CARREIRA E SATISFAÇÃO NO TRABALHO: A AUTOPERCEPÇÃO DE DOCENTES DE INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR COM FINS LUCRATIVOS

July 8, 2017 | Autor: Juliane Ruffatto | Categoria: Gestão de Pessoas, Ciências Sociais, Docencia, Satisfação No Trabalho, Gestão De Carreiras
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CARREIRA E SATISFAÇÃO NO TRABALHO: A AUTOPERCEPÇÃO DE DOCENTES DE INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR COM FINS LUCRATIVOS

Jandir Pauli1 Juliane Ruffatto2

RESUMO

Este estudo tem como objetivo compreender as estratégias dos docentes de Instituições de Ensino Superior (IES) para orientação da carreira em face à satisfação no trabalho. O recorte empírico da análise são os docentes ligados a Instituições com fins lucrativos, geralmente organizadas como faculdades isoladas e que passaram a oferecer ensino superior em cidades de médio porte, no interior do país, a partir dos anos 2000. A literatura para compreender este fenômeno parte da constatação de que estas instituições operam em um ambiente em que o conceito de carreira foi sensivelmente afetado, ocasionando uma ruptura com o modelo tradicional, geralmente associado a uma ideia de uma relação duradoura entre empresa e empregado, com progressão linear e vertical. Enquanto o modelo tradicional de carreira está centrado na orientação de que o empregado valoriza e serve a organização, o novo modelo, conhecido como “carreira autodirigida” enfatiza a autonomia e a responsabilidade do trabalhador (HALL & MIRVIS, 1996). Em face a estas mudanças, este estudo realiza um esforço teórico para compreensão da satisfação dos docentes com o trabalho para compreender eventuais situações de sofrimento psíquico (DEJOURS, 1987; LOCKE, 1969; 1976). Para cumprir com o objetivo do estudo, realizou-se uma pesquisa exploratória de caráter qualitativo com entrevistas em profundidade, obedecendo um roteiro semi-estruturado e dividido em duas partes: 1) estratégias individuais e posicionamento da carreira frente ao cenário em que atuam e; 2) e sua implicação na satisfação com o trabalho. A análise dos dados foi realizada com as técnicas de análise de conteúdo (PEREIRA, 1998) e análise léxica (NASCIMENTO e MENANDRO, 2006) com a utilização do software TagCrowd. Os resultados sugerem que os docentes demonstram uma atitude de oposição ao modelo de carreira autodirigida, traçando estratégias para ampliação da empregabilidade e criando expectativas por relações duradouras com estas instituições, mesmo reconhecendo o ambiente de incertezas em que atuam. Esta oscilação afeta significativamente a sua satisfação com o trabalho, fazendo emergir medos e insegurança em relação à postura em sala de aula e com alunos, na relação com colegas e no grau de engajamento e participação na gestão da instituição. Palavras-chave: Carreira, Satisfação no trabalho, Docentes, Instituições de Ensino Superior.

1

Professor orientador. Doutor em Sociologia (UFRGS) e professor do PPG em Administração da IMED. E-mail: [email protected]. 2 Acadêmica do curso de MBA Gestão Empresarial – IMED. E-mail: [email protected].

ABSTRACT

This study has the objective understand the strategies of professors of Superior Teaching Institutions (ITS) to guidance the career to face the work satisfaction. The empirical cut of analysis are the professors connected to institutions for profit, generally organized as isolated colleges and started to offer higher education in smalls cities in the countryside, from the 2000 on. The literature to understand this phenomenon start from the finding that these institutions work in the atmosphere that the concept of career was significantly affected, causing a break with the traditional model, usually associated with the idea of lasting relationship between the company and the employee, with vertical and linear progression. While the career traditional model is centered in orientation that employee valorizes and service the organization, this new model, known as self-directed career emphasizes the autonomy and the responsibility of the employee (HALL & MIRVIS, 1996). In the face of these changes, this study performs a theoretical effort to understand the satisfaction of the professors with work to comprehend possible situations of psychic suffering (DEJOURS, 1987; SELIGMANN-SILVA, 1995). To fulfill with the object this study, it was conducted an exploratory research of qualitative character with interviews in-depth research, obeying a semi-structured plot and divided in two parts: 1) individuals strategies and positioning of career facing the scenery in which they operate and 2) and its implication on work satisfaction. The analysis of data was performed with the techniques of analysis of contend and lexical analysis with the usage of the software TagCrowd. This result suggest the professors show an opposing attitude to the model to self-directed career, tracing techniques to enlargement and creating expectations for lasting relationships with these institutions, while recognizing the uncertainties atmosphere in which they work. This range affects significantly their satisfaction with work, doing emerge fears and insecurities in relation to behavior in classroom and with students, in relation with co-workers and degree of commitment and participation in management institution. Key-words: Career, work satisfaction, professors, Superior Teaching Institutions.

