Cartoons como Armas: História, animação e Segunda Guerra

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES. CURSO DE HISTÓRIA

Luiz Gustavo da Rocha Ferreira

CARTOONS COMO ARMAS: história, animação e segunda guerra mundial.

NATAL/RN 2013

LUIZ GUSTAVO DA ROCHA FERREIRA

CARTOONS COMO ARMAS: história, animação e segunda guerra mundial.

Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob a orientação de Francisco das Chagas Fernandes Santiago Júnior, para avaliação da disciplina Pesquisa Histórica II.

NATAL/RN 2013

Catalogação da Publicação na Fonte. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).

Ferreira, Luiz Gustavo da Rocha. Cartoons como armas : história, animação e segunda guerra mundial / Luiz Gustavo da Rocha Ferreira. – 2013. 89 f. Monografia (graduação) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Departamento de História, 2013. Orientador: Prof. Dr. Francisco das Chagas Fernandes Santiago Júnior. 1. Caricaturas e desenhos humorísticos. 2. Guerra Mundial, 1939-1945. 3. Walt Disney Productions, 1534-1762. 4. Propaganda nazista. I. Santiago Júnior, Francisco das Chagas Fernandes. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/BSE-CCHLA 1945”

CDU 94(100)”1939-

LUIZ GUSTAVO DA ROCHA FERREIRA

CARTOONS COMO ARMAS: história, animação e segunda guerra mundial.

Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, para avaliação da disciplina Pesquisa Histórica II.

Aprovado em: ___/___/____.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Francisco Das Chagas Fernandes Santiago Júnior. (Orientador / UFRN)

Prof. (Examinador/UFRN)

Prof. (Examinador/UFRN)

RESUMO

O período da segunda guerra foi um dos mais expressivos nos estudos contemporâneos da historiografia. Com a expansão da possibilidade de trabalhos com diversas fontes, os historiadores buscam nos mais diversos suportes para fazer lembrar o que foi silenciado. No que se refere a segunda guerra, boa parte das pesquisas estão direcionadas ao confronto em si, ou, no caso da historiografia nacional, a participação do Brasil neste conflito. A pesquisa aqui apresentada trabalha em uma perspectiva pouco convencional aos estudos da história, uma vez que ao contrário do filme analógico e digital, a animação ainda não é uma fonte muito explorada. Contudo, as produções historiográficas acerca das representações estão ganhando aceitação na academia e os desenhos animados entram neste recorte. Os cartoons dos Estúdios Disney, em especial, são um excelente material para pesquisas históricas, uma vez que foram um dos meios de comunicação que mais concretizaram e veicularam as imagens sobre a guerra mundial nos EUA e no Canadá durante o conflito armado. Estas representações não só foram feitas a partir de investimentos dos próprios estúdios, mas também com recursos financiados por governos, inicialmente, o canadense, e, mais tarde, o americano. Assim a pesquisa busca compreender quem foi este inimigo nazista o qual Disney denuncia.

Palavras-Chave: Cartoon, Segunda Guerra, Autoimagem, Ideologia, Representação, Disney, propaganda de Guerra, indústria cinematográfica.

ABSTRACT

The period of the second war was the theme of the most significant studies held in contemporary historiography . With the expansion of the possibility of working with several sources , historians seek in various media to remember what it was muted . As regards the second war, much of the research are directed to the confrontation itself , or in the case of national historiography , Brazil's participation in the conflict . The research presented here works in an unconventional perspective of the study of history , since unlike the analog and digital film , animation is almost an unexploited source . However , in recent years, the historiographical productions about the representations are gaining acceptance in the academy and the same is occuring to the historical analisis of cartoon clipping. The cartoons of Walt Disney Studios , in particular , are an excellent material for historical research , since they were one of the media that materialized broadcasted images about the II world war in the United States of America and Canada during the armed conflict. These representations were not only supported from investments of the studio owners itself , but also with resources provided by governments , initially , the canadian , and later, the american. So the research seeks to understand who was this Nazi enemy which is 'denunciated' in Walt Disney's early productions.

Keywords: Cartoons, Second World War, Self-Concept, Ideology, Representation, Disney, Propaganda War, Film Industry.

LISTA DE FIGURAS Fig. 1: Fases Humorísticas de Caretas ...................................................................................... 22 Fig. 2: Fases Humorísticas de Caretas ...................................................................................... 22 Fig. 3: Alice’s Little Parade ...................................................................................................... 25 Fig. 4: Oswald Great Gun ......................................................................................................... 25 Fig. 5: A Batalha do Celeiro ..................................................................................................... 25 Fig. 6: Alice’s Little Parade ...................................................................................................... 25 Fig. 7: Oswald Great Gun ......................................................................................................... 25 Fig. 8: A Batalha do Celeiro ..................................................................................................... 25 Fig. 9: Os Três Porquinhos ....................................................................................................... 36 Fig. 10: O Porco Econômico .................................................................................................... 36 Fig. 11: Os Três Porquinhos ..................................................................................................... 37 Fig. 12: O Porco econômico ..................................................................................................... 37 Fig. 13: O Porco Econômico .................................................................................................... 38 Fig. 14: O PorcoEconômico ..................................................................................................... 38 Fig. 15: O Porco Econômico .................................................................................................... 38 Fig. 16: Donald o Melhor Dele Mesmo .................................................................................... 39 Fig. 17: A Decisão de Donald .................................................................................................. 39 Fig. 18: Donald O Melhor Dele Mesmo ................................................................................... 40 Fig. 19: A Decisão de Donald .................................................................................................. 40 Fig. 20: A Decisão de Donald .................................................................................................. 40 Fig. 21: A Decisão de Donald .................................................................................................. 40 Fig. 22: A Decisão de Donald .................................................................................................. 41 Fig. 23: O Novo Espírito .......................................................................................................... 43 Fig. 24: O Novo Espírito .......................................................................................................... 43 Fig. 25: O Novo Espírito .......................................................................................................... 43 Fig. 26: O Novo Espírito .......................................................................................................... 44 Fig. 27: O Novo Espírito .......................................................................................................... 44 Fig. 28: O Novo Espírito .......................................................................................................... 44 Fig. 29: O Novo Espírito .......................................................................................................... 45 Fig. 30: O Novo Espírito .......................................................................................................... 45 Fig. 31: O Novo Espírito .......................................................................................................... 45 Fig. 32: O Novo Espírito .......................................................................................................... 46 Fig. 33: O Novo Espírito .......................................................................................................... 46 Fig. 34: O Novo Espírito .......................................................................................................... 46 Fig. 35: Educação para Morte................................................................................................... 47 Fig. 36: Educação para Morte................................................................................................... 48 Fig. 37: Educação para Morte................................................................................................... 48 Fig. 38: Educação para Morte................................................................................................... 48 Fig. 39: Educação para Morte................................................................................................... 48 Fig. 40: Educação para Morte................................................................................................... 48 Fig. 41: Educação para Morte................................................................................................... 49 Fig. 42: Educação para Morte................................................................................................... 49 Fig. 43: Educação para Morte................................................................................................... 49 Fig. 44: Educação para Morte................................................................................................... 50 Fig. 45: Educação Para Morte .................................................................................................. 51 Fig. 46: Educação Para Morte .................................................................................................. 51 Fig. 47: Educação Para Morte .................................................................................................. 51

Fig. 48: Educação Para Morte .................................................................................................. 52 Fig. 49: Educação Para Morte .................................................................................................. 52 Fig. 50: Educação Para Morte .................................................................................................. 52 Fig. 51: Educação Para Morte .................................................................................................. 53 Fig. 52: Educação Para Morte .................................................................................................. 53 Fig. 53: Educação Para Morte .................................................................................................. 53 Fig. 54: Educação Para Morte .................................................................................................. 53 Fig. 55: Educação Para Morte .................................................................................................. 53 Fig. 56: Educação Para Morte .................................................................................................. 53 Fig. 57: Educação Para Morte .................................................................................................. 53 Fig. 58: Todos Juntos ............................................................................................................... 58 Fig. 59: Todos Juntos ............................................................................................................... 58 Fig. 60: Todos Juntos ............................................................................................................... 59 Fig. 61: Todos Juntos ............................................................................................................... 59 Fig. 62: Todos Juntos ............................................................................................................... 59 Fig. 63: Todos Juntos ............................................................................................................... 59 Fig. 64: Todos Juntos ............................................................................................................... 59 Fig. 65: Da Frigideira para a Linha de Fogo. ........................................................................... 61 Fig. 66: Da Frigideira para a Linha de Fogo. ........................................................................... 61 Fig. 67: Da Frigideira para a Linha de Fogo. ........................................................................... 62 Fig. 68: Da Frigideira para a Linha de Fogo. ........................................................................... 62 Fig. 69: Da Frigideira para a Linha de Fogo. ........................................................................... 62 Fig. 70: Da Frigideira para a Linha de Fogo. ........................................................................... 62 Fig. 71: Da Frigideira para a Linha de Fogo. ........................................................................... 62 Fig. 72: Da Frigideira para a Linha de Fogo. ........................................................................... 63 Fig. 73: A Face do Führer......................................................................................................... 64 Fig. 74: A Face do Führer......................................................................................................... 65 Fig. 75: A Face do Führer......................................................................................................... 65 Fig. 76: A Face do Führer......................................................................................................... 65 Fig. 77: A Face do Führer......................................................................................................... 66 Fig. 78: A Face do Führer......................................................................................................... 67 Fig. 79: A Face do Führer......................................................................................................... 67 Fig. 80: A Face do Führer......................................................................................................... 68 Fig. 81: Espírito de 43 .............................................................................................................. 70 Fig. 82: Espírito de 43 .............................................................................................................. 70 Fig. 83: Espírito de 43 .............................................................................................................. 71 Fig. 84: Espírito de 43 .............................................................................................................. 71 Fig. 85: Espírito de 43 .............................................................................................................. 72 Fig. 86: Espírito de 43 .............................................................................................................. 72 Fig. 87: Espírito de 43 .............................................................................................................. 72 Fig. 88: Espírito de 43 .............................................................................................................. 73 Fig. 89: Razão e Emoção. ......................................................................................................... 75 Fig. 90: Razão e Emoção. ......................................................................................................... 76 Fig. 91: Razão e Emoção .......................................................................................................... 77 Fig. 92: Razão e Emoção .......................................................................................................... 77 Fig. 93: Razão e Emoção .......................................................................................................... 78 Fig. 94: Razão e Emoção .......................................................................................................... 78 Fig. 95: Razão e Emoção .......................................................................................................... 79 Fig. 96: Razão e Emoção .......................................................................................................... 79 Fig. 97: Razão e Emoção .......................................................................................................... 80

Fig. 98: Razão e Emoção .......................................................................................................... 80 Fig. 99: Razão e Emoção .......................................................................................................... 80 Fig. 100: Razão e Emoção ........................................................................................................ 81 Fig. 101: Razão e Emoção ........................................................................................................ 81

SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 12 2. O CARTOON NA HISTORIOGRAFIA E NAS REPRESENTAÇÕES DAS GUERRAS. .............................................................................................................................. 18 2.1 A IDEOLOGIA E SEU USO NOS DISCURSOS DO CARTOON .................................. 18 2.2 CARTOON E A HISTORIOGRAFIA ............................................................................... 19 2.3 A ORIGEM DOS CARTOONS ......................................................................................... 21 2.4 O CARTOON E A GRANDE GUERRA. .......................................................................... 22 2.5 DISNEY EM DEFESA DA “AMÉRICA”........................................................................ 27 3. A REPRESENTAÇÃO INSTITUCIONALIZADA DO CARTOON E OS ESTERIÓTIPOS NAZISTAS NOS EUA. ............................................................................ 32 3.1 PORCO ECONÔMICO (O THE THRIFTY PIG) DE 1941 ............................................ 35 3.2 A DECISÃO DE DONALD ( DONALD’S DECISION) DE 1942 .................................. 38 3.3 O NOVO ESPIRÍTO ( THE NEW SPIRIT )DE 1942) ..................................................... 43 3.4 EDUCAÇÃO PARA MORTE (EDUCATION FOR DEATH) DE 1943 ........................ 46 4. OS ALIADOS E O OLHAR NO CARTOON PARA SUA IMAGEM ......................... 55 4.1 TODOS JUNTOS(ALL TOGETHER) DE 1942 .............................................................. 57 4.2 DA FRIGIDEIRA PARA A LINHA DE FOGO (OUT OF THE FRYING PAN INTO THE FIRING LINE) DE 1942. ................................................................................................ 60 4.3 A FACE DO FÜHRER (DER FÜHRER’S FACE) DE 1943 ........................................... 64 4.4 ESPÍRITO DE 43 (SPIRIT OF 43) DE 1943 ..................................................................... 69 4.5 RAZÃO E EMOÇÃO (REASON AND EMOTION) DE 1943. ...................................... 74 5. CONCLUSÃO .................................................................................................................... 83 FILMOGRAFIA ..................................................................................................................... 86 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 88

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1. INTRODUÇÃO

A história está presente na vida cotidiana das pessoas quando andamos pelas ruas, por exemplo, e nos deparamos com monumentos históricos, ao passar por sebos de livros usados, ao ver jornais nas bancas, em revistas, em cartazes que falam sobre a moda, ou algum produto novo, na TV, internet... Também em pequenos gestos, como nos panfletos políticos que são jogados fora, o ato de jogar um “santinho” de um político. A história é elemento fundamental na vida das pessoas, mesmo que de forma “involuntária” ou “inconsciente”. Existem formas tradicionais na sociedade para o que se define por história, quando se cria, por exemplo, monumentos com a finalidade de lembrar, os lugares “estimuladores” da memória. A academia, há algum tempo, tem olhado para a indústria cinematográfica como construtora de visões sobre da história, além de usar filmes como meio didático nas salas de aula. A indústria cinematográfica dos Estados Unidos possui tanta força de mercado que é notório a predominância dos filmes americanos na TV aberta brasileira, e, se levarmos em consideração a TV por assinatura, estes “produtos” chegam próximo da totalidade. O cinema captou todos os estímulos que a sociedade moderna criou por meio do visual, trabalhando as sensações e os sabores, afim de que sejam consumidos. Enquanto mídia, o cinema faz parte de um momento mais avançado do que Ben Singer chamou de hiperestímulos da modernidade1 (CHARNEY, 2004 p.98) na sociedade do final do século XIX e inicio do XX, quando da influência que a publicidade teve na vida das pessoas a partir da cultura visual, a qual seria ampliada pela invenção das imagens em movimento. A geração chamada pelos especialistas de geração Y(da qual faço parte) é a geração que está diretamente ligada ao crescimento econômico e tecnológico. Ela cresceu a partir dos elementos de consumo criados pela indústria televisiva. Ao questionar uma criança nascida, principalmente nos anos 80 sobre seu maior sonho, a resposta mais comum seria, ou um brinquedo dos Estados Unidos, exemplo: Thunder Cats, G.I.Joe... ou (o que era unânime) o “sonho de visitar a Disney”. O parque em Orlando, na Flórida, era o sonho de muitas crianças da geração dos anos 80. Todos seduzidos pelos elementos de fantasia, que seria acessível a

1

Termo criado em 1919, usado por Michael Davis para definir o novo ambiente metropolitano (assim como os divertimentos sensacionais que ele cultivava) ( (DAVIS, 1911, p. 33-36). A pesquisa foi feita em 1910, como enfatiza Ben Singer. Cf. CHARNEY,2004 p.95.

13 todos que pudessem pagar uma quantia alta em dólares, inacessível para a maioria da população brasileira. Todas as manhãs os desenhos dos Estúdios Disney estavam nas salas e nos quartos das casas brasileiras, principalmente na década de 90. Muito desses desenhos eram reprises do período pré-segunda guerra, lembro-me de assistir a primeira vez Limpadores de Relógios (1937), quando estava na faixa dez anos, assim como, Os três porquinhos (1933), Invenções modernas (1937), Donald Auto controle (1938), todos cartoons presentes na vida de uma geração que praticamente desconhecia os detalhes de uma guerra que seus avós vivenciaram, ou ouviram falar, mas que esteve presente, principalmente na cidade de Natal2. Da parte dos espectadores dos anos 1990, nem mesmo havia consciência que estes desenhos eram de uma época “tão distante”. Ao ingressar na universidade, ao estudar a História, tive a oportunidade de me aprofundar no processo histórico mundial. Todos os anos são produzidos uma quantidade significativa, de obras que falam da Segunda Guerra Mundial. Entretanto, as produções destinam-se a manter uma visão tradicional a respeito das problemáticas a serem levantadas. Esta pesquisa destinou-se a compreender essa ótica e buscou a leitura feita por Walt Disney sobre o inimigo nazista. O cartoon foi entendido como suporte para a formulação de um discurso, que ainda hoje se mantém, quando pensamos na sociedade da Alemanha durante a segunda guerra. Mas o leitor deve ficar atento, pois estas representações diferem da realidade daquela Alemanha, sendo uma visão cômica e drástica da sociedade americana sobre o seu adversário bélico e político. Para os historiadores que estudam o século XX será muito difícil, quando estiverem elaborando uma determinada pesquisa, não “toparem em uma pedra” chamada mídia, dependendo da escolha temática, principalmente para aqueles que estudam as duas grandes guerras. Na Primeira Guerra o uso das propagandas por meio de impressos teve proporções únicas até então. Da mesma forma, foi com a primeira guerra que um dos maiores símbolos da sociedade moderna teve seu momento de ascensão, o cinema,

que já estava se

consolidando como lugar de sociabilidade e consequentemente como indústria mercadológica. A primeira guerra teria seus movimentos registrados por uma máquina visual que captava movimentos. Em contanto com esse tipo de invento, as pessoas dedicaram (ainda dedicam) uma parte significativa de seu tempo. Em busca de diversão e lazer nas fantasias criadas pelo cinema, um momento ocioso, lhes servindo como a oportunidade de fugir da realidade em que 2

Com a inauguração Parnamirim Fields em 1943, base aérea criada com o intuito de dar assistência as tropas Aliadas que estavam em combate.

14 elas vivem. Durante muito tempo propagou-se entre as ciências humanas e a filosofia a ideia de que o cinema e a indústria cultural eram estruturas alienadoras da sociedade, muito influenciadas pelas interpretações paramarxistas da chamada escola de Frankfurt. Theodor Adorno, por exemplo, não achava o cinema apenas como mais uma forma de arte, nas palavras dele: O cinema e o rádio não têm mais necessidade de serem empacotados como artes. A verdade de que nada são além de negócios lhe serve de ideologia. Esta deverá legitimar o lixo que produzem de propósito. (ADORNO, 2002 p.8)

Para os estudos atuais sobre o cinema, a perspectiva deste filósofo está ultrapassada. Mas é importante notar que tal citação remete ao caráter industrial do entretenimento e seu envolvimento com o quadro político da primeira metade do século XX. Durante todos esses anos as pessoas iam ao cinema apenas para “apreciar” a projeção e mesmo em estado de repouso, estariam submetidas às experiências de ordem política ideológica. Muitas propagandas estavam inseridas nos enredos, principalmente em momentos críticos de conflitos bélicos ou crises econômicas e políticas. No fim da década de 1930, campanhas políticas estavam presentes nos filmes, sendo custeado pelo próprio estado, como, por exemplo, o filme de direção de Veit Harlan (1899-1964) o Judeu Suss3, uma releitura adaptada com os elementos de antissemitismo da novela de Wilhelm Hauff (1802-1827). Neste filme vemos a leitura nazista a respeito do evento ocorrido com Joseph Oppenheimer, em 1827. Na obra todos os estereótipos nazistas sobre os judeus estão presentes, trata-se claramente de um filme antissemita. Esta foi a forma que o ministro da propaganda do Terceiro Reich, Joseph Goebbels (1897-1945), encontrou para trabalhar a relação dos discursos de Hitler com a imagem dos judeus. Uma ficção que serviu de elemento para validar uma prática “política” alimentada de ódio e radicalismos tanto para a criação de uma obra cinematográfica, como foi por meio desta obra que a política apropriou-se do discurso. Ferro ao analisar o cinema na política do nazismo relata: Sabe-se o sucesso que obteve O Judeu Süss, conhece-se também o papel desempenhado por Goebbels em sua realização, bem como o destino trágico que aguardava a maior parte daqueles que colaboraram nesse filme. Seu diretor Veit Harlan, sempre negou que tivesse querido fazer um filme anisemita, alegando que se alistou na Wehrmacht para se eximir da responsabilidade de fazê-lo, quando foi convidado. Em seguida Harlan diz ter aceitado, no máximo, a proposta de fazer um filme sobre o problema 3

Jud Süss.

