com o Luiz Augusto? - Não me convidaram.

- E por que não? - Vou usar uma palavra nova que você me ensinou. - Vai. - Bom, eu suplantei uma colega no jogo de vôlei do clube. - E por que você fez isso? - Ela estava muito metida e me espezinhando na quadra. Aí, eu sabia que ela era fraca para receber as cortadas e todas as minhas cortadas no jogo foram em cima dela. Humilhei legal. - Que coisa mais ardilosa! Desde quando você se tornou dissoluta? - Cadê o dicionário? - Ali. Passam os minutos... - Achou? - Achei. - E o que você vai fazer para dirimir isso? Passam os minutos... - Pedir desculpas. - Tô gostando. - Madrinha, é melhor você parar com essas histórias de crendice. O Luiz Augusto ficou impressionado. Ele só tem doze anos. - E você? - Você sempre esquece. - É muito sobrinho e sobrinha e meu tempo é diferente do de vocês. - Quinze, Madrinha. Não se lembra da minha festança? - Foi extraordinária. Você estava deslumbrante. Pois escute esta história de crendice para depois você dar sua opinião sobre se você acredita ou não nela. A história se chama: “A pedra que salta”.

A pedra que salta

A professora Gilberta volta para casa na sua SUW quatro por quatro.

Já é escuro, apesar de serem cinco e trinta da tarde. Pela floresta, ela segue atenta às novidades que sempre aparecem no meio do caminho incrustado entre os cinco vulcões vivinhos que a rodeiam. Depois de uma curva muito fechada antes de uma pinguela, Gilberta freia bruscamente. - Que pedra enorme é essa? – Já acostumada a descer do carro para empurrar pequenas grandes pedras que rolam montanha abaixo, Gilberta desce do seu automóvel disposta a mover aquela coisa meio amorfa. - Hummmm, o que será que é isso? – ela se pergunta um pouco mais alto, buscando seu farolete dentro do carro. Onde a Gilberta mora não é um lugar comum e não tem luz na rua. Dessa maneira, farolete e lanternas no carro são itens indispensáveis. Além de outras coisas, como martelo para quebrar o vidro, caso o carro seja levado pela enxurrada das tormentas tropicais, ou caia num rio na carona de uma cabeça d’água. A Gilberta já morou em cada lugar... Enfim. Com seu farolete em mãos, Gilberta coloca o facho sobre a tal pedra. Não é que a pedra está respirando e suando!!! Ela tem dois olhos e uma boca toda torta.

Com um medo pavoroso, Gilberta entra no carro, buzina, dá farol alto e baixo e nada. A pedra não se move. - Jackson! Aquele sapo da crendice local está na frente do carro! É o sapo pedra! O bicho é enorme! Tem uns cinquenta centímetros de altura e uns quarenta de largura – Gilberta, ao telefone, conta gritando para o marido sobre a tal pedra. - Gilberta, onde você está? - Na curvinha perto de casa e antes da pinguela. - Vai lá e chuta o sapo. Quem sabe ele rola ponte abaixo. - Está doido? E se ele cospe uma baba venenosa em mim? Ele parece inchado. Acho que ele vai explodir. - Já tentou fazê-lo saltar com um bambu ou algo comprido? Tem um cabo de vassoura aí no porta-malas do carro. Aqui, você sabe. Todo cabo de vassoura pode servir para algo. Você se lembra de quando a cobra se enroscou no pára-choque do carro? Foi com a vassoura que a desenrolei. Desde então, achei melhor deixar um cabo aí. - Eu tenho medo de tocar o bicho. - Então passe devagarzinho sobre ele. O carro é mais alto do que ele. Vá tranquila. - Eu não quero atropelar o sapo. - Vai passando e eu fico escutando aqui do outro lado da linha. Deixa o telefone no viva voz. - Vou passar. - Vai, meu bem. - Estou passando. - Vai, meu bem. - Passei. - Olhou para trás? - Eu, não. O que passou, passou. Espero você em casa. Tchau!

Nicole e a crendice

- Onde é que você ouviu essa história, Madrinha?

- Eu não a ouvi. Eu a vivi naquela época em que morei na América Central. Eu estava voltando do trabalho. - Você não exagerou no tamanho do sapo? - Pode ser que um pouquinho, mas que ele era grande, era. - Madrinha, você acredita em crendice? - Eu vivo a crendice, querida. E você? - Só quando eu estou aqui. - Vamos assistir a um filme? - Tem pipoca? - Você já jantou? - Já. - Eu não. Vou arrumar algo para comer. A pipoca você já sabe onde está e é só ligar o microondas. - Que filme a gente vai ver? - Peguei três na locadora. Escolha um. - Espero você no sofá. - Já vou. No dia seguinte, domingo...

A parrillada argentina e a lagartixa do Marquinho

A Nicole e a Madrinha correram para estar com o fogo, ou melhor,

com a brasa no ponto quando todos chegassem. Era dia de assado e não era churrasco. Depois que a Madrinha foi para a Argentina, ela passou a fazer asado argentino. O braseiro que ela monta é coisa de revista. Ela espalha a brasa uniformemente sob a grelha e na hora de servir, ela traz a carne num réchaud de brasas. Ela é toda chique! Ah! Ela também faz farofa e salada. Uma simples salada de alface para ela se chama salat vert. A parrillada dá água na boca e é muito boa porque as carnes, que têm corte diferente do dos nossos, são mais gostosas, macias, e acima de tudo, mais saborosas! A Madrinha faz parrillada com a carne que ela compra num açougue argentino: bife de tira, bife de chorizo, vacio e linguiça parrillera.

Os meus pais, tios e avós ajudam nos gastos do almoço, que não são poucos. Mas quem faz tudo é a Madrinha, que na hora da sobremesa traz dulce de leche. Também argentino. Até o leite da vaca argentina ela fala que é mais doce. Se é mais doce não sei porque nunca tomei, mas que o dulce de leche é maravilhoso, é. E para acompanhar o café, alfajores argentinos. É bom demais. Ainda bem que ela está com um projeto literário em terras porteñas. Assim, ela sempre traz essas gostosuras para cá. O almoço é uma azáfama. A bulha é grande e o silêncio de igreja falta. Mas quem é que quer silêncio na casa da Madrinha? Até a música é alta. É sertaneja. A Madrinha gosta de música assim e ai de quem tentar trocar o radião velho dela. Eu não sei como aquele rádio ainda funciona. - Madrinha? Uma lagartixa na mesa! - Deixe ela quietinha aí, Marquinho, que eu vou contar uma história... Todos se entreolham porque sabem que lá vem história! Meu tio Jovinaldo, um dos irmãos da Madrinha e pai do Marquinho, que tem sete anos, ameaça entrecerrar os olhos. A Madrinha percebe e começa a história num tom mais alto. Era o título. A Madrinha lê seus títulos como se fosse o anúncio da entrada de um rei e uma rainha. O título é “O pardal e o jacaré”. - É um pardal falando com um jacaré?, pergunta o Marquinho. - Bem, um pardal pássaro, não. É o Pardal com letra maiúscula, o que faz toda a diferença. - Então é um Pardal gente. - Isso. Escuta a história.

O pardal e o jacaré

- Pardal, aqui é o Wesley.

- Já voltou do Pantanal? - Já voltei e já estou na estrada de novo. Uma correria. - E como foi a pesca? - Cada peixão! Pardal, estou precisando de você. Bem, na verdade, tenho uma missão para você. - Bom, para você estar me ligando a esta hora da noite, imaginava já alguma coisa. - Pardal, eu preciso que você vá lá em casa ajudar a Alfazema a se livrar de um jacaré que está no banheiro. - Eu? Que é isso? Jacaré? Isso é coisa para o Bombeiro. Deus me livre! O que a Alfazema está fazendo com um jacaré no banheiro? - Pois então, Pardal, ela não quer nem ficar em casa. Só posso pedir isso para você. - Você o trouxe do Pantanal? - Não, ele veio de outro lugar. Depois conto. - Qual é o tamanho do bicho, Wesley? - Pequeno. Bem pequeno. Você dá conta. Tenho certeza. - Por que não chama o Bombeiro? - Não vai dar certo.

- Tá bom. Irei lá agora mesmo. Ser seu vizinho não é mole, Wesley. Só quero ver o que me espera. - Estarei no computador, naquele programa em que a gente se vê. Estarei na tela do monitor quando você chegar lá em casa. A Alfazema está esperando. E tem sobremesa para você comer depois de dar conta do jacaré. Bomba de chocolate. Sua favorita. - Tá bom. Que horror, lá vou eu. Ainda bem que tem bomba depois. Quantas tem? Quero umas duas, pelo menos. O Pardal é um desses anjos de pessoa. Procurando equipar-se minimamente, ele colocou as luvas de couro grosso que tinha em casa. Armou um arpão, que eventualmente usava para pescar. Pegou seu aliado facão, indispensável em uma tarefa como essa. “Meu Deus do céu. Para que o Wesley foi trazer um jacaré aqui para São Paulo? O cara está louco. Este trabalho novo dele o está deixando sem cabeça. E se denunciarem que estou matando um jacaré? Onde é que vou colocar o jacaré?” Com mil pensamentos de deixar qualquer um arrepiado, o Pardal, com todo seu aparato bélico e um saco de ráfia na mão, pegou o elevador, xingando Deus e todo mundo, e se dirigiu até o nono andar. Quando a porta do elevador abriu, a Alfazema já estava lá esperando com três bombas de chocolate num prato. Ao ver o Pardal vestido e armado “para matar”, ela não pôde se conter. - Pardal, tudo isso é para me salvar? - Só estou fazendo isso porque vocês são muito meus amigos. Que roubada vocês me propõem, hein? Cadê o jacaré, Alfazema? As bombas eu como depois. - No banheiro do meu quarto – responde a Alfazema, com a pulga atrás da orelha. “O que será que o Wesley disse para o Pardal?” - Alfazema, cadê o jacaré? - Tá no banheiro, Pardal – responde o Wesley, na tela do computador, com uma cara que mal podia esconder a risada estupenda que queria dar depois de ver seu amigo com todos os instrumentos para caçar o jacaré. - Tá ali, ó! – apontando para a parede, a Alfazema localizou o réptil.