1 Introdução

Este estudo tem por objetivo apresentar os resultados de uma pesquisa empírica sobre a autopercepção da carreira e realização no trabalho em docentes de Instituições de Ensino Superior Privadas Empresariais (IESEs). Do ponto de vista teórico, a proposta do estudo é analisar a atuação dos docentes frente a ideia de reorientação da relação sujeito-trabalho percebida nos modelos contemporâneos de carreira. Neste interim, o trabalho confronta as noções de carreira tradicional e autodirigida ou Proteana (Hall, 1993). O contexto para essa análise é bastante desafiador e pode ser considerado como uma inovação para discussão do tema na medida em que o objeto empírico são as Instituições de

Ensino Superior de caráter empresarial. A expressão “empresarial” será utilizada neste estudo como forma de diferenciação de outros dois tipos de IES privadas, sem fins lucrativos, conhecidas Comunitárias e Confessionais. Trata-se de um novo grupo de instituições que passaram a oferecer ensino superior a partir de uma abertura da legislação brasileira no início dos anos 2000 e que desenvolveram estratégias de atuação bastante distintas das instituições existentes. A tendência de ampliação da participação das IES privadas na oferta de ensino superior no Brasil também foi apontada por um estudo setorial do BNDES, publicado em 2008, com o título “Análise do setor de ensino superior privado no Brasil”. Os autores Rodrigo Ximenes Sécca e Rodrigo Mendes Leal analisam os dados do Censo da Educação Superior apresentando elementos de avaliação que referendam a tese do caráter privado da expansão. Para os autores, as agudas transformações nos últimos anos criaram as condições para o surgimento das IES privadas empresariais, algumas até com capital na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), configurando, assim, um mercado da educação onde estas instituições atuam competindo por alunos e visam ao lucro e/ou ao crescimento de seu marketshare (SÉCCA; LEAL, 2008, p. 104). As IESEs possuem características que justificam a problematização aqui proposta, uma vez que possuem as seguintes especificidades: 1) são, em geral, organizadas em pequenas faculdades, priorizando o ensino e com poucas ações em pesquisa e extensão; 2) foram fundadas recentemente e, portanto, não são reconhecidas socialmente pela relevância do serviço oferecido; 3) atuam em pequenas e médias cidades espalhadas pelo interior do país; 4) não oferecem planos de carreira no sentido tradicional e a maioria dos professores são contratados como horistas, dividindosua atuação profissional com outras fontes de renda e; 5) são mais afetadas pelas oscilações do mercado. A fim de caracterizar este novo cenário, este estudo contou com os dados disponíveis no Censo da Educação Superior 2010, apresentado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) que revela que o país conta com 345.335 mil docentes, sendo 214.546, ou seja, 62% trabalhadores de organizações privadas, ressaltando a importância da pesquisa no contexto privado. Assim, o objetivo dessa pesquisa é compreender como os docentes das IESEs percebem o desenvolvimento da sua carreira a partir da relação entre suas expectativas individuais com as estratégias da organização a que estão vinculados. Algumas perguntas ajudam a operar esta questão: Quais as suas estratégias de ampliação da empregabilidade e