15 judeu. Para a cólera de Goebbels, ele teria chegado a cortar cenas do filme, desejadas pelo ministro, cuja conotação era evidente demais. Em 1945, durante seu processo, ele argumentou com sua boa-fé, mostrou provas e a justiça americana condenou-o a uma pena leve. (FERRO, 1992, p. 45)4

Esta pesquisa contempla as experiências ideológicas no entretenimento de massa, devido ao forte investimento, por parte dos países envolvidos na segunda guerra, principalmente o Governo americano (TOTA, 2000 p.36), na produção cinematográfica, precisamente em 1941 a 1945 com a criação do Comitê de Atividades de Guerra – Indústria de Cinema. A participação do cinema na guerra a “convite” do Governo financiou produções cinematográficas com recursos públicos, foi a institucionalização do filme como mecanismo importante para a difusão de propagandas a respeito do conflito, e uma importante ferramenta para a manutenção do patriotismo americano, estabelecendo esta indústria como máquina de combate. Como afirma Ferro: “Uma vez declarado guerra Roosevelt deu instruções precisas no sentido de desenvolver um cinema que glorificasse o justo direito e os valores americanos” (FERRO, 1992, p. 32). Não há como negar que as animações de Walt Disney estiveram entre os maiores empreendimentos que colaboraram para a difusão da imagem americana no mundo e para a própria autoimagem dos americanos. Como os cartoons dos Estúdios da Disney, sob a influência estabelecida pelo Governo Americano, produziram um discurso antinazista durante a Segunda Guerra Mundial? Por meio das representações animadas construiu-se uma imagem sobre os nazistas, a qual constituiu os modelos que deviam ser expostos para o público que estava diante das projeções. Foi com esta questão que esta pesquisa se deparou ao analisar os cartoons. A metodologia inicial para analisar os filmes foi inspirada nos trabalhos de Marc Ferro, compreendendo que foi necessário trabalhar de maneira interdisciplinar. Ferro, contudo, utiliza o cinema como suporte, mas não tornou evidente quais foram seus métodos de análise fílmica, como eram feitos seus apontamentos e como ele chegou aos resultados. A pesquisa foi fundamentalmente feita a partir das observações e da análise crítica. Ainda assim, Ferro estabelece que: [...] É preciso utilizar os métodos a cada um dos filmes (imagem, imagens sonorizadas, não sonorizadas), às relações entre os componentes desses métodos a cada um dos substratos do filme tanto a narrativa quanto o

4

Ver capítulo as Fusões encadeadas de o Judeu Süss no livro História e Cinema de Marc Ferro.

16 cenário, a escritura, as relações do filme com aquilo que não é filme: o autor, a produção, o público, a crítica, o regime de governo (FERRO, 1992, p.87).

O historiador cruzar informações da relação entre o visível (as imagens e sons do cartoon) e o não visível (o contexto histórico e social, a segunda guerra e o engajamento da sociedade americana neste evento), segundo Ferro, seria a melhor forma para compreender a realidade que é representada nos filmes. Faremos um cruzamento de contexto do cartoon e a produção de ideologia feita pela indústria cinematográfica. No processo de elaboração da pesquisa me deparei com o que Jacques Aumont chama de “texto fílmico”. Sempre buscando ter sensibilidade para perceber o filme como discurso significante, no caso o cartoon, é preciso “analisar seu(s) sistema(s) interno(s) estudar todas as configurações significantes que, é possível nele observar” (AUMONT, 1994, p. 201). Assim o método utilizado é o da observação das imagens com o contexto com o qual estavam envolvidas sempre buscando compreender o “jogo” de sensações com as quais os cartoons possuíam. O “texto” (imagem) e suas riquezas de detalhes devem ser observados de forma cuidadosa, já que há o perigo de estar forçando a construção de um enredo o qual soasse para o leitor do texto histórico como especulativo. A organização da pesquisa está dividida em estágios, cada capítulo foi pensado de forma a manter a fluidez do texto. No primeiro capítulo, a abordagem está direcionada aos elementos teóricos, assim como a história do cartoon, o uso do suporte como fonte para produção de discurso histórico. Foi feita ainda observação sobre como as produções dos Estúdios Disney desenharam a Primeira Guerra Mundial, para que assim seja possível ao leitor compreender a diferença de produções meramente mercadológicas para as que foram encomendadas com propósitos de guerra pelo governo canadense, primeiramente, e, pelo governo americano. No segundo capítulo são apresentados curtas-metragens os quais os Estúdios Disney remodelaram para as propagandas canadenses. Uma vez que o Canadá entrou na Guerra antes dos EUA, Disney refez alguns cartoons, já produzidos no início dos anos 1930, realizando alteração das imagens e enredos para tratar o tema da guerra. Em 1942, os Estúdios passaram a fazer o mesmo para o governo dos Estados Unidos e estas foram as primeiras representações do nazismo nas produções da Disney. Neste capítulo também será mostrada a construção de um inimigo nazista pelos filmes dos Estúdios realizados para o governo dos Estados Unidos. No terceiro capítulo, será abordada a imagem que os americanos tinham de si, a autoimagem elaborada por meio de discursos morais e psicológicos como um americano

17 “verdadeiramente patriota” deveria agir em sociedade e quais são as consequências de não ser americano. A importância deste momento é entender que para criar a caricatura do nazista e do nazismo, os cartoons o faziam pelo contraponto a uma concepção de americano e americanidade. Os filmes serviam para identificar o inimigo e demonstrar o quanto era glorioso ser americano.

18

2. O CARTOON NA HISTORIOGRAFIA E NAS REPRESENTAÇÕES DAS GUERRAS.

2.1 A IDEOLOGIA E SEU USO NOS DISCURSOS DO CARTOON Um conceito será utilizado frequentemente na pesquisa, pois o suporte que está em estudo insere-se numa relação de poder. Tal conceito é discutido frequentemente na historiografia. Já Jacques Aumont atento para o uso desse conceito na elaboração do “texto Fílmico” afirma que: A temática ideológica mobilizada em Intolerância deve ser relacionada com determinações exteriores ao filme. Integra-se ao fenômeno geral concretizado pela ideologia reconciliadora que caracteriza a sociedade americana depois da Guerra da Secessão; mas esta informa uma figura especificamente cinematográfica (que por sua vez, lhe dá forma, materializaa) a montagem paralela. (AUMONT, 1994 p.204)

Ou seja, longe da interpretação propriamente marxista, a ideologia deve ser encarada como a maneira como os temas retratados nos filmes participam da caracterização da vida social. Sem ela, um filme não consegue atingir o mundo social e ser reconhecido, ainda que use para isso as formas tipicamente cinematográficas como a montagem. As produções cinematográficas na segunda guerra foram banhadas nos elementos políticos, por meio oficial que determinou não apenas o estado de guerra, mas a sociedade como objeto controlado por ela. Para Raymond Williams a: Ideologia oscila então entre “um sistema de crenças característicos de certa classe” e um “sistema de crenças ilusórias”- falsas ideias ou falsa consciência- que podem se contrastar com o conhecimento verdadeiro, ou cientifico. (WILLIAMS, 1979 p.71)

Para Williams o estudo da ideologia é o fundamento das “ciências das ciências”. Contudo o conceito no século XX foi comumente usado dentro e fora do marxismo, no “sentido relativamente neutro de ‘um sistema de crenças características’ de uma classe ou grupo”( WILLIAMS, 1979 p.74). Assim o conceito está estabelecido induzindo a contemplar as relações de forças. Dessa forma, o uso desse conceito foi bem elaborado pelos marxistas. Porém, Roberval Santiago discorre sobre tal conceito em Roger Chartier: Aparece em forma de produção polissêmica de representações e de valores combinados às práticas socais de um povo, grupo e até mesmo de uma classe

19 social. Ou seja, trata-se de um modelo social predominante. (SANTIAGO, 2012 p.69)

Assim a aplicação deste conceito na pesquisa serve de referência para a “força” que a indústria cinematográfica exerce na sociedade, porém não há como negar que esta força também é moldada de acordo com a força que a sociedade civil exerce na indústria cinematográfica.

2.2 CARTOON E A HISTORIOGRAFIA A partir terceira geração dos Annales ocorreu a expansão tipológica das fontes historiográficas nos anos 1970, bem como também por iniciativa da história social marxista inglesa e da microhistória italiana. A historiografia estabeleceu novas discussões sobre o que é fonte histórica e chegava-se à conclusão de que a fonte, seja de qualquer tipo, precisava ser problematizada e uma vez que houvesse interesse, as imagens também seriam importantes fontes históricas: No que diz respeito ao filme e outras fontes não escritas, creio que não se trata nem de incapacidade nem de retardamento, mas sim de uma recusa em enxergar, um recusa inconsciente, que procede de causas mais complexas. Fazer o exame e quais “monumentos do passado” o historiador transformou em documentos e depois, hoje, que “documentos a história transforma em monumentos”, levaria a uma primeira forma de compreender e ver por que o filme não aparece. (FERRO, 1992, p.79)

As representações imagéticas são elaboradorações de discurso e têm papel significativo para a análise histórica. Nas perspectivas da atualidade não existem imagens pobres, uma vez que todas lidam com graus variados de complexidade. O vínculo do cinema com a política, em especial, antecedeu em muito a percepção dos historiadores sobre o assunto. Desde o inicio do século XX o cinema tem sido alvo da vontade dos discursos políticos, pois personalidades políticas viram no filme uma máquina propagandística. Trotski (1879-1940) declarou em 1923: O fato de até agora não termos ainda dominado o cinema prova o quanto somos desastrados e incultos, para não dizer idiotas. O cinema é um instrumento que se impõe por si mesmo, é o melhor instrumento que se impõe por si mesmo, é o melhor instrumento de propaganda. (FERRO, 1992 p. 27)

20 Palavras como “apoderar-se do cinema”, “controlá-lo”, “dominá-lo” são expressões encontradas constantemente em Trotski, Lenin (1870-1924), Lunatcharski (1875-1933) e outros (FERRO, 1992, p. 27). Viam o cinema como algo que deveria ser usado para benefício político. Marc Ferro enfatiza que a “linguagem” do cinema mostra-se inteligível e apesar de, como a dos sonhos, apresentar intepretação incerta, era preciso desenvolver abordagens e métodos para tratar da imagem na historiografia. Nosso suporte de pesquisa não é o cinema convencional, mas o cartoon, um tipo de animação em movimento que empreende a construção de uma narrativa (tal qual as películas) o que permite importar, minimamente, a metodológica dos estudos históricos sobre filmes na sua análise historiográfica. O cartoon pode ser abordado pela proposta de Marc Ferro, o qual afirma que todo filme pode ser problematizado a partir dos conceitos de visível (aquilo que está na imagem, inclusive os sons e a narrativa) e não visível (dados do contexto de produção, publicidade, etc.), pois sua representação da realidade, o ambiente no qual o cartoon foi produzido são sistemáticos e controlados. O cartoon e seus personagens são a tradução de real para o ficcional, sem ser, contudo, apenas uma criação caricatural da realidade. Outros historiadores articulam essa problematização da animação diretamente, muito em função das primeiras abordagens sobre o cinema. Segundo Napolitano: Mesmo de cunho ficcional, as animações podem ser analisadas sobre o ângulo objetivista e subjetivista. Dentro da perspectiva subjetiva, a estética fala mais alto, pois a produção sente-se a vontade em pedir licença poética, e planar sobre os devaneios possíveis e impossíveis que a obra exige como é retratado pelo trajeto delineado pelo motorista em seu automóvel. “Sendo assim, mais importante do que atestar a veracidade e o fato da produção de filmes e animações, é necessário entender os discursos por trás das adaptações, omissões e falsificações”. Sobre este assunto são esclarecedoras as palavras de Camurça (2011.1 apud NAPOLITANO, 2010.237)

O cartoon é visto pela produção historiográfica como objeto infantilizado, sendo esquecido, marginalizado, chegando a ter seu valor inferiorizado como fonte histórica. A infantilização é resultado de um processo histórico que aconteceu com popularização dos aparelhos televisivos nas casas. Inspirados com o sucesso empresarial de Walt Disney, várias empresá(rio)s ficaram ambicionada(o)s com a proposta de produzir cartoons. Com a mudança dos hábitos, até mesmo a reorganização dos espaços privados, nas casas, o desenho animado tornou-se um produto infantil muito lucrativo para as emissoras, como demonstram as produções dos Estúdios Disney. Gerações sucessivas de crianças tornaram-se espectadoras de animações desde a consolidação da indústria da animação nos anos 1930. Apenas no fim da década de 80, surgiu uma nova categoria de filmes e de curtas de animações, as animações

21 para adultos. As novas gerações dos Estados Unidos, as quais foram educadas assistindo desenhos animados, hoje, são adultos e passaram a produzir animações para diversos públicos. Um exemplo, os Simpsons de Matt Groening, é uma crítica direta ao estilo de vida americano. Assim é valido o pressuposto que o cartoon, fonte vista com desprezo pela academia, está submetido às interferências sociais e ideológicas, evidenciando que da mesma forma que a fonte escrita, na foto e no filme, problematizada de uma perspectiva historiográfica, a animação pode ser transformada em fonte histórica. Portanto, a pesquisa foi estabelecida pensando o cartoon como objeto produtor de representações, tanto no sentido da construção de um outro “malvado” (o nazista), como na autoimagem que o mesmo, “o bem” deveria ter (os americanos). Nas últimas décadas tornouse possível a utilização de novos objetos de pesquisa, entretanto ainda são tímidas as publicações que envolvem o cartoon e os quadrinhos, isso não significa que esse número não tenha crescido com a flexibilização das produções que se utilizam da interdisciplinaridade na análise histórica.

2.3 A ORIGEM DOS CARTOONS A história do cartoon é assolada por um problema de certa forma bastante simples, a qual tem sido repetida por historiadores: qual foi o primeiro cartoon? Esta questão é respondida por um consenso entre os especialistas, dando a Winsor McCay (1869-1934) o título de primeiro criador. Porém, o historiador Roberval Santiago retira do americano este título: Quanto à origem do filme de animação, de fato, há sérias dúvidas quanto ao criador do primeiro cartoon. Muitos especialistas do ramo atribuem o seu aparecimento pelas mãos do cartunista americano Winsor McCay Gertie, 5 relatando a história do Dinossauro Gertie em 1909. Outros assinalam que teria sido o francês Émile Reynaud Courtet, em 1908, no palco do “Théâtre du Gymnase”, em Paris, com o filme Fantasmagorie.(BURITI, 2012 p.80)

A primeira obra de MacCay teria sido Pequeno Nemo(Little Nemo), datada de 1911 (CORREIA, 2011.1, p. 30), uma animação que mescla elementos de filmes “reais”, com animações. Não apenas isto: o próprio Winsor McCay participa, demonstrando como é feito o

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A este no site do IMDB especializado em cinema, este cartoon foi produzido em 1914. Link: www.imdb.com/name/nm05655660/?ref_=fn_al_nm_1 acessado dia 16/11/2013.

22 processo de animação.

Entretanto, uma animação de 1906 foi esquecida, ou passou

despercebida: Fase humorística de Caretas(Humorous Phases Funny Faces ) (Fig.1 e Fig.2), de Stuart Blackton (1875-1941), a primeira produzida nos Estados Unidos, empregando para a animação a técnica stop motion, a qual utilizava de fotografias na sequência do movimento em cada quadro. Quando eram executadas na película “vivificavam” os desenhos. Como suporte, Backton usou o quadro negro e giz. Todavia, segundo Santiago, a origem gráfica dos cartoons se deu com publicações de tirinhas no Jornal New York Times em 1895. Chamado de Comics, desenhado por Richard Outcault (1863-1928), o personagem Yellow Kid fez bastante sucesso em toda a América do Norte, aparecendo vestindo um camisolão amarelo e fazendo piadas sensacionalistas, visto como uma representação da esquerda liberal dos Estados Unidos.

Fig. 1: Fases Humorísticas de Caretas

Fig. 2: Fases Humorísticas de

2.4 O CARTOON E A GRANDE GUERRA. No que se refere ao nosso tema de pesquisa, o primeiro cartoon a representar uma guerra foi O Naufrágio do Lusitânia de 1918 (Sinking of the Lusitania). Como o título aborda, este cartoon foi criado com o intuito de denunciar o ataque sofrido pelo navio de passageiros RMS Lusitânia, em 1915, sendo o evento culminante para a entrada dos Estados Unidos na primeira guerra mundial. Esta animação não está envolvida apenas com o fato histórico, ela representa a consolidação do cartoon como um produto midiático que participa dos debates do mundo histórico. Nos segundos iniciais do curta-metragem, com a legenda típica dos filmes mudos, o próprio McCay denomina-se como o criador do cartoon: “Winsor

23 McCay, inventor de Cartoons Animados, decide fazer um registro histórico do crime que chocou a Humanidade”. (Sinking of the Lustania, 1918)6 A animação demonstra o aperfeiçoamento dos traços em sua composição. O criador utiliza a técnica de vinte e quatro quadros por segundo, o que criava movimentos mais precisos e uma animação não tão bruta quanto as anteriores feitas por ele. Walt Disney(1901-1966) em 1922, três anos depois de ter servido como motorista da Cruz Vermelha na Grande Guerra, e seu irmão Roy Disney(1893-1971), junto com o amigo Ub Iwerks(1927-1971) fundaram o estúdio de animação Laugh-O-Gram no Kansas. Uma das formas estratégicas utilizadas pelos irmãos Disney era aproveitar a familiaridade que o público tinha com o nome de personagens famosos os quais já eram sucessos literários. O pequeno estúdio utilizava o conceito de releitura desde sua primeira obra Chapeuzinho Vermelho 1922, foi uma leitura moderna do clássico Chapeuzinho Vermelho7· Em 1923 o Estúdio Laugh-O-Gram declarou falência, Walt Disney então mudou-se do Kansas para Hollywood, tendo em vista que esta cidade era considerada o polo industrial cinematográfico nos EUA. No mesmo ano, Walt Disney assina com Margert Winkler Prodution, antigo distribuidor do Gato Felix (Felix the Cat.) com o nome de Walt Disney Comic. Em 1926, com a inauguração de um novo Estúdio (Hyperion Studio) em Hyperion Avenida, Walt Disney começou a utilizar o nome Walt Disney Estúdio, porém em boa parte das produções ele assinava como Walt Disney Comic. Apenas em 1930, é que Walt Disney retira Comic, deixando apenas Walt Disney. Também as aventuras de Alice8 da obra literária Alice no País Das Maravilhas (1865), de Charles Lutwidge Dodgson9, seria adaptada por Walt Disney, embora a animação pouco tivesse relação direta com a obra literária, apenas Alice e seu gato Julius. O curta de título Alice’s Littler Parade (1926), foi, curiosamente, o primeiro a representar o tema da guerra em um cartoon da Disney. Este cartoon gira em torno do confronto entre Pete10 e seu exército de

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Winsor McCay, Orinator and inventor of Animated Cartoons, decides to draw a historical record of the crime that shocked Humanity. 7 Chapeuzinho Vermelho é um conto que se acredita ser do século XIV. Teve sua primeira versão impressa por Charles Perrault (1628-1703) com o titulo em francês de Le Petit Chaperon Rouge. Versão feita para a Corte de Luiz XIV, no final do século XVII. 8 Interpretada pela atriz Virginia Davis (1918-2009) está fez o personagem de Alice de1923 a 1925, com problemas de finanças, está foi substituída por Margie Gay (1920-2005) na animação de titulo Alice Loses Out(1925) . 9 Tal escritor utilizava o pseudônimo de Lewis Carroll (1832-1898). 10 Personagem mais antigo de Disney, no Brasil ele é conhecido como Bafo.