- Mas é isso o Jacaré? Cadê o Wesley? Aquele ξੴ჻☹☠☣✄ !!!! Que mico é esse que estou pagando! Alfazema! Estou descorçoado com tudo isso. É pegadinha? - Calma, Pardal, fale aí com o Wesley no computador. Depois de conversarem um pouco, o Pardal se acalma e entende a forma que seu amigo, o Wesley, aquele ξੴ჻☹☠☣✄, usou para persuadi-lo a sair de sua casa às 23:20h, para se livrar de uma lagartixa que estava no banheiro da Alfazema, que tem verdadeiro pavor desse bicho. Nada a faria dormir em uma casa na qual há uma lagartixa. No final das contas, o Pardal deixa de lado todo seu aparato e, com uma simples folha de papel e uma pá de lixo, pega a lagartixa e abre a janela do banheiro para jogá-la para fora. - O quê, Pardal? Vai atirar a lagartixa assim, do nono andar? – suplica a Alfazema, aterrorizada. - Tenha a santa paciência, Alfazema. O que é que vou fazer com esta lagartixa branquela aqui olhando para mim? Já estou com nojo. Preferiria um jacaré. - Eu sei lá, mas jogá-la assim, não dá não. Ficarei com remorso. - O que a gente não faz por um amigo – murmurou o Pardal, que já estava perdendo a compostura. - Pergunte para seu marido aí no computador. Seguindo a recomendação do Wesley, o Pardal desce para o jardim do prédio com o tal jacaré dentro de um envelope. Para as flores e a grama lá se vai o jacaré. Aliviado depois de salvar sua amiga do suposto réptil dentuço, o Pardal senta-se na mureta do jardim para onde foi o jacaré, abre uma sacolinha e devora as três bombas de chocolate que a Alfazema havia arrumado para ele. Com um sorriso de satisfação depois de comer seu doce preferido, o Pardal olha para cima e recebe um tchauzinho de sua amiga, que o saudava da sacada de seu apartamento. “Ah, amigos... Têm cada jacaré para a gente...”

Chega!!!

- Madrinha, quem são esses doidos da história?

- Marquinho, a Alfazema é uma amiga minha da escola e o Pardal é um vizinho dela. E o Wesley é o marido. Eu troquei os nomes, né? - Eu já vi a Alfazema, não é Madrinha? - É ela mesma. Trabalhamos muito juntas. - Ela me conta muita história também. Ela fala que eu tenho sete anos, mas que pareço que tenho dez! - Tem uma outra história... - Chega! – grita o tio Oswaldo, outro irmão da Madrinha, que sabe que a coisa ia longe... Os nomes dos irmãos da Madrinha são divertidos. O primeiro chama-se Inaldo, o segundo, Oswaldo, o terceiro e meu pai, Everaldo, o quarto, Jovinaldo e o quinto e último, Rinaldo. A Madrinha é a única mulher e a mais nova. Minha avó ia chamá-la de Esmeralda, mas aí, meu pai insistiu que fosse Carolina e Primavera. - Chega nada! – berrou minha irmã e defensora da Madrinha. – Conta! – pediu a Nathália, de treze anos. - Essa história aconteceu com a vovó, que está aqui para confirmar. A história se chama “O cadarço com dois olhos”. Como vocês sabem, também adicionei uns detalhes à história para ela ter mais graça. - E desde quando cadarço tem olho, Madrinha? – duvidou Marquinho.

- É aí que está a graça, Marquinho. Silêncio! Vou contar a história – começou a Madrinha, tirando o cadarço do tênis. Ela sempre conta as histórias com objetos na mão. Esses ganham vida de uma forma inimaginável.

O cadarço com dois olhos

Como um bólido, Mikaela é dessas que faz um montão de coisas juntas

e dá conta de tarefas inúmeras em pouco tempo. Naquele embalo veloz, entra na lavanderia e começa a colocar a roupa branca na máquina de lavar roupa. Como é de seu hábito, ela sacode a roupa antes de pô-la na máquina. Isso também sem contar que ela vira do avesso todas as roupas. Segundo ela, é para limpar a roupa por dentro, que é a parte mais suja. Como Mikaela corre muito e faz muitas coisas ao mesmo tempo, inclusive ler o jornal, é comum ela perder seus óculos no meio do caminho. Depois, como uma louca, procura seus óculos sem óculos, o que dificulta um pouco mais a busca. Parece que ela mandou fazer um par de óculos novo: rosa, verde e laranja. Lindos! E mais fáceis de serem localizados. Porém, na época do acontecido, seus óculos ainda eram os básicos. Entre uma sacudida e outra, um lençol engancha no lustre da lavanderia. Ela puxa o lençol e o desengancha meio que na marra. A luz pisca um pouco. Acho que foi um princípio de curto. Tudo na máquina, Mikaela adiciona o sabão, um pouco de desinfetante, como ela gosta, e amaciante. Ajusta seu relógio para tocar em trinta e seis minutos e vai embora para dentro de sua casa. Havia muitas tarefas a serem cumpridas.

O relógio toca e ela sai correndo para dependurar a roupa. Faz um sol lindo! Seu varal é sensacional e muito prático, além de ser extremamente próximo à máquina de lavar roupa. Tira a roupa, sacode-a novamente, dependura-a e põe o pregador. Os dela são todos fashion, coloridos, pintados e ultra-charmosos. Até seu varal tem que ter glamour. Primeiro, ela tira as roupas grandes, depois as menores e aí, sobram duas coisas compridas e brancas dentro da máquina. Ela pensa que devem ser cadarços do tênis do marido, algo assim. Seus óculos não estavam lá, para variar. Sem muita atenção, ela pega com uma mão um cadarço e com a outra mão ela já tem o pregador. Ao colocar o tal cadarço no varal, ela percebe que o cadarço tem dois olhos e uma língua grande, achatada e para fora. Num reflexo de quem tem um bicho na mão, Mikaela atira longe o que ela não sabe ainda o que é. Corre ela atrás de seus óculos e volta para a cena. – Ahã! Ai, pobrezinha! É uma lagartixa! Que estranho! Está sem rabo. Acho que ela o deixou cair pensando que estava sendo atacada. Na certa, achou que iria distrair seu predador. Coitada! Pois o rabo estava ainda na máquina. Era o outro suposto cadarço. Judiação. Sempre protetora dos animais, Mikaela ainda tentou ressuscitar a lagartixa. Mas nada. Tinha sido muito sabão, desinfetante e amaciante para aquele réptil que adora subir pelas paredes e agora se via lavado, enxaguado e centrifugado.

Caíque e a ficção-realidade

- Por que a vovó virou Mikaela, se esse não é o nome dela, Madrinha?

– perguntou Caíque, de oito anos e irmão do Marquinho. - Caíque, eu troquei os nomes porque eu me baseei na história real da vovó, mas na hora em que eu escrevo a história, eu mudo algumas coisas. Na ficção, os personagens podem ter qualquer nome. É ficção, Caíque. Não é um relato, uma verdade. É uma meia-verdade contada em história. - Foi assim, vó? - Assim, assim, não, mas um pouco assim foi, Caíque. Tive muito nojo. Joguei a lagartixa longe. Mas eu garanto que a ficção está melhor contada do que o que realmente aconteceu, Caíque. - E tem outra história de jacaré, ou melhor, de crocodilo – começou a Madrinha, já querendo embalar na contação de histórias. - Agora chega – falou meu tio Jovinaldo, pai do Caíque e do Marquinho. Fica para a próxima parrillada. - Ficará para o primeiro ou para a primeira que dormir aqui. Combinado? E lá foram todos embora, depois de arrumarem tudo. Era uma exigência dela. Tudo certinho no seu lugar e tudo bem limpinho antes da multidão ir embora.

Copia, Madrinha? Copio, Arthur.

Na terça-feira à noite, chega o Arthur, também de doze anos.