como enxergam sua carreira? Como se relacionam com elementos da natureza e cultura da organização? Como percebem sua satisfação com o trabalho docente neste formato? Após uma análise exploratória da literatura existente sobre este novo contexto da educação superior (MARTINS, 1989, 2000; 2002, 2006; 2009), Trigueiro (2004; 2009; 2010) e Sampaio (2010; 2011), concluiu-se que os estudos disponíveis, além de não diferenciarem instituições privadas quanto a sua natureza jurídica (empresariais e filantrópicas), oscilam entre dois modelos de análise, no que se refere à carreira docente: o primeiro compreende a expansão do ensino privado no país como um processo de precarização do trabalho docente, argumentando a incapacidade do mercado em oferecer condições de trabalho decente e ensino de qualidade. Para a consecução do objetivo proposto, o roteiro da discussão segue três passos complementares entre si: no primeiro será apresentado o contexto social e econômico em que estas instituições atuam, destacando as transformações ocorridas nos últimos dez anos na educação superior brasileira. Em um segundo momento, serão os elementos teóricos que analisam o contexto do desenvolvimento da carreira (HALL & MIRVIS, 1996) e os conceitos de satisfação no trabalho (DEJOURS, 1997; LOCKE, 1969, 1976). Por fim, serão apresentados os resultados de uma pesquisa exploratória realizada a partir de entrevistas semiestruturadas com docentes de IESE’s. É a partir deste plano de fundo que parte o problema central deste estudo que procura interrogar sobre as recentes transformações na carreira docente, em especial do magistério superior, colocando em evidência as autopercepções dos trabalhadores sobre sua carreira e relação com as organizações a que estão vinculados. O principal argumento que suporta esta problematização é a constatação de que grandes transformações ocorreram neste setor econômico a partir dos anos 2000, quando acompanhamos uma nova abertura por parte do Estado brasileiro que permitiu a oferta de ensino superior às chamadas Instituições de Ensino Superior de caráter empresarial. O recorte empírico da análise são os docentes ligados à Instituições com fins lucrativos, geralmente organizadas como faculdades isoladas e que passaram a oferecer ensino superior em cidades de médio porte, no interior do país, a partir dos anos 2000.

2 Carreira e satisfação com o trabalho no contexto das IESE’s

A literatura para compreender este fenômeno parte da constatação de que estas instituições operam em um ambiente em que o conceito de carreira foi sensivelmente afetado,

ocasionando uma ruptura com o modelo tradicional, geralmente associado a uma ideia de uma relação duradoura entre empresa e empregado, com progressão linear e vertical. Enquanto o modelo tradicional de carreira está centrado na orientação de que o empregado valoriza e serve a organização, o novo modelo, conhecido como “carreira autodirigida” enfatiza a autonomia e a responsabilidade do trabalhador (HALL & MIRVIS, 1996). Com estas mudanças, o conceito de carreira foi duramente afetado, ocasionando uma ruptura com o modelo tradicional, geralmente associado a uma ideia de uma relação duradoura entre empresa e empregado, com progressão linear e vertical. Em outros termos, a carreira está associada à noção de emprego e tempo de serviço herdada da sociedade industrial (BENDASSOLLI, 2009). No novo contexto, surgem as chamadas “carreiras em zigue-zague” (KILIMNIK, CASTILHO E SANT’ANNA, 2006), as “carreiras multidirecionais” (BARUCH, 2004) e as “carreiras sem fronteiras” (ARTHUR e ROUSSEAU, 1996). Independente da terminologia utilizada, os estudos convergem no seguinte ponto: há uma descontinuidade em relação à oferta (responsabilização) da carreira por parte das empresas, convertendo-se em um ambiente flexível em que os trabalhadores tornam-se responsáveis pela gestão da própria carreira. Hall (2002) caracteriza este contexto como “expansão da identidade”, a partir do que nomeou de “carreira proteana”, termo cunhado pelo autor em 1993, em referência ao deus Proteos que, segundo a mitologia grega, possuía a capacidade de mudar de forma de acordo com sua própria vontade. Nesta linha de raciocínio, a “expansão da identidade” faz referência a uma ampliação do repertório psíquico, isto é, a uma nova forma de interação entre indivíduos e empresas que busca ampliar as expectativas profissionais. Nestes termos, o trabalho é significado para além da subsistência, colocando exigências de criação de sentido, autorealização, valorização e reconhecimento. Assim, a carreira que antes estava relacionada ao ingresso em uma grande empresa, permitindo desenvolvimento, remuneração, estabilidade e, acima de tudo, pertencer a uma “comunidade”, dá espaço a “autogestão da carreira” orientada para o “sucesso psicológico” de indivíduos que são responsáveis pelo seu desenvolvimento no plano pessoal, profissional e familiar (FONTANELLE, 2005). McDonald, Brow e Bradley (2004) propõe uma diferenciação que ajuda a compreender esta mudança. Enquanto o modelo tradicional de carreira está centrado na orientação de que o empregado valoriza e serve a organização, o novo modelo enfatiza a autonomia e responsabilidade do trabalhador. Além disto, enquanto o foco da carreira tradicional está na lealdade como base para o crescimento, o novo modelo oferece apenas oportunidades para o desenvolvimento de habilidades e conhecimentos.