24 ratos e seria o primeiro de três cartoons que trabalhariam com a representação da Primeira Guerra Mundial. Em seguida, o estúdio da Universal contrata o estúdio de Disney para fazer Oswald o Coelho Sortudo11, visando à expansão que o cartoon estava tendo naqueles anos. Inspirados pelo personagem de sucesso de Charles Chaplin, a Universal, junto com Disney, tentam criar um personagem nos cartoons tão significativo quanto Chaplin era para o cinema. Este personagem foi produzido pelo estúdio apenas por dois anos, de 1927 e 1928. Ao todo vinte e seis animações foram feitas com este personagem, porém a importância de Oswald vai bem mais além de apenas seu curto período de existência. Disney, aproveitando o mesmo conceito, elaborou o que viria ser seu personagem principal: Mickey Mouse não apenas seria a expressão de uma nova fase nas produções Disney, como também seria a nova estratégia, o símbolo maior dessa empresa de entretenimento, e, conforme foi se transformando em um ícone, a representação do imperialismo dos Estados Unidos. Até hoje é uma das marcas que mais representam este país e sua economia. Em 1929, Disney lança A Batalha no Celeiro (Barnyard Battle), cartoon que tem como personagem principal Mickey e é uma releitura das duas animações mencionada acima que trabalharam com a Grande Guerra (Alice’s Little Parade, Oswald Great Gun). O Protagonista do cartoon se alista em um exército de ratos, para defender sua fazenda de um ataque de Gatos, que está sob o comando de Pete. Este foi o primeiro curta dirigido por Bert Gillett (1891-1971). A empresa estava em crescimento significativo, assim sendo, Walt Disney abriu mão da direção dos curtas, entretanto, algumas piadas ainda foram mantidas. Houve a mudança do enredo, dessa vez, os ratos não seriam mais os inimigos como antes aconteciam com Alice’s Little Parade e com Oswald Great Guns. A cena do alistamento é clássica ela está presente nos três cartoons das três fases iniciais das produções Disney (Fig.3, Fig4 e Fig5).

11 Nome em inglês: Oswal The Lucky Rabbit.

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Fig. 3: Alice’s Little Parade

Fig. 4: Oswald Great Gun

Fig. 5: A Batalha do Celeiro

Em A Batalha do Celeiro algumas cenas foram “complementadas”, por exemplo, a cena do alistamento. Antes de fazer uma discussão sobre essa sequência, é importante ter sensibilidade para este quadro, tendo em vista que os que entram nas barracas de alistamento o fazem de forma desordenada, e, ao saírem, o fazem marchando em ordem, e ordenados. Esta piada é mantida nas três animações consecutivas que lidam com o tema da guerra. No curta A Batalha do Celeiro Disney levou o espectador dentro da barraca de alistamento, onde Mickey passa por uma avaliação para saber se é apto para entrar no exército. Ao final, este é autorizado a participar da guerra. Um fato interessante, que deve ser atentado é que a guerra se passa na fazenda do próprio Disney. A guerra está mais próxima de um conflito de gatos e ratos do que um conflito político das proporções da Grande Guerra.

Fig. 6: Alice’s Little Parade

Fig. 7: Oswald Great Gun

Fig. 8: A Batalha do Celeiro

O inimigo é representado como gatos ferozes que usam capacetes nas cabeças, os quais remetem, de forma rápida, aos usados pelos soldados da Alemanha na primeira guerra, mas esse detalhe para o observador mais desatento passaria despercebido. Da mesma forma dos cartoons anteriores, não se faz nenhuma relação simbólica com os lados políticos em um conflito histórico. Trata-se de um confronto particular, que é destacado no enunciado das animações pelo fato de que gatos e ratos são “inimigos naturais”. Porém, nas produções

26 Disney, os ratos já foram inimigos (lembremos de Pete), de Alice e de Julius (Fig.6), assim como de Oswald (Fig.7). Contudo neste último cartoon, com o estabelecimento do novo personagem Mickey (Fig.8), os ratos passaram de inimigos a mocinhos. Percebe-se assim que o tema do conflito esteve presente nas animações e que as imagens da guerra construídas pelos cartoons aproveitavam-se de princípios de ocorrências reais (hospitais, lados opostos, mutilações, explosões, alistamento, trincheiras, etc.), ainda que controlados, em seu excesso, por meio do humor e do cômico. Por outro lado, o conflito usava de alguns poucos ícones que diferenciavam os personagens entre “bons” e “maus”, tais como o capacete pontiagudo, mas aqueles não caracterizavam nacionalmente ou etnicamente os lados em conflitos, montando-se a partir de antagonismos presentes no senso comum, como o conflito entre gatos e ratos. Na década de 1930, Walt Disney junto a sua equipe padronizaram a estética de suas animações. Para tais parâmetros foi dado o nome de boletim. O site do DisneyShorts12 ao qual esta pesquisa utiliza como arquivo, disponibiliza alguns para o público, os quais estão em formato digital e qualquer pessoa pode ter acesso a estes documentos. Na década de vinte, as produções do Estúdio passavam por experimentações das mais variadas técnicas. Porém apenas no final desta década, até a primeira metade da década de trinta, o Estúdio Disney, buscou construir uma padronização, e, não apenas isso: eles acreditavam que descobriam determinadas técnicas para induzir reações emocionais no espectador. Exemplo, no Boletim nº12, de 9 de março de 1936, de título: Como travar e Manter o Interesse do Espectador da Imagem (How to Catch, Build and Maintain the Interest in the Picture). Segundo informações do site, este tipo de prática foi crucial para composição do primeiro longa-metragem em animação, Branca de Neve e os Sete Anões(1937). Foi com este longa-metragem em animação que estabeleceram uma empresa que destinava seus filmes em longa metragem para o público de todas as idades. A partir do sucesso obtido com essa produção os Estúdios Disney, iriam determinar seus traços e estruturas narrativas e plásticas básicas ainda hoje em uso. A composição destes boletins é atribuída a alguns dos maiores desenhistas dos Estúdios, por exemplo, Les Clark (1907-1979), responsável por títulos como Branca de Neve e os Sete Anões (1937), Dumbo(1941) e Cinderela(1950), autor do boletim Cor e Composição (Color Composition).

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www.disneyshorts.org/index_library.aspx acessado pela última vez em: 07/12/2013.

27 2.5 DISNEY EM DEFESA DA “AMÉRICA13” Por muito tempo Walt Disney sofreu acusações, de vários tipos, de aliado a grupos racistas, de promover o materialismo ateísta, de práticas de culturalismo satanista (este alimentando pelo cartoon do À Deusa da primavera, de 1934) ou de servilismo chauvinista. Com a visita de Walt Disney, em 1935, a Alemanha, que já estava sob o regime de Hitler, este proferiu um discurso homenageando a Walt Disney, o qual cogitou a hipótese de montar uma parceria cinematográfica junto com os estúdios germânicos. Esta visita rendeu-lhe a desconfiança por parte da sociedade americana, alegando que ele seria simpatizante do nazismo. Tal ideia fracassou quando Disney começou a cooperar com o Governo dos Estados Unidos, em 1942, nomeado embaixador com a missão de estabelecer a política da “boa vizinhança” com os países da América Latina. Junto a sua equipe, não poupou forças nem imaginação. Entre acordos os mais obscuros comerciais secretos, em pouco tempo, seu talento, assim como o seus personagens animados, foram postos a serviço do esforço de guerra. (SANTIAGO, 2009, p. 11)

Havia um inimigo a ser combatido e Walt Disney e seus estúdios estavam sendo recrutados. Os produtos animados agora afirmariam a América e os americanos. Disney se tornaria um dos defensores da América. Frequentemente lidamos com a expressão América, quando se refere aos Estados Unidos. Antônio Tota faz uma breve e importante discussão sobre a taxonomia deste país. Segundo ele, este não possui nome específico substantivado. Os Estados Unidos mantendo a ideia de independência dos estados que se uniram em torno de ideais comuns. De forma intrigante ao relacionar-se a outros países da América, especificadamente América Latina, a documentação do Departamento de Estado utiliza a expressão “Outras Américas”(Other Americas). Claro essa perspectiva não inclui o Canadá, por razões culturais óbvias: “Outras América” soa como uma verdade pragmática. Existiria uma América, isto é, os Estados Unidos, país grandioso, com revolução industrial, magnatas, operários, Hollywood, arranha-céus, a modernidade, enfim, e aos “Outras”, sem nada disso. (TOTA, 2000, p. 36)

Os Estados Unidos se apropriaram do termo americano(American), não existe outra palavra em inglês que defina as pessoas nascidas nos Estados Unidos a não ser

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A palavra América é destinada aos Estados Unidos.

28 americanos(Americans). O termo estadunidense é fruto de estudos da literatura marxista, que denunciavam imperialismo capitalista americano, principalmente na década de 60 na América Latina. Acadêmicos, intelectuais e artistas gastam consideráveis argumentos a favor ou contra a americanização, a relação entre a cultura e a dependência econômica são os elementos mais utilizados nestas análises. Figuras tradicionais da literatura brasileira, por exemplo, Monteiro Lobato (1882-1948) ao visitar os Estados Unidos se dizia “estar americanizado” (TOTA, 2009, p. 11). Em oposição, Noel Rosa (1910-1937) compositor, lutava contra a americanização jurando que “as rimas do samba não são I Love you/ Esse negócio de Alô! Alô boy, Alô Jony/ só pode ser conversa de telefone” (TOTA, 2009, p. 11). As criticas já existiam antes no século XIX, quando Eduardo Prado (1860-1901) lança sua crítica à primeira Constituição republicana em 1891, que utilizava como modelo o americano: a carta instituía a República dos Estados Unidos do Brasil. A pesquisa adota o termo “americano”, para expressar as pessoas e os comportamentos da década de 40, tendo em vista que o elemento no qual a pesquisa se assenta está nas representações que os Estados Unidos fazem utilizando o cinema como mídia propagandística. Em 1941, o presidente Roosevelt por meio de um decreto criou o Comitê de Atividades de Guerra – Indústria de Cinema (War Activities Committee – Motion Picture Industry). Este Comitê tinha como finalidade estabelecer relações políticas com o Governo dos EUA e as produtoras cinematográficas (Hollywood). Nomeando Lowell Mellett (18861960) para servir como coordenador de filmes do governo, produções necessárias para a causa de guerra. Tal comitê era composto por vários grupos, todos eles com o intuito de produzirem filmes para as tropas e para a sociedade, de cunho pedagógico e de entretenimento. Com a criação, em 1942, do Escritório de Informação de Guerra (Office of War Information), responsável pela imagem pública do Governo em “casa” e fora dela, junto com o OCIAA (Office of the Coordinator of Inter-American Affairs). Vários órgãos paralelos, como o Escritório de Serviços Estratégicos (Office of Strategic Service) complementavam o comitê. Porém foi com o OCIAA, com sua Divisão de Cinema (Motion Pictures Division) que instituiu a imagem americana para as “outras” Américas. Jamais antes foram criadas tantas Divisões para gestão de políticas diplomáticopublicitárias, uma das marcas do Governo de Roosevelt. Muitas delas possuíam missões específicas a serem cumpridas para com as políticas de Governo. Tota explicita a missão que o OCIAA deveria cumprir: O OCIAA tinha dois objetivos: a) difundir informações positivas sobre os Estados Unidos, por intermédio de uma rede de comunicações mantida por

29 ela, em estreita colaboração com os países do continente; b) Contra-atacar a propaganda do Eixo. Havia também a preocupação em difundir nos Estados Unidos uma imagem favorável das “Outras Repúblicas”. (TOTA, 2000 p.55)

Com “embargos” não oficializados os Estados Unidos inundaram os países da América Latina com produtos do American Way Of Life14. Em 1942, ano em que o Brasil declarou guerra ao Eixo, uma série de produtos que chegavam ao Brasil se tornariam marcas conhecidas (ainda hoje) como a Kibon e a Coca Cola. Como Tota afirma: “Os Estados Unidos tinha como Objetivo: a difusão da mensagem, que o país era uma fortaleza da liberdade e da democracia a terra do liberalismo” (TOTA, 2000, p. 56). O OCIAA era composto por várias divisões, entre elas a Divisão de Imprensa e Publicações que junto com as Divisões de Rádio, Cinema e de Informação. A Divisão (ou Departamento) de Comunicações era o principal órgão do OCIAA. Estas repartições do Governo possuíam o papel de lapidagem da imagem da América para as “Outras Américas” (TOTA, 2000 p.55) e estabelecer bloqueios comerciais para os produtos vindos do Eixo. Com a eclosão da segunda guerra mundial a indústria cinematográfica (como todas as indústrias americanas) foi incluída no esforço militar e qualquer reação que fosse contrária a isso seria visto como um ato antipatriótico. Tal atitude poderia determinar a sobrevivência na prosperidade e no patriotismo, ou a falência e a pobreza, sujeitas ainda ao perigo de sofrer retaliações por parte do governo e da população em geral, proveniente de uma escolha antipatriótica. Com as produções dos estúdios da Disney não foi diferente. Os cartoons produzidos por Disney traziam em seu discurso elementos políticos determinados pelo Governo. Este, por meio do Departamento de Defesa (Department Of Defense), determinava quais os paradigmas a serem seguidos, o que deveria ser exposto como imagem midiática e o que não deveria. Como dito, todas as empresas que colaboraram com as determinações feitas pelo Governo receberam investimento direto. Suas produções estavam divididas em duas classificações: os filmes, a maioria curtas, destinados às salas de cinema, que seriam transmitidos geralmente entre uma sessão e outra; filmes caracterizados pela comédia, mas que mantinham força publicitária. E os filmes destinados a serem exibidos nas escolas, associações, bases militares e etc., geralmente

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Estilo de Vida Americano. Este termo será utilizado na pesquisa em seu formato traduzido para o Brasil. Este país esteve integrado na política de aproximação diplomática, industrial e bélica americana nos anos 1940, uma vez que interessava não apenas pelo contingente necessário para o front, mas também pela capacidade agrícola e industrial que o Brasil possuía. Na década de 30 até a 40, o Brasil passou por um processo de industrialização muito significativo nas políticas da Era Vargas (1930-1945).

30 educativos e que possuíam poucos elementos cômicos. Nestes as piadas eram elaboradas de maneira a não retirar a atenção que o público deveria ter, para que a informação que o cartoon estivesse fornecendo não fosse prejudicada. Foi comum algumas das obras que tematizavam a segunda guerra receberem premiações e quando isto não ocorria, elas estavam entre as preferidas. Como exemplo esta a animação A Face do Fuehrer, vencedor do Oscar de melhor curta de animação em 1943. Outros cartoons que tinham caráter unicamente informativo, por exemplo, Pare o Tanque!( Stop That Tank! de 1942), que ensina de forma metodológica como operar um fuzil antitanque, a ser utilizado nas bases militares do Canadá, e feito sob encomenda do Governo canadense, não recebiam tanta atenção, mas eram um produto típico da época. A maioria das animações que exaltavam a imagem patriótica americana foram produzidas em 1942 com consolidação de novos Órgãos no Comitê. Nos próximos capítulos, para compreender a forma como os filmes elaboraram não apenas a imagem do outro, mas também a do americano, selecionamos alguns cartoons com base em seu enredo, tendo em vista, a importância que estes atribuíram ao patriotismo americano, afinal o nazista surge na animação como antítese do “bom patriota”. As campanhas destinadas ao Canadá traziam em seu enredo a promoção dos “Certificados de Guerrra”(War Savings). São usadas constantemente várias expressões (títulos, certificados, poupança) para este tipo de produto financeiro. De certa forma, é comumente chamado de “poupança” nos curtas, dando aos espectadores a sensação de serem investidores, e que este investimento teria retorno, o que não deixou de ser verdade. Utilizados pela primeira vez na primeira guerra, com o nome de bonds, são títulos emitidos pelo governo com o intuito de financiar as despesas da guerra, servem também para retirar as cédulas de dinheiro de circulação para controlar a inflação. Quase todos os países envolvidos com a primeira guerra usaram desta medida econômica: Alemanha, Áustria, Hungria, Estados Unidos e Reino Unido. Na segunda guerra mundial, Canadá, Reino Unido e Estados Unidos adotaram essa medida econômica. Serviam como uma poupança: depois de sete anos, cada quatro dólares investidos rendiam cinco dólares. Contudo o governo tentava controlar limitando o máximo de seiscentos dólares para cada individuo. O governo da Alemanha não utilizou este tipo de medida, pois o governo conseguia empréstimos diretamente dos bancos alemães, com a promessa de sanar a dívida quando terminasse o conflito. Assim os Estúdios Disney forma requisitados em 1941 para fazer um vídeo promocional para a venda destes produtos.

31 O Governo dos Estados Unidos protagonizou o que pode ser visto como uma das políticas mais questionáveis a respeito do uso dos meios de comunicação de massa, junto com o magnata Walt Disney. Eles não apenas construíram a imagem com a qual as Américas olhariam para a Alemanha nazista. O acordo estabelecido entre Governo e Estúdios Disney foi tão incisivo com a construção das imagens instituída pelas animações gerou a identidade de vários povos das outras Américas, as quais, a partir daí, seriam cada vez mais chamadas de pela expressão “América Latina”. Personalidades como Carmem Miranda (1909-1955) e Zé Carioca15 são exemplos máximos da elaboração dessas políticas representacionais: enquanto produtos de filmes, estas imagens tornaram-se ícones que mostravam como a América olhava o Brasil e eram sintomas de como as “outras Américas” deviam olhar para a “América” e como elas devem olhar entre si

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Conhecido nos Estados Unidos como Joe Carioca.

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3. A REPRESENTAÇÃO INSTITUCIONALIZADA DO CARTOON E OS ESTERIÓTIPOS NAZISTAS NOS EUA. Durante a segunda guerra mundial um dos elementos mais bem trabalhados pela filmografia dos Estados Unidos foi à imagem do povo alemão. Ainda hoje é comum, quando nos deparamos com filmes produzidos por Hollywood, encontrarmos os soldados alemães, loiros, altos, fortes, com olhos azuis e um comportamento que demonstra brutalidade em diversos enredos, principalmente nos filmes históricos. Tal tradição cinematográfica compôs um conjunto de representações nas mídias contemporâneas, sendo um dos principais participantes desta modelagem o sistema industrial de Hollywood. No período da segunda guerra, muitos governos buscaram no cinema um meio de construir uma atmosfera ideológica de apoio contra o inimigo e instituir uma imagem “concreta” do “outro” que pudesse atuar nas relações sociais e consequentemente comportamentais. Filmes de variados gêneros passaram a construir marcadores visuais da identidade pela qual a Alemanha deveria ser representada para o público norte-americano, construindo aquela identidade nacional sob um regime totalitarista. Os estúdios de Walt Disney não foram os únicos, nem os Estados Unidos a única nação, a investirem neste tipo de propaganda, como demonstram produções audiovisuais na Alemanha, na União Soviética ou no Império Japonês. Todos os lados em conflito assumiram e reconheciam o poder do cinema para com a propagação de políticas ideológicas. Assim, os Estados Unidos, em especial a respeito da Alemanha, montaram um complexo de imagens com a qual construíram estereótipos do seu inimigo. A iniciativa almejava que o público nativo rejeitasse os estrangeiros alemães, caracterizados como pessoas truculentas e desumanas. Tais campanhas incentivavam a aversão da sociedade americana para com os alemães do período. Nas produções cinematográficas da sociedade americana a figura do nazista era representada por elementos cômicos ou mesmo caricaturais nas produções dos estúdios da Disney. Contudo não devemos esquecer que este tipo de imagens estava balizada pela The National Film Board of Canada16, e depois, pela Divisão de Cinema, ligada ao Comitê. Na verdade, o Canadá foi a primeira nação a procurar os estúdios Disney para produção de filmes antinazistas, ainda no início da década de 1940. Deve ser destacado que o Canadá entrou na

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Órgão público com finalidade de produzir e distribuir filmes e outras obras de audiovisuais. Reflete o Canadá para os canadenses e para o resto do mundo.