Antes de entrar, chama a Madrinha pelo walkie-talkie que havia ganho dela de aniversário. - Copia, Madrinha? - Muro dobrado, copia. - Está escuro, copia. - Tem luz escondida, copia. - Onde?, copia. - Entrando, à direita, altura no nariz, copia. - Você estará do outro lado?, copia. - Já estou aqui, copia. - Tô indo, copia. O Arthur, meio amedrontado, entra no muro dobrado. Acende a luz secreta e adentra uma reentrância no muro que, para olhos cartesianos, era a entrada para ler o relógio de água e luz. Para olhos bem atentos, era uma entrada secreta, porque havia uma portinha embaixo do relógio de luz em que, antigamente, era onde se colocavam o pão e o leite. Hoje, a Madrinha mantém a portinha e só a gente tem a chavinha para entrar por ali. Cada um de nós tem um chaveiro com chaves especiais da casa da Madrinha.

- Carolina, por que as crianças não podem entrar pela porta da frente? – esbraveja do lado da rua, Oswaldo, meu outro tio. - Tchau e até amanhã, querido. O Arthur já entrou. - Tchau, pai! Até amanhã, no final da escola. Só meus tios passam para deixar os filhos, meus primos. Minhas tias não entendem muito bem tudo aquilo. Ficam nervosas, inseguras e atônitas. Os irmãos da Madrinha já estão acostumados com a irmã. Acham meio esquisito, mas como nós, as crianças, amamos a Madrinha de paixão, eles aceitam a magia que ronda aquele casarão. No fundo, eles só não fazem mais tudo aquilo porque não passam mais nas passagens secretas. Quando pequenos, eles faziam a mesma coisa, só que naquela época era na casa do avô. - Que cara é essa, Madrinha? - É a minha conta de água, Arthur. Veio muito cara. - Você mora sozinha, como pode ser cara? - Pois é, tem algo errado. Preciso chamar o Seu Gusmão. - Quem é esse cara? - Escuta aí, que eu vou contar uma história dele. - Mas não era a outra história, a do jacaré? Eu não sou o primeiro que vem nesta semana? - Na verdade, é de um crocodilo. Mas preciso contar a do Gusmão primeiro. - Eu quero é a do jacaré. - A do Gusmão tem um gato. Depois conto a do crocodilo. Não é jacaré. Depois veja, ali no livro, a diferença entre jacaré e crocodilo. São parecidos, mas bem diferentes. - Como pode ser parecido se são bem diferentes, Madrinha? E conta logo a do Gusmão. Mas Madrinha, o que o Gusmão tem a ver com a conta de água? - É ele que vai descobrir o problema e pela história você descobrirá como ele trabalha. - Conta, então. Mas depois, a do crocodilo. - Fechado! A história se chama: “A conta de água siamesa”. - O que é siamesa, Madrinha?

- O dicionário está ali. - Não quero. Estou cansado. - Menino! - Já vou. Só vou porque sei que se não vou não tem história. - É isso mesmo. Passam uns minutinhos... - Já descobri. Tem a ver com o gato, né? - É. - Madrinha, tem bolacha recheada e suco de caixinha? Estou com fome. - Que pergunta, Arthur! - Por que você não tem comida de criança? - Porque eu só tenho comida de criança: frutas, pão de centeio feito em casa, biscoitos de aveia e gergelim que fiz hoje à tarde. Geleia que a vovó fez lá na Fazenda. Você pode rechear a sua própria bolacha com geleia, mel ou doce de leite. Ah! Tem goiabada e queijo também da fazenda. Está tudo ali na geladeira e isso, sim, é comida de criança. E suco, é só colocar alguma fruta ali no liquidificador. - Vou pegar goiabada com queijo e um pêssego. O pêssego é da fazenda também? - Sim, agora é época. Faz um prato igual para mim do que você for comer, por favor, Arthur? Enquanto isso, ouça a história.

A conta de água siamesa

Economia é com este casal, que tem um montão de velas em casa, não só para deixar o clima romântico, mas também para manter os interruptores das luzes desligados. - É um romântico econômico – comenta o marido aos amigos que os visitam. - Benzinho, vem cá – com um tom irônico, o marido chama a esposa, que, enfadada, espera alguma chamada de atenção. “Conheço esse tom”, ela pensa consigo mesma. “O que será que ele quer economizar agora?” - Oi, meu bem! O que é? - Irene, teremos que tomar banho mais rápido – ele informa, com a voz ríspida. – Também mudaremos os hábitos de lavar a roupa; somente com a máquina lotada! Máquina de lavar louça, só nos dias em que eu estiver muito cansado e não estiver disposto a lavar a louça na mão. O jardim não precisa de água todos os dias e... - Que despautério é esse, Urias? Está louco? Como, planta não precisa de água todos os dias? Minhas flores, as folhagens, a grama, nem pensar!!! Pode tirar seu cavalinho da chuva, Urias. Economizo nos outros itens, mas no meu jardim, não! - Irene, veja a nossa conta de água! Estamos gastando muito! Um exagero! Uma estupidez! – o fanático por economia comenta, desiludido, dando a conta de água para a esposa.

- Segure seu gato no colo para eu ver essa conta. – Interessada em investigar a razão do gasto exorbitante, a esposa entrega o Tigre, o gato de estimação do Urias. Branquinho e pretinho com olhos azuis cristalinos. Depois de recorrer a sua calculadora, fazer contas e mais contas, a esposa comenta: - Impossível, querido. Temos um vazamento em casa. Nem se quiséssemos, gastaríamos isso. É vazamento na certa! Chame a companhia de água. E é o que fazem. No entanto, os técnicos em localizar o vazamento dizem: - Não há vazamento na parte que cabe a nós. É melhor chamar um encanador de confiança de vocês. Lá vem o senhor Gusmão, um tipo gozadíssimo, que anda com um copão de vidro para localizar vazamentos. Seu Gusmão põe o copo nas paredes e no chão. Escuta, ausculta e nada. Conclui: - Não há vazamento. Alguém está usando a água de vocês. – O Seu Gusmão dá o seu veredicto. - Meu bem, eu descobrirei o que está acontecendo. Amanhã não vou trabalhar e iniciarei uma investigação para ver se há vizinho usando a nossa água. Fique tranquila que eu pego esse ladrão de água!!! – com os nervos à flor da pele, o Urias faz a promessa, como quem agarra uma ideia com unhas e dentes. O dia seguinte começa e quando a esposa se levanta, o Urias já estava a postos na janela, com o binóculo. Como conhece o marido há anos, Irene somente comenta, antes de sair para o trabalho: - Sorte, meu bem e sem violência. Ligue-me se descobrir algo. Eu falo com o vizinho. - Você? Pode deixar que estou preparado. Tenho a filmadora aqui para fazer o flagrante! Eu pego o danado. É hoje! – diz o Urias, afagando o Tigre. A hora passa e, sem perceber, o Urias cai no sono. De repente, ele acorda com o barulho da descarga e, claro, da água descendo esgoto abaixo.

- Meu Deus! O ladrão de água está aqui dentro! Que horror! Como pode? – Pegando uma vassoura para enfrentar o larápio, prepara-se o Urias para encarar o miserável que estava no andar de cima da casa. Ao subir as escadas procurando não fazer barulho, o Urias escuta mais duas vezes a descarga. Irado, possesso, tomado pela cólera, o Urias quer subir rápido, porém não pode deixar o desalmado fugir. Sobe em silêncio sepulcral. Nos últimos degraus, mais três descargas. Enlouquecido, tremendo de raiva, o Urias, com sua filmadora em uma mão e o cabo de vassoura na outra, invade o banheiro e explode num berro inacreditavelmente alto. - Tiiiiiiiiiiiiigre!!! O que é que você está fazendo aí, na banca da privada, mexendo na alavanca da descarga? Seu isso, seu aquilo, seu aquele outro e mais um montão de palavrões. Tiiiiiiiigre! Eu não acredito que você é o responsável por este gasto milionário aqui em casa!!! O que você está fazendo aí? Quem é que lhe ensinou isso? Isso é coisa de gente, bichão! Sem acreditar e com uma vontade de afogar o próprio gato na privada, o Urias filma o Tigre admirando a água quando a descarga é ativada. - Quem foi que disse que gato não gosta de água? – pergunta-se Urias, que está vermelho de ódio, roxo de desgosto, verde de enjoado de tanta fúria. - E agora, o que eu faço com você, Tigre? A Irene não vai acreditar. Ainda bem que filmei. Vou ligar para ela. - Irene, pode vir para casa. Já sei quem é o ladrão. Quem é? Só conto para você, quando você chegar em casa. Só vendo para crer.

Arthur não é bobo

- Madrinha.

- Fala, Arthur. - Eu sou criança, mas não sou bobo. Que história é essa de gato dar a descarga? Você exagerou. Ninguém vai acreditar. - Quem não vai acreditar? Meus leitores já sabem o meu estilo. Quem me lê já tem uma leitura de realidade com fantasia nos olhos. Eu vi na televisão, num programa que mostrava animais fazendo coisas humanas. Aí, resolvi construir uma história com o que vi. - E você viu mesmo? - Vi. Aliás, foi no domingo depois da parrillada. E como recebi a conta hoje, estou contando para você a história que vou publicar no jornal depois de amanhã. Vamos subir comigo que já vou escrevê-la. - E a história do crocodilo? - Eu conto, mas me deixe escrever a do gato primeiro. Que tal ouvir a do crocodilo amanhã no café da manhã? Eu prometo que farei um sanduíche de presunto cozido delicioso para você e conto a história do crocodilo, sim. Mas, para você já ir imaginando a história, você se lembra da cicatriz no braço do Tio Justino? Então, foi o crocodilo que fez. - Por que você não casa com o Tio Justino, Madrinha? Ele é tão legal.