Poucos estudos críticos a esta interpretação estão disponíveis. Um deles é o de Balassiano (2006), que mostra o enfraquecimento do contrato psíquico de lealdade e interação entre indivíduos e empresas. A atuação em ambientes instáveis, com regras que responsabilizam e sobrecarregam funcionários pelas metas, tendem a infidelidade e ruptura da relação. Em muitos casos, o trabalhador compreende esta relação como utilitária por parte da organização e acaba orientando a sua ação retribuindo “na mesma moeda”. Em que grau este novo modelo que desresponsabiliza as organizações pela oferta de oportunidades concretas, programáveis e definidas, apresenta benefícios aos trabalhadores? Como os trabalhadores gerenciam (e controlam) os riscos de ordem psíquica e econômica? Como o trabalhador interpreta o significado do trabalho neste contexto? Como fica o contrato psicológico (lealdade) do indivíduo com a organização? Em face a estas mudanças, este estudo realiza um esforço teórico para compreensão da satisfação dos docentes com o trabalho para compreender eventuais situações de sofrimento psíquico. Nesse sentido, Dejours (1987) entende que a organização do trabalho produz impactos tanto na saúde física, quanto psíquica. Em algumas situações faz emergir sofrimentos quando a organização do trabalho ignora os anseios e projetos do indivíduo. Para compreensão do conceito de satisfação no trabalho o autor ressalta a importância das condições de trabalho que ele entende como sendo o ambiente físico, químico, biológico, as condições de higiene, de segurança e as características antropométricas do posto de trabalho. Quando essas condições interferem na saúde o corpo, as consequências podem ser físicas ou mentais. O sofrimento mental resulta da organização do trabalho. Na mesma direção, Locke (1969) também considera importantes as condições de trabalho para a satisfação e compreende como algo subjetivo ao indivíduo, a interpretação do trabalhador acerca do seu trabalho. É um sentimento positivo que causa bem-estar, quando o indivíduo consegue perceber seus valores como benefício. Quando isso não ocorre, ou seja, quando não consegue enxergar o prazer no trabalho e seus valores são afetados, esse sentimento se inverte e se transforma em sofrimento, e desprazer. Nesse sentido, a satisfação implica em dois fenômenos: o do bem estar (satisfação) e o sofrimento (insatisfação) (LOCKE, 1969, 1976).

3 Método e análise de dados

O recorte empírico da análise são os docentes ligados às instituições com fins lucrativos, geralmente organizadas como faculdades isoladas e que passaram a oferecer

ensino superior em cidades de médio porte, no interior do país, a partir dos anos 2000. Para cumprir com o objetivo do estudo, realizou-se uma pesquisa exploratória de caráter qualitativo com entrevistas em profundidade, obedecendo um roteiro semiestruturado e dividido em duas partes: 1) estratégias individuais e posicionamento carreira frente ao cenário em que atuam e; 2) sua implicação na satisfação com o trabalho. Foram entrevistados oito professores de cinco instituições que atuam na região de Passo Fundo. A escolha dos entrevistados foi realizada de forma aleatória e por conveniência e a quantidade de entrevistas obedeceu o critério da exaustão. As entrevistas foram realizadas em locais sugeridos pelos participantes e tiveram a duração média de uma hora e trinta minutos. As falas foram transcritas e a análise dos dados foi realizada a partir de duas técnicas: análise de conteúdo através do discurso (PEREIRA, 1998) e análise léxica (NASCIMENTO E MENANDRO, 2006). Para a análise léxica foi utilizado o software TagCrowd.