33 Guerra imediatamente após a Inglaterra declarar guerra à Alemanha, em 1939, quando Berlim invadiu a Polônia. A sociedade americana, principal representante da linha capitalista liberal era marcada pela difusão dos meios de comunicação de massa, os quais visibilizavam o estilo de vida dos americanos. A década de 1930 e de 1940 foram o período dos Gadgets, dos eletrodomésticos que mostravam as facilidades de vida que se poderia ter e o automóvel e outros signos tecnológicos eram símbolos da “liberdade” do American way fo life. A celebração a vida ocorria tanto na promoção desta modernização cotidiana, mas também na sua sátira. Num curta intitulado, Invenções modernas(Modern Inventions) de 1937, de 1937, o primeiro cartoon animado com o Pato Donald como protagonista, realizava-se, por exemplo, uma crítica bem humorada das facilidades que a vida moderna oferecia. As investidas de Disney só foram norteadas pela Divisão de Cinema dos Estados Unidos a partir de 1942, quando o cinema fora acionado como máquina de combate oficialmente. Os estúdios da Disney já haviam se estabelecido como uma das principais marcas e símbolos das produções cinematográficas dos Estados Unidos da América. Com Branca de Neve e os Sete Anões, de 1939, obra que lhe deu fama, prestígio e muito lucro, definiu-se os traços estético-icônicos das produções Disney: as figuras, os personagens, todos os traços técnicos do desenho em si. No começo dos anos 1940 os curtas-metragens com Pato Donald, Mickey, Pateta, Pluto já eram famosos e o longa-metragem Fantasia (1941) consagrou Mickey como um dos maiores ícones do cinema americano. Esta última fita, em especial, rendeu sucesso de crítica aos estúdios. Por sua vez, com a guerra na Europa, os filmes produzidos no “Velho Mundo” não conseguiam chegar aos EUA, diminuindo a concorrência e beneficiando a indústria cinematográfica dos Estados Unidos como um todo. Como afirma Tota: Comparada à produção alemã, mesmo levando em conta a tradição do cinema do tempo da República de Weimar, a cinematografia americana estava em situação privilegiada. Com a guerra, os filmes já não alcançavam, depois do bloqueio britânico, nosso continente. O cinema americano ficou livre da concorrência e com isso se impôs absoluto. (TOTA, 2000, p. 62)

Muitos estúdios como a RKO e a Disney participaram do investimento no cinema como arma ideológica para aproximar nações aliadas e afastar nações inimigas. A produção de filmes como It’s All True (1942), de Orson Welles, da RKO, ou Aquarela do Brasil (1943) ou Você já foi a Bahia? (1944), da Disney, demonstra que o movimento de criação da Alemanha como inimiga e do Brasil como aliado, por exemplo, foi um investimento

34 multilateral nos filmes como intervenção do debate público engajado na guerra. Como Tota destaca: “O OCIAA tratou de consolidar o papel do cinema enquanto veiculo propagandístico da ‘causa’ aliados” (TOTA, 2000, p. 62). Ou seja, mais do que animações, tratava-se de produção de filmes em larga escala. Isso fica particularmente evidente na representação a respeito dos inimigos dos “Aliados” na qual o esmero técnico, a coerência dos enredos dos filmes com a imagem a ser representante em suas obras, os traços, os elementos gráficos, o comportamento, todos funcionavam para uma lógica depreciativa do vilão-inimigo. As obras analisadas neste capítulo permitem discutir a representação produzida pelos estúdios Disney na produção de um inimigo “natural”. A imagem que representou os nazistas nas produções diferia muito com o que ocorria na realidade na Alemanha da época. Os cartoons estavam destinados a uma produção industrial de estereótipos, os quais alimentavam a imagem, nos EUA, de uma sociedade alemã vinculada com a “maldade”, fazendo generalizações a cerca do comportamento individual dos alemães. Contudo, tais representações podem ser analisadas como uma recusa destes mesmos comportamentos presentes na sociedade americana. As referências utilizadas para as produções partiam de um único ponto de vista, um posicionamento ideal que corroborava com os discursos pretendidos pelo governo americano. Destaque-se que estes filmes foram exibidos em outros países também. Quando nos referimos à sociedade dos Estados Unidos da década de 40, estamos falando de uma sociedade cristã em sua maioria, com forte influência do puritanismo. A ideologia do Destino Manifesto, segundo a qual a América era uma terra de oportunidades a partir do trabalho necessário, cuja recompensa estava em seu maior “símbolo”, o dólar, fez-se presente após a recuperação da Grande Depressão econômica do final dos anos 1920. Estes valores estavam na base da autoimagem que a cultura americana produzia de si própria, inclusive, daquela construída pela indústria cultural. Boa parte dos valores juntou-se a um princípio de patriotismo, o qual, claro, já existia antes da popularidade do cinema. Porém este conseguiu construir a imagem da “democracia liberal”, não só para a população dos Estados Unidos, mas também, o cinema elaborou a concepção de “terra dos sonhos17” ao compor imagens do sucesso por meio do capital para as “Outras Américas”. A seguir vamos analisar alguns cartoons nos quais ficará evidente como a identidade alemã foi representada nos

17

Land of Dreans

desenhos

animados americanos,

como

ocorreu um

35 reaproveitamento inicial das produções animadas já realizadas e que não tematizavam diretamente temas bélicos, as quais, contudo, foram resignificadas agora no clima do conflito de 1939. Observaremos, logo após esta primeira etapa, a partir de que momento os estúdios Disney começaram a produzir novas e originais imagens antinazistas. Contudo, o leitor deve observar que, em 1941, as produções feitas pelos Estúdios da Disney foram encomendadas pelo Governo Canadense, algumas semanas depois dos ataques a Pearl Harbor.

3.1 PORCO ECONÔMICO (O THE THRIFTY PIG) DE 1941 O Porco Econômico foi uma remake de um cartoon original de 1933, Os Três Porquinhos (Three Little Pigs), o qual, por sua vez, foi uma versão da história que tinha como título original Os dois porcos, um conto popular. O diretor Burt Gillet (1891-1971) convenceu Disney a acrescentar mais um porco. Em 1933, os Estados Unidos estava se recuperando da Depressão que assolou as economias do mundo todo e que abalara a autoconfiança e o sentimento de superioridade dos americanos. Efetivamente este problema culminou no crescimento de simpatizantes ao socialismo, inspirados pela Revolução Russa de 1917. Esta é a moral do discurso dos Três porquinhos. Os três porquinhos tiveram muita importância. Em seu discurso havia os mesmos ideais sobre os quais foram defendidos pelo presidente Roosevelt, o qual pregava que a crise seria vencida, representados no filme pelo porquinho que construiu a casa de tijolos. Mesmo tendo muito trabalho, e exigindo mais esforço da sua parte, o porquinho prático não desistiu em fazer no presente o que seria melhor no futuro. A canção Quem tem medo do lobo mal foi considerada o hino informal do New Deal18 e o lobo encarnou a própria Depressão:

A mensagem do porquinho Prático a seus irmãos indolentes era clara: ‘aprenda a lição’, ‘faça o melhor que você puder’, ‘faça a coisa certa’. A casa de tijolos do Prático aguentou firme a tormenta do Lobo Mau/Depressão e ainda deu abrigo aos seus irmãos (TOTA, 2009, p. 157).

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“Novo acordo” nome dado a uma serie de programas econômicos implementados pelos Estados Unidos nos anos que vão de 1933 à 1937, seria uma forma de recuperar das marcas deixada pela Depressão econômica de que teve seu auge em 1929, com a quebra das bolsas de Wall Street em New York, levando esta a economia mundial junto. No novo plano de governo, o otimismo tinha papel fundamental para o crescimento econômico, pois elas teriam de acreditar nas promessas otimistas de Roosevelt, para que só assim, o país conseguisse vencer a crise. Tota descreve que o presidente era apresentado como um grande pai da família americana.

36 Este era o espírito do New Deal. As críticas sobre “Os Três Porquinhos” foram boas, tanto do público, quanto dos intelectuais da época. “Este tipo de entretenimento de massa apoiado pelos intelectuais aproximava o sentimento de esperança que o New Deal Pregava” (TOTA, 2009, p. 158). A ideia era construir o sentimento de confiança na sociedade, e, por tabela, na economia. Quando Disney foi procurado pelo governo canadense para realizar filmes pró-Canadá a serem exibidos nas salas de cinema daquele país, incentivado no prestígio adquirido na década de 30, cria sua primeira obra pró-guerra, sendo esta a primeira vez que o símbolo do nazismo (a suástica) entraria em uma produção. Os três porquinhos foi o cartoon escolhido para ser refeito, nas figuras abaixo (Figs.9 e 10) seguem comparativamente quadros dos dois filmes, Os Três Porquinhos, de 1933, O Porco Econômico, de 1941:

Fig. 9: Os Três Porquinhos

Fig. 10: O Porco Econômico

O Canadá foi o primeiro país a utilizar das animações de Disney como meio de propaganda no combate ao nazismo. Estamos falando de uma propaganda de um produto (certificados de guerra) e da lógica publicitária, utilizada para criar afecções de aceitação do público, principalmente no norte do continente americano, os gadgets buscavam demonstrar para as sociedades das Américas o quanto a vida e seus afazeres podiam ser rápidos e práticos. A publicidade e a propaganda vendiam o produto e as “facilidades”. Uma das características desta lógica é ser sintética, com uma encenação que permita associações rápidas e práticas. Dessa forma, é compreensivo que o Estúdio Disney, ao pensar em fazer uma campanha publicitária para a compra de Títulos de Guerra do governo canadense, o fizesse com sua obra Os três porquinhos como propaganda, com o titulo modificado para O Porco Econômico. O filme funcionou como uma jogada publicitária, um estímulo simbólico, pois o cartoon demonstrava que mesmo quando uma crise se aproximava quem precisaria ter medo?

37 O espectador que estava nas salas de cinema do Canadá, já conhecia as proporções que a Guerra havia tomado. A França havia se rendido em 1940, e, como consequência disso, foi dividida em duas, uma parte ocupada pelos alemães a outra transformada em um governo satélite francês. Dessa forma, um dos países responsáveis pela colonização canadense permitiu a transformação no enredo de um cartoon, de um Lobo Mau/ Depressão em um Lobo Mau Nazista, como veremos a seguir. A arte deste curta é muito simples e mantém os traços do primeiro filme de 1933 que utiliza a mesma organização de cena. Essa prática foi adotada por Disney para muitos outros filmes depois deste, principalmente antes do contrato com o Governo americano. Apenas depois de assinar o contrato com a Divisão os Estúdios Disney realizariam produções inéditas, com os financiamentos de produção desse órgão governamental. A figura do Lobo Mau foi mantida, mas o contexto era outro, como foi dito antes. Modificaram-se alguns elementos para sua contextualização com a Guerra e fazer dos Três porquinhos, de 1933, uma peça publicitária de um momento bélico. Aparentemente o Lobo mantêm os mesmo traços, mas lhe acrescentaram um chapéu com uma suástica, mantendo a mala que está em sua mão, adicionando a esta, também, uma suástica. O Lobo também apresenta sotaque alemão; o fundo dos cenários também sofreu alterações, porém não houve modificação do enredo, como se pode ver pelas figuras abaixo, as quais apresentam o Lobo Mau de 1933 e o de 1941 (Figs.11 e 12).

Fig. 11: Os Três Porquinhos

Fig. 12: O Porco econômico

O cartoon de 1941 é mais curto do que o original, foi feito com alguns cortes, porém novas cenas foram adicionadas. O recurso de aproximação (zoom), ausente no filme de 1933, foi usado em dois momentos importantes: quando o Terceiro Porco está em cima de sua casa e ao seu lado direito aparece uma bandeira inglesa tremulando. No seu lado esquerdo estão os tijolos, com os quais ele constrói sua casa. O primeiro zoom é dado para demonstrar ao espectador que esta casa é feita com os “Certificados de Guerra”.

38 O lobo não conseguiu vencer a casa, o único dano causado por ele é pequeno, ao expor os tijolos da casa (Fig.13). O porco, econômico, abre a porta e atira tijolos feitos de Títulos de Guerra. Esta cena foi acrescentada na fita de 1941, e a mensagem desta cena afirma que “os Títulos são armas”, com as quais o Lobo Mau/ Nazista é afugentado (Figs.14 e 15). A moralidade e o discurso patriótico são elementos concretos no curta. O diretor Ford Beebe (1888-1978) mostrou-se prestativo para com a primeira produção de caráter militarista das produções do Estúdio, sua presteza rendeu outras produções com roteiros de propaganda da segunda guerra para Walt Disney.

Fig. 13: O Porco Econômico

Fig. 14: O PorcoEconômico

Fig. 15: O Porco Econômico

3.2 A DECISÃO DE DONALD ( DONALD’S DECISION) DE 1942 Outro curta propagandístico para o governo canadense, A Decisão de Donald foi criada a partir de elementos de dois outros curtas anteriores, Autocontrole (Self Control) e Donald O Melhor Dele Mesmo (Donald’s Better Self), ambos de 1938. Este cartoon, de 1942, também foi produzido para a campanha de venda de títulos no Canadá. Compreende-se que até o momento, os estúdios Disney, oficialmente, ainda não haviam entrado na guerra. Estas produções foram estabelecidas como contrato entre os estúdios e o governo do Canadá, o que implica considerar a empresa como uma investidora, entretanto, boa parte de sua renda, até mesmo de seu reconhecimento, era feito principalmente por publicidades. Ambos os curtas de 1938 estiveram sobre a direção de Jack King. É possível ver que estes filmes seguiam os parâmetros designados nos parâmetros estabelecidos para as produções Disney19. Nas páginas dois e três de um boletim de 1936 lê-se: “As proporções devem ser mantidas, e o personagem deve se destacar do ambiente”, mais especificamente, tais medidas giram em torno da atenção do espectador.

19

Boletim n. 12, de 15 de julho de 1936.

39 Em Auto Controle, as cores são mais destacadas, o ambiente é mais evidenciado, a natureza é mais vívida, a presença de plantas e árvores traz para o espectador a mesma sensação de relaxamento na qual Donald está tendo (Fig.16). Para enfatizar a informação que será transmitida em A Decisão de Donald o diretor Ford Bebee (1888-1978) buscou simplificar a paisagem de fundo, para evitar que tome a atenção do discurso que está por vir. No fundo da imagem, na margem direita, aparece uma cerca de madeira e uma estrada ao fundo com algumas poucas árvores em tom verde claro. Ainda se mantém a estruturação recomendada pelos boletins, as quais configuram as tonalidades, a noção de profundidade e perspectiva que centralizam a personagem. Alguns elementos do curta anterior desapareceram da cena, como o livro que estava no colo de Donald em suas mãos, sendo mantido apenas o copo com sua bebida(Fig.17).

Fig. 16: Donald o Melhor Dele Mesmo

Fig. 17: A Decisão de Donald

A Decisão de Donald firma os Estúdios Disney e a indústria cinematográfica como entidade produtora de filmes engajados nas temáticas militares, embora devamos destacar que se tratasse de uma produção para o governo canadense. O enredo do filme trabalha com a notícia que Donald ouve no rádio sobre a compra de certificados para que o Governo possa investir em armamentos. Este comportamento patriótico e nobre de apoio ao governo na guerra, bem como a vitória do Canadá seria alcançada se todos fizessem sua parte, pois a nação precisa da determinação de cada um para que o inimigo não causasse mal algum. Por isso o Donald Anjo surge para estimular o personagem na compra de títulos. Há alguma sutileza nestas representações simbólicas, ou mesmo enigmáticas, para o observador desatento, não sendo direta a relação entre a figura do

40 Donald Diabo20 com o “sentimento” representado do nazista. Descrevo dessa forma, pois, a representação feita neste curta, a respeito do nazismo e do nazista é um apanhado maniqueísta da moralidade cristã, sendo o Diabo, ou o que se compreende por mal, atribuído ao símbolo nazista. Em Donald O Melhor dele Mesmo o sinalizador da caixa de corrios chama sua atenção de mechendo-se para frente e para trás (Fig.18)

Fig. 18: Donald O Melhor Dele Mesmo

Já em A Decisão de Donald, o sinalizador da caixa de correios encontra-se em movimento circular e tal movimento, para o observador mais atento, forma a suástica nazista (Figs.19,20 e 30) (convido ao leitor observar esta animação21, principalmente em 1minuto e 6 segundos). Porém não foi possível captar uma imagem precisa da cena.

Fig. 19: A Decisão de Donald

Fig. 20: A Decisão de Donald

Fig. 21: A Decisão de Donald

A suástica, ao surgir, faz prenúncio para o Donald Diabo ou a “Maldade”, entrar em cena (Fig.22).

20

No storyboard oficial, este é chamado de Donald Devil, que traduzido, Donald Diabo. Primei por esta definição, pois creio que, dessa forma a familiaridade com o nome é mais natural. Tendo em vista que, o termo em inglês tem este significado em português. 21 (Filmister, 2013) link: http://www.youtube.com/watch?v=co0dwjhgG1o acessado: 05 de Dezembro de 2013.

41

Fig. 22: A Decisão de Donald

A dublagem do Anjo é de uma voz jovem, clara e confortante, mas para o Diabo, a voz é mais grave, transparecendo ser de um homem mais maduro e cheio de malícias. Depois do protesto de Donald Anjo, por perceber que Donald está se deixando seduzir pelos argumentos do Donald Diabo, este faz um discurso moralista e patriótico, sobre o que é “certo” a ser feito. Como reação, a figura má olha diretamente na “tela” e comunica-se com o espectador – a interpretação sugere que este se comunica com Donald. Contudo, o Diabo olha fixamente para o espectador, que sai da posição de observador da cena para a de participante, técnica conhecida como primeira pessoa. Tal instante é muito rápido, mas sua eficácia é muito significativa. O enredo de Donald Autocontrole (1938) era simples: quando o alarme do relógio desperta, o Donald Anjo, ou a “Boa consciência”, levanta disposto para mais um dia de escola, tendo que acordar o próprio protagonista, que será tentado pelo Donald Diabo, ou a “Preguiça”. Neste curta não há paralelo entre o Donald Diabo e o nazismo. Contudo, no cartoon de 1942, se atrelarmos ao contexto da época, percebemos que sinais simples remetem ao fato de que o Donald Diabo é uma representação do Donald Nazista, ou melhor, este é uma figura nazista, pois apresenta um comportamento que se não é uma atitude

“nazi”22,

compactua com o nazismo. Ao analisarmos de forma mais atenta, A Decisão de Donald estimula um pensamento ambíguo. O primeiro é que o Donald Diabo é a consciência malvada de Donald e sugere a este para que ele gaste seu dinheiro de forma irresponsável. Com isso, deixa claro que se não há força de vontade da parte do espectador, ele está dando ouvidos ao seu lado mal, o qual flerta com o lado nazista, pois o discurso relaciona o comportamento reprovável com o nazismo, os quais são postos nos mesmos parâmetros. Os EUA, de forma indireta, já prestava 22

Abreviação de Nazit ou Nazism. Era usado frequentemente pelos americanos. Em muitos contextos como forma depreciativa.

42 serviços às forças inglesas antes mesmo de entrar na guerra, com ajuda no fornecimento de suprimentos e armamentos e o filme em questão foi realizado na mesma época dos primeiros investimentos do governo americano numa ideologia anti-nazista. A Decisão de Donald lida com a moralidade e alteridade, a participação individual, a contribuição de cada um, em defesa da liberdade, será o elemento determinante, atribuído à sociedade. É interessante destacar as proporções das “consciências”, pois no curta analisado, estas são figuradas nos seres “imaginários”, os quais existem na mente de Donald. O cartoon envolve um elemento psicológico, uma vez que, os outros dois personagens Donald Diabo e o Donald Anjo são fruto da mente dele, que foi estimulada pela propaganda ouvida no rádio. Na maioria das representações iconográficas das animações dos estúdios Disney, o bem e o mal eram apresentadas sem objetivos políticos. Em Lend a Paw, de 1941, por exemplo, que tem Mickey e Pluto como protagonistas, aparecem a boa (Pluto Anjo) e a má (Pluto Diabo) consciências do famoso cachorro. Estes, porém, não têm conotações políticas. Lend a Paw inclusive primou pela desproporção equivalente ao protagonista: o Pluto Anjo e o Pluto Diabo são versões em miniatura de Pluto e aparecem ao redor de sua cabeça. Dessa forma, é possível relacionar o discurso de autocontrole ao personagem. Em A Decisão de Donald, por sua vez, as proporções não só mudam de conotação, como causam a separação de dois personagens (Donald, Donald Diabo), uma vez que no início do curta, o Anjo levanta-se da rede desencarnando do pato, já o Diabo surge da caixa de correios antes citada. Os três personagens possuem proporções iguais, diferindo da usual proporção utilizada pelos desenhistas da Disney, como no exemplo de Lend a Paw, em que o detentor dessa personalidade ( Pluto ) é bem maior que as “consciências”. Percebemos que o lado mal, ou o Donald Diabo é a representação moral do pensamento antipatriótico. Assim todos os que agissem de forma omissa também estaria dando ouvidos ao seu Diabo/Nazista. Essa representação não foi relacionada a nenhum conceito específico de caracterização do discurso nazista, por exemplo, a superioridade racial. Apenas a consciência má pode ser compreendida como a representação subentendida de um nazista. Se por um lado um espectador infantil não perceberia diretamente a associação, um adulto da época não teria a mesma dificuldade, pois a propagação das notícias a respeito da guerra “bombardeavam” os meios de comunicação e a suástica era um símbolo muito presente. A representação nazista é o lado negativo da visão moralista cristã.