- Ele é meu namorido, Arthur. - Que namorido, Madrinha? Ou ele é namorado ou marido. E você já está velha para ter namorido. - Velha? Rapaz! Não acabe com a Madrinha... - Por que você não se casa? - Quem sabe um dia, Arthur. Por um acaso você andou falando com o Tio Justino? - Ele me ligou ontem. - Para que, hein? - Para me convidar para ir ao jogo no Pacaembu, no último sábado do mês. Faltam três semanas. - E você vai? - Vou. - Ele nem me falou nada. - Ele disse que ia fazer surpresa porque você adora futebol. - Ah! Então não fale que me falou. - Beleza. - Agora vá dormir porque eu vou trabalhar. Preciso escrever a história para enviar para o jornal. - Esse seu emprego é bom, né, Madrinha? - Eu gosto. No dia seguinte pela manhã... - Madrinha? Tô atrasado. Você dormiu aí, sobre o computador? Cadê meu sanduíche? - Que horas são? - Já perdi a primeira aula. - Ai, socorro. Vamos embora. - Sem café? - Eu faço o café no táxi. E correndo com uma sacola, a Madrinha pega algumas coisas na geladeira, enquanto o Arthur chama o táxi. No caminho da escola, sai o sanduíche. - Querido, desculpe-me! Foi a história do gato. Quando eu a escrevi lembrei de uma outra, a da aranha estressada, que também vivi com o

Tio Justino. Depois te conto. Perdão, meu amor! Aqui tem dinheiro para seu lanche. - Valeu, Madrinha! Depois você me conta as duas histórias. Finalmente, você saiu da sua rotina natureba. Adorei o dinheiro para o lanche na escola. - Foi um deslize e aproveita porque é muito raro. Da próxima vez, seu lanche será um sanduíche duplo de ricota com cebolinha, meu amor! Beijo!

Nathália

Triste do coração pela falha, volta para casa a Madrinha. Para a sua

surpresa, a Nathália, de treze anos, estava na porta de casa, junto com o pai, meu tio Everaldo. - É uma emergência, irmã. - Que passou? Entra, Nathália. - Depois te conto. Preciso ir. A Nathália pode ficar aí até a noite? Você a leva para a escola. Ela entra às 13:15 e sai às 18:45. - A que horas você vem buscá-la, Everaldo? - Eu ligo. - E o Luiz Augusto e a Nicole? - Sob controle. - Sorte! - Obrigado. - O que houve com seu pai, Nathália? - Não sei não, mas alguém do trabalho ligou para ele e ele saiu correndo e me trouxe para cá. Deve ser alguma perícia de emergência. - Você não sabe o que aconteceu. Dormi no escritório e esqueci do Arthur. - Foi outra história? - Foram duas.

- Conta uma. - Vou contar a da “A aranha estressada”. E depois, você a conta para o Arthur. Ele vai perguntar para você. A propósito, Nathália, você não tem lição? - Tenho, mas depois da história. - Já tomou café? - Já, mas tomo de novo. Fazendo o café da manhã, a Madrinha começa a história. - Qual é o título mesmo, Madrinha? - “A Aranha Estressada”. Hoje em dia todo mundo tem estresse: árvore, gente, bicho e a aranha da história. - Onde foi que aconteceu essa história? - Tente lembrar ao ouvir os detalhes. - É de alguma viagem sua com o Tio Justino? - Vou começar a história.

A aranha estressada

Alberto e Albertina estão sempre enfronhados em algum lugar pouco

visitado e fora do comum. Normalmente, quando eles falam para onde vão nas férias, as pessoas perguntam: - Mas onde fica isso? Neste caso, para chegar à casa na qual se passa a história, os dois caminharam três dias no meio de muitas plantas da floresta subtropical do Brasil. Eles acompanharam um rio e, do nada, apareceu este casebre, branco e azul. Um presente para quem já estava bem cansado e com fome. Os dois tomaram um banhão numa água para lá de gelada. - Revigora – os acalentou o guia. - Quem gritar menos no banho, ganha duas sobremesas – brincou o guia, que realmente estava falando sério. Alberto ganhou dois pedaços de torta de maçã assada num forno à lenha. - Aqui está a cama de vocês – mostrou o guia um colchão de capim, com uma roupa de cama branquinha, toda bordada à mão. - Que algodão suave – Albertina elogiou. - E aqui está o mosquiteiro. Não deixem de usá-lo – recomendou o guia. Alberto e Albertina se ajeitam para dormir e Albertina, como sempre, só de fechar os olhos, já está no sétimo sono.

De repente... - Que estresse é esse, Alberto? Que barulho medonho? Vai acordar todo mundo. O que você está fazendo? Por que tão nervoso? Está batendo a porta com esta ferocidade por quê? Estamos de férias! – disse Albertina, meio adormecida e sem óculos para enxergar bem o que o marido fazia com aquela porta de três ripas com vários vãos entre cada uma delas. - Quieta! Põe os óculos e vem ajudar! – pediu Alberto. “A coisa não é brincadeira”, pensa Albertina. Colocando os óculos e iluminada por uma lanterna de testa, Albertina abre o mosquiteiro, levanta-se e vai em direção ao Alberto. - Matei. - O quê? - Eram duas aranhas marrons. Um perigo!!! Você já pensou em ser mordida aqui, no meio do nada! Até chegar ao Instituto Butantã já dançamos. - Onde estavam as aranhas? - Eu levantei para ir ao banheiro e vi doze olhos na maçaneta da porta. Eles estavam brilhando com o reflexo da luz da lanterna. - Nossa! Que aranha mais olhuda! Eu sempre achei que aranha tivesse seis olhos. - Tem, Albertina! Eram duas aranhas marrons! Seriam duas picadas. Já pensou se eu coloco a mão na maçaneta? Eu iria esmagar as duas e nessa compressão, na certa elas defeririam o ataque contra minha mão. Quase que elas passam despercebidas. - Tudo bem por aí? – gritou o guia, que estava num quartinho um pouco longe do deles. - Foram só duas aranhas estressadas. Já estão mais calmas agora.

Mais um voto para o Tio Justino

- Essa história aconteceu naquelas suas férias na Chapada com o Tio

Justino, não foi? - Foi. E tem outra história daquelas férias. - Por que você não casa com o Tio Justino, Madrinha? Vocês já praticamente vivem juntos há dezoito anos! Ele ama muito você e eu acho que você o ama, também. - É verdade. É muito amor. - Então? - Então, o quê, Nathália? - Casa com ele. Ele quer casar com você. - Ele ligou para você também? - Ligou. - Para quê? - Vai ter um show de música baiana e ele me convidou. - E ele nem falou nada para mim. - Ele me disse que não precisava porque era surpresa. Ele vai te convidar. - Outra surpresa? - Como outra? Qual é a outra? - É surpresa.

- Para mim? - Não sei. Bom, voltando à história. - Qual? - Já me perdi. Que cheiro esquisito é esse na torradeira? - Madrinha! É uma barata! - Minha nossa, Nathália! Deixa que a mato! Que asquerosa! Sai da minha torradeira, sua nefasta! E numa chinelada, lá estava liquidada a barata. - Que horror! Uma barata na torradeira! - Olha, Madrinha, que isso dá história. - É verdade, já vou escrevê-la e será assim. Título: “O Pão Alado”. Continua seu café aí, que vou trabalhar. “Essa madrinha, vive escrevendo histórias.” Passam uns minutinhos... - Está pronta, Madrinha? - Acabei. Pode ler e veja como o real vira ficção. - Madrinha? - Oi, Nathália? - Como você faz para inventar a história assim? - Você gostou? - Está divertida. Você pensou na casa da praia? - Lá sempre tem barata e achei que ficaria mais gozada. E inventei o casal. Fica mais emocionante, tem mais diálogo e eu posso explorar outros temas, também. Aqui, por exemplo, a vida do casal é um pano de fundo para a história da barata. Também tem o conceito de limpeza e por aí vou. E daí, também, tenho ideias para as matérias. Vou pesquisar sobre as baratas e publicarei algo a respeito. - Ficou bom. Termine seu café, Madrinha. Vou fazer minha lição. - Vá, querida. Eu vou trabalhar aqui. É melhor colocar despertador para me avisar a hora de sair. - Não vamos almoçar? - Que tal você pensar em algo para nós duas comermos? Dê uma olhada na geladeira. Fiz supermercado ontem. - Pode deixar.