3.1. Análise dos dados

Em um primeiro momento, o conteúdo das entrevistas foi processado pelo software TagCrowd para identificar a frequência dos termos mencionados pelos professores. A análise lexical realizada pelos autores para auxiliar na visualização da quantidade e do peso dos termos mais importantes.

Quadro de ocorrências das palavras

Figura 1 - Análise lexical Fonte: Dados da pesquisa (2015)

Em seguida, as palavras foram agrupadas de acordo com as categorias teóricas do estudo. Foram selecionados 12 termos para cada categoria (estratégias de carreira e satisfação com o trabalho, de acordo com o resultado sugerido pelo software. Assim, cada uma das categorias teve um número igual de termos para serem avaliados.

Quadro 1 – Ocorrência da expressão Categoria

Palavras (frequência)

1) Estratégias individuais e

Carreira (88), docência (108), doutorado (26), ensino (58), instituição

posicionamento frente a carreira

(291), faculdade (25), mercado (35), professor (253), perfil (32),

docente.

profissão (53), pesquisa (42), educaçãosuperior (30). Total de ocorrências para esta categoria: 1041

2) Satisfação com o trabalho.

Alunos (146), aula (104), colegas (26), carga horária (25), metas (25), pessoas (78), relação (113), tempo (50), trabalhar (33), gestão (41), sentido (28), vida (38). Total de ocorrências para esta categoria: 707

Fonte: Dados da pesquisa (2015)

O quadro mostra que embora as ocorrências estejam bem distribuídas entre as categorias, as palavras vinculadas às “Estratégias individuais e posicionamento frente a carreira docente” apareceram com maior destaque. Note-se que somente as expressões “instituição”, “docência”, “carreira” correspondem a mais de 50% das ocorrências nesta categoria. No plano deste estudo, esta análise permite concluir que a dinâmica organizacional está bastante presente nas falas dos docentes. Parece haver uma lógica institucional que se impõe e orienta as estratégias individuais, seguida de preocupações com os rumos da profissão e da carreira. Em outros termos, as estratégias de empregabilidade parecem depender centralmente da instituição em que atuam. Esta constatação pode contribuir na compreensão do modelo de carreira adotado pelos docentes que procuram vínculos sólidos e percebem tanto a realização profissional, quanto a satisfação no trabalho a partir da lógica das instituições em que atuam. E embora a análise léxica não permita conclusões sobre a satisfação ou insatisfação no trabalho, percebe-se uma lógica tradicional de orientação da carreira pela quantidade de ocorrências dos termos. Feita a análise léxica, partiu-se para a análise do discurso das informações coletadas. Os resultados permitem o estabelecimento de três categorias para compreender as estratégias de carreira dos docentes: conjugação de dois empregos como forma de diminuir os efeitos da

instabilidade das IES’s; busca de qualificação para atuação nas áreas da pesquisa, especialmente na realização de doutorado e; desenvolvimento de competências, habilidades e atitudes para melhoria do relacionamento com alunos e colegas, bem como envolvimento com a gestão institucional. Uma das estratégias encontradas nos relatos dos docentes na tentativa de se manter competitivo e garantir empregabilidade foi a associação de mais de um vínculo empregatício. Alguns exercem a profissão de formação como profissionais liberais, por exemplo, os advogados, os psicólogos e outros estabelecem vínculo com mais de uma instituição de ensino. Essa estratégia está presente nos seguintes trechos:

Sou psicóloga desde 2000, e professora desde 2006. Atualmente atuo como professora de ensino superior e também como psicóloga. Trabalho como psicóloga prestando assessoria para uma congregação religiosa há três anos e meio (P1). Eu procuro me lembrar com muita frequência que eu escolhi a docência, mas que também sou uma comunicadora, meu trabalho de comunicadora é importante para empresa a que estou vinculada, tenho experiência nesta área. (P2).