43 3.3 O NOVO ESPIRÍTO ( THE NEW SPIRIT )DE 1942) A Divisão de Cinema do governo americano começa a requisitar a produção de obras midiáticas. No cartoon institucional The New Spirit, de 23 de janeiro 1942, realizado para o Tesouro Nacional dos Estados Unidos e distribuído pela Divisão de Cinema, houve resistência quanto à utilização de Donald neste curta, pelo próprio Secretário do Tesouro23 Henry Morgenthau Jr. (1891-1967). Este não ficou satisfeito com a utilização de Donald para esta animação, contudo, Walt Disney garantiu que a utilização de Donald era equivalente ao uso que os estúdios da MGM ofereceriam da imagem de Clark Gable (1901-1960)24. Este cartoon gira em torno do diálogo do rádio com Donald, quando o rádio chama a atenção deste personagem para o preenchimento da ficha que serve para declarar o imposto de renda. O Rádio fala para Donald que é importante pagar o imposto, que serviria para a compra de armamentos, pois o país estava em guerra e ele era um patriota, assim deveria fazer a sua parte. O curta tinha intenções moralistas e patrióticas, pois mencionava às pessoas a importância de declarar o imposto de renda e pagar seus impostos. Neste curta, os objetos e estruturas são animados com acréscimos de símbolos patrióticos: a chaminé de uma fábrica está vestida de Tio Sam (Fig.23), a indústria está envolvida, ela está comprometida dia e noite fabricando para armar. Desse modo quem paga o imposto de renda (Figs.24 e.25) contribui com a vitória. Este não é apenas um pedido, é um dever.

Fig. 23: O Novo Espírito

Fig. 24: O Novo Espírito

Fig. 25: O Novo Espírito

A imagem do nazismo e dos nazistas surge apenas nos segundos finais do filme, com a personificação da logística nazista destacada com caracterizações gráficas animais, sempre 23 24

The Department of The Treasury nome oficial. Protagonista da aclamado filme E o Vento Levou (Gone With the Wind, 1939)..

44 expondo seus dentes, como num ato de intimidação, animalizando objetos da cultura material, tais como submarinos que mais parecem tubarões, com fisionomias carregadas de ira e raiva (Figs.26 e 27), ligando o discurso de combate contra o mal, em defensa da democracia, por meio da figura violenta dos nazistas: caracteres animalescos, representando-os como sendo seres irracionais com num misto de maniqueísmo e chauvinismo. A ideia principal era a contribuição por meio da declaração do imposto de renda, e, na lógica publicitária mercadológica, isso foi atrelada ao maniqueísmo cristão.

Fig. 26: O Novo Espírito

Fig. 27: O Novo Espírito

Quando os veículos e armas das forças armadas dos Estados Unidos são representados, o uso do realismo naturalista os aproximava do que seria concebido como máquinas reais: embora “cartunizados” suas imagens mantém suas características visuais, as cores são mais sólidas, sempre havendo a preocupação com a organização da cena. Quando os aviões estão parados num campo de pouso são mostrados aos milhares a perder de vista, estendendo-se do primeiro plano até um fundo do quadro, em formação pronta para o combate (Fig. 28).

Fig. 28: O Novo Espírito

Porém, quando as formas armadas nazistas aparecem em cena, elas são depreciadas, com contornos mais agressivos, principalmente em relação aos objetos americanos. A

45 suástica, quando aparece, está sempre em chamas, ou descendo pelo esgoto; surge representada, por exemplo, num cemitérios de aviões em chamas (Fig. 31). Da mesma forma, as forças do Império Japonês, a imagem de um avião da Luftwaffe aparecem em situações de incêndio, ou catástrofes nesta fita, e muitas imagens são repetidas em outros vídeos propagandísticos. É muito comum uma matriz animada ser repetida indefinidamente em várias animações de um mesmo estúdio: cenas, planos de fundo, movimentos de personagens são utilizados como matriz pelas quais novas animações são criadas. Desta maneira, cenas de destruição da suástica, por exemplo, serão recortadas e compiladas em vários outros curtas (Figs.29, 30 e 31).

Fig. 29: O Novo Espírito

Fig. 30: O Novo Espírito

Fig. 31: O Novo Espírito

Nos momentos finais do curta surge uma criatura gigantesca, um ser que junta em um só monstro as armas do nazismo e que cospe fogo por sua boca e nariz com seus braços os quais remetem a asas abertas e um capacete militar com um símbolo da suástica ao centro, no meio de dois chifres pontudos. Ele está atacando uma cidade coberta pela fumaça que é proveniente de sua destruição (Figs.32 e 33), porém o bombardeiro dos Estados Unidos tira este monstro de ação (Fig.34). As cores que compõem estes quadros definem claramente a diferença entre “bem” e “mal”. Se o bombardeiro do “bem” tem as cores mais claras, atentemos para as cores de fundo, pois quando o “monstro maquinário” está em pé, a cor ao fundo é o preto, e seu contorno é destacado com vermelho. Porém quando este é bombardeado, sua tonalidade de cor muda do preto para tons de cinza, no fundo um céu avermelhado anuncia a aurora e mostra as ruínas da destruição que o monstro deixou ao passar. A primeira cena do monstro imperialista, é uma alusão ao filme de produção alemã Fausto25, de 1926, direção de F.W. Murnau (1988-1931), adaptado da famosa peça homônima de Wolfgang Goethe. Nesta fita, 25

Faust, Eline Deutsche Volkssage,1926.

46 numa das primeiras cenas, Mefistófeles surge com asas abertas, gigantesco, no horizonte sobre a cidade na qual vivia Fausto.

Fig. 32: O Novo Espírito

Fig. 33: O Novo Espírito

Fig. 34: O Novo Espírito

A composição das cores está a todo momento fazendo distinção entre os inimigos. Os aliados representados sempre por cores claras e sólidas, com contornos que remetem a uma estética realista, como antes descrito, para o observador não ter dificuldades em distinguir o que pertencia aos Estados Unidos do que concernia à Alemanha (fig. 33). A representação desta é grosseira e esteriotipada e aos poucos, no decorrer dos cartoons produzidos, foi ganhando formato como um discurso visual antinazista. Os cartoons aqui analisados seguem a cronologia das produções e demonstrarão a estruturação continuada deste discurso.

3.4 EDUCAÇÃO PARA MORTE (EDUCATION FOR DEATH) DE 1943 A análise deste cartoon foi orientada pelo texto de Bárbara M. de Velasco (VELASCO, 2008). No ano de 1943 os estúdios Disney fizeram uma análise profunda do comportamento nazista, buscando suas raizes, contando a história de uma criança que nasceu na Alemanha e que estava sob o regime nazista. Educação para morte título do cartoon, mostra como tal regime totalitarista doutrinava e construia um soldado perfeito. Este talvez seja o ano mais expressivo dos curtas produzidos sobre a Alemanha nazista, pois uma parcela destas animações são produções dos próprios estúdios Disney, os quais, embora tivessem que ser aprovados pela Divisão de Cinema, eram feitas por inicitiva do próprio estúdio, como no caso desta. Essa política de produção pode ser relacionada a uma questão fundamental: a produção de filmes a respeito da guerra estava em alta devido ser o momento em que o conflito já estava tomando os rumos decisivos. Deve-se lembrar que o conflito sofreu uma virada com a Batalha de Stalingrado e reviravoltas no campo de batalha no Pacífico à favor dos EUA.

47 Nas produções Disney este curta é o mais importante, pois estabeleceu um padrão de representação visual para os cartoons posteriores que continham a imagem do nazimo e de Hitler. Outro ponto importante a se destacar é que nos anos finais da guerra, as produções dos estúdios dariam maior ênfase à representação dos japoneses. No dia 5 de janeiro de 1943 foi apresentado nas salas de cinema de todos os Estados Unidos e Canadá, Educação para Morte. Diferentemente das animações anteriores, nesta não havia participação de nenhum personagem americano, ou mesmo de qualquer dos Aliados. Era um cartoon com o enredo muito duro que contava a história do pequeno Hans, uma criança que nasceu na Alemanha, a narrativa de sua vida, de sua doutrinação até seu alistamento nas forças armadas. Os produtores dos Estúdios Disney buscaram na literatura a referência para criar o cartoon e encontrou em Gregor Ziemmer (1899-1982), um educador que morara em Berlin, entre 1928 e 1939, que lecionava na Escola Americana de Berlim26. Ziemmer escreveu um livro com o título de Educação para morte: a fabricação de um nazi (Education for death: the making of the nazi) (Fig.35), elaborado a partir de suas experiências nos sistema educacional da Alemanha. O autor teria acompanhado de perto todo o regime de doutrinação elaborado pelo sistema pedagógico da Alemanha Nazista. Esta obra teve repercussões nos anos 1940 e algumas de suas passagens lidas pelos promotores no Tribunal de Nuremberg27, utilizado como documento de acusação contra Baldur Von Schirach (1907-74), líder da Juventude Hitlerista28. O nome de Ziemmer surge nos autos do tribunal várias vezes, quando Baldur presta depoimento.

Fig. 35: Educação para Morte

26

American School em Berlin Tribunal realizado em 1 de novembro de 1945 à 1946. No banco dos Réus estavam os oficiais nazistas sendo julgados por seus respectivos crimes contra a humanidade. 28 Hitler-Jugend 27

48 Sob a direção de Gerry “Clyde” Geronomi (1901-1989), com adaptação de Joe Grant (1908-2005), este cartoon transporta o espectador a ambientes escuros com pouca luminosidade, onde as pessoas “comuns” vivem sob o medo constante de um estado assombroso e pervesso (Fig.36). Vale destacar que os posicionamentos dos personagens civis sempre são em locais que ao observar os militares, estes sempre estão em pontos mais altos do cenário acima dos civis que sempre olham de baixo para cima (Fig.37), na perspectiva de imposição de poder. Art Simth(1899-1973) foi o tradutor e Narrador para o inglês e devemos destacar que todos os diálogos no curta são em alemão.

Fig. 36: Educação para Morte

Fig. 37: Educação para Morte

A Mãe de Hans e seu pai, no primeiro instante do curta, aparecem indo ao serviço de registro, para registrarem seu filho recém nascido, tendo que comprovar, por meio de documentação, que são pessoas de sangue puro (arianos), para que a criança seja reconhecida como (Fig.38). O funcionário nazista tem uma lista de nomes os quais não podem ser escolhidos pois são proibidos pelo estado (Fig.39). Este não apenas exerce a intimidação, ele impõe controle total sobre todas as pessoas, de maneira que as individualidades não existem neste contexto. Quando registrado, é dado aos pais de Hans um exemplar de Mein Kampf, livro escrito por Adolf Hitler, quando este estava preso em 1925 (Fig.40)

Fig. 38: Educação para Morte

Fig. 39: Educação para Morte

Fig. 40: Educação para Morte

49

O filme começa com uma curta adaptação do conto de fadas Bela Adormecida (Fig.41): o príncipe luta contra a bruxa e acorda princesa com um beijo. Contudo, adaptação é a forma encontrada por Ziemmer para denunciar como é implantado na consciências das crianças a doutrinação nazista. Esta é a primeira prática de doutrinação e da construção de Hitler como um símbolo heroíco. Este conto descreve como o príncipe e herói salvou a adormecida Alemanha, subindo seus gráficos econômicos de forma nunca vista. Assim a Bruxa (Democrácia) foi afugentada por uma nova promessa, o Terceiro Reich.

Fig. 41: Educação para Morte

Quando finalmente é revelado que o príncipe é o próprio Hitler, este esbravejava coisas sem sentido. Esta adaptação de A Bela Adormecida esta presente no obra de Ziemmer, porém, serviu para Disney de forma perfeita, pois em suas produções já eram comuns a atuação princesas esperando por seus príncipes encantados, buscando para sí

a utopia

melodramática do “ felizes para sempre”. Em Educação para Morte, como dito antes, a diferença é que Hitler era o principal salvador, mas o uso do príncipe na curta tinha um fim irônico – trata-se de um falso “príncipe”, um diabo disfarçado (Figs.42 e 43).

Fig. 42: Educação para Morte

Fig. 43: Educação para Morte

50

A representação da princesa é alimentada por um esteriótipo que generalisava as mulheres da Alemanha de forma depreciadora, marcada pela bebida e pela obesidade (Fig.44). Além disso, pode ser observado o padrão estético que é apregado às mulheres da América, uma vez que em Razão e Emoção (Reason and Emotion de 1943)29, a obesidade para uma mulher era algo reprovavél. Isso revela, numa retórica visual negativa, a instituicionalização dos padrões estéticos da mulher. O conservadorismo está nos discursos de representação destes produtores, uma vez que, a obesidade era representado pelos Estúdios Disney como um resultado de uma atitude sem consciência, o consumo sem propriedade e responsabilidade gerava o desperdicio e a obesidade. Na guerra a produção estava destinada aos campos de batalha, os produtos eram acessiveis a sociedade civil americana, contudo cada dólar gasto sem consciência como um desperdicio de dinheiro30.

Fig. 44: Educação para Morte

A figura da Alemanha como mulher era enfatizada pelo narrador como a Alemanhanação, para a qual Hitler foi o salvador. Tal discurso foi pregado pelos próprios nazistas, que viram no Fuhrer e em suas políticas econômicas e de eugenia a forma mais coerente para salvar o povo Alemão. E será este falso príncipe o herói de Hans (Fig.45).

29 30

Será analisado no próximo capítulo como um cartoon que trabalha para a autoimagem americana. No próximo cartoon Espírito de 43 esse tema é discutido com mais profundidade.

51

Fig. 45: Educação Para Morte

Na cena seguinte, Hans está deitado doente em uma cama, acompanhado por sua mãe nervosa (Fig.46), pois o governo recolhe as crianças doentes e elas desaparecem. A ornametação do ambiente é muito importante já que ela metaforiza a sensação de medo da mãe de Hans, um perigo que o estado representa. A voz da mãe de Hans é trêmula, seus traços leves, com pouca luminosidade, e, súbito, uma mão truculenta bate à porta. Surge a silhueta de um soldado nazista que faz ameaças e recomendações a mãe de Hans para que o menino melhore, ou será levado. A tonalidade da cena é sempre agressiva (Fig.47).

Fig. 46: Educação Para Morte

Fig. 47: Educação Para Morte

Quando Hans está melhor, ele vai à escola, ambiente cujo sistema pedágogico é posto em análise. Os ambientes têm sempre as mesmas cores, muito vermelho e suásticas estão em destaque. Os quadros de Hitler (Fig.48), Gröring (Fig.49) e Goebbels (Fig.50) estão em destaque na sala de aula e antes desta começar, todos fazem o juramento de honra de fidadelidade ao Terceiro Reich.

52

Fig. 48: Educação Para Morte

Fig. 49: Educação Para Morte

Fig. 50: Educação Para Morte

A lição é “história natural”, o exemplo da raposa que devora o coelho, que é uma ilustração do processo de seleção natural31, porém este conceito foi distorcido com a adtaptação dos estudos de Darwin para a análise social racista em sua versão de Darwinismo Social nazista. Assim, o conceito de mais adtaptável foi distorcido para superior, justificando as políticas de limpeza racial. O menino Hans é repreendido quando, na explicação, sente piedade do coelho por este ser “naturalmente” mais fraco que a raposa. Ele é punido, enquanto é demonstrado que a raposa/Alemanha Nazista deve prevalecer sobre o mais fraco (judeos, ciganos, homossexuais, negros, deficientes em geral, etc.). Hans assim aprendeu a lição: brutalidade, ódio violência. Agora ele estava pronto para servir e somente via o que o estado permitia; não falava, apenas saudava e marchava, marchava e saudava. Ao término deste curta os símbolos mais importantes da sociedade americana são destruídos. A Bíblia é substituida por Mein Kampf (Figs.51 e 52), a cruz dá lugar a um punhal e à suástica reluzentes. O nazismo não é apenas um posicionamento politico, mas uma doutrina e uma religião (Figs.53 e 54).

31

DARWIN, Charles. Origem das Espécieis. 1859

53

Fig. 51: Educação Para Morte

Fig. 53: Educação Para Morte

Fig. 52: Educação Para Morte

Fig. 54: Educação Para Morte

Em seguida, Hans surge marchando rumo à destruição (Fig.55), momento mais dramático, pois o espectador conhece Hans desde que era criança. O público está comovido com o rumo que este curta toma, porém como já era esperando, este momento não seria evitado. Hans foi doutrinado para morrer, o narrador enfatiza isso nos segundos finais quando deixa claro que Hans não é mais um indíviduo, ele agora é um coletivo (Fig.56). Seu próprio rosto deixa de ser visível, oculto por uma máscara (Fig.57). O filme encena o medo do homem massificado, transformado em componente indiferenciado da massa doutrinada e sem pensamento próprio, alinhado para a batalha e destinado à morte. As cores neste momento são escuras, a trilha sonora é drástica, ritmada e marca o passo a passo da marcha para o fim.

Fig. 55: Educação Para Morte

Fig. 56: Educação Para Morte

Fig. 57: Educação Para Morte

54

Com o desenvolvimento nas análises das produções da Disney, é possivel observar que ocorreu um “amadurecimento” na imagem do nazista, antes representado apenas por comportamentos que eram considerados antipatrióticos. Houve um progressivo afinamento da representação do nazista de Disney, a busca por fontes de informações para validar a imagem mostrada na fita, uma vez que em Educação para a morte, os produtores tiveram que procurar uma fonte que não seja as que foram criadas por eles. Importante destacar que esta fita, de 1943, foi a mais arrojada produção dos estúdios Disney sobre o assunto, e que também seria o único cartoon com a representação direta do nazista e do nazismo tendo estes no centro do enredo.

55

4. OS ALIADOS E O OLHAR NO CARTOON PARA SUA IMAGEM

No capítulo anterior foram analisadas as representações estereotipadas dos nazistas estabelecidas pelos americanos. Compreendemos que o cartoon foi um dos canais propagadores destas imagens padronizadas e caricaturais. Deve-se observar que esta imagem foi institucionalizada na sociedade americana com base num espelhamento do que ela própria determinou como oficial. Neste capítulo, será feita a análise referente à autoimagem criada pela sociedade americana na perspectiva do cartoon, que se pode depreender por parte de sua representação do “outro”. Enfatizaremos agora a apropriação dos elementos do simbolismo patriótico no discurso institucionalizado das produções dos Estúdios Disney, mostrando como, ao mostrar os alemães nazistas, as animações estavam criando uma identidade americana oficial. Ao nos depararmos com filmes sobre a segunda guerra temos como referência as produções de estúdios dos Estados Unidos, filmes como, por exemplo, O resgate do soldado Ryan32, de 1998, o premiado A Lista de Schindler, de 199333, Casablanca34, de 1942, O Preço da Glória35, de 1949, entre outros. Da mesma forma que nestas produções que lidaram com a segunda guerra, sempre surgem cenas com discursos inflamados de patriotismo regados com moralismo, nos desenhos animados este moralismo patriótico tinha um forte peso ideológico. Como recurso melodramático o maniqueísmo moralista patriótico é fácil de ser compreendido pelo espectador, permitindo-lhe compreender que existe um mal a ser combatido com o bem. Este último sempre tem de vencer, mesmo que deixe sequelas. As animações, de forma engenhosa, conseguem difundir seu discurso utilizando-se do melodrama altamente carregado de cômico. O cartoon torna o trágico em cômico, tendo o poder de metamorfosear as reações que não são recebidas de forma positiva pelos espectadores de forma lúdica. Os cartoons foram à guerra e dela fizeram paródia cômica do que era, na verdade, trágico. A busca por investimentos para o fornecimento de logística no campo de batalha fez dos cartoons um dos principais meios propagandísticos. O tema da guerra estava em todos os

32

Saving Private Ryan, dirigido por Steve Spielberg. Schindler´s List também dirigido por Steve Spielberg. 34 Dirigido por Michael Curtiz 35 Battleground, realizado por William A. Wellman. 33

56 jornais, nas rádios e nos cinemas. As pessoas buscavam um momento de descontração e ociosidade, os quais viam filmes, musicais e cinejornais, nestas mídias havia sempre informações sobre o que estava ocorrendo na Europa e na Ásia. Existia o sentimento de medo vindo do Leste no imaginário popular (a imagem de que, a qualquer momento, um avião da Lutfwaffe despejaria toneladas de bombas nas cidades da América do Norte), assim como lembranças de um passado extremamente próximo assolavam as pessoas dos Estados Unidos, as quais temiam ataques iguais aos ocorridos em Pearl Harbor em 1941. Os cartoons produzidos para servirem ao esforço de guerra sempre eram pensados de forma precisa. Os personagens a serem utilizados deveriam cativar o público. O personagem mais utilizado nas produções dos Estúdios Disney foi o Pato Donald, cuja afinidade com o público era altíssima, e sendo protagonista de muitos vídeos de propaganda patriótica e bélica. A forma como Donald reagia às situações o aproximava do público, sendo uma personagem simples, correto, mas volúvel, uma junção das qualidades do que se atribuía ao espectador médio idealizado pela indústria cinematográfica de então. As reações psicológicas de Donald eram comuns, sendo famoso o fato de que pragueja palavras das quais não se pode fazer distinção, como se fossem palavrões. Uma interessante anedota é o cartoon Os Limpadores de Relógios (Clock Cleaners), de 1937, que foi retirado das prateleiras do Wall-Mart sessenta anos depois de sua estreia, após ser acusado, pelo reverendo Donald Wildmon, líder da Associação da Família Americana,36 de ter uma cena na qual Donald usaria linguajar chulo. Donald nascey na década de 1930, em um cartoon com o título de The Wise Little Hen de 1934, curta que relata a vida no campo de forma cômica. Existe uma diferença entre Donald e Mickey. Não se pode deixar de perguntar, por exemplo, por que os Estúdios Disney não utilizaram Mickey37 para fazer as campanhas publicitárias bélicas, tendo em vista que, este personagem era conhecido pelos que frequentavam cinema desde o inicio da década de 30? Ora, Mickey já servia de símbolo para as produções dos Estúdios em geral, era a marca e o contorno que representavam a empresa. Ele não podia ser arriscado por seus criadores, uma vez que estes teriam que desconstruir a imagem (conservadora e moralista) que Mickey havia conquistado e que tanto estava concretizada nas produções dos Estúdios. Além do mais, o público deveria receber a mensagem sobre as medidas políticas de forma “espontânea” evitando o sentimento de obrigatoriedade. Mickey era unidimensional enquanto personagem e não seria mais eficaz que Donald, personagem volúvel e contraditória, a qual, por exemplo, se 36 37

American Family Association. Sua primeira aparição foi em 1928 em Plane Crazy.