As duas almoçam um macarrão à moda baratal. - Que moda é essa, Nathália? - Me inspirei nas baratas, Madrinha. Vi essas tâmaras na geladeira e pensei em colocá-las sobre o macarrão. Não parecem baratas? - Parecem e estão com um sabor divino! Depois do almoço, as duas seguem a pé para a escola, que era logo ali. - Eu venho te buscar. Me envia uma mensagem na última aula para me lembrar, ok? - Escreverei o de sempre: Sair agora mesmo. - Obrigada! Beijocas!!! Horas mais tarde... - Carolina, já deu tudo certo. Eu pego a Nathália na escola. Obrigado, mana! – meu pai Everaldo enviou uma mensagem pelo celular. - Estou por aqui sempre, ela responde. Com sono, a Madrinha se rende a uma dormida mais cedo. Vai para sua cama, se cobre e antes de apagar a luz, quem ela vê no teto? Três morcegos!!! - Ah! Esse forro! Como os morcegos adoram forro de casa antiga. Hummm... isso até que dá uma história... vou para o computador... título, título... morcego... quais serão os benefícios de um morcego... tenho que pesquisar... E num instante, o sono se foi. A Madrinha está a todo o vapor na construção de seu texto. O título ficou “O anticoagulante de cabeça para baixo”. Ela ri consigo mesma e lê a história em voz alta. “Pena que não tem nenhum sobrinho por aqui.”

O anticoagulante de cabeça para baixo

- Dawaney, acorda!

- Que foi, Daísa? – voltando a dormir seu sono gostoso, vira de lado Dawaney. - Anda, levanta! Tem alguém fazendo barulho na janela. Deve ser ladrão! - Que ladrão o quê! Estamos na Europa, meu bem. Num hotel. Dorme, querida. - Dawaney! – tirando os protetores auriculares dos ouvidos do marido, Daísa berra. Em um pulo de susto, Dawaney senta-se e acende a luz. – Cadê meus óculos? - Aqui, ó! O barulho vem daquela janela ali. - Ah, meu bem, é um morcego tentando sair. Coitado. O sistema de ecolocalização dele deve estar mal. Ele não está vendo que tem a cortina e a janela. - Vamos, Dawaney, abre logo esta janela e espanta este sanguessuga. - Que chupa sangue, o quê! Morcego hematófago só existe na América! - Quem te falou isso? - Vi num programa da televisão. Esse aí deve ser frugívoro. Com tantas árvores de fruta neste hotel-castelo, só pode ser.

- Anda, Dawaney, chega de trololó e abra esta janela. Com a maior calma do mundo, Dawaney se levanta, ajeita o cabelo e abre a cortina e a janela. - Pronto! – Voltando a se deitar e a se cobrir, Dawaney coloca seus protetores auriculares. – Apague a luz que ele vai embora, Daísa. – Ele vira de lado e adormece num instante. “Como, pronto? Eu faço o quê com este morcego aqui no quarto? Apagar a luz? Nem pensar!!!” Agoniada, Daísa não se conforma e fica mirando aquele corpo coberto de pelos de cabeça para baixo, com os dedos dos pés agarrados no lustre bem em cima da cama. Ela tenta cobrir a cabeça, mas sempre dá uma olhada para ver se aquele mamífero que sabe voar vai embora. Daísa olha para o marido, que até ressona de tão profundo que está seu sono. “Eu tenho que espantar esse bicho daí”. Com seu chapéu florido em mãos, Daísa começa a abanar na ponta dos pés para ver se aquele intruso, que provavelmente vivia escondido em alguma fresta do forro do quarto, voava. “O danado nem se move. Que horror!” – Daísa suspira, possessa. - Dawaney!!! – Em alto e bom som, Daísa procura acordar o marido com uma chacoalhada adicional razoável. - Que é que foi, mulher! Deixa eu dormir! Amanhã temos um dia cheio de passeios. - Dawaney, o morcego não foi embora. - É claro! A luz ainda está acesa! Eu mandei apagá-la. - Espanta esse bicho para mim, meu bem. Faça isso por mim, por favor. Murmurando sabe-se lá o quê, Dawaney pega a toalha de rosto, sobe sobre a cama e tenta desenganchar o morcego do lustre. - Daísa, não dá. É uma fêmea e tem um filhotinho com ela. Olha ali, veja. Eu não vou mexer nela. Deve estar amamentando. - Não é possível. Como é que o morcego pode estar amamentando, Dawaney? - Ele é mamífero, lembra-se? E este aí é fêmea e também vi na TV a morcega amamentar. Chega, Daísa. Ah! E também é bom você lembrar que você toma anticoagulante, não é, queridinha?

- E o que isso tem a ver, Dawaney? Que horas de falar em remédio. Você tem cada uma. - É, mas esse remédio aí na certa tem algo de morcego porque eu também vi na televisão que os anticoagulantes são feitos da saliva do morcego. Parece que ele usa a saliva para deixar uma ferida aberta, mas sem sangrar, para ele poder voltar no dia seguinte e sugar mais. - Que golpe baixo o seu, hein? Que horas de lembrar disso? Quando você tem assistido a esses programas, Dawaney? - Na ginástica. Na hora em que estou na esteira. É um programa só sobre coisas de animais. Muito interessante. Aprendo um montão de coisas. Agora dorme, Daísa. A morcega não quer nada com você. Dorme, meu bem, porque eu vou dormir e é o que você deveria fazer, também. Vamos, apaga a luz e dorme! – ordena Dawaney, que num piscar de olhos já volta ao seu sono profundo. “Bom, o que me resta a fazer? Não posso bater nessa morcega com um pau de vassoura, mesmo porque, nem tem vassoura aqui no quarto. Tem um cabide, mas não alcança. O jeito é apagar a luz, agradecer pelo anticoagulante e dormir”.

Nomes para as personagens

- Dawaney

e Daísa, que nomes diferentes. Ainda bem que faço os chats com as escolas. São tantos os personagens que só um montão de nomes de alunos para me auxiliar a batizar essa gente toda da ficção – conversa consigo mesma em voz alta a Madrinha. Ela vive falando alto com seus pensamentos. Tranquila por ter escrito a história e já tê-la enviado para o jornal, a Madrinha se despede dos morcegos e dorme uma noite muito bem dormida. Ao acordar, a Madrinha começa a fazer uma nova lista de nomes para suas personagens, que já precisam ir para o papel com nome. Ela revisa os nomes dos alunos e faz uma listagem dos que ela acha interessantes para o mundo ficcional. Mergulhada nessa ficção, ela recebe um telefonema. - Oi, papai. Há quanto tempo. Que saudades. - Eu te vi no domingo, querida. Tem escrito muito? Quando você perde a noção do tempo, é porque sim. - Sim, papai. Bastante. Comecei um livro novo. É sobre minha vida, dos meus afilhados e sobre uns animais das minhas viagens. - Que coincidência! - Coincidência por quê? Está tudo bem aí na fazenda?

- Nada bem, querida. - O que foi? - Dois dos seus cavalos. - Não pode ser!!! - Ouça bem e escreva uma história, minha filha. Ao ouvir o começo da história, a Madrinha reage: - Que fúnebre, que funesto! Que lutoso! Que mau agouro! Que triste! – Em prantos, a Madrinha ouve a história e faz anotações. O papel está até molhando de tanto pinga-pinga de lágrima. - Carolina, está ouvindo bem e escrevendo a história? – É a frase mágica para transportar a Madrinha do real para o imaginário. Com essa frase ela consegue se afastar da dor. A composição literária é sua forma arrojada de superar seu autossacrifício de registrar seus momentos mais felizes e mais penosos. Esse é um momento no qual, serenamente consciente, a Madrinha escuta todas as palavras do pai e escreve: “A égua que abraçou o poste”.

A égua que abraçou o poste

- Seu José Marcos, mais um.

- Não é possível! Qual? - O Dourado. - Já chamou o veterinário? - Ele já vem. Seu José Marcos estava profundamente preocupado com seus cavalos. De uma hora para outra, um a um começou a cair fulminado na terra. Primeiro, foi o Selvagem. Um manga-larga, pelo curto e liso, de uma nobreza espantosa de caráter. Alegre, inteligente e valente, o Selvagem foi o primeiro da lista fatal. - Eu não sei o que é, Seu José Marcos. É algo muito forte que ataca o sistema nervoso do animal e o deixa nesta situação de paralisação e com os músculos que parecem retorcidos. Não é cobra. Nem envenenamento. Vou tirar as vísceras para analisar. – Intrigado, informou o Dr. Anderson, um veterinário da sexta geração de uma família de veterinários. Poucas pessoas têm o conhecimento desse rapaz, que acumulava, há anos, sabedoria sobre a criação de mangaslargas, raça que tem raízes lá na época em que Dom João VI trouxe ao Brasil uma nova linhagem de elite de equinos.

