CASA DE PEDRA: RESSIGNIFICAÇÃO E SENTIDO DOS OBJETOS

June 30, 2017 | Autor: A. Fonseca De And... | Categoria: Arquitetura, Arte, Sociedade, Artes Visuais, Cultura Brasileira, Paraisópolis
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CASA DE PEDRA RESSIGNIFICAÇÃO E SENTIDO DOS OBJETOS

Objetos na era pós industrial são meros utilitários para serem consumidos e descartados num curto espaço de tempo, no entanto, nem sempre foi assim. Houve um tempo que os objetos eram tão importantes que através deles podiase contar a história de uma pessoa - onde nasceu, cresceu se pertencia a uma família tradicional, respeitável, trabalhadora ou não, religiosa ou pagã - entre outros atributos sociais e culturais. O mesmo designo ocorria com as roupas. Valiosas, era usual serem dispostas nos testamentos dos aristocratas e camponeses na renascença européia, conforme relata Peter Stallybrass no ensaio “O Casaco de Marx”. As roupas eram avaliadas em moeda e atributo, pois seu valor estava atrelado à memória, classe e patrimônio cultural e social principalmente em relação a famílias de maior prestígio. Com a aceleração do capitalismo estas particularidades esvaziam-se e os objetos transformaram-se em pura mercadoria, um acessório para satisfazer o desejo dos consumidores. Falta-nos perceber que objetos descartados, trocados e esquecidos um dia tiveram sua importância. Neles, a história se faz presente, seja porque nos traz a lembrança de uma pessoa especial ou de um momento importante. Mas, como tudo não é estático e absoluto, recentemente conheci no bairro de Paraisópolis/SP, a Casa de Pedra, construída pelo morador, pedreiro e jardineiro Estevão Silva da Conceição, e lembrei-me destas questões apresentadas no preâmbulo. O projeto de Estevão iniciou-se há 30 anos tendo como base a casa que já existia no local, construindo posteriormente mais três andares com cimento, ferro, pedras e uma infinidade de objetos que escolhe cuidadosamente em brechós. São xícaras, pratos, pires, relógios, talheres, broches, óculos, pulseiras, bonecas, pedras, conchas, esculturas de santos, máquinas fotográficas e de escrever, carrinhos de brinquedo, quadros, entre tantos e incontáveis, que ganharam um novo sentido e espaço a partir da percepção e olhar de Estevão. Cada objeto tem seu lugar na Casa de Pedra para unir e compor com outros, e depois, são cimentados. Há uma memória afetiva em cada um deles, que a partir do projeto de Estevão encontraram propósito e ressignificado. Estevão migrou da Bahia para São Paulo no final dos anos 60 em busca de trabalho na construção civil. Em 1975 foi morar no loteamento que hoje está

localizado o bairro de Paraisópolis. Lá iniciou sua criação, e hoje o local transformou-se num ponto turístico e cultural. A Casa de Pedra é uma prática na vida do morador e artista que ultrapassa o conceito de uso e propriedade. Estevão relata que a idéia inicial foi de construir um jardim, mas como o terreno é pequeno resolveu verticalizar. Seu jardim está no topo da casa. Um jardim suspenso com grande variedade de plantas, algumas frutíferas, atraindo diversos pássaros. Percebe-se que existe em Estevão uma necessidade de estar próximo da natureza e o bairro é muito carente de praças e jardins. Com certeza o gosto em conviver com a natureza esteve presente na história de vida de Estevão na Bahia, e a trouxe na bagagem

para

São

Paulo

transformando

em

prática

seus

anseios,

resignificando o lugar que hoje habita. Arte, cultura, educação, patrimônio existem e coexistem em lugares que muitas vezes nem percebemos. Essa experiência possibilitou transpor a barreira do visível que a mercadoria, a cidade e o discurso nos impõem. A Casa de Pedra é um aprendizado na mudança de olhares, vieses e saberes. Permite a possibilidade de aproximações entre cidade e cidade periferia, de diálogo, troca de experiências entre cidadãos excluídos e marginalizados, e também, reconhecer em nós, novos pares.

Artigo e fotografias: Arlete Fonseca de Andrade

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