57 recusava, num primeiro momento, a ser solidária às causas solicitadas pela propaganda do Governo, como vimos, por exemplo, em A Decisão de Donald, de 1941. Neste filme, ele estava refestelado em uma rede espreguiçando-se, ao ouvir as noticias no rádio, as quais falavam que as pessoas deveriam economizar para comprar Certificados de Guerra. Esta fita inseria a guerra na vida das pessoas, assim como caracterizava a reação das pessoas diante da necessidade do governo como um dever da democracia. Os Estúdios da Disney trabalhavam de forma cuidadosa os valores morais e civis dos Estados Unidos, em 1942 as produções foram trabalhadas diretamente pela Divisão de Cinema dos EUA, a mesma que se encarregou de enviar e importar símbolos culturais para a/da América latina. Era a política da boa vizinhança em defesa da liberdade das “Américas”. A maioria das produções do ano de 1942 foram filmes dos estúdios Disney direcionados para as forças armadas, documentários, que levavam informações a respeito da manutenção de armas, assim como estratégias de combates ou sobre navios e aviões.

4.1 TODOS JUNTOS(ALL TOGETHER) DE 1942 Feito especialmente para comemorar o contrato com o Canadá, precisamente para a National Film Board Of Canada38, este curta é a junção de outros cartoons anteriores. Os Estúdios já tinham feito três curtas anteriores para o Canadá, os quais foram: A Decisão de Donald, o Porco Econômico39, Os sete Anões Sábios, de 1941, este último uma adaptação feita com recortes do clássico Branca de Neve e os Sete Anões de 1937. Todos Juntos tinha outra proposta ao promover um desfile dos principais personagens dos estúdios Disney diante do prédio do Parlamento Canadense, usado no decorrer do cartoon, como imagem de fundo. O início de Todos Juntos, é representado por uma junção da bandeira do Império Britânico com a bandeira canadense, porém, como o título sugere, a música de fundo é “A Bandeira Estrelada”

40

, hino dos Estados Unidos. A representação do parlamento canadense

(Fig.58) é composta com cores sólidas estáticas este recurso é utilizado frequentemente, quando se queria tornar “real” alguma imagem.

38

Órgão público que produz e distribui filmes e outras obras de audiovisuais que reflete o Canadá para os canadenses e o resto do mundo. 39 Ambos estão no capítulo anterior. 40 The Star-Spangled Banner determinado como hino oficial em 1931.

58

Fig. 58: Todos Juntos

O primeiro a surgir na comissão de frente é Pinóquio seguido por seu pai Gepeto, que o auxilia segurando uma bandeira vermelha, com a frase estampada em preto: “Todos juntos para salvar a guerra” (Fig.59).

Fig. 59: Todos Juntos

Seguido por Fígaro, um pequeno gatinho que estreou em Pinóquio, trazendo consigo, amarrado em seu corpo um balão com a palavra compre41. Na sequência, marcando o passo da marcha, Donald, trajando o uniforme tradicional da Real Polícia Montada do Canadá42, símbolo canadense, acompanhado dos sobrinhos que carregavam mochilas cantis e placas em azul com inscrições em amarelo: “5 para....”. Pluto, em seguida, coçando-se por causa de um balão azul amarrado em seu corpo, ao ver que esta atrasando, completa a frase com o número escrito em seu balão: “4” completando a frase “5 para 4”. Um carro alegórico entra em cena com Mickey e sua orquestra de animais do celeiro (Fig.60 e 61). Mickey marca o ritmo da música, ele é o maestro, e o atrapalhado Pateta está se esforçando para conseguir

41

Get não tem uma tradução precisa. No caso deste contexto o termo correto seria comprar. Como este esta no infinitivo, o autor achou mais adequado utilizar “compre”, dessa forma, a continuidade da frase não fica comprometida. 42 Royal Canadian Mounted Police.

59 tocar vários instrumentos. Os sete anãos vêm em seguida, trazendo placas escritas todos Juntos para salvar a guerra43.

Fig. 60: Todos Juntos

Fig. 61: Todos Juntos

O cartoon foi uma representação na qual Disney requisitou todo o seu contingente em uma causa em comum que era o combate ao “mal naturalizado”. As mensagens direcionadas ao público procuravam estimular o sentimento cívico e patriótico com apenas alguns elementos cômicos. O mais importante neste cartoon era o investimento de cada centavo de dólar canadense na guerra. Num momento singular, as moedas ganham vida, marcham em fila com fuzis em suas mãos, subindo um aclive que representa os investimentos para a guerra em crescimento (Fig.71). Interessa observar, portanto, que todo o universo ficcional está comprometido com a causa da guerra e que o patriotismo existe em todos os personagens da Disney. Observe-se aqui, contudo, que não há sinalização de americanidade além da canção tocada no início do curta, uma vez que a fita remete ao Canadá e não aos EUA.

Fig. 62: Todos Juntos

43

All Together for war savings.

Fig. 63: Todos Juntos

Fig. 64: Todos Juntos

60 4.2 DA FRIGIDEIRA PARA A LINHA DE FOGO (OUT OF THE FRYING PAN INTO THE FIRING LINE) DE 1942. O cartoon Da Frigideira para a linha de fogo, de Bem Sharpsteen (1895-1980), foi o primeiro de uma série de cartoons direcionados ao público americano, em especial, às donas de casa dos Estados Unidos. Os personagens principais são Minnie e o seu cachorro Pluto. Ao analisar Minnie, compreendemos que sua personalidade nunca foi além de uma versão feminina de Mickey. Ela comporta-se com as mesmas reações esperadas para Mickey: ordeira e comprometida. Entretanto, na animação, Minnie tem um efeito importante e simples de cooperação patriótica com o governo. Como observado, a personalidade de Minnie, seu comportamento, partem de premissas moralistas. Seus comentários são poucos e muito simples. O enredo do cartoon girava em torno de Pluto, o cão de estimação de Mickey. O primeiro quadro do cartoon é uma frigideira de bacons com ovos, que por sua vez, tem sua cartunização muito próxima de uma fotografia realista. Aos cânticos felizes de Minnie, o simbolismo de uma mulher americana típica do estilo de vida americano, que prepara o café da manhã “tradicional” da dieta desta nação. Como uma boa dona de casa ela está feliz ao fazer suas atividades diárias. A próxima cena é a primeira aparição de Pluto nesta animação, comendo sua ração e se deliciando com o cheiro que emana dos ovos com bacon os quais Minnie os frita no fogão. Então, Minnie oferece óleo que sobra da fritura para Pluto, esse momento de alegria estonteante é interrompido drasticamente pela voz do locutor do rádio que protesta, de forma incisiva, para Minnie não desperdiçar o óleo, instante em que, os personagens do cartoon olham diretamente para a “câmera”, eles olham na perspectiva de primeira pessoa (Fig.65 e Fig.66). A ambientação é uma casa simples, não há destaque para o mobiliário, as proporções dos personagens é o elemento principal da cena, o diretor Bem Sharpsteen mantêm o diálogo como foco central. O cenário de fundo é limitado em tons de azul, cenário incomum para este período, pois com o desenvolvimento da tecnologia a cores, os Estúdios estavam desenvolvendo cenários mais “completos” com mais cores e elementos, tornando os ambientes mais complexos. Contudo, mantendo as cores sólidas, o principal objetivo era fazer com que a ação se destacasse. A imagem de fundo ocupava papel secundário.

61

Fig. 65: Da Frigideira para a Linha de Fogo.

Fig. 66: Da Frigideira para a Linha de Fogo.

O locutor de rádio que chama a atenção de Pluto e Minnie, requisitando as donas de casa da América para que estas não desperdicem os resíduos das frituras, pois os aliados precisam de milhões de libras44 de gordura para ajudar a ganhar a guerra. Com a gordura, pode-se fabricar glicerina para a fabricação de explosivos e munições. Na cena seguinte, um redemoinho de óleo de cozinha simboliza o desperdício praticado pelas donas de casa (Fig.67) dos Estados Unidos. Elas desperdiçam o que daria para fazer o equivalente a dez bilhões de balas, capaz de criar uma quantidade de munições que dariam sete voltas na terra (Fig.68). Cada frigideira é uma pequena fábrica de munições, a gordura que goteja da carne poderia afundar navios, o óleo das batatas fritas criariam bombas capazes de inutilizar submarinos. O locutor afirma que o desperdício do óleo daria a algum rapaz na frente de batalha uma munição extra, um quadro de Mickey prestando continência trajando o uniforme característico dos soldados dos Estados Unidos entra em cena. Em seguida, Pluto presta continência ao quadro de Mickey (Fig.69), como uma forma de reconhecimento e respeito. A ideia seria, mesmo que mesmo estando do outro lado do Atlântico, suas ações influenciam diretamente na decisão de vida dos que estão em combate.

44

Modelo de medida utilizado nos Estados Unidos, 1lb corresponde a 0,45kg.

62

Fig. 67: Da Frigideira para a Linha de Fogo.

Fig. 68: Da Frigideira para a Linha de Fogo.

Fig. 69: Da Frigideira para a Linha de Fogo.

A cena intrigante deste cartoon acontece quando, mesmo depois de todas as informações transmitidas a respeito da utilidade que o resíduo de frituras tinha, Minnie está com a mão na cintura e a outra com a frigideira na direção de Pluto. Ela pergunta se ele ainda quer o óleo de bacon com ovos. Como é perceptível, Minnie desprezou a informação enfatizada pelo locutor. Como reação moral, Pluto recusa (comportamento típico do pensamento “faça sua parte”). Sendo assim, ele faz o que é moralmente correto. Nos momentos seguintes da animação, ele ensina todos os passos necessários para acondicionamento do resíduo em um recipiente específico, assim como, o local adequado para guardar. Quando este estiver cheio, deve-se ir aos postos de coleta identificados com os selos Estação Oficial de Coleta Rápida (Official Fast Collecting Station) (Fig.70), dessa forma se estava cooperando patrioticamente, como diz a narração. Nos instantes finais, Pluto rejeita o pagamento do resíduo com moedas, afinal, como o posto de coleta também era um açougue, ele prefere sair com salsichas. Na última cena do cartoon, Pluto marcha (em cadência militar) de felicidade, e, em sua cauda é possível ver o símbolo maior do patriotismo americano, a bandeira (Fig.71).

Fig. 70: Da Frigideira para a Linha de Fogo.

Fig. 71: Da Frigideira para a Linha de Fogo.

63

Este cartoon não tem como elemento principal o entretenimento, sua história é muito corriqueira, não necessita do espectador aprofundamento na interpretação. Ele é uma propaganda governamental, entretanto, esta animação não só revela a necessidade que o governo possuía, assim como, deixa claro que a guerra está no dia a dia das pessoas mais simples. Todos estão envolvidos no esforço, até mesmo uma simples dona de casa, e seu cachorro ao preparar ovos com bacon, algo tão simplório, mas, significativamente, importante para a vitória. A representação utilizada pelo governo e pelos estúdios da Disney estabelece o sentimento que toda a sociedade deveria está envolvida com a guerra, a participação individual está entre os elementos fundamentais para a vitória dos Aliados. É perceptível que o ano de 1942 foi o período no qual melhor se caracterizou a imagem dos Estados Unidos no discurso antinazista. Não era apenas uma questão de diferença geográfica ou de lados opostos de conflito. Tratava-se de uma definição social e comportamental, ideológica e patriótica. As políticas de combate ao desperdício (Fig.72) eram frequentemente transmitidas nos meios de comunicações, a mulher teve sua participação de várias formas, até ajudando nas fábricas de munições, algo que foi fortemente criticado pelos mais tradicionalistas (TOTA, 2009, p. 167) .

Fig. 72: Da Frigideira para a Linha de Fogo.

A participação feminina na linha de produção bélica não era perceptível nos cartoons estudados, nos quais a representação da mulher sempre estava ligada a situações nos quais a mulher ocupava lugares sociais “tradicionais”, para o pensamento moral da época, como donas de casa ou como enfermeiras.

64 4.3 A FACE DO FÜHRER (DER FÜHRER’S FACE) DE 1943 O leitor deve ter atenção especial para este cartoon, o qual, apesar do título, tem um discurso mais direcionado ao público americano do que qualquer outro. Era um ano de tensão para a guerra é nesse ano que ela atingiria seu ápice. Países que antes assumiam posição de neutralidade agora entravam na guerra, como por exemplo, o Brasil. No início deste cartoon, o diretor Jack Kinney (1909-1992) destacou em primeiro plano o musical de mesmo título que a animação, criado por Oliver Wallace (1887-1963). A banda chamada “Oom-pah” (Fig.73) desfila nas ruas de Nazilândia, anunciando personagens com comportamentos totalmente diversos e controversos, que cantam alegremente uma música recheada de sarcasmos e ambiguidades. A cidade de Nazilândia é um paradoxo, nos instantes iniciais quando a banda marcha, é dado ao espectador conhecer este lugar. A suástica está em todos os lugares, não apenas nas construções humanas como também nos elementos naturais, (a natureza adota o simbolismo da suástica). Na ótica desse cartoon, o nazismo não está relacionado apenas a uma concepção política, ele dominou o ambiente a natureza, sendo as forças políticas dignas de culto por parte dos habitantes.

Fig. 73: A Face do Führer

Ao se apresentarem, os membros da banda se orgulham de serem puros e arianos. Contudo, o segundo personagem que está portando uma tuba45 possui a fisionomia de um japonês, apresentado com a cor da pele em tom amarelo (fig.74). O próximo a apresentar-se é um personagem misterioso (Fig.75), do qual não é possível identificar a nacionalidade. O cartoon procura deixar o sentimento no espectador, para que julgue qual seria a próxima

45

Instrumento de sopro característico em bandas marciais.

65 nação a aderir ao eixo. O mistério do personagem é relacionado às nações em 1942 que não aderiram a nenhum lado no conflito, prezando pela neutralidade. O quarto personagem o mais condecorado de todos, possui um comportamento questionável no conceito estabelecido dos nazistas nas representações dos Estúdios Disney, seus movimentos diferem dos traços brutos e agressivos que estavam representados nos cartoons, dificilmente este personagem estaria presente em uma animação financiada pelo Governo. Ele tem comportamento afeminado (Fig.76). É a primeira vez que um personagem com tal comportamento surgiu em um desenho dos estúdios Disney, marcado por produções de moral puritana. Neste cartoon, em especial, abre-se uma exceção às regras estabelecidas pela sociedade americana aos comportamentos morais que compõe as obras da Disney.

Fig. 74: A Face do Führer

Fig. 75: A Face do Führer

Fig. 76: A Face do Führer

Mussolini rouba a cena, aparecendo por trás de uma suástica estampada no bumbo da banda. Na cena seguinte, o personagem afeminado toca uma pequena flauta transversal, em seguida o personagem japonês, com sua tuba, faz a saudação característica do nazismo: “heil Hitler”

46

e ergue a bandeira do império japonês. Na próxima cena a banda volta a marchar,

desta vez a câmera segue em direção à casa de Donald, deixando a banda marchando em direção a esta. Uma pequena casa entra no foco da câmera, o zoom feito pela câmera em direção a janela, transpassando-a consecutivamente para dentro da casa, evidenciando a perda do direito à privacidade de Donald, que está em estado de constante vigilância: mesmo dormindo ele tem que prestar a saudação ao Führer. O despertador nazista de Donald alarma que esta na hora que levantar, porém ele defere um golpe que destrói o aparelho. Quando a banda passa por sua janela, Donald a fecha, como forma de livrar-se do barulho que vem de fora.

46

Uma releitura da saudação romana: sieg heil( salve a vitória), adaptada para heil Hitler(salve Hitler).Expressão usada pela primeira vez pelo ministro da propaganda nazista Joseph Goebbels(1897-1945).

66 Entretanto, Donald está em Nazilândia, neste lugar não existe privacidade, e uma baioneta de fuzil rasga a janela e o acerta bem no traseiro, lá de fora uma voz diz: “acorde”. Ao analisar o quarto de Donald vemos que ele é bastante precário, marcado por tonalidades de marrom. Sua cama é velha, não há sequer um cobertor. Na parte superior da cama encontra-se um quadro com a seguinte expressão: “heil doce heil”47, aos pés da cama, uma suástica complementa as decorações do quarto, as únicas cores fortes deste ambiente é o vermelho que compõe as cores do Terceiro Reich. Após ficar pé de forma involuntária, ele tem que saudar os três líderes do Eixo (Fig.77). Donald deve cumprir os rituais diários, ele não vive apenas em um regime totalitário, ele vive em um mundo onde o totalitarismo tornou-se religião. Donald ao fazer a saudação é dominado pela preguiça e decide voltar para a cama. Porém jogam-lhe um balde com água determinado que deveria se vestir.

Fig. 77: A Face do Führer

Ao trocar de roupa, Donald veste as roupas dos soldados dos exércitos nazistas. Donald parece feliz ao vestir-se como um nazista, porém, esta felicidade está ligada a cena seguinte: o motivo do sorriso é que o pato vai tomar seu café da manhã. Atrás de um quadro de Hitler, Donald esconde um preciso tesouro, dentro de um cofre, do qual retira um grão de café que está amarrado com um barbante. Ele mergulha o barbante na água com o intuito de fazer café, com muito cuidado, pois, ele está sendo vigiada – a silhueta de um guarda nazista passa pela janela. Então Donald guarda seu “tesouro” rapidamente, para não ser pego. Em cima do seu cofre ele tem um frasco de perfume no estilo clássico francês, neste está estampado: Aroma de Bacon e Eggs, ele dá algumas borrifadas na sua boca para sentir o aroma desta refeição tão americana. Na cena seguinte ele retira de uma gaveta o que parece

47 Heil Sweet heil.

67 ser um pão. Porém está tão duro, sendo necessário usar uma cerra de madeira para que Donald possa comê-lo. Os alimentos remetem ao café da manhã dos Estados Unidos. Donald os guarda como tesouros, coisas que para os americanos do período da guerra eram tão banais. O intuito era fazer com que o público (os americanos) visse o quanto é difícil à vida em Nazilândia. Ao quase acabar a refeição, um rifle com uma baioneta põe sobre a mesa um exemplar de “Minha Luta”(Mein Kampf). A banda entra em sua casa e o retira de lá, ele sai carregando o bumbo da banda e levando pontapés cada vez que a música fala “Heil”. O cartoon seguira para um novo ambiente, remetendo a zona industrial de Nazilândia (Fig.78). O ambiente é marcado pela cobertura de uma fumaça vermelha, um relógio toma o topo da torre principal, e, nas suas laterais, alto-falantes transmitem mensagens, sobre o “privilégio” de ser um trabalhador nesse lugar, assim como o regime de “48 horas de trabalho por dia” para o “Fuhrer”. Donald entra em cena prestando saudação aos soldados que estão em formação. Estes, no posicionamento da câmera, estão de costas para o espectador. Donald não apenas entra fazendo saudação, como é “auxiliado a fazer” com a ajuda de dois fuzis, com suas baionetas coladas nas costas do protagonista (Fig.79). A canção continua com um discurso sobre nunca ser escravo, frase obviamente utilizada de forma irônica. O trecho da música: “enquanto o Fuhrer pragueja e mente e grita e fica furioso. Nós saudamos, saudamos e trabalhamos para os nossos túmulos”.