Agora, foi o Dourado. “A Giovanna vai morrer de tristeza ao saber que seu cavalo morreu”, pensou Seu José Marcos. - Giovanna? - Que voz é essa, papai? - Foi o Dourado, minha filha. Morreu. - De quê, papai? - Não sabemos ainda, mas foi igual ao Selvagem. Primeiro se retorceu todo. Depois empinou de uma forma que quase se quebrou para trás e aí, deu um relincho da mais profunda dor. E caiu. Terrível, querida. - O que você vai fazer? Deve ser algum vírus, papai. É melhor apartar os outros logo. - Já vou ver isso, Giovanna. Sem mais demora, Seu José Marcos acompanha o apartamento de doze éguas da melhor espécime manga-larga. Desde seu tataravô, o manga-larga está na família. - Que sejam protegidas por tudo o que seja possível. – Fechando a porteira de um potreiro especial da fazenda, Seu José Marcos parte para separar os reprodutores. - Tadeu, falta um cavalo. Aqui temos sete. Cadê o Alteza? - Com aquele caráter inconfundível, deve estar escondido por aí. Ele nunca gosta de vir para cá. Vou atrás dele. - Eu também vou. – Nem acabaram de trocar essas palavras, Seu José Marcos e Tadeu ouvem um relincho longo causado por uma dor nas entranhas. - É ele, Tadeu. Vamos lá. Chama o Dr. Anderson. - Ele está abrindo o Dourado. - Chama ele, mesmo assim. Vou indo. E lá se foi Seu José Marcos, montado em sua égua favorita, a Caprichosa. Vistosa e de corpo arredondado, a Caprichosa tinha um galope confortável e seguro. Ao chegarem ao local de onde veio o chamado com dor, a Caprichosa, sensível como ela é, começa a enroscar suas patas em sinal de desespero. Suas coxas musculosas parecem fraquejar. Ela refuga, consternada. Suas orelhas pontudas movem-se

para todos os lados. Suas narinas estão mais abertas do que nunca. Ela sente o cheiro da morte de seu companheiro, que está estendido sem vida no pasto. - Meu Deus do Céu, que doença é essa? – Montado na Caprichosa, Seu José Marcos volta para a sede da Fazenda. No caminho, encontra o Tadeu e o Dr. Anderson. - Vou buscar o trator. É melhor levar o cavalo para São Paulo para ser estudado. Vou perder a criação toda. Tadeu, volte para casa e pegue amostras do pasto, do milho e do farelo que os cavalos estão comendo. Veja também com o Jaílson se algum agrotóxico novo está sendo usado. Levante dados sobre o quê de novo está em uso aqui na terra da Fazenda. - Dr. Anderson, cuide dos que estão vivos, por favor. Analise um por um. Vou para São Paulo e trarei mais gente para integrar uma equipe de investigação. Isso não pode continuar assim. Chame seus colegas de outras cidades para virem também. Precisamos de todos. Seu José Marcos traz o Dourado arrastado pelo pasto. “Eu nunca pensei em ver isso. Que enfermidade é essa que destroça um animal forte como o dessa raça?” - Adrielli, cadê os meninos? Estou precisando deles. Estava me esquecendo das éguas prenhas que estão no pasto do pomar! – com a voz trêmula, Seu José Marcos pergunta para sua esposa, que estava no aguardo do Dourado. – Santa Maria! Temos que salvar as prenhas. O que eu faço primeiro? - Os meninos já foram buscar as éguas no pomar. Eles se lembraram disso e já devem estar chegando com elas. Coloque logo o Dourado no caminhão para levar para o Instituto Biológico na capital. Eles vão descobrir o que é. – Adrielli sugere, procurando orientar o marido. - Tá bom. – E para o caminhão sobe aquela belezura de pelos negros e crina e cola cinzas. – Dourado, diz que você vai acordar. Você foi meu primeiro garanhão a ganhar prêmio. Levanta! – Sofrendo muito, Seu José Marcos iça o Dourado para cima do caminhão. - Eu já vou, Adrielli. - Seu José Marcos, eu acho melhor levar a Bella também. Ela não parece nada bem e está prenha já há nove meses. Faltam dois meses,

mas a esta altura tudo pode acontecer. Ela está muito inquieta. Veja os olhos. De grandes e vivos estão pequenos e murchos. Algo está errado. Eu a levo no meu caminhão e vou atrás do senhor. Já chamei meus amigos de três cidades do lado e em breve eles chegam para analisar as vísceras do Selvagem e auxiliar o Tadeu no estudo das mudanças de ações na Fazenda. Vamos embora. - E como estão a Constelação e a Galáxia? - Alegres e vistosas. Parece que estão bem. - Que alívio. Os potros nascem quando mesmo? - O Thor, potro da Constelação, mês que vem e o Titã, cria da Galáxia, em dois meses. - Que Deus os proteja. Adrielli, ligue para o Instituto e comunique as vicissitudes vividas aqui. Procure falar com o Dr. Bruno, que nos ajudou na outra vez com o diagnóstico daquela outra doença no gado. Peça para ele já nos esperar com tudo o que possa nos ajudar. - Pode deixar e boa viagem! Já vou ligar já. No estradão, a terra vermelha sobe, criando uma nuvem na qual os dois caminhões desaparecem. Estava seco e a terra sobe fácil. No meio daquela nebulosa, Seu José Marcos e Dr. Anderson fazem um retrospecto dos últimos acontecimentos com os animais para tentar descobrir o que estaria causando uma morte tão súbita e tão dolorosa para os animais. Toca o celular do Seu José Marcos. - Seu José Marcos, aqui é o Dr. Matheus. Abri o Dourado e só para o senhor saber, o fígado e o baço dele estão totalmente disformes. A coisa deve estar aí. Vou continuar os exames. Até o senhor chegar à capital, acho que terei mais notícias. - Já passe esses detalhes lá para o Dr. Bruno, do Instituto, Dr. Matheus, e sim, mantenha-me informado. Não mais que de repente, Seu José Marcos vê a luz do farol alto acender e apagar atrás dele. Era um sinal de emergência que vinha do caminhão do Dr. Anderson, que parou no acostamento. - Ai, Meu Deus, é a Bella. Não está aguentando a viagem com aquele barrigão. – Parou logo o seu caminhão, também no acostamento.

Ao ver o Dr. Anderson descer a Bella com uma cara de que o mundo vai acabar, Seu José Marcos procura sinalizar a pista para evitar acidentes. Ele sabe que a parada será longa e este trecho da estrada é via dupla com acostamento estreito. Os dois tentam segurar a Bella, que ziguezagueia e corcoveia incessantemente. Eles procuram amarrar a égua em um poste de luz que estava perto da entrada de outra fazenda. Bella começa a se contorcer toda e Dr. Anderson vê que o potro vai nascer. - Seu José Marcos, vai nascer prematuro. Traga minha maleta o mais rápido possível. É aqui mesmo que o potro vem para o mundo. – Procurando acalmar a Bella, Dr. Anderson acompanha aquele nascimento à beira da estrada. O potro sai e meia-hora depois, mesmo incerto das pernas, se levanta e busca aconchego na mãe, que está alucinada e continua a se contorcer. O pescoço bem esguio perde o senso de direção. As pernas delicadas titubeiam. As costelas amplas parecem se fechar. Aquela égua de tronco forte e bem arqueada empina como nunca havia feito antes. Seu relincho dói nos ossos de Seu José Marcos e do Dr. Anderson. Os dois homens acompanham a caída da Bella que, ainda numa tentativa de se manter em pé para amamentar seu potro, abraça o poste de luz no qual estava amarrada. A cena é dramática. A égua abraçada ao poste. O potro tentando mamar na mãe. Os dois homens sem saber o que fazer. Nada fazia a égua desabraçar o poste. Uns minutos a mais e pronto. A fatalidade chega de passo, trote, cânter e galope àquela égua que adorava brincar nas provas dos três tambores nos momentos de brincadeira na fazenda. - Seu José Marcos. Levante, homem. Ela já morreu. A gente tem que chegar ao Instituto e salvar o potro. Silêncio. Seu José Marcos estava quase que em posição fetal, deitado no chão e mordendo os lábios de tanta dor. - Vamos, há cavalos para salvar. - Eu não posso deixar a Bella aí assim. - Pode e vamos. Eu ligo para o SOS da estrada e comunico o que passou. Todos lá nos conhecem. Depois alguém da Fazenda vem buscá-

la e também a levará para São Paulo. O importante agora é chegar ao Instituto e cuidar do potro. - Tem razão. – Quase sem forças, sobe no caminhão Seu José Marcos, que deixa para trás a Bella abraçada em um poste. Quando chegam ao Instituto, uma equipe já os espera. O potro é levado para cuidados pós-natais e passa bem. As vísceras do Dourado passam a ser analisadas. Seu José Marcos e Dr. Anderson mantêm contato com a Fazenda. Por lá, não há mais nenhum animal morto. - Virgem Misericórdia. Dê forças para os que restam. Seu José Marcos e Dr. Anderson se hospedam num hotel da capital. No dia seguinte, ligam do Instituto. - É uma bactéria! Já temos o remédio, é só passar aqui. E lá foram contentes da vida, Dr. Anderson e Seu José Marcos, em busca dos remédios para aquela doença que acabou ganhando o apelido de “o relincho da morte”.

Geraldo Marcelo

- Madrinha?

- Quem fala? - É o Geraldo Marcelo. - Não tem ninguém com esse nome. Foi engano. A Madrinha, ainda mergulhada no sofrimento causado pela morte de seus cavalos, nem se dá conta de quem ligou. - Madrinha? - Não está. - Como não está!!! Madrinha! Acorda! Sou eu, seu sobrinho aqui da fazenda. É o Geraldo Marcelo. Filho do seu irmão Inaldo. Seu único sobrinho que saiu com o seu cabelo e seus olhos! Estou com vinte e oito anos e há um ano não nos vemos. Lembra-se de mim? - Morreu mais algum? - Não. Estão todos bem. A vacina deu certo e seus outros cavalos estão correndo no pasto. Eu estou indo para São Paulo. - Não vem, não. - Já estou no caminho e seu pai me convidou para eu ficar aí na sua casa. Ele está preocupado com sua tristeza. E eu também. Sua cabeça parece que está fraca. - O quê?