Essa atitude de manter mais de um vínculo empregatício aparece nos relatos dos docentes no contexto da instabilidade do formato de instituição de ensino a que estão vinculados. O fato de serem instituições em processo de estruturação institucional e mais sensíveis às oscilações de mercado faz com que os docentes adotem uma postura de cautela quanto à sua dedicação intensiva e exclusiva. “Ser professor” passa a ser uma alternativa entre outras, sendo frequente a afirmação de que “dar aulas” é uma extensão da sua atividade profissional. Neste contexto, a carreira liberal passa a conviver com a atividade docente sem que se torne atrativa a ponto de nortear a estratégia profissional. Então eu acho que nenhuma das instituições oferece segurança, ao não me oferecer essa segurança essa estabilidade, tu estás sempre na “corda bamba”. Então tu não consegues projetar uma carreira, nem no plano de carreira eu digo que se projeta isso eu acho ruim a profissão docente nessas instituições, tu não ter a certeza do volume de carga horária do próximo semestre (P7) Por outro lado, conciliar a docência com outras atividades profissionais não significa secundarização da carreira docente. As entrevistas mostram que os professores buscam a docência como carreira, adotando estratégias sedimentadas na expectativa por relações duradouras e amplas com estas instituições. Bendassolli (2009) confirma essa atitude, pois entende que o conceito de carreira tradicional sofreu uma ruptura, e que este conceito geralmente está associado a uma ideia de uma relação duradoura entre empresa e empregado,

com progressão linear e vertical e que a carreira está associada à noção de emprego e tempo de serviço herdada da sociedade industrial. Para isto, os docentes buscam a inserção em programas de qualificação stricto sensu, especialmente no doutorado, como forma de direcionamento de seus interesses também para a pesquisa, mesmo que essa atividade ainda seja pouco incentivada por esse formato organizacional.1

Na questão da pesquisa, eu como professora doutora eu não me sinto investida pela instituição, no momento que eu peço carga horária, existe uma política de pesquisa, um edital, e dai você precisa concorrer ao edital, eu tenho que fazer um trabalho voluntário de pesquisa para eu poder produzir (P4).

Ainda, como estratégia, na tentativa de estabelecer laços mais estreitos com estas instituições, os docentes apostam nas competências individuais como diferencial para se manterem vinculados à instituição, o que caracteriza o modelo de tradicional carreira que segundo Hall & Mirvis (1996), está centrado na orientação de que o empregado valoriza e serve a organização, o contrário do modelo moderno, conhecido como “carreira autodirigida” que enfatiza a autonomia e a responsabilidade do trabalhador.

Eu tenho observado que aumentou a oferta para professores no mercado, mas não necessariamente que eles tenham o famoso “CHA”, então a competência, habilidades e atitudes para poder desenvolver a profissão. Então, eu creio que embora que o contexto tenha mudado, alguns requisitos são ainda fundamentais para um bom professor (P6).

A oscilação do ambiente e instabilidade dessas instituições afeta significativamente a sua satisfação com o trabalho, fazendo emergir medos e insegurança em relação ao futuro profissional, frustração, falta de reconhecimento, além da constatação de sobrecarga de trabalho, falta de equilíbrio entre vida pessoal e trabalho, no grau de engajamento e participação na gestão da instituição. Por outro lado, conseguem encontrar satisfação, na maioria dos casos, na relação com alunos e com colegas de trabalho. A satisfação afeta as emoções do indivíduo, que conforme Locke (1969, 1976) pode impactar tanto negativamente causando sofrimento psíquico e danos à saúde, como de forma positiva causando sensação de bem-estar. Essas foram as dimensões encontradas nos relatos dos professores relacionadas com a satisfação no trabalho e que podem ser confirmadas pelos trechos a seguir.

1

Registre-se que o marco regulatório do ensino superior no Brasil não exige o investimento em extensão e pesquisa para as Faculdades, embora esta seja uma exigência feita às Universidades e Centros Universitários.