Fig. 78: A Face do Führer

Fig. 79: A Face do Führer

Donald está diante do sistema de produção de munições. Ao ser feita a saudação é iniciado o expediente de trabalho. Tendo que ser rápido e a cada vez que o retrato de Hitler vem pela esteira, ele deve parar e saudar a imagem. Assim é o inicio de uma corrida frenética entre Donald e as munições que vêm em sua direção para que ele a deixe pronta, Sempre

68 sobre a vigília dos soldados. Quando uma voz de um alto-falante entra em cena, fazendo o seguinte questionamento: “Isso não é maravilhoso? O “Fuhrer” não é glorioso?”. Donald, quase em colapso devido ao ritmo insano no qual trabalhava, começa sua famosa praguejada e sua cabeça é circundada por baionetas. Uma voz bruta, fala para ele não ousar reclamar outra vez. O ritmo da produção torna-se maior ainda, deixando Donald à beira do colapso, no momento em que é oferecido o privilégio de férias, uma forma de dizer o quanto “bondoso” é o “Fuhrer”. Um cenário cai por trás de Donald, os animadores desse momento fizeram questão de destacar o quanto estas férias são frustradas, pois, no momento das férias, o personagem é mandado fazer exercícios para entrar em forma. Menos de vinte segundos depois suas férias acabam, sendo suspensas por um decreto especial do Fuhrer. Sobre a pressão outra vez de baionetas, o alto-falante fala que Donald escolheu fazer hora extra. As cenas seguintes é uma mistura de momentos de insanidade, nos quais mandam Donald ir cada vez mais rápido, quando surta dizendo que não suporta mais. Uma série de cenas sem nexos demonstram o quanto Donald está enlouquecendo. Quando uma explosão divide Donald em pedaços, ele acorda em um quarto, totalmente diferente do que havia em “Nazilândia”. Nesse ambiente é possível ver estrelas nas paredes, a mobília do lugar é nova. Donald está trajando um pijama com as cores da bandeira Americana. Aliviado no instante em que percebe que tudo não passou de um pesadelo, termina o cartoon abraçado a uma miniatura da estátua da liberdade dourada, com a seguinte frase: “Eu sou muito feliz por ser um cidadão dos Estados Unidos”. Ao fundo, cortinas com as cores e as estrelas da bandeira (Fig.88).

Fig. 80: A Face do Führer

A eficácia deste cartoon como ferramenta propagandística é incrível. Ele lida com os elementos que compõe o simbolismo material dos americanos e o propalado discurso dos EUA ser o país da liberdade, a terra dos sonhos. A experiência de Donald em “Nazilândia” é

69 uma demonstração de o quanto pode ser infeliz a vida de uma pessoa que vive na Alemanha. O cartoon é uma ferramenta de assimilação na qual o espectador que vivia nos Estados Unidos, em 1943, tenderia facilmente a fazer comparações a respeito de seu estilo de vida e da “Nazilândia”. Nesta não é possível ter direitos, nem mesmo os mais básicos, o sistema de trabalho o trata como escravo, a liberdade de se expressar não existe, o direito de escolher, comprar, falar, e da privacidade são inexistentes, as pessoas vivem em constante vigilância. Não há nenhum tipo de liberdade individual, todos estão aprisionados ao regime, não há saída. O cartoon aproxima Nazilândia a um limbo, onde Donald só tem que obedecer. Direito à liberdade foi um dos argumentos mais utilizados pelos cartoons. Quanto mais acentuada for a idealização da massificação e opressão do individuo nas animações sobre a Alemanha, mais significativa será também a idealização da liberdade na sociedade americana, que a concebia como um direito básico para todos. Assim em 1943, se você era americano, deveria lutar pela liberdade como direito de todos. A alegoria explícita da Alemanha na “Nazilândia” foi montada, assim, como um espelho negativo da América como terra da oportunidade, da liberdade e da democracia.

4.4 ESPÍRITO DE 43 (SPIRIT OF 43) DE 1943 A importância deste cartoon é descrita por Tota (TOTA, 2009, p. 170) como a melhor representação do otimismo de 1943. Será com a análise deste autor, que conduzirá a composição da analise deste cartoon. Foi a segunda vez que a arrecadação de imposto de renda seria utilizada em uma produção dos estúdios Disney. Este cartoon seguia a mesma linha de raciocínio de A Decisão de Donald de 1942: o maniqueísmo cristão, no qual, o bem tem sua representação validada pelo discurso moral e o mal se utiliza do discurso contrário. Este é um jogo de interpretações dos personagens, no qual a moral é o elemento que estabelece as regras. A cena inicial do cartoon é uma chaminé de fábrica apitando, na banda sonora ouvimos a expressão “pay day”48 e da fumaça expelida saem cifrões. Em seguida Donald entra em cena contando seu salário, caminha felizmente quando a sua consciência, representada por um personagem chamado de Poupador (Fig.81), perceptivelmente falando

48

Dia do pagamento.

70 como um escocês, e, vestindo de Kilt, (traje típico da Escócia), recomenda a Donald que seja cuidadoso, que ele guarde seu dinheiro para a ocasião certa. Donald concorda com a personalidade boa, porém segundo o narrador, o dinheiro guardado em seu bolso faz nascer outra personalidade o Gastador (Fig.82). Sua representação é precisamente eficaz para o americano da época, pois está vestido de zoot suit49. Ele incentiva Donald a gastar, mostrando que quanto mais ele gastar mais será feliz. O Gastador leva Donald até o “O Clube da Hora Ociosa” (The Idle Hour Club.), tentando seduzir Donald dizendo a ele que irá mostrar algo legal. Porém, o Poupador o puxa com um guarda chuva, dizendo que ele tem obrigações a serem cumpridas, retirando de dentro de sua camisa um cartaz, nele está escrito que dia 15 de março é o pagamento da primeira taxa do imposto de renda. Segundo Tota (2009, p. 169), “essa foi à primeira vez que tal imposto foi instituído para todos os americanos”. O primeiro cartaz é substituído por um segundo, com a data do dia 15 de junho para o pagamento da segunda taxa do imposto, consecutivamente 15 de setembro, 15 de dezembro. Informando que essa arrecadação alcançara taxas nunca vistas antes. Quando ele vai avisar a Donald as consequências de não ter o dinheiro suficiente para pagar essas taxas, o Gastador rouba o cartaz de15 de Dezembro das mãos do Poupador e o rasga alegando que isso é bobagem, para que Donald não ligue para isso, puxando Donald em direção ao clube. O pato Poupador intervém protestando que Donald não pode fazer isso, ele responde grosseiramente, questionando “por que não?”. O Poupador, utilizando do moralismo, fala que Donald tem que seguir pelo caminho certo e o mostra como seguir. Para mais uma vez, ele ser puxado pelo Gastador, que tenta convencê-lo a gastar, dizendo que o dinheiro lhe pertence. O “Poupador” diz que realmente o dinheiro é dele, mas que deve ser poupado para a vitória.

Fig. 81: Espírito de 43 49

Fig. 82: Espírito de 43

Usando um paletó jaquetão e calças que se afunilavam na barra. Característico pelo uso excessivo de tecido, típico de um traje de malandro nos Estados Unidos.

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No contexto do ano presente do cartoon, não é necessário atentar ao público sobre a guerra, como antes foi dito. Esta estava presente na vida das pessoas e os meios midiáticos da época contribuíram muito para isso. Começa um embate entre as duas consciências, ambas segurando Donald pelos seus braços, no direito o Gastador, no esquerdo o Poupador. Quando, de forma esperada, sabendo que este nem sempre de inicio agi da forma “correta”, Donald se mantém no meio, fazendo o Gastador voar por entre as portas do clube, tipificadas por portas iguais a de um Saloon, símbolo da perdição. Estas, ao se fecharem, adquirem o formato de suástica. Transformar objetos no símbolo é uma prática adotada com A Face do Fuhrer, fita a qual fora lançada a apenas sete dias antes de o Espirito de 43. O pato Poupador também foi arremessado na direção oposta ao Gastador e chocou-se contra uma parede de tijolos, e as estelas que estavam girando em sua cabeça vão em direção a uma janela, alinhando-se. O narrador pergunta o que Donald irá fazer. Porém a frase é proferida de forma direcionada ao espectador. A imagem na parede, expondo os tijolos (Fig.83), e as estrelas alinhadas na janela, no canto superior esquerdo, se transformam na imagem na bandeira dos Estados Unidos. Donald deve fazer a escolha: gastar ou poupar para pagar as taxas, então o narrador fala diretamente com o espectador, para que ele não esqueça que cada dólar que ele gastaria com o que não precisasse é um dólar que você ajuda no desperdício. No momento em que é dado a Donald o poder de escolher, seus olhos, quando observam o Gastador transformam-se em suásticas; da mesma forma, quando ele direciona o olhar para o Poupador, eles se transformam em duas estrelas. O pato Gastador está encostado na porta do clube, devido ao choque e é possível ver uma franja que está no rosto dele, ‘a qual remete ao penteado e ao famoso bigode que Hitler usava (Fig.84). Donald, ao se aproximar, dá um soco na cara do rosto do pato Gastador nazista.

Fig. 83: Espírito de 43

Fig. 84: Espírito de 43

72 No quadro seguinte, Donald entrega a sua declaração do imposto de renda junto com cédulas e moedas. O narrador destaca que para cada dólar que se usa para os impostos há outro dólar para os excessos, neste momento o pato Poupador, retira da boina de Donald uma moeda que, espertamente, escondeu. Em seguida, após Donald ter ido ao posto, o narrador fala da importância que este imposto tem para a “grande fábrica”. É quando começa então a segunda parte da animação que é um remake de O Novo Espirito de 1942. A cena característica, a chaminé usando o chapéu do Tio Sam, alardeia o ritmo das indústrias americanas, para a próxima cena mostrar várias chaminés das fábricas, enquanto o narrador, em exaltação, fala que estas trabalham dia e noite. Em seguida a animação leva o espectador a conhecer as fábricas de munições, em alguns momentos as máquinas possuem imagens de cavalos de xadrez (Fig.85), braços de metal (Fig.86) que derramam metal incandescente, em dados momentos, possuem características antropomórficas. Sob o discurso patriótico do narrador, exaltando que estas trabalham para fazer máquinas de guerra, (todos os tipos de armas). Na próxima cena não mais uma chaminé entra em cena, agora são várias, todas adornadas com cartolas do Tio Sam (Fig.87). Fazendo analogias aos pássaros e ao ato de voar dia e noite. As cenas seguem o mesmo formato de O Novo Espirito, só que desta vez foi incluído o discurso de combate aos excessos, impostos para navios, aviões, tanques, para o que ainda estava por vir com a guerra.

Fig. 85: Espírito de 43

Fig. 86: Espírito de 43

Fig. 87: Espírito de 43

Impostos para os que constroem as forças do mal que destroem a liberdade, a paz. O momento de exaltação máxima ao patriotismo, definido pela narração, é a luta dos americanos pela liberdade, o direito à liberdade de expressão e à liberdade para os que querem paz. Com os impostos a democracia era mantida em marcha. No céu a bandeira dos Estados Unidos (Fig.88) é formada por meio das nuvens e estrelas, no canto inferior, tanques, e nas laterais destes, aviões voando em formação.

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Fig. 88: Espírito de 43

O imposto de renda foi tema trabalhado dois anos seguidos, em 1942, com O Novo Espirito, e, com o Espirito de 43, porém um ano depois a situação econômica dos Estados Unidos é diferente, pois este era ano de recordes de arrecadação, como explicado na cartoon. Tota faz uma análise importante sobre o contexto que este envolveu: A política do esforço de guerra transformou o país. O que restava da Depressão desapareceu imediatamente. Costumava-se dizer que, durante a guerra, não havia um só desempregado nos Estados Unidos. Os americanos ou estavam trabalhando nas fábricas ou estavam lutando no teatro do Pacifico ou na Europa (TOTA, 2009, p. 170)

Esta arrecadação de imposto de renda foi significativamente importante para os rumos que a guerra iria tomar, pois os Estados Unidos superaram a economia do Eixo. Com uma indústria aquecida, assim como mais países aderindo à causa aliada, os Estados Unidos se tornaram o centro produtor da guerra. O país exportava suas armas para países aliados, da mesma forma, aquecia a economia destes países. Os russos já haviam vencido as tropas alemãs em Stalingrado. As forças anglo-americanas haviam dominado o norte da África e invadido a Itália e a guerra como um todo virava definitivamente de rumo. Neste cartoon é a autoimagem dos avanços das indústrias dos Estados Unidos que determina os moldes comportamentais adequados, que eram diversos dos comportamentos impatrióticos perdulários e delinquentes. Tota afirma ao falar do zoot suit: “Impatriótico porque se gastava muito tecido para confeccionar um “terno de malandro” cujo paletó chegava até os joelhos” (TOTA, 2009, p. 167). Como denunciado no cartoon, o desperdício era um ato antipatriótico. Em tempos de guerra, este comportamento poderia facilmente sofrer retaliações por parte das pessoas. Quanto mais se colaborava com o esforço de guerra, mais se poderia ser americano. O patriotismo pode ser facilmente comparado a um estado de espírito.

74 E assim como ser poupador era um ato nacionalista, o “mal” comportamento e o “mal” individuo eram definidos como próprios do inimigo.

4.5 RAZÃO E EMOÇÃO (REASON AND EMOTION) DE 1943. Neste cartoon apresentam-se as duas metades das pessoas comuns, a racional e a emocional, as quais travam uma luta para ver quem tem o controle sobre as ações das pessoas. Entre as animações de produções dos Estúdios Disney que utilizam da dualidade maniqueísta de bem e mal, certo e errado, Razão e Emoção é o cartoon que vai além. Os estúdios Disney, durante a guerra, estavam produzindo além de filmes encomendados pelo governo, fitas custeadas com recursos próprios. Esse cartoon está entre os que foram feitos pelos estúdios como forma de entretenimento, porém sua sátira está entre as maiores produções dos tempos de guerra. O layout inicial se diferencia das produções da época. Um fundo de cor preta com o nome: Uma Produção Walt Disney, e uma luz iluminando o nome da empresa, essa luz encontra-se no canto inferior direito, e o nome dos estúdios, no topo do mapa, centralizado. No próximo quadro uma balança feita de contornos amarelos e azuis no fundo de cor preta é uma alegoria do equilíbrio que dá inicio à narração, de que cada um nasce com a capacidade de entender, o que é a razão e o que é um sentimento, conhecido como emoção. Dentro de cada individuo é travada uma batalha incessante entre estes dois. Nos planos seguintes, Júnior, o protagonista, servirá para esta analise. Ele será acompanhado desde a primeira infância: por Junior ser um bebê, o narrador Frank Graham (1914-1950) enfatiza que é dotado apenas do Menino Emoção50; devido a suas poucas experiências ele desconhece a razão. É usado o recurso do zoom para adentrar na cabeça de Júnior, dentro da qual encontra-se o Menino Emoção, personificada, solitária no controle de Júnior. Os trajes que o Menino Emoção veste são roupas que remetem a hominídeos, estabelecendo uma clara relação de ser desprovido de civilidade, para que assim, no progresso da animação, o espectador faça a distinção precisa sobre estas mentalidades. Nos instantes iniciais do cartoon, a Emoção ainda é uma criança da mesma idade de Júnior, porém esta já está envolvendo o Júnior em problemas, como, por exemplo, estimulado

50

A utilização desse substantivo é importante para que seja possível melhor fluidez de leitura, pois a Emoção no texto é uma personalidade e também é um individuo.

75 pelo Menino Emoção, Júnior puxa o rabo de gato que está dormindo em um sofá. O ambiente em que Júnior se encontra está com vários objetos quebrados e manchas das suas mãos nas paredes. Toda essa bagunça é consequência do Menino Emoção, o qual está entediado. Assim sendo, ela expõe Júnior a situações perigosas, como no momento é que ele salta de alegria ao ver uma escada, e incita o menino para que

este participe do seu plano. Júnior,

diferentemente dos outros cartoons que lidam com estas dualidades, onde o protagonista tem o poder de decisão, apenas obedece sem expor nenhum tipo de reação. Notavelmente a relação do cartoon com as personalidades do protagonista difere das outras pelo fato de que estas não são elementos diretamente morais, como no caso de Espirito de 43; nem o dualismo cristão, no caso de A Decisão de Donald de 1942. Em Razão e Emoção (Fig.89) são as personalidades que dominam o individuo. Júnior, ao cair da escada, recebe o ônus de uma escolha errada feita pelo Menino Emoção, este entra em prantos, devido ao duro golpe recebido. Neste momento surge o outro personagem, que compõe a dualidade comportamental, na concepção da narrativa. O Menino Razão, na figura de uma criança que, está vestindo roupas modernas, trazendo, uma mala de viagens, com óculos e uma gravata borboleta. Importante observar que essa mala está com etiquetas postais. No discurso do Menino Razão, a voz infantilizada, porém com segurança e suavidade, coberta de conselhos morais, dizendo que a queda da escada serviu de lição para que ele e o Menino Emoção aprendam com a consequência dos atos. Em seguida o Menino Emoção questiona a presença do Menino Razão, e lhe dá um pontapé, quando aquele estava desprotegido, buscando algo dentro de sua mala, fazendo-o cair dentro da mala.

Fig. 89: Razão e Emoção.

No próximo quadro passaram-se muitos anos e Júnior é um homem maduro. Sua imagem em perfil é utilizada pela segunda vez para demonstrar o que se passa dentro da

76 cabeça dele. Anteriormente, quando Júnior era criança, o ambiente de dentro de sua cabeça era vazio, não havia presença de nenhum objeto apenas o Menino Emoção e o Menino Razão. Agora, quando este é um adulto, o interior de sua cabeça, faz alusão a um carro (Fig.90), Que está sento dirigido é crescido Homem da Razão, as roupas dele, são terno e gravata azul, e óculos, representando um indivíduo conservador e dotado de moralidade, sua fisionomia lembra a de um homem bem mais velho que Junior, demonstrando claramente que o Homem da Razão é mais experiente. No fundo do “carro” está o Homem da Emoção, sentado de forma inconformada e entediada, ainda mantendo suas vestes de homem das cavernas, porém sua barba está por fazer e seu penteado levemente desarranjado.

Fig. 90: Razão e Emoção.

O personagem do Home da Emoção é a caricatura de um dos animadores do cartoon, Ward Kimball (1914-2002), que usou ironicamente da sua imagem para fazer uma autocrítica. O Homem da Emoção faz um discurso, sonhando em ter o controle de Junior, porém é interrompido pelo Homem da Razão que questiona o porquê dele não se “autocontrolar”. No caso não é autocontrole, é o Homem da Emoção desejando tomar a direção do Homem da Razão, que fala que não haverá nenhum absurdo enquanto ele estiver no controle. Entretanto, o Homem da Emoção quer viver perigosamente saltando de alegria, quando Júnior ao passear pela rua vê uma linda garota de vestido vermelho, que está passando batom próximo a um poste de iluminação pública, pois já é noite. O enquadramento e profundidade utilizados enfatizam que estão em uma cidade grande dos Estados Unidos. O Homem da Emoção, em um momento de excitação e euforia, estimula Júnior a comporta-se mais uma vez sem pensar. O Homem da Razão fala que é uma falta de respeito para com as mulheres, fazendo-o rejeitar a proposta do Homem Emoção que manda sentar-se e comportar-se. Porém o Homem Emoção usa seu tacape e desfere um golpe na cabeça do Homem Razão fazendo-o desmaiar.