- Até daqui umas horas. - Para quê? - Tchau e durma um pouco. Ou melhor, escreva uma história para mim. - Qual? - Escuta isso aqui que acabei de ler no jornal. Olha que absurdo. Dá para virar uma história essa notícia aqui de uma perua aí em São Paulo. Está escutando? - Estou. - Está com o lápis na mão? - Ele já está amarrado aqui no telefone. E Geraldo Marcelo lê a notícia, que é absurda. - Que louca essa mulher, não? - Eu também acho. Não dá uma história? - Já vou escrevê-la e com ela fecho as histórias da semana. Oba! Estou uma semana adiantada com o jornal. Também posso fazer uma matéria sobre cachorros. Gostei. - Que alegria. Qual será o título? – Geraldo Marcelo, que agora tem vinte e oito anos, conhecia bem a Madrinha. Ele foi um dos primeiros a começar a ficar com ela no casarão. Com o título, a Madrinha deslanchava... - Título? Hummmm... “A cadela diz as horas”. - Lerei a história assim que chegar. Vai ter bolo? - Do que você quer? - Pode ser aquela torta de banana? - Perfeito. Tenho um monte de banana quase que passada. Abraço forte!

Geraldo Marcelo e Arthur querem o crocodilo

- Geraldo Marcelo? Tudo bom, cara?

- Arthur! Já passou o tio Oswaldo! Como você está alto! Por que não foi mais para a Fazenda? - Só vou com a Madrinha. Meus pais não gostam de lá e faz tempo que ela não vai, né? - Pois é. Eu vim para buscá-la para um casamento. - De quem? - Dela mesma. - Com quem? - Com o Tio Justino. - E ela sabe disso? - Nem tem ideia e é bom não ter. Tudo em segredo. - E isso vai dar certo? - Já bolamos um plano. - Olha, que a Madrinha é meio doidinha... Você sabe... Não é melhor fazer o casamento-surpresa aqui na casa dela? Muita novidade deixa a Madrinha sem estribeira. É melhor algo por aqui. - Pode ser. É, talvez seja melhor mesmo. Aproveitar que eu estou aqui e fazer um churrasco, algo por aí. - Eu acho melhor.

- Falarei com o pai dela. Tranquilo. E o que você faz na casa da Madrinha? - Eu vim atrás de um crocodilo. Mas, me conta. Por onde você entrou, Geraldo Marcelo? Eu não vi você entrar e eu cheguei primeiro. - Chegou nada, eu vi você entrar pelo muro. E que história de crocodilo é essa? Eu ouvi uma vez a Madrinha contar uma história de crocoelefante. Mas de crocodilo, nunca. - Por onde você entrou, Geraldo Marcelo? Me conta. Eu sei que a Madrinha é cheia de segredos. Ela vai contando aos poucos. - Vou mostrar um túnel secreto. - Túnel? Onde? - Sim, é coisa do seu bisavô. Contam que quando tinha muita gente em casa e ele queria sair de fininho, ele usava um túnel que pediu para ser construído. - Me mostra. - É por aqui - Caminhando por uma parte da floresta no quintal, lá foram o homem-menino e o menino-homem. – Vê esse roseiral aqui? Está vendo esta grelha no chão? Você nota como a grelha está mais alta do que o chão, apesar de não parecer? - Que genial! Está quase que a um metro de altura. Com tanta planta, nem se percebe. - É só puxar a grelha e entrar. Eu tenho uma lanterna aqui. - Que túnel mais bem feito! E alto! Tem ar correndo! Que engenharia! Meu pai vai adorar isso aqui. - Você sabe que isso não é para pai saber. - Sei. São coisas da Madrinha e de nós, sobrinhos. - Isso. E veja como está limpo. Ela cuida de todos os caminhos secretos. - Há mais? - Há. Pouco a pouco ela mostra. Espere. - E esse aqui sai onde? - Já, já, Arthur. - Pronto. Chegamos. - Um portão?

- Abre para dentro e quando estamos do lado de fora, há uma trava escondida. - Posso abrir? - Já deveria ter aberto. - Que bizarro! Saímos aqui no muro. Como é que isso é possível? - Vamos olhá-lo do lado de fora. É uma ilusão de ótica, percebe? Essa trepadeira aqui no muro, mais essas flores espinhosas no chão, mais essa árvore, um chorão estrategicamente plantado, com esse monte de galhos direcionados ao chão, tudo isso não permite que o pedestre caminhe neste trecho da calçada. Naturalmente, ele olha para a rua, uma vez que a calçada estreita bastante. Ademais, ele quer fugir das folhas do chorão. Aí, só quem sabe passa por este cantinho aqui. Veja. É um caminho secreto. - E a trava? - Ponha a mão aqui dentro deste buraco. - Parece perigoso. – Tremulando, Arthur coloca sua mão. - Não vai acontecer nada. Vai, puxa a alavanquinha. - Fenomenal!!!! – Com seus sentimentos em reviravolta, Arthur convida Geraldo Marcelo para entrarem novamente pelo túnel. - Vamos. – E vão. Ao chegarem de volta ao quintal, a Madrinha os espera do lado de fora da grelha. - Gostou da passagem? Ainda não a mostre para seus primos, estamos combinados? - Confie em mim, Madrinha. - E esse tal crocodilo, Madrinha? - Até você, Geraldo Marcelo? Nossa, cada dia você se parece mais comigo. - Todos dizem isso. Eu fico feliz. - Vamos entrar e comer algo. Aí eu conto a história. A torta de banana está pronta. Os meninos e a Madrinha devoram a torta de banana com uma caneca de café-com-leite. O café veio da Fazenda e é moído na hora ali na cozinha da Madrinha. Tudo tem um sabor divino.

- Vocês já viram aquela cicatriz no braço do Tio Justino? - Já. Ele nunca contou de onde ela veio. - É para não preocupar vocês com as viagens que a gente faz. - Ele foi atacado por um crocodilo? - A história é meio assim. - Qual é o título, Madrinha? - “O desmaio das lágrimas do crocodilo”.

O desmaio das lágrimas do crocodilo

Agostinho e Beatriz estavam de férias num arquipélago no Oceano

Pacífico. Dizem que Jurassic Park nasceu por ali. Na certa, o autor escreveu o livro depois de um pequeno passeio na área. Cada coisa pré-histórica acontece naquelas terras... Desbravando trilhas e conhecendo o planeta Terra na sua intimidade, Beatriz e Agostinho nadam em rios azuis, banham-se em cachoeiras, cada uma mais linda do que a outra, aproveitam as águas térmicas que brotam do chão e escalam vulcões nos quais veem crateras que só Deus sabe como é que as pessoas não caem lá para baixo. É bom dizer que de vez em quando cai um ou outro. Mas, Beatriz e Agostinho têm garras na unha. Quando a Beatriz tem medo, ela se gruda como ninguém para não cair. E por falar em garras, Agostinho e Beatriz e um guia obtuso caminhavam por uma trilha que os levaria ao outro lado da ilha. Sem saber, os dois eram as cobaias daquele guia burlesco que estava testando o caminho. Esse detalhe sórdido e abominável só foi sabido depois, no final da viagem, depois de muitas desventuras. Para a Beatriz, que é escritora, é um prato cheio porque ela terá muitas e muitas histórias para escrever por um bom tempo.

Depois de muito andar naquela floresta tropical, num calor insuportável de quente, já com pouco açúcar no sangue, Beatriz mexe nos bolsos em busca de algo para comer. O estoque do bolso estava vazio. A caminhada estava mais longa do que o previsto e seus lanchinhos à mão haviam acabado. Era preciso abrir a mochila. O guia sardônico desconsiderou a necessidade mesmo já sabendo que quando a Beatriz precisa comer algo, ela realmente precisa porque senão, ela se descompõe, começa a tremer e o final é sempre um desmaio. Eles continuam andando sobre umas pedras, num riacho que faz parte de um estuário que desemboca numa zona costeira da ilha. Ou seja, perfeito habitat para um conhecido animal pré-histórico. Agostinho, que vinha atrás, fica de olho na mulher, que visivelmente está desfalecendo. - É melhor parar. Ela precisa comer alguma coisa. Era tarde demais. Beatriz fraquejou das pernas e Agostinho a amparou antes que ela fosse ao chão, ou melhor, neste caso, para dentro da água. Como ela caiu de mau jeito, Agostinho quase cai dentro d’água com a Beatriz no colo. Quando ele olha para o rio, a um metro da cabeça da Beatriz e do braço do Agostinho, uma mandíbula enorme, com cerca de uns sessenta, setenta dentes aguçados, estava abertíssima e pronta para abocanhar, afogar, sacudir e destroçar sua vítima. - Crocodilo!!! – berrou Agostinho para o guia, que se voltou e não acreditou no réptil de quase sete metros que avistou. Num piscar de olhos, aquele monstro, aparentemente lento e com patas curtas, parece querer se movimentar com seus maxilares abertos. Num instinto de proteção e com pouca coisa por perto para usar, o guia encolhe o bastão que usava para agilizar sua caminhada e o coloca entre os dois maxilares do crocodilo, que começa a debater sua cauda em desespero, tentando livrar-se daquilo que o impedia de fechar aquela bocarra.