Tu levas muita coisa para casa, porque é um TCC, em uma semana inteira tu vai ter que ler de oito a quinze TCC’s porque é a banca, outra sobrecarga é a prova interdisciplinar porque tem prazo então tu tens que fazer aquilo naquele prazo (P7) Na percepção dos entrevistados, não existe equilíbrio entre a vida pessoal e profissional e carreira docente. O trabalho do professor vai além dos limites da sala de aula no que tange a questões como preparação das aulas, correção de provas, resposta a e-mails de alunos, etc. Também é possível identificar nas entrevistas a ocorrência de sofrimento psíquico, gerado pela não valorização do trabalho docente nas instituições pesquisadas. Na obra de Dejours (1987) o autor expõe que o trabalhador, para atender às expectativas da organização e não adoecer, ele acaba utilizando estratégias como o individualismo, conformismo, agressividade como forma de defesa para se proteger contra o sofrimento e manter o equilíbrio psíquico. Os professores se sentem desestimulados quando percebem que não são importantes para estas instituições:

Você é um número, e você não quer tem quem queira isso para mim é a pior forma de violência, porque é uma violência que impacta no número que a instituição quer porque ela desestimula o professor, então eu consegui fazer uma transição, mas porque eu percebo que essa experiência é importante para o meu currículo, para minha vida, mas eu não me percebo importante para essa instituição. (P5)

O fator “instabilidade” aparece quando a maioria dos entrevistados expõe a questão da carga horária, gerando desconforto, pois a cada semestre, não sabem quantas horas terão de assumir. Os docentes relatam que não sabem quanto irão ganhar no próximo semestre, por isso não podem contrair dívidas ou fazer um planejamento econômico. Isso impacta negativamente na satisfação com o trabalho; que para Locke (1969, 1976) é um fenômeno individual, onde um dos fatores causais são as condições do trabalho (o trabalho em si, remuneração, promoção, reconhecimento e ambiente de trabalho).

Cada um luta pela sua meta para ganhar horas porque não tem uma estabilidade, a minha percepção é que esse tipo de gestão é bom, mas ele é bom para a empresa, mas talvez não seja bom para o colaborador, se a instituição não fizer ele se sentir parte, ele é um número e se ele for um número ele tende a aprimorar sua mão de obra e ir para outro lugar. (P5)

A satisfação no trabalho é encontrada principalmente nas relações interpessoais com os alunos e colegas professores. A definição de satisfação no trabalho é a auto-avaliação do

trabalhador acerca do seu trabalho e também quando ele opera os seus valores com o trabalho que exerce, sendo uma emoção positiva de bem-estar (LOCKE, 1969). Essa emoção é o entendimento dos valores, que o indivíduo julga necessário para sentir-se bem no que está fazendo (LOCKE, 1969, 1976).

Esse é o ponto mais positivo, eu consigo estabelecer relações muito positivas com colegas de outros cursos, e isso para mim é fundamental (...) assim eu me reconheço com os meus pares e isso para mim é um aspecto bem agradável do meu trabalho, esse é um ponto que me faz me sentir bem (P1). A minha forma de mensurar a minha satisfação é o resultado. Então se eu termino uma aula, e alguém diz “das cinco aulas que eu tenho por semana, a que eu gosto é a de segunda-feira”, opa! Então está dando resultado. (P2).

Em outros termos, a satisfação com o trabalho está associada à relação dos docentes com os alunos e colegas, enquanto a insatisfação está relacionada com a lógica institucional e a gestão e organização do trabalho pelas IESEs. Estes dados contribuem para um importante debate acerca das mudanças que estas instituições propõem para a forma tradicional de compreensão da carreira docente. O professor que historicamente orientou sua atuação para o processo de ensino-aprendizagem em instituições consolidadas e reconhecidas socialmente, vê-se, agora, obrigado a considerar a sua prática em um ambiente de instabilidade econômica e fragilidade institucional. Em resumo, as IESEs parecem indicar para a necessidade de indivíduos que alinhem suas expectativas individuais de carreira com as estratégias dessas organizações, mesmo que suas oscilações de mercado não permitam o desenvolvimento de projetos de médio ou longo prazo. Neste sentido, os docentes orientam sua carreira em um sentido tradicional e não visualizam nas instituições garantias para sua efetivação. Este ambiente leva à insatisfação com o trabalho, especialmente no que tange à sua organização.

4 Considerações Finais

Os resultados evidenciam que os docentes buscam instituições que lhes ofereçam segurança e estabilidade, características da carreira tradicional. Por outro lado, estas instituições não conseguem ofertar condições para o desenvolvimento desta estratégia. Diante disso, os docentes vêm traçando estratégias para ampliação da empregabilidade e criando expectativas por relações duradouras com estas instituições, mesmo reconhecendo o ambiente de incertezas em que atuam.