77 O Homem Emoção retira a Razão do banco do motorista, assumindo este lugar fazendo Júnior retornar até a bela dama. O Homem Emoção apresenta uma expressão que demonstra insanidade. Ao chegar até a garota, ele lhe faz uma proposta que não deve ser feita para uma mulher desconhecida, e, como consequência disso, ela o agride com uma tapa no rosto. Para ênfase do Narrador: “É isso que você ganha por não ouvir a Razão(ou o Homem Razão)”. Uma nova personagem entra no enredo, a garota que agrediu Júnior, também será analisada em sua personalidade. Da mesma forma que Júnior, ela também possui uma senhorita como Razão, que a dirige, e uma Senhorita Emoção de comportamento bastante questionável. Da mesma forma que o Júnior, a Senhorita Emoção está sentada ao fundo, entediada, enquanto a Senhorita Razão (Fig.91) está no controle. As roupas são elaboradas de forma bastante significativas. A Senhorita Razão está trajando roupas discretas, demonstrando que é uma dama, também usa óculos e aparenta ter mais idade do que a garota que ela controla. As roupas da Senhorita Emoção (Fig.92) são da mesma forma, para o discurso moral da época, questionáveis, ela esta vestindo um vestido curto de cor rosa deixando à mostra algumas partes de seu corpo, como, o colo e os ombros, com o cabelo amarrado na parte superior de sua cabeça. Ela está usando maquiagem forte destacando os seus lábios e cílios, assim como seus movimentos são vulgares, como cruzar as pernas nuas, comportamentos baseados na moral anglo-puritana da década de 40.

Fig. 91: Razão e Emoção

Fig. 92: Razão e Emoção

A Senhorita Emoção queixa-se, que precisa viver com mais “emoção”, apresenta-se querendo assumir o controle da garota, que como antes foi dito, procede de acordo com a personalidade (Razão x Emoção) que estiver na conduzindo a garota. No próximo quadro no restaurante, ao analisar o cardápio, inicia-se uma discussão entre elas e a Senhorita Emoção começa a agressão contra a Senhorita Razão tomando-lhe o controle da garota. Esta, excitada

78 ao ver tantas guloseimas dentro da cafeteria, começa a instigar a garota, fazendo com que ela coma compulsivamente, como consequência da detentora desta personalidade, ao ser controlada pela Senhorita Emoção, a garota começa a entrar em um estado de obesidade. Importante observar que, no momento do cartoon alguns medidores surgem, com alarmes que são ativados quando a garota passa dos “limites”. Trata-se da padronização do comportamento e da instituição das formas e do corpo, pois a obesidade é compreendida como o consumo exagerado (Fig.93 e Fig.94). Nos tempos de guerra, mesmo os Estados Unidos estando com uma receita nunca vista antes, as políticas de combate ao desperdício estavam entre as propagandas de mais destaque. No discurso dos mais conservadores da sociedade civil americana, estas eram medidas preventivas, pois a crise econômica de 29 deixara fortes traumas nas pessoas. Nas palavras do Narrador: “Aqui novamente é a prova de que a emoção (ou a Senhorita Emoção) no controle pode custar muito”. “Custar muito” não apenas para o indivíduo, uma vez que, na figura da garota ganhando proporções obesas, a imagem remete aos gráficos da economia (Figs. 93 e 94). Como dito antes, agir pela Senhorita Emoção é custoso não apenas moralmente, mas também economicamente.

Fig. 93: Razão e Emoção

Fig. 94: Razão e Emoção

Começa a segunda parte do cartoon, diretamente ligada à guerra. A primeira cena sobre a guerra é relacionada às noticias que os meios midiáticos estão fazendo. John Built é o novo protagonista do cartoon, John está sentado em um momento de repouso lendo um jornal esperando a hora para ligar seu rádio para ouvir as notícias. Ele está se mantendo atento a respeito da guerra e seus últimos acontecimentos. Quando estas começam, John entra em pânico, já que são assustadoras, falam da economia e da guerra, e o personagem fica à beira de um ataque de nervos (Fig.95). Porém a crítica estava em dar ouvidos a estes tipos de notícias. Como alegoria da situação, em alguns momentos, os personagens que aparecem ao

79 lado de John, como que materializações das notícias, transformam-se em um papagaio e um burro, enquanto jornais caem sobre sua cabeça, deixando John cada vez mais em estado de pânico. Num dado momento, por exemplo, a projeção de uma senhora é feita do seu lado direito, e esta se transforma em uma caveira (Fig.96), a qual faz fofocas sobre o recuo das tropas, dizendo que estas estão dançando. John entra em colapso com tantas informações que lhe causam medo e dúvidas.

Fig. 95: Razão e Emoção

Fig. 96: Razão e Emoção

Assim o zoom é mais uma vez utilizado, e, quando entramos na cabeça de John, vemos as duas personalidades discutindo: uma vez que as notícias causaram muito medo, Homem Emoção está enlouquecido, enquanto o Homem Razão tenta de alguma forma manter o controle. As demandas, os índices da economia fazem a Homem Emoção agir de forma irracional. Quando esta arranca a direção do carro para agredir a Homem Razão, o narrador interrompe. Alegando que tudo isto é obra de Hitler, que ele é um mestre em destruir “razões”, por captar a fraqueza das “emoções de medo, simpatia, orgulho e ódio”. Foi o que ele fez nas mentes do povo alemão. Neste quadro, a personalidade em análise é a de um “nazis superman”. O ambiente da mente de um super-homem nazista é composto apenas pelos dois personagens (Homem Razão e Homem Emoção) e um banco. Diferente da mente de um americano que é bastante complexa em detalhes, ao fazer alusão ao interior de um automóvel, no banco da mente do alemão está sentada apenas Homem Emoção, cuja imagem possui os elementos primitivos dos homens das cavernas, igual aos americanos, apenas diferindo no adorno sobre suas cabeças, um capacete com ponta de lança, igualmente utilizado na primeira guerra, pelo exército da Alemanha. No fundo, sentado no “chão” o Homem Razão está triste e desolado. Segundo o narrador, Hitler (Fig.97 e Fig.98) controla as pessoas por meio da Emoção. Primeiro pelo medo, fazendo o Homem Emoção sentir-se amedrontado, dizendo

80 para ter cuidado com a Gestapo51; Em seguida pela simpatia conquistando os “sentimentos” do Homem Emoção, justificando suas atrocidades, dizendo que é forçado a fazer pelo bem de todos; por fim, o orgulho das teorias raciais acerca da superioridade ariana, e, neste momento o Homem Emoção aumenta gradativamente de tamanho, na proporção, a Homem Razão vai encolhendo de tamanho, os discursos de Hitler deixam até mesmo a Homem Razão atraído por estes conceitos. Dessa vez o grande Homem Emoção está apontando um fuzil e sua baioneta para o Homem Razão que se encontra amarrado e aprisionado em um círculo feito por cercas de arame farpado, em cima de sua cabeça uma placa marrom com a expressão “concentração” (remetendo diretamente aos campos de concentração) (Fig.99) sobre as ameaças do Homem Emoção, que ao marchar ao redor do “campo” faz a famosa saudação nazista. Logo em seguida, um par de botas marchando em um cenário totalmente destruído aparece, sob o discurso que esta é uma “emoção louca, não deixando nada crescer em seu caminho”.

Fig. 97: Razão e Emoção

Fig. 98: Razão e Emoção

Fig. 99: Razão e Emoção

Retornando ao Home Razão e o Homem Emoção de John, mostrando aos dois as consequências de ações não pensadas, o narrador diz que existe uma solução para as questões. Dirige-se ao Homem Razão dizendo que o trabalho dele é planejar para distinguir, e ao Homem Emoção que, para ser forte tem que ter uma força primordial. O Homem Emoção que ama este país, sua liberdade, sua vida e juntos são fortes para enfrentar a luta contra todas as adversidades, com o Homem Razão no assento condutor, e com o Homem Emoção ao seu lado, para seguir em frente e fazer o trabalho que são determinados. No momento do discurso patriótico, a ambientação, que antes remetia a um automóvel, agora é um cock pit de avião, podendo ser compreendido como a militarização de John. As duas personalidades estão

51

Polícia secreta do Estado. Utilizada para garantir o domínio completo da população pelo partido nazista.

81 vestidas com uniformes da força aérea (Fig100). Na última imagem a representação do perfil de John (Fig101), está mais concreta mais realista, num espécie de culto às forças Aliadas. Na sequência uma esquadrilha de aviões voa em formação.

Fig. 100: Razão e Emoção

Fig. 101: Razão e Emoção

Este cartoon é composto de propagandas de valores morais. A imagem dos americanos na animação mostra a lógica inicial da balança. Para se alcançar o equilíbrio é preciso que haja um consentimento entre estas duas personalidades. “O valor democrático” mostrado de forma claramente explícita consiste numa personalidade com apoio mútuo da razão e da emoção, pois o domínio de uma delas apenas estabelece uma ditadura. De certa forma, este cartoon é uma crítica aos dois comportamentos, contudo, o mais perigoso é o domínio do Homem Emoção, pois quando este assumiu o controle, comportamentos perigosos são idealizados como possíveis. Quando o Homem Razão estava no controle, ele não permitia que o Homem Emoção se expressasse, não havia parceria, apenas ele seria capaz de ter opinião. O que também seria perigoso, visto que este controle causava o sentimento de rebelião e rebeldia no Homem Emoção. Assim a imagem de um americano perfeito estava no equilíbrio entre as duas personalidades, forma pela qual ele seria mais do que um individuo perfeito, mas um soldado da democracia. O dever com o patriotismo estava em todas as instâncias da sociedade americana, no período da guerra, ou melhor, na representação que os Estúdios Disney fazia desta, seja no simples ato de fritar bacon e ovos, ou na mais complexa analise de personalidade. A mensagem estava clara, existia um mal a ser combatido, e este mal estava mais perto do que se podia pensar, ele estava principalmente na relação que os indivíduos da sociedade possuíam com o espírito patriótico, pois não contribuir com as propagandas do Governo, faziam deste comportamento uma atitude nazista. Como dito antes, o nazismo desenhado pelos Estúdios da Disney, não estavam preocupados com a “real” relação do nazismo Alemão,

82 este nazismo seria a aversão da imagem americana, a típica analogia do espelho. E nesta, observo da forma que se faz mais cômoda, tendo em vista que muitas das representações Disney são o empacotamento de concepções. Por exemplo: Em A Face doFuhrer, o Eixo está relacionado unicamente ao nazismo, sendo a figura de Hitler o principal elemento. Neste cartoon a condição de individuo é extinta, apenas existindo a vontade do Fuhrer, um regime de onde não se é possível fugir, vesti como um pesadelo do qual Donald conseguiu acordar. Uma interpretação possível é que Donald, esteve no Inferno (Nazilãndia), e ao acordar descobriu que vivia no (céu), quando este proferi a benção de ter nascido nos EUA. Nos cartoons que são propagandísticos, estes por sua vez, exaltavam a participação individual, como sendo um elemento primordial para a consolidação da vitória dos aliados.

83

5. CONCLUSÃO

Nas primeiras representações de guerra, os cartoons não se deparavam com a ideia de promover a democracia americana, uma vez que o intuito de entretenimento das pessoas, de forma cômica, tratava da guerra mais como um tópico de enredo do que como um tema identitário. Com a Segunda Guerra, os Estúdios seguiram outro caminho, não apenas com o intuito de promover-se diante de um conflito que engajaria todas as indústrias dos Estados Unidos, mas também pelos investimentos financeiros que foram pagos pelo Governo. A representação do nazismo nas produções Disney passaram, entre 1939 e 1943, por uma intensa transformação de radicalização do discurso antinazista. No início, o nazista era um Lobo Mau que não fazia medo a ninguém, como diz a canção, pois ao comprar os certificados de guerra, o espectador poderia construir uma fortaleza, e lobo nenhum poderia causar danos. Porém, a guerra foi tomando novos rumos, a partir dos avanços dos exércitos de Hitler, e a entrada dos EUA na guerra após os ataques a

Pearl Harbor, instituiram

definitivamente o apoio americano aos Aliados, o qual passaria de apoio ideológico ao material. Neste momento, Hitler tornou-se numa consciência ruim, o Donald Diabo representava o “lado mau” enquanto o Donald Anjo era o poder do patriotismo com o qual todos deveriam colaborar, caso o contrário tal atitude fazia do cidadão comum um nazista diabólico. Em 1943, Disney apresentou aos Estados Unidos a face do inimigo, como, por exemplo, suas políticas educacionais. Em Educação para Morte os estúdios esbeleceram seu dever patriótico, mostrando o garoto Hans, que poderia ter nascido em qualquer lugar, mas que, por fatalidade, nasceu na Alemanha escura, brutal, agressiva, diabólica e nazista. Nesta, um louco príncipe levantou-a de sua prisão adormecida, uma mulher bêbada (uma Alemanha débil) que teve de ser carregada nas costas do príncipe/Hitler. Hans agradecido por tanta compaixão e amor tinha o príncipe/Hitler como um herói. O culto à figura nazista em Educação para Morte era a destruição dos símbolos sagrados e seculares. A sociedade, sob o poder politico do nazismo, estava sob um poder doutrinador que era confundido com o religioso em dados momentos. A representação nazista foi muito bem elaborada pelos Estúdios Disney, que se utilizaram dos valores comuns a sociedade americana, e, contrapondo-lhes aos equivalentes negativos, moldando o inimigo por meio da recusa aos comportamentos, atitudes, discursos estereotipados e negativos dos próprios americanos. Podemos compreender que a construção da imagem estava englobada dentro das políticas estabelecidas pelos Aliados, de maneira a

84 criar um “clima” ideológico na qual o “outro” tinha tudo de ruim que existia no “nós” americano. A construção da autoimagem dos americanos permeou pontos diversos, mas destacou-se o discurso de que a nação americana tinha como missão salvar todas as outras nações. É a nação da liberdade como um bem da humanidade. Diferindo da construção da representação do nazista, os cartoons estão alicerçados em símbolos existentes na sociedade americana. Eles são presentes na vida de todos os américanos. Este é o significado de Minnie, e sua colaboração tão importante para a vitória, já que Minnie deu a escolha a Pluto, e, ele, em respeito a sua nação, cumpre seu dever, para que assim toda a nação se beneficie desta atitude. Os americanos, em todos cartoons em análise, usam da liberdade como maior mérito. A liberdade é tão significativa, que o poder de consumo foi atrelado ao conceito de liberdade. Em contrapartida disso, a animação “denuncia” a privação da liberdade, em A Face do Fuhrer, pois os que vivem em Nazilândia sofrem por não ter direitos, o individuo vive em um regime confinador que escraviza, mas não apenas isso, que escraviza até o sentimento pois, não se pode nem mesmo esbravejar. O estado exerce constante vigilância, ele esta presente no dia dia das pessoas, em todos os momentos, determinando o que se deve fazer, e o que não se pode fazer. Diferentemente do americano, que é exaltado em O Espirito de 43, o qual pagando o imposto de renda cumpre seu dever patriótico. O curta dá razão ao moralismo tido por esta sociedade como correto, e qualquer ato de rebeldia torna-se um comportamento “nazista”. Não se pode dar ouvidos ao Donald Diabo de A Descisão de Donald. A exaltação ao poder bélico, a atruibição de uma forte industrialização, fazem parte dos cartoons propagandísticos do Imposto de renda. Nestes a exaltação pela indústria americana torna-se um ícone da cultura material americana. Ser patriotico é, na concepção dos Estúdios Disney, ser americano em sua plenitude material, pois o que podemos perceber nas analises do cartoons é que o americanismo, foi um ótimo mecanismo validador de políticas pró-guerras, tendo em vista que até mesmo o comportamento cotidiano era instituicionalizado pelos cartoons dos Estúdios da Disney, como mostra Razão e Emoção, animação que fez uma leitura psicológica de como é o “agir” patriótico, e como é o “agir” contrário a isso. Para essa representações, o nazismo é uma contrapartida do espírito da América. Recentemente no ano de 2001, quando houve os ataques ao complexo comercial World Trade Center, os Estados Unidos se engajaram em uma nova política imagética, a da luta contra o Terror, sendo os povos de origem arábe e de religião mulçumana alvos desta

85 nova política. A indústria cinematográfica dos Estados Unidos, realocaram o inimigo da liberdade e do patriotismo americano. Como afirma Santiago: Porém, os ideias do “patriotismo exarcebado” não acabaram com o final da guerra (segunda guerra), mal os escombros dos atentados de 11 de setembro de 2001 cessaram as repercussões, o governo George Bush, reprisando o velho truque de controlar os meios de comunicação, não só repôs o encardido “patriotismo” de volta à mídia, como também, ampliou a ideologia de que os Estados Unidos da América do Norte, na condição de nação presdestinada, tem o direito e o dever de policiar o mundo até banir o último “vilão” que ameace o american way of life. (SANTIAGO 2012 p.102)

Um resultado importante, revelado por esta pesquisa é que os Estados Unidos, por meio do uso da cinematografia, conseguiu de forma eficaz demonizar, diante de sua sociedade, o outro inimigo, uma vez que os discurso de privação de direitos aterrorizava a sociedade dos Estados Unidos nos anos 1940. Os “textos” que os filmes apresentavam partem de forma unânima do valor da escolha, seja como uma ação ou mesmo um pensamento. Os cartoons envolveram o espectador em situações nas quais foi posto em evidência sua relação com a moralidade. Da mesma forma, eles submetiam o espectador a decidir a favor dos EUA. Não apenas isso, ele intitucionaliza a imagem da sociedade nativa, isolando a partir da imagem do inimigo o que pode ser fonte de conflito interno, como o desperdício. Assim concluo a pesquisa descrevendo que, as representações criadas nos cartoons dos Estúdios Disney eram o olhar que a cultura dos Estados Unidos, afim de agariar investimentos para a causa de guerra, elaborou a partir do uso da indústria cinematográfica. A animação foi uma forma lúdica, rápida e eficaz de espalhar “doutrinas”, pregando o direito de escolha, o comportamento patriótico, e que os investimentos feitos, por cada cidadão americano, eram necessários para a manutenção da democracia e da liberdade. As animações pequisadas não eram apenas discursos antinazistas, mas também retratos do estilo de vida americano em sua plena idealização. Era necessário que todos os americanos se orgulhassem de estar na América.

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FILMOGRAFIA

ALICE'S Little Parade. Direção: Walt Disney. 1926. (6 min, 50 seg.), son., color. Legendado. ALL Together. 1942. (2 min, 58 seg.), son., color. Legendado. DER Fuehrer’s Face. Direção: Jack Kinney. Música: Oliver Wallace. 1943. (8 min.), son., color. Legendado.

DONALD'S Better Self. Música: Oliver Wallace.. 1938. (8 min, 25 seg.), son., color. Legendado.

DONALD'S Decision. Direção: Ford Beebe.. 1942. (3 min, 34 seg.), son., color. Legendado.

EDUCATION for Death. Direção: Gerry "clyde" Geronomi. 1943. (10 min, 11 seg.), son., color. Legendado.

GREAT Guns. Direção: Walt Disney. 1927. (6 min, 43 seg.), son., color. Legendado.

HUMOROUS phases of funny faces. Direção: J. Stuart Blackton. 1906. (3 min.), son., color.

NEW Spirit. 1942. (7 min, 23 seg.), son., color. Legendado.

OS TRÊS Porquinhos. Direção de Bert Gillett. 1933. (8 min, 41 seg.), son., color. Legendado.

OUT of the Frying Pan Into the Firing Line. Direção: Jack Kinney. Música: Oliver Wallace.. 1942. (7 min, 54 seg.), son., color. Legendado.

REASON and Emotion. Direção: Bill Roberts. 1943. (7 min, 55 seg.), son., color. Legendado.

87 SELF Control. Direção: Jack King. 1938. (8 min, 51 seg.), son., color. Legendado.

THE Barnyard Battle. Direção: Bert Gillett. Música: Carl Stalling. 1929. (7 min, 42 seg.), son., color. Legendado.

THE Pig Thrifty. Direção: Ford Beebe. 1941. (4 min, 11 seg.), son., color. Legendado.

THE Spirit of '43. Direção: Jack King. 1943. Son., color. Legendado.

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BIBLIOGRAFIA

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Shorts.

Disponível

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