Vislumbrando uma pequena trilha no meio do nada, Agostinho escala um morrote de uns trinta metros íngremes com a Beatriz no colo. O guia, com suas falácias, segue logo atrás, caso alguém rolasse pendente abaixo. Ao chegarem ao topo não mais avistam aquele esfomeado dentuço de focinho magro e pontiagudo, que deveria estar farto de caranguejos, insetos, rãs, tartarugas e peixes. Aquele carnívoro com duas cristas em torno dos olhos queria carne humana fresquinha. - Beatriz! Beatriz! Acorda! – Colocando um pouco de soro na boca da mulher, Agostinho a reaviva. - Que arranhão é esse no seu braço, Agostinho? Você está tão alvacento. - Depois eu conto, Beatriz. - É melhor curar isso agora. Tem muito sangue escorrendo. – Sacando um equipamento de primeiros socorros, providenciou um curativo o guia irresponsável, que derramava uma lágrima: a lágrima de crocodilo!

Tio Justino

- Madrinha!!! Você vai esperar até quando para se casar com o Tio

Justino? Ele já falou que aceita dormir num quarto separado, desde que possa dormir no seu de vez em quando. O Tio Justino comentou que aguentará a janela aberta, quando dormir com você, apesar de ele morrer de medo. E ele também já me disse que terá o próprio quarto para os aparatos tecnológicos dele, que não são poucos. – O Tio Justino é todo sofisticado e tem tudo para ter um cinema em casa. A estante de som dele é maravilhosa! - Madrinha – continua Geraldo Marcelo –, quantas cicatrizes a mais você vai querer que ele tenha? Você não vê que esse herói que enfrenta crocodilo e outros bichos a quer? O Tio Justino quer casar com você, Madrinha!!! Quantas vezes ele já pediu você em casamento? - Pedir, pedir, assim, com pedido como de história, nenhuma. - Como assim, como de história, Madrinha? - Ah! Eu queria que ele aparecesse aqui na casa e.... - Um momentinho, Madrinha, eu preciso ir ao banheiro. Era conversa fiada, Geraldo Marcelo queria mesmo era habilmente ligar do seu celular em conferência para o Tio Justino e para o pai da Madrinha. Assim, eles a ouvem descrever como sonhava com o pedido de casamento. Tudo parece se encaixar.

Arthur e Geraldo Marcelo dormem naquela noite na casa da Madrinha e organizam o maior esquema para o casório, que iria acontecer no próximo final de semana. São vários os telefonemas que são dados. Geraldo Marcelo é o líder. Com uma aptidão para agradar a Madrinha, ele prepara tudo nos conformes.

O casamento na casa da árvore

O fim de semana chega e com ele toda uma euforia dos primos, tios,

avós e, claro, do Tio Justino, que estava mergulhado nas fantasias dos desejos da Madrinha. - Tudo pronto? – Tio Justino pediu confirmação. - Sim! Vamos nos esconder no orquidário! A Madrinha chega da feira como de costume. Sábado cedinho ela sai com seu carrinho para a feira. Volta com muitas frutas, verduras, hortaliças e legumes, e sempre com um vasinho com alguma planta para plantar. Como num ritual, ela já lava as frutas para estarem prontas para serem comidas por ela e por nós, seus sobrinhos. As hortaliças que usará no final de semana também já são lavadas. A geladeira fica colorida e assim a Madrinha se mantém saudável. É comilona como ela só. O telefone sem fio faz um ruído. - Ué, já chegou alguém? – ela pergunta ao telefone. - Carolina. - Justino? O que você está fazendo aí na casa da árvore? E por onde você entrou? - Entrei pela porta da frente e resolvi te esperar por aqui.

- Você nunca sobe aí. - Já era hora de subir. E trouxe uma surpresa para você da padaria do Bixiga. - Não me diga que é pão italiano com linguiça. - É. E tem garapa para tomar. - Já subo já. – Dependurando o telefone sem fio num ganchinho perto da pia, a Madrinha pega uns guardanapos floridos, dois copos laranja de plástico com pé alto, uma toalha cheia de beija-flores e coloca tudo isso numa cesta de palha pequena que ela usa para piqueniques pessoais. Ela tem uma coleção de sacolas de palha para várias ocasiões. A Madrinha sobe rápido para a casa da árvore. Devido à época, o jacarandá que a abriga estava particularmente exuberante, por suas flores estarem quase que todas abertas. Os passarinhos e beija-flores se deliciavam com tanto néctar. - Oi. - Adorei a surpresa, Justino. - Senta aqui e vamos comer. Os dois deliciam-se com o pequeno farnel. A Madrinha mantém uma certa dieta, mas se alguém lhe oferece qualquer coisa com mais calorias, ela come na hora porque, afinal, não pode fazer desfeita. Os dois comem muito e riem também e como não podia deixar de ser, a Madrinha começa uma história. Mas é bom nem contar para não atrasar o casamento. - Eu trouxe uma orquídea nova para você, Carolina. Está lá no orquidário. Vamos até lá? - De tirolesa? - É para já. – Deslizando pelo cabo abaixo, lá vai Tio Justino, seguido da Madrinha, com seus cabelos esvoaçantes. Ela está com um de seus vestidos típicos: branco de algodão e todo bordado com muito brilho. Ao entrar no Orquidário, Tio Justino a espera no final do corredor, que tem uns cinco metros de comprimento. A Madrinha começa a caminhar por esse caminho, e a música Trenzinho Caipira começa a

ser tocada na flauta. É a Yasmim, uma sobrinha que não aparecia há tempos. É minha prima de dezoito anos, filha do Tio Oswaldo e irmã do meu primo Arthur. Ela é linda. - Vem, Carolina – chama o Tio Justino. A Madrinha anda a passinhos curtos e acha, pouco a pouco, uma cabeça conhecida saindo por entre as orquídeas. - Que lindo! – ela diz. - Dá para escrever uma história, não é mesmo? – Meu avô aproximase, e pega a Madrinha pelo braço para seguir o caminho e garantir que a Madrinha chegue até o altar improvisado. - Pai. Eu não tenho véu. - Sua mãe já esperava isso e ali está. – Mais uns passinhos adiante, a vovó coloca na Madrinha um véu todo bordado com borboletas e com muito brilho. - Cadê o padre? - Tudo ao seu tempo, Carolina. A Madrinha chega ao altar e tio Justino está meio bobo e imóvel. O vovô dá uns tapinhas nas costas do tio Justino para ver se ele percebe que tudo aquilo está acontecendo de verdade! Frei Antônio realiza uma cerimônia breve para que tudo dê certo. Camila, com três anos e filha do tio Rinaldo, entrega uma caixinha para o Tio Justino. As alianças estavam numa caixinha de música que toca Wave. Finalmente, o beijo. Tio Justino abraça firme a Madrinha. Ele a inclina e ela até suspira. Todos estão ansiosos. A Nicole levanta o véu para ajudar o Tio Justino. Bem devagarzinho, Tio Justino dá um selinho na Madrinha. - Que romântico! – Nathália e Yasmim sussurram entre si. - Eu os declaro marido e mulher! - Como você soube que era assim que eu sonhava, Justino? - Eu aprendi a ler seus pensamentos, Carolina – responde Tio Justino, olhando para todos nós com uma cara de menino maroto. - Viva!!! – gritam os presentes, que saem do orquidário já ao som de música de carnaval baiano.

Todos dançam e Geraldo Marcelo toca o sino. - A boia está pronta! Eu fiz o que sei fazer de melhor. A sobremesa foi feita pelo meu pai! O menu é arroz, feijão, bife. Tudo vindo da Fazenda. Couve, farofa e muita salada da feira da Madrinha. A sobremesa foi feita pelo Tio Inaldo, que também cozinha muito bem. É manjar branco, pé-demoleque e pudim de leite condensado. E, como não poderia faltar, cafezinho feito com grãos moídos na hora, para o desfecho daquela comilança. - Madrinha, que pedaço de madeira amarela é aquela ali na parede? – Arthur pergunta. - Sabe, uma vez o seu pai, com quatro primos, foram para a fazenda e a história se chama “O cavalo inglês que não fez a curva”. - Por que ele não fez a curva? Será que ele estava acostumado com a mão inglesa, Madrinha? – eu perguntei, fazendo uma piada. - Gostei da piada, Luiz Augusto. Eu acho que vou incluí-la na história, que é assim... - Chega!!! Deixa um pouco para o outro livro! Acabe logo este! – o tio Oswaldo pede. - Acabar o livro? Mas sem livro para escrever, eu não sou feliz. - Acabe esse e comece outro Madrinha. Algo depois de seu casamento. Afinal as nossas vidas continuam e há muito o que contar. Que tal? – sugeri, já querendo mais histórias da Madrinha. - Adorei, Luiz Augusto. Bom, então, para terminar esse livro aqui eu diria... E todos terminam felizes para sempre!!! – Com sua risada típica e muito gozada, a Madrinha termina, dizendo: - Fim.

Título Autor Projeto Gráfico Capa Ilustrações Revisão de Texto

Carolina Primavera Maria Cristina Damianovic Tamyres Siqueira Diogo Cesar Fernandes Ana Paula Lima Fernanda Moreno Cardoso Carolina Siqueira Muniz Ventura

fontes Garamond KG Somebody That I Used To Know

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