Além disto, os professores expressam que não conseguem alinhar os seus objetivos profissionais porque não conseguem identificar o que a instituição tem para lhe oferecer. Como efeito desse processo, os docentes se veem cingidos de medos e inseguranças, disputam horas com os colegas e procuram manter outros vínculos, além da docência. As instituições, por outro lado, conforme demonstrado na base teórica parecem indicar para uma carreira proteana na medida em que oferecem espaço para inovação, criatividade e abertura para o início da carreira docente. Observou-se, aliás, que todos os docentes entrevistados iniciaram a docência em IESEs, sendo que reconhecem que estas instituições criaram oportunidades de inserção profissional e início da carreira docente. No entanto, a ideia de carreira tradicional, que implica em vínculos de médio e longo prazo, não está colocada de forma clara. Isso foi evidenciado nos discursos dos docentes, uma vez que se sentem mais seguros vinculados à uma instituição que lhes ofereça estabilidade, plano de carreira, etc. Constatou-se, também, que a maioria dos entrevistados mantém outro vínculo, além da docência, a fim de assegurar uma renda fixa, já que a de professor é instável e sofre variações em função da carga horária a cada semestre. Além disto, os professores se sentem desconfortáveis e desalinhados dos ideais comerciais das IESE’s, sem perspectivas de desenvolvimento de projetos para ampliação de renda e mesmo de estabilidade. Não enxergam o ensino como um produto e a docência como uma ferramenta comercial que o fomenta. A partir das entrevistas, a concepção dos professores sobre a docência é que o professor atua na esfera ensino-aprendizagem e percebe o envolvimento com a gestão ou mesmo com as estratégias institucionais algo desconexo da sua atuação. Mesmo com a busca de qualificação acadêmica e desenvolvimento de habilidades, atitudes e competências para atuação nesse novo contexto, parece não haver uma comunicação eficaz entre s estratégias das organizações com as expectativas dos professores. Dentro desse formato organizacional, e o contexto capitalista em que as IESE’s estão inseridas, os contratos de trabalho são muito parecidos com os das empresas comerciais. Os professores constroem suas práticas de trabalho de acordo com a realidade da instituição, perdendo a identidade da profissão que a maioria julga como motivadora para a continuação da carreira docente. Quanto ao sofrimento psíquico, ele é confirmado nas entrevistas. Ocorre com a precarização do trabalho docente quando são tratados como dispensáveis pelas instituições, com a disputa por carga horária, quando levam boa parte do trabalho para casa, quando

tentam desenvolver pesquisa sentem-se desestimulados pela falta de incentivo para qualificação e com a pressão das IESE’s por resultados. Quando se faz menção às relações interpessoais, os docentes interpretam como fator motivacional para carreira e na satisfação do trabalho. Além da relação positiva com os colegas professores, a relação com os alunos também traz estímulo quando entendem que o seu trabalho é de fundamental importância para formação profissional dos alunos, estabelecem uma relação de dependência e isso gratifica o docente Com esses resultados, considera-se que o objetivo deste estudo foi cumprido. Os entrevistados expuseram seus dilemas da carreira e as medidas para encontrar satisfação no trabalho, que é encontrada sem a intervenção das instituições a que estão ligados. Encontram a satisfação mantendo seus valores e crenças de que a docência vai além do emprego de professor. Que o seu papel é importante para construção e disseminação do conhecimento e para a formação do indivíduo. Buscam nas relações interpessoais com os colegas de profissão e também com os alunos meios de se motivar. Portanto, os docentes das IESE’s autopercebem suas carreiras como de suma importância para sociedade e para suprir uma necessidade humana, que é a educação. Ao mesmo tempo, se veem limitados para desenvolver suas práticas de ensino, entrando em conflito interno, pois seus ideais como professor convivem com a lógica comercial que a natureza destas instituições impõe. Esse descontentamento gera sofrimento psíquico e implica diretamente na satisfação com o trabalho. Estudos futuros poderiam analisar estes temas na ótica dos gestores, procurando desvendar os hiatos de comunicação entre o universo da gestão e a prática docente.

REFERÊNCIAS

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